A RELAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO FRENTE A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS

A RELAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO FRENTE A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS

28 de novembro de 2023 Off Por Cognitio Juris

THE RELATIONSHIP OF LABOR LAW TO THE GENERAL DATA PROTECTION LAW

Artigo submetido em 17 de outubro de 2023
Artigo aprovado em 28 de outubro de 2023
Artigo publicado em 28 de novembro de 2023

Cognitio Juris
Volume 13 – Número 50 – Novembro de 2023
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Andreliny Ketlyn de Castro [1]
Paula Piccinin Paz Engelmann [2]

RESUMO: A Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD, foi criada em 2018, tem como fundamento a Regulamentação Geral de Proteção de Dados (GDPR), que é um regulamento europeu. Nesse sentido, o presente trabalho busca analisar os impactos e as consequências causadas pela LGPD, sobre a importância da criação da lei e o impacto originado nas empresas. Ao analisarmos a rápida evolução do mundo, e aqui nós direcionamos a falar das tecnologias, tudo chega a nosso conhecimento quase que de forma instantânea. A vida das pessoas acaba por ser muito mais exposta. E se antes tínhamos apenas a televisão para ocorrer tal exposição, agora, por conta das redes sociais, pessoas postam sobre suas vidas, e podemos acompanhar tudo praticamente em tempo real. Muitos então, acabam por perder a noção do que pode ser público e do que é a vida privado, a exposição de forma intensa tem levado a necessidade de ser ampliada a proteção aos usuários do sistema, nesta visão, a lei geral de proteção de dados foi criada no ano de 2018, com o intuito de realmente proteger os dados pessoais das pessoas. Para alcançar o objetivo da pesquisa foram adotados o método dedutivo e a pesquisa de natureza bibliográfica descritiva. Com o avanço da tecnologia, surgiram as redes sociais e os meios de comunicação em massa, proporcionando uma maior acessibilidade às informações. Para Sardá (2022), a importância da proteção legal de dados pessoal é que, as informações evoluídas a partir deles, representam a pessoa na sociedade e constituem parte de sua personalidade. Por essa razão é importante fazer uma breve explicação sobre a distinção entre “dados pessoais” e “informações pessoais”. Dessa forma, pela crescente necessidade, foi promulgada a LGPD lei nº 13.709/18, que visa aprimorar a transparência de manipulação de dados pessoais dos cidadãos. A importância da proteção legal de dados pessoal é que, as informações evoluídas a partir deles, representam a pessoa na sociedade e constituem parte de sua personalidade. Em conclusão a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) possui um impacto significativo em diversas áreas do sistema jurídico, inclusive em relações trabalhistas. Não há nenhuma disposição expressa sobre as relações de trabalho, contudo ela deve ser aplicada já que ao iniciar uma relação de trabalho, faz-se coleta, recepção, armazenamento e retenção dos dados pessoais do empregado ou dos candidatos ao emprego. O estudo apresenta os princípios e fundamentos da LGPD, discutindo seus impactos nas relações de trabalho e as etapas de tratamento de dados. Por fim, é fundamental destacar a importância de uma autoridade supervisora e específica, como a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

Palavras-chave: LGPD, Relação de Trabalho, ANPD.

ABSTRACT: The General Data Protection Act (LGPD), created in 2018, is based on the General Data Protection Regulation (GDPR), which is a European regulation. In this sense, this work seeks to analyze the impacts and consequences caused by the LGPD, the importance of creating the law and the impact on companies. When we analyze the rapid evolution of the world, and here we are talking about technologies, everything comes to our attention almost instantaneously. People’s lives end up being much more exposed. And if before we only had television for such exposure, now, because of social networks, people post about their lives, and we can follow everything practically in real time. Many then end up losing track of what can be public and what is private, intense exposure has led to the need to expand protection for users of the system, in this view, the general data protection law was created in 2018, in order to really protect people’s personal data. To achieve the research objective, the deductive method and descriptive bibliographical research were adopted. With the advance of technology, social networks and mass media have emerged, providing greater accessibility to information. For Sardá (2022), the importance of the legal protection of personal data is that the information developed from it represents the person in society and constitutes part of their personality. For this reason, it is important to briefly explain the distinction between “personal data” and “personal information”. Thus, due to the growing need, LGPD Law No. 13,709/18 was enacted, which aims to improve transparency in the handling of citizens’ personal data. The importance of the legal protection of personal data is that the information developed from it represents the person in society and constitutes part of their personality. In conclusion, the General Data Protection Act (LGPD) has a significant impact on various areas of the legal system, including labor relations. There is no express provision on labor relations, but it must be applied since when an employment relationship begins, the personal data of the employee or job applicant is collected, received, stored and retained. The study presents the principles and foundations of the LGPD, discussing its impact on labor relations and the stages of data processing. Finally, it is essential to highlight the importance of a specific supervisory authority, such as the National Data Protection Authority (ANPD).

