O DIREITO AO ESQUECIMENTO E O PROCESSO PENAL BRASILEIRO: A PONDERAÇÃO ENTRE GARANTIAS FUNDAMENTAIS NA ERA DA HIPER INFORMAÇÃO
28 de novembro de 2023THE RIGHT TO BE FORGOTTEN AND THE BRAZILIAN CRIMINAL PROCESS: CONSIDERING FUNDAMENTAL GUARANTEES IN THE AGE OF HIPER INFORMATION
Artigo submetido em 9 de outubro de 2023
Artigo aprovado em 18 de outubro de 2023
Artigo publicado em 28 de novembro de 2023
Cognitio Juris Volume 13 – Número 50 – Novembro de 2023 ISSN 2236-3009 |
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Resumo: O presente trabalho objetiva estudar especificamente a ponderação da aplicação do direito ao esquecimento para pró-egressos do sistema penitenciário, em equilíbrio com o princípio fundamental da liberdade de expressão e informação da sociedade. O conflito entre esses direitos essenciais remonta aos primórdios da vida em sociedade, onde o direito de um indivíduo se choca com o do outro. A definição dos limites desses direitos gera questionamentos sobre quem os arbitra. E a ascensão da tecnologia tem ampliado imensamente a dimensão desses conflitos. Esse trabalho aborda a questão do direito ao esquecimento. O desafio é assegurar esse direito sem restringir a comunicação ou bancos de dados. Dado seu caráter recorrente, renomados juristas se debruçaram sobre esse tema ao longo da história. Assim, o objetivo é refletir sobre esse tema, explorando a evolução desse pensamento, através de uma abordagem histórico-crítica e analisando as decisões mais recentes em casos que envolvem esses direitos fundamentais. Busca-se compreender, através do método dedutivo, como ambos são preservados e quais são os pilares que sustentam essas garantias em nossa formação como seres racionais, apesar das transformações na concepção da vida humana. Baseando-se na pesquisa bibliográfica, o processo exploratório e descritivo será conduzido através de uma abordagem que permitirá compreender as situações e relações no contexto, examinando dados e questões e explorando características do tema, envolvendo análises constitucionais, jurisprudenciais e leis específicas, contribuindo para a organização de ideias.
Palavras-chave: esquecimento; direitos fundamentais; liberdade de expressão.
Abstract: The present work aims to specifically study the consideration of the application of the right to be forgotten for pro-egresses from the penitentiary system in balance with the fundamental principle of freedom of expression and information in society. The conflict between these essential rights dates back to the beginnings of life in society, where the rights of one individual clash with those of another. Defining the limits of these rights raises questions about who arbitrates them. And the rise of technology has immensely expanded the dimension of these conflicts. This work, originating from the observation of the difficulties faced by former inmates when trying to reintegrate into the job market, due to the constant exposure of their pasts online, addresses the issue of the right to be forgotten. The challenge is to ensure this right without restricting communication or databases. Although it focuses on ex-offenders, it is crucial to consider who benefits from this right and the consequences of not enforcing it. Given its recurring nature, renowned jurists have focused on this topic throughout history. Thus, the objective is to reflect on this topic, exploring the evolution of this thought through a historical-critical approach and analyzing the most recent decisions in cases involving these fundamental rights. We seek to understand, through the deductive method, how both are preserved and what are the pillars that support these guarantees in our formation as rational beings, despite the transformations in the conception of human life. Based on bibliographical research, which involves a comprehensive review of published materials, such as books, theses and articles related to the topic, the exploratory and descriptive process will be conducted through a precise analysis. This approach will allow you to understand situations and relationships in context, examining data and questions and exploring characteristics of the topic. The studies will involve constitutional, jurisprudential and specific law analyses, contributing to the organization of ideas and resulting in comprehensive conclusions and answers.
Keywords: forgetfulness; fundamental rights; freedom of expression.
- Introdução
Levando em consideração o contexto histórico-crítico e a atual realidade da vida em sociedade, um dos grandes impasses do direito brasileiro é a ponderação entre direitos fundamentais, dentre eles, especificamente, o direito ao esquecimento e a liberdade de expressão, ambos vivendo seu momento mais conturbado, devido à uma característica da modernidade: a amplitude da facilidade de acesso ao mundo digital.
O conflito entre o direito ao esquecimento e a liberdade de expressão nada mais é do que um dos primeiros problemas a surgir na vida em sociedade, o direito de um vai até onde começa o do outro, mas quem dita o limite do direito de cada parte? Sendo um problema de raiz tão comum, é possível que muitos autores, que são referência dentro da área do direito, tenham analisado e debatido o tema ao longo da história, dessa forma, dentro desse projeto, nós acompanharemos a evolução do pensamento humano à respeito desse conflito, até o atual entendimento do homem moderno, considerando os aspectos da sua vida em sociedade.
Assim, esse artigo visa realizar uma reflexão sobre o tema, levando em consideração a evolução histórico-crítica do homem, até as últimas decisões tomadas nos casos em que ambos os direitos fundamentais entram em conflito, para verificar de que maneira esses direitos estão sendo garantidos e quais são os pilares da nossa formação como seres racionais que criaram essas garantias e as sustentam até hoje, apesar de tantas mudanças nos preceitos que regem a vida humana.
- Direitos e Garantias Fundamentais: Uma Contextualização Histórica
Os direitos fundamentais representam os pilares da sociedade, delimitam as áreas nas quais o poder estatal não deve intervir, segundo Pinto (p.127, 2009) eles são “direitos do homem jurídico, institucionalizados e amparados objetivamente em determinada ordem jurídica concreta”. Assim, podemos compreender que, segundo o autor, alguns elementos são necessários para que seja considerado um direito fundamental: é necessário estar numa sociedade estatizada, não há garantia fundamental sem que haja uma sociedade regida por ordenamento jurídico. Dentro dessa sociedade, para que essa norma seja considerada um direito fundamental, ela deve estar institucionalizada, não pode ser meramente um conceito abstrato do qual os indivíduos tem conhecimento e aceitam como sujeitos passivos, a norma deve estar prevista expressa e objetivamente, para que não reste dúvidas de que ela deve ser respeitada e não pode ser infringida de acordo com as vontades dos indivíduos ou do Estado.
Esses direitos devem estar em exercício contínuo na vida dos cidadãos e seu rompimento levaria ao abandono do Estado Constitucional Democrático, seus princípios são relevantes para compreender as constituições contemporâneas vigentes e o seu desenvolvimento se deu após séculos de esforços intermináveis.
Através de uma análise histórica apresentada por Carvelli e Scholl (p.167-186, 2011), podemos iniciar o acompanhamento do surgimento desses conceitos na sociedade greco-romana, onde os sofistas defendiam o conceito de um direito natural superior ao direito positivo, e os estoicos romanos entendiam o direito natural como uma lei da divindade, e, assim, absolutamente obrigatória, nenhum cidadão poderia se desobrigar dela, entretanto, não havia algo que limitasse a força estatal para proteger o indivíduo do Estado.
Dentre os documentos importantes para a evolução dos direitos fundamentais temos o instrumento jurídico intitulado Habeas Corpus, conforme Massaú (p.8.2008) “pode-se considerar o Act de 1679 como marco consolidador da importância deste instituto e que delimitou sua feição moderna”, surgindo como uma reação ao repetitivo abuso e violação dos direitos, vem, então, regular que ninguém deveria ser preso sem uma disposição escrita e que o preso deveria ser conduzido a um juiz regular dentro de determinado prazo.
Cunha (2018) expõe que existe uma relação entre a tomada de consciência da importância dos direitos humanos e a Segunda Guerra Mundial, pois, devido às grandes agressões à dignidade humana causadas por governos totalitários, em 1948 é que pode ser conquistada a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
3. Direitos Da Personalidade
Para Schmitt (p.33, 2021) o princípio da dignidade da pessoa humana desempenha um papel fundamental na proteção dos direitos da personalidade, uma vez que esses direitos emanam diretamente desse princípio, que é considerado a fonte primordial do sistema jurídico brasileiro. A Constituição Federal de 1988 traz uma nova percepção a respeito do homem como sujeito de direitos, dentre os seus artigos podemos identificar essa garantia da dignidade humana, reconhecida explicitamente nos seguintes artigos que seguem:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Art. 226.A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Podemos perceber que não só o conceito de dignidade humana amparado pela Constituição Federal de 1988 foi ampliado em relação ao anterior, como, também, é possível perceber que o Estado assume, nessa Constituição, o dever de garantir que esse direito seja devidamente executado através de ações de políticas públicas, que farão com que os que estão abaixo da linha de base possam ao menos atingir o padrão mínimo de qualidade de vida que possa ser considerado digna. Analisando com o que foi exteriorizado anteriormente, podemos dizer que estamos em face de direitos fundamentais da segunda dimensão.
Souza (2013) define a personalidade como um bem que serve ao sujeito para o pleno exercício dos demais bens inerentes aos seus direitos como indivíduo inserido numa sociedade, ou seja, são direitos concedidos para defender o que pertence aos indivíduos por direito, e o acompanham por toda a sua vida, abrangem diversos aspectos da vida humana, não podem ser taxados com uma única característica específica e suas mudanças acompanharão as mudanças da sociedade. Á medida que os princípios que regem a vida em grupo se alterarem, os direitos da personalidade passarão a incluí-los, como foi ao longo da história, o direito interfere na sociedade na mesma medida em que essa interfere na criação do direito.