Key words: The General Data Protection Act; Working Relationship; National Data Protection Authority.

  1. INTRODUÇÃO

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) foi sancionada em agosto de 2018 e trouxe grandes mudanças no cenário jurídico brasileiro e internacional. Surgiu como uma resposta a tendência global, tem por objetivo proteger a privacidade e os direitos fundamentais de liberdade dos indivíduos, estabelecendo mecanismos para trazer transparência e controle sobre o tratamento de dados pessoais. Com a criação de tal lei, o Brasil entrou para uma lista crescente dos países que promulgaram leis específicas para proteger os dados pessoais de seus cidadãos.

A LGPD define o tratamento de dados pessoais, abrangendo informações físicas e digitais, colocando como princípio fundamental a proteção da liberdade, privacidade e desenvolvimento da personalidade das pessoas naturais. Faz-se necessário ressaltar a distinção entre o direito à privacidade e o direito à proteção de dados, uma vez que são fundamentos distintos que regulamentam a proteção das informações pessoais. A privacidade envolve o sigilo das informações, enquanto a proteção de dados se concentra em garantir que essas informações sejam protegidas da maneira adequada.

A referida lei estabelece diretrizes claras para o tratamento de dados pessoais, além disso orienta os controladores e operadores de dados a adotarem boas práticas e a implementarem uma governança sólida para garantir a segurança dos dados. Ela exige que as empresas, independentemente do tamanho ou setor, tenham responsabilidade na coleta, no processamento e no armazenamento de dados pessoais, garantindo assim, a confiança dos titulares dessas informações.

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) desempenha um papel crucial com a mais alta autoridade de proteção de dados no Brasil. Ela atua como um órgão independente, monitorando a implementação da LGPD, criando disposições adicionais, promovendo a conscientização e aplicando sanções em caso de regulamentação nacional. Além disso, o Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade contribui com diretrizes estratégicas para a atuação da ANPD.

A LGPD impactou profundamente o campo das relações de trabalho, pois todas as interações entre funcionários e empregadores envolvem a coleta e o tratamento de dados pessoais. Portanto, as empresas devem estar cientes de suas obrigações sob essa lei, para evitar avaliações administrativas e trabalhistas. É importante que as organizações compreendam como a LGPD se aplica às relações de trabalho, desde o de recrutamento até a rescisão do contrato de trabalho.

É necessário que as empresas tenham uma gestão adequada de dados e adotem boas práticas nas relações de trabalho para então cumprir as exigências da LGPD. Isso quer dizer que a coleta de dados só será feita quando necessário, a proteção eficaz das informações, a transparência na comunicação com os funcionários sobre o uso de seus dados e a garantia de que a privacidade e os direitos dos trabalhadores sejam respeitados.

Em resumo, a LGPD representa uma transformação significativa na forma como as empresas devem lidar com os dados pessoais, com implicações que se estendem além das relações de trabalho para todos os aspectos da sociedade. Sua implementação requer um compromisso com a proteção da privacidade e uma governança de dados sólida, garantindo que os direitos fundamentais dos indivíduos sejam respeitados em todos os momentos.

2. A RELAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO FRENTE A PROTEÇÃO DE DADOS NAS EMPRESAS

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) foi sancionada em 14 de agosto de 2018, boa parte dela foi inspirada na lei europeia General Data Protection Regulation (GDPR).