Para Filho (p.35, 2014) os direitos da personalidade podem ser separados em três grupos, todos tendo relação com a integridade da pessoa física e se diferenciando em relação à física, à intelectualidade e a moral. A física diz respeito à vida, corpo e cadáver, enquanto a intelectual, se refere às manifestações do intelecto como autoria científica e literária, e a moral, que abrange a honra, liberdade, vida privada, intimidade, imagem e outros.
Para Schmitt (p.38, 2021) os direitos à intimidade e à vida privada têm como principal objetivo proteger o indivíduo em sua esfera pessoal e individual. Eles garantem o direito de cada pessoa de “estar só”, reconhecendo que, embora intimidade e vida privada sejam conceitos distintos incorporados em um conceito mais amplo, chamado direito à privacidade, eles englobam áreas na vida de uma pessoa que devem ser resguardadas contra a intromissão alheia. Isso abrange aspectos que envolvem o estilo de vida de cada indivíduo, eventos particulares ocorridos em contextos familiares, bem como, hábitos, atitudes, comentários, escolhas pessoais, vida familiar e relações afetivas.
4. Direito à Liberdade de Expressão
É a liberdade de expressão que permite que toda a opinião, sobre qualquer assunto ou pessoa, envolvendo temas de interesse público ou não, seja exteriorizado e propagado pelos mais diversos meios de comunicação, não se restringindo apenas à palavras escritas, mas, também, à outras formas de expressão. É o que defende Boldrini (2016) que “a necessidade de informação é inata ao homem, que desde os primórdios da civilização quer saber o que ocorre em sua volta”.
Torres (2013, p.51) exprime quão importante é para o homem moderno a liberdade de expressão, ao dizer que “não há vida sem que o sujeito possa expressar seus desejos e convicções”. Viver de acordo com certos princípios significa implícita e explicitamente expressá-los”. Assim, podemos dizer que é inevitável que o sujeito de direitos, enquanto constrói sua história, crie conteúdos de diversas maneiras, além disso, há a possibilidade de terceiros, que também são sujeitos possuidores de direitos que englobam a sua dignidade, registrarem as histórias vividas por esses indivíduos em diversas plataformas.
Defende, ainda, que a caracterização da liberdade de expressão como um direito acima dos outros, conforme previsto na antiga Lei de Imprensa, colocaria sobre esse direito a impossibilidade de ser limitado de maneira abstrata, nesse arranjo o direito em si só poderia ser controlado de maneira posterior ao dano causado, traz a noção de que o receio de limitar esse direito especificamente, tem relação com o passado político do país durante a Ditadura Militar, período de 1964 à 1985, que é marcado pela forte repressão do governo aos diversos meios de comunicações. E qualifica como inquestionável a relevância desse direito no propósito de consolidação da democracia.
A liberdade de expressão está prevista no art. 5° da Constituição Federal de 1988, nos incisos IV, V, IX,X e XIV:
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”
Porém, para Junior (2010), os valores consagrados nas normas constitucionais que podem ser ameaçados pela liberdade de expressão, como a dignidade da pessoa humana e a igualdade, constituem-se, também, como pilares sobre os quais se ergue o Estado Democrático.
Para Schmitt (p.43, 2021) a flexibilidade e a fluidez são atributos que podem descrever a natureza da privacidade e dos direitos da personalidade. A definição do que é público e privado é uma questão amplamente debatida, resultando em divergências significativas sobre a exposição de certos assuntos. Isso pode levar à interferências significativas nos direitos fundamentais, dependendo de qual aspecto é considerado mais relevante para a sociedade, afetando, assim, a preservação da privacidade.
Portanto, para além da proteção do espaço pessoal, o conceito de direito ao esquecimento pode ser visto como um meio para exercer controle sobre o fluxo de informações. Isso pode se tornar a base para a legitimidade de ações relacionadas ao gerenciamento dessas informações, permitindo que as pessoas exerçam controle sobre sua própria narrativa e história.
5. Direito ao Esquecimento
O direito ao esquecimento surge como um meio de tutelar o princípio constitucional da dignidade humana, já que o compartilhamento das informações, bem como a permanência de seus registros, pode demonstrar um prejuízo à essa dignidade e a infração da garantia desse princípio. É o instituto pelo qual o indivíduo tem o direito de ter as informações sobre acontecimentos pretéritos esquecidos no tempo.
Segundo Dotti (1980) o direito ao esquecimento consiste em não perturbar uma pessoa com o seu passado, desde que não seja de interesse público, proibindo a revelação do nome, imagem e outros dados que caracterizam a personalidade. Seus precedentes estão embasados na ideia de que os egressos do sistema penitenciário não sejam prejudicados ao procurar emprego e tentarem se reintegrar na sociedade, já que agora o empregador terá facilmente acesso à informação de sua condenação.
Para Martins (2021), essa divulgação de acontecimentos pretéritos acorrenta o indivíduo ao seu passado, amarra ele a uma narrativa contada de maneira imparcial e descontextualizada, impedindo a autoconstrução da identidade do mesmo e negando-o a habilidade de evolução.
Está previsto expressamente na Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso XLV, que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”. Bem como explica Alves (p.431,2010) “o princípio da pessoalidade estabelece que a pena não deve passar do indivíduo”.
Para Schmitt (p.30, 2021):
O direito ao esquecimento possui grande relevância no que tange à proteção da disseminação de conteúdos sobre determinado indivíduo, seria uma espécie de direito da personalidade, tendo em vista que visa a dar autonomia ao particular, dono das informações, sobre a gestão de seus dados e conteúdos atrelados ao seu nome.
O direito ao esquecimento não almeja apagar toda a história ou escrever uma nova vida para o sujeito que delinquiu, mas sim, regulamentar o uso de dados ou fatos passados, através da ponderação, de maneira que não afete a privacidade e a intimidade, harmonizando as situações fáticas em que a liberdade de expressão viola o princípio da dignidade humana. Em virtude de que não há caráter absoluto para nenhum direito ou princípio, muitas vezes esse direito vai ceder em razão do interesse público ou da coletividade. É preciso levar em conta, em cada situação, qual prejuízo seria maior, e resolver o dissídio recorrendo ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade.
O direito ao sigilo quanto à folha de antecedentes para aqueles que já cumpriram pena, é um exemplo de que os fatos devem ser lembrados por um tempo determinado, para depois serem esquecidos e não perpetuados. Na era da informação impressa isso era possível, hoje em dia, com a facilidade de acesso à internet, é praticamente impossível que uma notícia seja esquecida.
Para Bach e Stocco (p.263, 2020) “a ausência de fixação de prazo pela lei gera graves consequências práticas para o sujeito apenado”, referindo-se ao prazo para eliminar os maus antecedentes da ficha criminal do condenado. Fazendo com que se infrinja a vedação de penas de caráter perpétuo, prevista no Artigo 5°, XLVII, b da Constituição Federal de 1988, como, também, dificulta a ressocialização do indivíduo, conforme arts. 93 do Código Penal e 748 do Código de Processo Penal:
Art. 93 – A reabilitação alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva, assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre o seu processo e condenação. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único – A reabilitação poderá, também, atingir os efeitos da condenação, previstos no art. 92 deste Código, vedada reintegração na situação anterior, nos casos dos incisos I e II do mesmo artigo.
Art. 748. A condenação ou condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes do reabilitado, nem em certidão extraída dos livros do juízo, salvo quando requisitadas por juiz criminal.
Martins (p.37, 2023) traz à luz da discussão o fato de que a proteção não se limita a fatos sigilosos, inclui informações que ampliam a difusão e o despertar da memória, dessa forma, fatos já ultrapassados e latentes no presente, serão potencialmente protegidos pelo direito ao esquecimento, mas deve-se cuidar, porque os fatos da vida podem ser considerados de interesse público, especialmente em assuntos relacionados à vida de pessoas públicas.
Para Costa (p.211, 2021) o direito ao esquecimento é conflitante com a Constituição Federal de 1988. Portanto, é necessário avaliar individualmente cada caso, para determinar se houve abusos em relação ao direito à liberdade de expressão e informação. Nesse contexto, um ex-detento só poderá reivindicar o direito ao esquecimento se a divulgação de informações sobre seu passado criminal violar de forma flagrante sua garantia de privacidade. No entanto, os eventos relacionados ao crime, a cobertura da mídia da época, as provas apresentadas, as investigações e o julgamento, continuarão a ser lembrados e divulgados pela mídia.
6. Mundo Digital
Com o advento da internet, as relações interpessoais mudaram de maneira fugaz, o que antes só acontecia no “mundo real”, passou a existir, também, no “mundo virtual” e, além disso, rapidamente deixou de existir no primeiro, para se tornar algo exclusivo do segundo, assim, foi possível a caracterização de crimes virtuais. No contexto social essa massificação e difusão das memórias gerou uma espécie de memória coletiva hiper acessível. A facilidade com que esse conteúdo pode ser acessado de maneira permanente é o que torna o tema do direito ao esquecimento tão problemático, pois pode acarretar sérios prejuízos à personalidade, cujo projeto de vida pode incluir superar esses acontecimentos, ou seja, muitas relações e registros existentes apenas no mundo virtual podem ter consequências no mundo externo.
Segundo Martins, (p.8, 2021) “por mais que tente, é impossível que um sujeito consiga passar despercebido na atualidade, sem perfil, já que uma das muitas manifestações do mundo são memórias integradas e interativas”.