E mesmo a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso X, prevendo que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem das pessoas (BRASIL, 1988), a LGPD foi além, não está fundamentada apenas em seus direito básicos, tem um fundamento muito mais profundo, como descrito no art. 2º da Lei nº: 13709 de 2018:

Art. 2º A disciplina da proteção de dados pessoais tem como fundamentos:

I – o respeito à privacidade;

II – a autodeterminação informativa;

III – a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião;

IV – a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem;

V – o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação;

VI – a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e

VII – os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais (BRASIL, 2018, online)

A LGPD implementa no ordenamento jurídico regras muito abrangentes, sobre setores de economia, mas principalmente, o relacionamento da pessoa jurídica para a pessoa física, ou seja, regulamenta a postura da empresa para com os dados de seus clientes.

Após a sanção da lei em 2018, a Mobile Marketing Assossiation (MMA)demonstra certa preocupação como a nova lei afetaria as pequenas empresas:

Regular esse mercado era mesmo necessário. Só que, ao fixar as mesmas exigências para companhias de diferentes portes, a lei levantou um sarrafo a uma altura que startups e empresas menores dificilmente conseguirão alcançar. Corre-se o risco de desestimular a inovação e prejudicar o desenvolvimento da economia digital (MMA, 2018, p. 5).

Algumas pessoas acreditavam que com a aprovação da LGPD, teriam modelos de negócio inviabilizados, empresas fechando as portas em definitivo por não conseguirem se adaptar a tempo, à nova legislação.

Obviamente, as preocupações não tinham fundamento algum, uma vez que o processo de adaptação a regulamentação não aconteceria da noite para o dia, exigirá tempo, pessoas e dinheiro.

Estimativas apontam que empresas do mundo fizeram investimentos em TI (Tecnologia da Informação) que chagam a cerca de US$ 3,8 bilhões em 2019, se comparado com o ano de 2018 tiveram um aumento de 3,2%, sendo boa parte desses investimentos direcionados a segurança e privacidade (SAAD; HIUNES, 2020, p. 19).

As empresas que levam a sério proteção os dados de seus clientes, ganham sua confiança, e deixam de perder ou adiarem vendas por violação de dados.

A aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) possui um impacto significativo em diversas áreas do sistema jurídico, partindo do fundamento constitucional de proteção à intimidade e à privacidade. Em seu art. 1º, estabelece que seu objetivo de proteção são “os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural” (BRASIL, 2018), sem estabelecer qual o tipo de relação jurídica a qual ocorrerá tal tratamento, indicando claramente  que sua aplicação se estende a uma ampla variedade de contextos abrangendo inclusive as relações trabalhista.

Nesse sentido, para Ricken:

(…) entende-se por relação de trabalho a relação de prestação de serviço, remunerada ou não, existente entre empregador e trabalhador ou mesmo com contrato ou sem contrato firmado entre as partes. Alguns exemplos de relação de trabalho são estágio profissional, empregado doméstico, trabalho eventual, trabalho autônomo, trabalho voluntário, trabalho avulso, trabalho temporário, entre outros (RICKEN, 2021, p. 22).

Nesse sentido, faz-se necessário destacar a diferença entre a relação de emprego e relação de trabalho.

No que diz respeito a relação de emprego, existe uma ligação direta com o art. 3º da CLT, o qual estabelece um vínculo entre o trabalhador e a empresa. Tal vínculo corresponde a prestação de serviços não eventual, de forma que há uma dependência, sob a necessidade do pagamento de um salário (BRASIL, 1943).

Ao longo da jornada do trabalhador em uma empresa, seus dados pessoais passam por diversas etapas de tratamento. Pode-se citar a etapa anterior à celebração do contrato, o ato da celebração do contrato, a jornada de trabalho durante a execução do contrato e o término do contrato de trabalho, que pode ocorrer por diversos motivos (RICKEN, 2021, p. 23.)

Nota-se o quão necessário se faz que as empresas tenham a plena ciência de seus deveres em relação à aplicação da LGPD nas suas relações trabalhistas, para que não haja prejuízo nas sanções administrativas decorrentes de tal descumprimento.