Costa (p.212, 2021) afirma que a constante adaptação do ordenamento jurídico brasileiro tenta acompanhar a evolução social, especialmente devido aos avanços tecnológicos que permitiram o acesso instantâneo à informação e a ascensão dos serviços de “streaming” como alternativa aos canais de televisão aberta, que faz com que surjam esses debates sobre a colisão de direitos fundamentais, como a liberdade de expressão e de imprensa, com os direitos de personalidade, como a vida privada. Devido à crescente conectividade, tornou difícil que eventos marcantes caiam no esquecimento, já que informações sobre a vida das pessoas não podem ser simplesmente apagadas, embora haja a necessidade de equilibrar isso com o direito à inviolabilidade da vida privada.
Para Bach e Stoco (p.265-266, 2020) as transformações sociais recentes e aceleradas estão claramente reconfigurando o conceito de privacidade e vida privada, à medida que os meios de comunicação e as redes sociais se expandem. A dissociação entre a esfera pública e a privada levanta preocupações significativas sobre o controle das informações veiculadas pela mídia. Levantando questões cruciais sobre como equilibrar o direito à informação com o direito ao esquecimento e a proteção dos direitos individuais, à medida que as pessoas buscam preservar sua privacidade e dignidade em uma era cada vez mais conectada.
Segundo Costa (p.198-201, 2021) o gênero de entretenimento denominado “true crime” ou crimes reais, é um forte contribuinte para a difusão de casos que chocaram a sociedade, e são responsáveis por trazer a discussão à respeito da glamourização de crimes, ou seja, a mídia explora essas casos, pois é vantajoso financeiramente, lucram em cima de abrir feridas e expor acontecimentos passados, pelos quais os indivíduos já foram penalizados e cumpriram suas penas ou, até mesmo, foram absolvidos, porque o que importa, nessas situações, não é contribuição social, mas sim, retorno financeiro baseado na curiosidade despertada através do espanto e horror, os casos mais rentáveis são os que mais chocam o público.
Segundo aponta Bach e Stoco (p.285, 2020) é possível observar, ainda, que o conceito do “direito ao esquecimento”, especialmente no contexto da Internet, não se limita apenas aos casos em que alguém foi condenado, cumpriu sua pena e busca apagar seu histórico. Ele também se aplica em situações de posterior absolvição, ou quando uma pessoa é condenada pela opinião pública, mesmo sem qualquer condenação pelo sistema judicial. Se é reconhecido o direito de alguém que comprovadamente cometeu um erro no passado a apagar esse erro e recomeçar a vida sem carregar essa marca social eternamente após cumprir a devida sanção, o mesmo princípio deve ser estendido a quem comprovadamente nunca cometeu um erro, absolvido por falta de evidências de autoria ou materialidade, ou para aqueles cujo erro nunca foi comprovado juridicamente, como alguém absolvido por insuficiência de provas ou por prescrição.
7. Criação de Legislação
A lei 12.965/2014, conhecida como Lei do Marco Civil, garante direitos para os usuários da internet que nela geram conteúdo através de registros da sua existencialidade, projetando sua personalidade no mundo virtual.
Os dados pessoais se destacam, atualmente, como ativos na economia da informação. Conforme Martins (p.12, 2021), com a inteligência gerada pela ciência mercadológica, através de um monitoramento constante dos passos de cada um virtualmente, revela-se, então, a necessidade de criar uma nova lei que regulamente a coleta, armazenamento e divulgação desses dados no contexto atual e isso culmina na Lei Geral de Proteção de Dados (13.709/2018), que visa implantar regras para a proteção de dados de cada indivíduo, alterando a Lei do Marco Civil (12.965/2014).
Segundo Gomes (p.9, 2019) essas leis abordam a importância do direito à privacidade e o que gerou a sua promulgação foi o fato de que dados são o recurso mais precioso do planeta. A utilização dos dados para moldar opiniões e impulsionar ganhos financeiros é o que levanta preocupações éticas significativas. Os Artigos 17 e 18 da Lei 13.709/2018 estabelecem que:
Art. 17. Toda pessoa natural tem assegurada a titularidade de seus dados pessoais e garantidos os direitos fundamentais de liberdade, de intimidade e de privacidade, nos termos desta Lei.
Art. 18. O titular dos dados pessoais tem direito a obter do controlador, em relação aos dados do titular por ele tratados, a qualquer momento e mediante requisição.
Para Andrade (2023) é fundamental que a busca por um sistema de justiça criminal eficiente seja conduzida com o devido respeito aos direitos fundamentais de todos aqueles que se submetem à autoridade do Estado. A LGPD não apenas estabelece um marco regulatório inédito no Brasil, mas também redefine a maneira como os dados pessoais das pessoas naturais são tratados nos contextos em que se aplica. Com o objetivo claro de proteger os direitos fundamentais à liberdade, privacidade e ao desenvolvimento pessoal, a LGPD visa resguardar os titulares de dados pessoais dos impactos negativos do tratamento ilegal em sua autodeterminação informativa.