Como supracitado, a Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD, não se limita às relações de trabalho, mas também abrange toda e qualquer situação que envolva o tratamento de dados pessoais. Isso inclui coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, exclusão, avaliação ou controle de informação.

No art. 5º da presente lei especifica-se que:

Art. 5º Para os fins desta lei, considera-se:

V – titular: pessoa natural a quem se referem os dados pessoais que são objeto de tratamento;

VI – controlador: pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais (BRASIL, 2018).

Ou seja, Titular dos Dados é o empregado e Controlador dos Dados é o empregador, a empresa.

O consentimento do titular, nesse caso, o empregado, pode ser dispensado em situações especificas, desde que seja necessário para o cumprimento de obrigações legais, conforme as estabelecidas no art. 7º, incisos V e IX da LGPD (SANTOS, 2021, p.146).

Art. 7º O tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hipóteses:

V – quando necessário para a execução de contrato ou de procedimentos preliminares relacionados a contrato do qual seja parte ou titular, a pedido do titular dos dados;

IX – quando necessário para atender aos interesses legítimos do controlador ou do terceiro, exceto no caso de prevalecerem direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais (BRASIL, 2018).

Mesmo o consentimento sendo dispensado em situações que envolvam a execução de contrato ou procedimentos relacionados ao contrato nos quais o empregador é parte, é imprescindível que exista uma atenção redobrada no tratamento de dados do trabalhador, a fim de evitar danos à sua imagem, prejuízos de natureza moral, causando impactos financeiros para o empregador. Qualquer infração nesse sentido poderá ser alvo de reclamações trabalhistas e denúncias junto ao Ministério Público do Trabalho, além de estar sujeito à fiscalização de Autoridade Nacional de Proteção de Dados – ANPD, com a imposição de avaliações disciplinares conforme o estipulado no art. 52 da LGPD:

Art. 52. Os agentes de tratamento de dados, em razão das infrações cometidas às normas previstas nesta Lei, ficam sujeitos às seguintes sanções administrativas aplicáveis pela autoridade nacional:

I – advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas;

II – multa simples, de até 2% (dois por cento) do faturamento da pessoa jurídica de direito privado, grupo ou conglomerado no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, limitada, no total, a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) por infração;

III – multa diária, observado o limite total a que se refere o inciso II;

IV – publicização da infração após devidamente apurada e confirmada a sua ocorrência;

V – bloqueio dos dados pessoais a que se refere a infração até a sua regularização;

VI – eliminação dos dados pessoais a que se refere a infração;

(…) (BRASIL, 2018).

A legislação estudada exige que os empregadores tenham responsabilidade e transparência no tratamento dos dados pessoais de seus funcionários. O não cumprimento dessas obrigações pode resultar em penalidades financeiras significativas e na perda de confiança dos trabalhadores. Por isso, é de extrema importância que as empresas estejam cientes das implicações da LGPD em seu contexto de relações de trabalho e implementem medidas eficazes para proteger os dados pessoais de seus funcionários, mantendo, dessa forma, a integridade, privacidade e dignidade dos mesmos.

2.1 DESIQUILIBRIO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

Sabe-se que o consentimento, estabelecido no artigo 7º, inciso I, da Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (BRASIL, 2018), é um dos aspectos mais delicados da regulamentação de proteção de dados. Isso ocorre em razão do surgimento de discussões sobre a importância dada à esta hipótese de tratamento em detrimento das demais bases legais previstas na referida lei (FEIGELSON; SIQUEIRA, 2019).

Quando abordamos o assunto do consentimento nas relações de trabalho, a questão acaba por ser mais sensível ainda, uma vez que a sociedade atual deu origem a nova ameaças a privacidade e liberdade pessoal, inclusive aos direitos de personalidade dos trabalhadores titulares dos dados.

De acordo com Bioni, existe uma grande disputa entre os lucros financeiros e os direitos das pessoas, que têm a sua liberdade afetada pela circulação de informações. Os trabalhadores não estão imunes dessa situação, já que a empresa, que age como a pessoa responsável pelos dados, pode influenciar a forma como os dados são tratados, indo contra os princípios da LGPD, bem como o princípio legal que protege os direitos dos trabalhadores (BIONI, 2019, p. 25).

Como exemplo de conflito de interesses entre empregadores e empregados, pode ser citado um caso julgado pela 9ª turma do TRT da 3ª região, onde houve a condenação de uma loja de chocolate a pagar uma indenização de dano moral à uma ex-empregada que teve seu número de telefone particular inserido ao site da empresa para funcionar como um meio de comunicação com o clientes, conforme ementa:

NÚMERO DE TELEFONE PARTICULAR DA EMPREGADA. DIVULGAÇÃO NO SITE DE VENDAS DO EMPREGADOR. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. CABIMENTO. A caracterização do dano moral pressupõe violação à dignidade pessoal – art. 1º, III da Constituição Federal -, mediante vulneração da integridade psíquica ou física da pessoa, bem como aos direitos fundamentais previstos na Constituição da República. E o art. 5º, X, da CR/88 prevê que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. A inserção do número de telefone do empregado, no site da empresa, sem prova inequívoca de autorização, implica divulgação de dado pessoal, que afronta sua vida privada. Configurados os elementos essenciais ao dever de indenizar (ato ilícito, dano e nexo de causalidade) em relação ao direito à privacidade, correta a condenação da empregadora (BRASIL,  2021, online).

Dentro do referido acórdão, o juiz destaca um trecho da sentença proferida em primeira instância, enfatizando que a LGPD representa um marco no sistema legal brasileiro, impactando diversas relações legais, incluindo aquelas relacionadas ao emprego. Além disso, o magistrado argumentou que, embora a LGPD não tenha diretrizes especificas para o tratamento de dados no contexto de emprego é evidente que as relações trabalhistas devem aderir aos princípios e regulamentos estabelecidos por essa lei brasileira de proteção de dados. Por essa razão, ao publicar o número de telefone pessoal da autora em seu site com o propósito de impulsionar as vendas, o empregador infringiu a LGPD, uma vez que usou o dado pessoal da autora sem seguir as bases legais listadas no artigo 7º da referida legislação.

Nesse sentido, além das muitas quebras de privacidade e das obrigações de garantir a segurança dos dados dos empregados, surge a questão do consentimento para o uso de dados pessoais nas relações de trabalho. Essa questão está relacionada ao desequilíbrio entre quem gerencia os dados e o titular, o que pode levar a um vício de vontade, visto que a manifestação de vontade do empregado não será verdadeiramente livre (SAGOÇA, 2020, p. 51).

Esse desiquilíbrio ocorre em muitos casos devido a dependência economia do empregado em relação ao empregador, dito isso, por muitas vezes o empregado pode se sentir pressionado a consentir, permite-se assim que haja o tratamento de seus dados, contudo, essa permissão não é genuína. O referido desiquilíbrio pode resultar em violação na privacidade e nos direitos do empregado, o que é uma questão crítica de acordo com a LGPD. Por isso, é fundamental a garantia do consentimento obtido de forma livre e informada nas relações de trabalho, assegurando assim o respeito aos direitos do empregado em conformidade com a lei.

2.2 PRESSUPOSTOS PARA A VALIDADE DO CONSENTIMENTO

Inicialmente, faz-se necessário esclarecer que, no contexto do direito privado brasileiro, o conceito de consentimento sempre esteve relacionado aos defeitos do negócio jurídico. Isso significa que o objetivo fundamental dessa base legal é garantir que a manifestação de vontade de um indivíduo seja realizada de maneira “livre e consciente”, sem a presença de qualquer vício previsto nos artigos 138 a 165 do Código Civil (BRASIL, 2002). Se houver alguma falha na formação dessa declaração de vontade, isso caracteriza um “vicio de consentimento”, o que torna o negócio jurídico anulável. Por essa razão, a LGPD é clara no que se refere a proibição do tratamento de dados pessoais obtidos através de vicio de consentimento.