No entanto, também prevê exceções quanto ao seu alcance, conforme estipulado no artigo 4º, alínea “d”, do inciso III desse dispositivo, estabelece que a LGPD não se aplica ao tratamento de dados pessoais realizado exclusivamente para atividades de investigação ou repressão de infrações penais. A complexidade reside em determinar quais atividades de tratamento de dados realizadas por órgãos públicos servem exclusivamente à persecução penal.
Conforme Andrade (2023), a manutenção de registros detalhados das atividades de tratamento de dados que ocorrem antes do início da fase processual da persecução penal, portanto, a LGPD deve ser considerada, em algum grau, mesmo nas atividades típicas de órgãos públicos responsáveis pela segurança pública e persecução penal. É essencial que essas instituições desenvolvam uma postura sólida em relação à proteção de dados pessoais, a fim de não violar os direitos fundamentais dos titulares de dados.
8. Lei de Execução Penal
A lei 7.210/1984, conhecida como Lei de Execução Penal tem como principal responsabilidade garantir que a pena seja aplicada de forma adequada e eficaz, sendo o último passo do devido processo legal no âmbito criminal.
Para Schmitt (p.13-16, 2021) a imposição de sanções é uma prática ancestral que remonta há séculos, sendo alvo de constante investigação quanto à sua necessidade e ao impacto social das abordagens empregadas para sua execução. Com o decorrer do tempo, o Estado percebeu que a utilização de punições excessivas para reprimir indivíduos não estava produzindo os resultados desejados, ou seja, a prevenção da ocorrência de crimes. Pelo contrário, a pena na forma de castigos físicos e públicos estava sendo interpretada como um incentivo para a perpetuação dos delitos. Como consequência, surgiu a necessidade de humanizar a pena, a fim de alcançar sua verdadeira finalidade.
Isso representou uma mudança de paradigma, afastando-se da abordagem estrita de expiação do mal na pena. Consequentemente, a sociedade começou a adotar uma abordagem diferente na aplicação da punição. Devido à necessidade de reformular a maneira como a punição era aplicada, de modo a não se limitar apenas à castigos físicos e à retirada da vida do indivíduo condenado, surgiu o conceito de prisão. A LEP aborda a necessidade de amparo estatal ao indivíduo que acabou de cumprir a sua pena, tendo como base o exposto nos artigos:
Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.
Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso”
De acordo com Schmitt (p.17-25, 2021) a Lei de Execução Penal, em sua abordagem humanizada, busca proporcionar condições dignas aos detentos, equilibrando o direito do Estado de punir e o dever do indivíduo de cumprir sua pena pelo delito cometido. Para ser considerada válida e eficaz, a pena não deve constituir um ato de violência contra a pessoa submetida a ela, precisa ter um propósito específico, que, no contexto do Direito Penal brasileiro, é a ressocialização do indivíduo após seu período de isolamento. Estabelece o sigilo como um de seus princípios no início do cumprimento da pena, visando proteger o indivíduo condenado, reconhece a necessidade de proteger a privacidade do condenado e, levando em consideração as consequências negativas da exposição pública, adota medidas para evitar a constante desvalorização que a prisão pode impor a essa pessoa. Assim, o Estado, mesmo sendo o responsável pela aplicação da pena, está preocupado com os efeitos que a exposição excessiva pode ter na capacidade de ressocialização do indivíduo, reconhecendo o potencial “antirressocializador” desse compromisso.
9. Conflito entre Direitos
Nessa altura da pesquisa, fica evidente, para nós, o que concluiu Boldrini (2016), que foi a disseminação de informações que fez surgir a necessidade de criação do direito ao esquecimento, dessa invocação de um novo direito, gerou-se a colisão de garantias fundamentais, de um lado a liberdade de expressão, e do outro o direito do esquecimento, que deriva-se dos direitos da personalidade, sendo ambos fundamentados em pilastras da sociedade, um não pode se sobrepor ao outro, devendo ser buscada uma harmonização entre ambos, embasada na análise particular de cada caso.
Para Schreiber (2014, p.77) “o desafio está na em garantir segurança e estabilidade nos casos concretos, e, para isso, é preciso criar parâmetros uniformes embasados nos princípios constitucionais”. Aqui podemos perceber que o principal obstáculo não é o exercício do direito ao esquecimento em si, mas algo que toca as mais diversas normas do ordenamento jurídico brasileiro, as pluralidades e mais diversas particularidades que são encontradas nos casos concretos. Ou seja, a dificuldade está em estabelecer uma norma que padronize uma resposta para situações que não são iguais, mesmo que pareçam, e ser justo ao ponderar entre garantias fundamentais, sem que uma prevaleça sobre a outra, mas sim, que haja uma equiparação de direitos.
Boldrini (2016) expressa que, ao nos depararmos com esse conflito aqui discutido, “é necessário saber qual é o limite do direito de exploração dos fatos, notícias e imagens de determinado indivíduo, ante a garantia à sua intimidade e ao seu direito de ser deixado em paz”.