O art. 5º, inciso XII da LGPD, estipula alguns requisitos para que o consentimento fornecido pelo titular seja considerado válido, e são:

Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se:

XII – consentimento: manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada (BRASIL, 2018, online).

Através da LGPD, o legislador promove o processo de tomadas de decisões de forma mais transparente e flexível. Tendo por objetivo incentivar as configurações de privacidade personalizáveis, permitindo que as pessoas expressem seu consentimento de maneira detalhada. Isso significa que as pessoas podem autorizar o uso de seus dados de maneira fracionada, de acordo com as preferencias e necessidades específicas, evitando dessa forma, contratos de adesão que não atendam seus interesses. A ideia principal é permitir o controle mais eficaz sobre o tratamento de dados, adaptando-se às diferentes finalidades desejadas pelo titular do dado.

Levando isso em consideração, ressalta-se que a informação tem um conceito e se ramifica em dois aspectos. O primeiro é o aspecto formal, se trata de como informar. Para Bioni, “se informar é “dar” forma, deve o ato de comunicação ser ostensivo, isto é, ser perceptível. Ou seja, a forma como se inicia tal prática é de extrema relevância por ser o antecedente natural para a sua própria compreensão” (BIONI, 2019, p. 217). Isso sugere que a comunicação e a transmissão de informação requerem clareza e visibilidade desde o início. Ao iniciar uma conversa ou comunicação, a forma como se apresenta a informação é fundamental para que estas sejam compreendidas corretamente, fazendo com que a pessoa para quem está sendo passadas tal informação compreenda de forma simples.

Já o segundo aspecto, para Bioni:

O segundo elemento é a utilidade da informação. Sob tal aspecto, a informação deve se mostrar imprevisível e original 235 para colmatar o déficit informacional. Ela deve acrescer, portanto, conhecimento ao dispensar novos elementos para se racionalizar decisões (BIONI, 2019, p. 217).

Nesse sentido, a informação não é apenas uma abordagem, como também um meio para a pessoa comum se auto proteger. Consequentemente, em se tratando de qualidade, a informação deve ser adicionada de forma a preencher possíveis lacunas de conhecimento. É importante destacar que o excesso de informação pode levar à desinformação, de acordo com a teoria da sobrecarga de informação.

A qualidade das informações está rigorosamente ligada à ideia de fornecer informações originais imprevisíveis para equilibrar a disparidade de conhecimento entre o consumidor e o fornecedor. Deve-se avaliar se as informações originais e imprevisíveis são adequadas para garantir que o consumidor compreenda adequadamente (VASCONCELOS, 2020, p. 08).

A LGPD dispões sobre esses requisitos em seu art. 9º, ao dizer que:

Art. 9º O titular tem direito ao acesso facilitado às informações sobre o tratamento de seus dados, que deverão ser disponibilizadas de forma clara, adequada e ostensiva acerca de, entre outras características previstas em regulamentação para o atendimento do princípio do livre acesso:

I – finalidade específica do tratamento;

II – forma e duração do tratamento, observados os segredos comercial e industrial;

III – identificação do controlador;

IV – informações de contato do controlador;

V – informações acerca do uso compartilhado de dados pelo controlador e a finalidade;

VI – responsabilidades dos agentes que realizarão o tratamento; e

VII – direitos do titular, com menção explícita aos direitos contidos no art. 18 desta Lei. (BRASIL, 2018, online)

Outro requisito fundamental para que o consentimento seja válido é a clara manifestação de vontade. Isso significa que o titular dos dados deve expressar sua vontade de forma objetiva, preferencialmente por escrito, para autorizar o tratamento de dados pessoais. Esse requisito está ligado com o da especificidade, ou seja, para que o consentimento seja considerado especifico, a clara manifestação da vontade deve se referir ao tratamento de um dado especifico. Isso impede a concessão de uma autorização genérica e aberta a interpretações amplas. Segundo Corrêa:

Tal pressuposto deve ser analisado em conjunto com outro adjetivo, o da especificidade. Para que o consentimento seja especifico, a expressão da vontade inequívoca deve dizer respeito ao processamento de um dado especifico, não podendo ser uma simples autorização de forma geral (CORRÊA, 2019, p. 32).