Segundo Moreira (2015), quando dois direitos fundamentais entram em conflito, um não deve anular o outro, o intérprete é quem deve determinar qual é o limite dos princípios em choque.
Complementando-o por Andrade (2023), que define que harmonizar a proteção de dados pessoais com a persecução penal exige definir claramente o limite para a intervenção estatal no direito fundamental à proteção de dados pessoais. É crucial para garantir segurança jurídica e equilíbrio entre as expectativas dos titulares de dados e o poder estatal.
Para Pinto (p.136, 2009) “no que tange à hipótese de eventual conflito entre direitos fundamentais, revela-se indispensável a correta aplicação de ricos mecanismos de solução”, não há hierarquia de direitos, o intérprete deve analisar as circunstâncias de cada caso concreto, para decidir qual deve prevalecer, tentando harmonizar os direitos fundamentais em conflito. Deve-se utilizar do princípio da proporcionalidade, a função do intérprete é interagir entre o fato e, a norma e usando isso como ponto de partida, fazer suas escolhas fundamentadas.
Martins (p.27, 2023) elenca os principais argumentos contrários ao acolhimento do direito ao esquecimento, principalmente em casos levados ao Supremo Tribunal Federal, dentre eles a violação à liberdade de expressão; possibilidade de perca da história; privacidade como censura dos tempos atuais; preservação do interesse coletivo. Cita, ainda, como um dos principais elementos contrários a esse direito, o efeito Streisand, que consiste em um aumento significativo da publicidade de um fato quando se tenta remover a informação sobre ele judicialmente.
Segundo Lourenço (p.26, 2022), esse fenômeno ocorre em um ambiente virtual e se origina de esforços para censurar ou remover certos dados de uma plataforma. Surpreendentemente, isso acaba funcionando como uma negação da censura, permitindo que as informações anteriormente postadas continuem a se espalhar amplamente. No entanto, o que é curioso, é que as tentativas de bloquear a divulgação de fotos, por exemplo, muitas vezes ganham popularidade na internet, atraindo milhares de visitantes, em vez de alcançar o efeito oposto de preservar a privacidade das pessoas envolvidas.
10. Princípio da Proporcionalidade
Conforme Marques (2010), o princípio da proporcionalidade se originou no campo do Direito Penal, também conhecido como princípio da vedação ao excesso ou mandado de ponderação, orientando o comportamento das pessoas na sociedade e evitando a violação das liberdades preconizadas pelo espírito democrático. Serve para avaliar a conformidade das leis e atos administrativos com os critérios da razão e da justiça. É correto afirmar que esse princípio desempenha um papel importante na proteção das liberdades individuais e funciona como um contrapeso ao poder discricionário dos administradores públicos.
Para Pinto (p.137, 2009) esse princípio é constituído de três elementos: Adequação (medida tomada deve ser apropriada ao objetivo a ser alcançado), Necessidade (indispensabilidade da norma aplicada para a solução do conflito) e Proporcionalidade em Sentido Estrito (necessidade de análise dos dois elementos anteriores para a aplicação da norma e se os seus futuros resultados compensam as desvantagens das restrições impostas).
Conforme Canotilho (p.19, 2020), é amplamente reconhecido que a interpretação das normas de direitos fundamentais requer a definição de limites ou fronteiras essenciais, especialmente quando surgem conflitos com outros valores. Portanto, é lógico que, em quase todos os casos, o princípio da proporcionalidade seja invocado.
Segundo Leão (p.129-160, 2021) uma das críticas levantadas é que o princípio da proporcionalidade pode enfraquecer a posição dos direitos fundamentais, colocando direitos individuais e liberdades no mesmo patamar que interesses coletivos. No entanto, nem sempre os conflitos envolvem um direito versus um interesse do Estado ou da comunidade. Às vezes, o objetivo é proteger outro direito.
11. Casos Concretos
Santos (p.19, 2020) nos apresenta dois casos brasileiros que envolvem o direito ao esquecimento: o primeiro seria o da Chacina da Candelária, que obteve acolhimento do pedido de esquecimento referente a um dos envolvidos absolvido em Tribunal do Júri, quando, após o julgamento, seu nome foi exposto em um programa da Rede Globo chamado Linha Direta – Justiça, que divulgava especificamente esses casos, crimes famosos já solucionados e julgados, mas que geraram grande repercussão todas as vezes que eram novamente lembrados. O acolhimento do pedido se fundamenta na absolvição do réu, e ser exposto novamente seria como ser punido pela sociedade, algo que a justiça o absolveu, assim, reviver esses fatos, traria para sua imagem um prejuízo incalculável e desnecessário.
O segundo caso é conhecido como Aída Curi, conforme nos explica Szaniawski (2021), é sobre o fim da vida de uma jovem que foi levada ao alto de um prédio, violentada até a morte e depois arremessada de lá. Após cinquenta anos do acontecido, o caso também foi transmitido no mesmo programa, e quem entrou com o pedido de esquecimento foram os seus irmãos, mas, nesse caso, ele não foi acolhido, pois o Supremo Tribunal Federal entendeu que não era possível divulgar o caso sem o nome ou a imagem da vítima, ou seja, nesse caso, as informações pessoais da vítima eram essenciais para a informação, prevalecendo o direito coletivo. Diante disso, nota-se que um fundamento que tem grande peso para o Tribunal, é o do direito coletivo.
Segundo Helaehil (2021), em 2020 houve um recurso especial no Superior Tribunal de Justiça, negando o pedido de uma condenada como coautora pelo assassinato da atriz Daniella Perez. Após uma matéria de revista expor dados atuais da vida da requerente, e mesmo concluindo que a matéria não tinha conteúdo de interesse público acerca do crime e que visava dificultar a superação do episódio traumático, a negação do pedido se fundamentou que é inadmissível fixar ao veículo de comunicação o dever geral de se abster de publicar futuras reportagens relacionadas ao ato criminoso. Demonstrando assim, que o direito ao esquecimento tem caráter posterior ao fato e não anterior, pois se assim o fosse, seria considerado censura, ato que é tentado evitar, como mencionado nos capítulos anteriores, para que não seja aberto um precedente ruim nesse sentido.
Nesse sentido, de que os tribunais pretendem evitar uma vedação de liberdade de expressão em benefício do direito ao esquecimento, cabe o episódio de 2018, envolvendo Suzane Von Richtofen, personalidade sempre lembrada quando se fala em crimes midiáticos. Suzane foi condenada em júri popular no ano de 2006 a 39 anos de reclusão e 6 meses de detenção, pelo assassinato dos seus pais, junto com o seu namorado e o cunhado. Segundo o que nos conta Costa (p.211-212, 2021), Suzane moveu uma ação para impedir a publicação de uma biografia não autorizada sobre ela, intitulada “Suzane – Assassina e Manipuladora,” escrita por Ulisses Campbell, um jornalista e escritor. Ela alegou que o autor violou seus direitos à imagem e privacidade ao escrever essa biografia sem sua autorização.
A solicitação foi analisada em primeira e segunda instância, resultando na proibição da publicação do livro. No entanto, em 2019, o caso chegou ao Supremo Tribunal Federal, sob a Reclamação nº 38.201, com o Ministro Alexandre de Morais como relator. O Ministro decidiu a favor do autor, revogando a decisão do tribunal de segunda instância e permitindo a circulação do livro. O Supremo Tribunal Federal considerou que a liberdade de expressão e de imprensa é um direito constitucionalmente protegido, que não pode ser anulado por outras normas constitucionais, incluindo aquelas relacionadas à proteção da intimidade, privacidade, honra e imagem.
Considerações Finais
Diante de tudo que foi apresentado nesse documento, é possível concluir que os direitos fundamentais possuem uma longa história de luta, fortemente entrelaçada com a construção da história da sociedade de modo geral. Os direitos da personalidade derivam das garantias fundamentais, como uma ramificação do gênero, e estão fundamentados no princípio da dignidade humana, que teve sua relevância enfatizada pela Constituição Federal de 1988.
Dentro do campo dos direitos da personalidade, há o direito à liberdade de expressão, também garantido pela CF de 1988, e que corresponde à livre manifestação do pensamento das mais diversas formas. O que ocorre é que esse direito, frequentemente entra em conflito com o direito de retirar informações sobre fatos pretéritos da vida que cause danos à dignidade do requerente, principalmente em casos de pró-egressos do sistema penitenciário, que necessitam dessa garantia para se ressocializarem após o cumprimento da pena determinada pela Estado. Essa ressocialização é um direito do indivíduo, garantido pela Lei de Execução Penal, que estabelece que o objetivo da pena é a reintegração em sociedade.
Esse conflito é significativamente ampliado pela era digital e a facilidade de acesso à informação, bem como, o armazenamento de dados por diversos bancos e a evidente importância desses dados como bem jurídico.
Diante do impasse criado pela necessidade de garantir os direitos de ambos os lados (liberdade de expressão e direito de ser esquecido), combinado com o atual estado da vida em sociedade, totalmente dominado pela mundo digital, se faz necessário utilizar-se do princípio da proporcionalidade em cada caso, analisando as especificidades que serão determinantes para dar direção na decisão tomada.
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[1] Discente do Curso de Direito da Faculdade Educacional de Medianeira – UDC Medianeira e-mail:
[2] Professora Mestre do Curso Direito da Faculdade Educacional de Medianeira – UDC Medianeira. E-mail: juliana.fioreze@udc.edu.br.