Importante ressaltar que esses requisitos são cumulativos, o que torna a utilização do consentimento como base para o tratamento de dados na relação de trabalho solicitado. Isso porque, o poder de direção do empregador geralmente depende da autonomia e da vontade pessoal do trabalhador, que por muitas vezes se encontra em uma posição de dependência econômica (SARAGOÇA, 2020, p.70).

Além disso, é fundamental que o documento utilizado para obter o consentimento, sejam elaborados de maneira transparente, não permitindo autorizações genéricas. No mesmo sentido, o direito de revogar o consentimento, conforme disposto nos artigos. 8º, §5º e 18, inciso IX da LGPD, deve ser tão acessível quanta à manifestação original do titular. Exigir deste, um processo complicado para revogar o consentimento não é aceitável. A revogação do consentimento não deve ter custo algum e deve haver a possibilidade de ser exercida a qualquer momento (BRASIL, 2018, online).

É necessário destacar que nas relações de trabalho, o consentimento nem sempre vai refletir a verdadeira vontade do titular, isso ocorre por conta do desiquilibro do poder entre quem trata os dados e o titular. Esse desiquilíbrio pode resultar em vicio de vontade, uma vez que a manifestação de vontade do empregado pode não ser genuinamente livre.

3. CONCLUSÃO

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) representa um marco importante na legislação brasileira, pois estabelece diretrizes rigorosas para a proteção da privacidade e da segurança de dados pessoais. Inspirada na lei europeia GDPR, a LGPD se destaca por seus fundamentos, incluindo o direito à privacidade, a autodeterminação informativa, a liberdade de expressão e outros direitos fundamentais. Esses princípios têm implicações significativas nas relações de trabalho, onde o tratamento de dados pessoais desempenha um papel central.

A LGPD estabelece que deve haver o consentimento do titular dos dados para o tratamento de dados pessoais, mas é importante ressaltar que esse consentimento deve atender a requisitos específicos para ser válido. Deve ser livre, informado e claro. No entanto, nas relações de trabalho, esse requisito pode se tornar desafiador devido ao desequilíbrio entre o empregador e o empregado, que muitas vezes depende economicamente do empregador. A assinatura do empregado pode não refletir sua vontade verdadeira devido a essa dependência.

É de extrema importância que as empresas compreendam suas responsabilidades sob a LGPD e adotem boas práticas de gestão de dados em suas relações de trabalho. A coleta e o tratamento de dados pessoais devem ser feitos de forma transparente, e as informações devem ser disponibilizadas de maneira clara e adequada. Embora o consentimento possa ser dispensado em algumas situações de relação de emprego, a proteção de dados pessoais e da privacidade dos trabalhadores deve sempre ser uma prioridade.

O desequilíbrio existente nas relações de trabalho é algo que exige uma atenção especial para garantir que o consentimento seja obtido de maneira adequada e que os direitos dos trabalhadores sejam protegidos. Qualquer violação da LGPD pode resultar em avaliações administrativas severas, danos à imagem da empresa e reclamações trabalhistas. Portanto, é imprescindível que as empresas se adaptem e cumpram as disposições da LGPD, garantindo privacidade, integridade e dignidade de seus funcionários.

Em resumo, a LGPD tem um grande impacto nas relações de trabalho, exigindo que as empresas hajam com responsabilidade e transparência no tratamento de dados pessoais de seus funcionários. A conformidade com a lei é fundamental para promover um ambiente de trabalho respeitoso, que valorize a privacidade dos trabalhadores e cumpra os mais altos padrões de proteção de dados. A busca por esse equilíbrio entre a necessidade de negócios e a proteção da privacidade é essencial para o sucesso e a integridade das relações de trabalho no contexto da LGPD.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] Acadêmica do curso de direito da Faculdade Educacional de Medianeira – UDC Medianeira – Paraná. E-mail: andrelini_ketlin1@hotmail.com

[2] Professora Mestre do Curso de direito da Faculdade Educacional de Medianeira – UDC Medianeira – Paraná. E-mail: adv.paulapiccininpaz@gmail.com