TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL E INDUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: A EXPERIÊNCIA DOS PAÍSES DA OCDE

TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL E INDUÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: A EXPERIÊNCIA DOS PAÍSES DA OCDE

1 de março de 2023 Off Por Cognitio Juris

ENVIRONMENTAL TAXATION AND INDUCTION OF SUSTAINABLE DEVELOPMENT: THE EXPERIENCE OF OECD COUNTRIES

Artigo submetido em 05 de janeiro de 2023
Artigo aprovado em 12 de janeiro de 2023
Artigo publicado em 01 de março de 2023

Cognitio Juris
Ano XIII – Número 45 – Março de 2023
ISSN 2236-3009

Autores:
Túlio Macedo Rosa e Silva[1]
Glenda Grando de Meira Menezes[2]

Resumo: O Estado brasileiro detém o dever constitucional de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, alçado a direito fundamental. Nesse sentido, as normas tributárias representam importante mecanismo público a serviço do Estado, na condição de gestor ambiental, a fim de alcançar a proteção do meio ambiente e promover o desenvolvimento sustentável. A partir da função indutora das normas tributárias, é possível estimular condutas sintonizadas com práticas ambientalmente adequadas, de modo a conciliá-las com o desenvolvimento econômico. Tais práticas sustentáveis também são objeto de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Inicialmente, o presente trabalho irá discorrer brevemente sobre as normas jurídicas nacionais e internacionais que preconizam o desenvolvimento sustentável. Em seguida, serão abordadas as iniciativas desenvolvidas no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), organização internacional dedicada a promover padrões convergentes em questões econômicas, financeiras, comerciais, sociais e ambientais. O objetivo é descrever a experiência dos países da OCDE na indução do desenvolvimento sustentável por meio de normas tributárias, e como a prática tem sido adotada no Brasil. Para tanto, será utilizado o método dedutivo, descritivo e qualitativo, por meio de pesquisa doutrinária, bibliográfica e da legislação.

Palavras-Chave: Tributação ambiental, normas tributárias indutoras, tributação verde, desenvolvimento sustentável, OCDE.

Abstract: The Brazilian State has a constitutional duty to defend and preserve an ecologically balanced environment, which is considered a fundamental right. In this sense, tax rules represent an important public mechanism at the service of the State, as an environmental manager, in order to achieve environmental protection and promote sustainable development. Based on the inducing function of tax rules, it is possible to stimulate behaviors in tune with environmentally appropriate practices, in order to reconcile them with economic development. Such sustainable practices are also the object of international commitments undertaken by Brazil. Initially, this work will briefly discuss the national and international legal norms that advocate sustainable development. Next, the initiatives developed within the scope of the Organization for Economic Cooperation and Development (OECD), an international organization dedicated to promoting converging standards in economic, financial, commercial, social and environmental issues, will be discussed. The aim is to describe the experience of OECD countries in inducing sustainable development through tax rules, and how the practice has been adopted in Brazil. Therefore, the deductive, descriptive and qualitative method will be used, through doctrinal, bibliographical and legislation research.

Keywords: Environmentaltaxation, tax rules inducing, green taxation, sustainable development,OECD.

INTRODUÇÃO

O Estado brasileiro detém o dever constitucional de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, alçado a direito fundamental. Nesse sentido, as normas tributárias representam importante mecanismo público a serviço do Estado, na condição de gestor ambiental, a fim de alcançar a proteção do meio ambiente e promover o desenvolvimento sustentável.

A partir da função indutora das normas tributárias, é possível estimular condutas sintonizadas com práticas ambientalmente adequadas, de modo a conciliá-las com o desenvolvimento econômico. Tais práticas sustentáveis também são objeto de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.

Inicialmente, o presente trabalho irá discorrer brevemente sobre as normas jurídicas nacionais e internacionais que preconizam o desenvolvimento sustentável. Em seguida, serão abordadas as iniciativas desenvolvidas no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), organização internacional dedicada a promover padrões convergentes em questões econômicas, financeiras, comerciais, sociais e ambientais. O Relatório da OCDE tratará da intersecção entre sistema tributário, inovação e meio ambiente.

O objetivo do presente artigo consiste em descrever a experiência dos países da OCDE na indução do desenvolvimento sustentável por meio de normas tributárias, e como a prática tem sido adotada no Brasil. Para tanto, será utilizado o método dedutivo, descritivo e qualitativo, por meio de pesquisa doutrinária, bibliográfica e da legislação.

  1. O desenvolvimento sustentável nas normas jurídicas nacionais e internacionais

A ordem econômica na Constituição Federal (CF) impõe que o desenvolvimento econômico nacional seja dirigido por diretrizes ambientalmente protetivas. Em seu Título VIII, ao tratar da Ordem Social, o art. 225 da CF/1988 estatui que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Impõe-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e de preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Ademais, ao tratar dos princípios da Ordem Econômica, a Constituição Federal também faz menção à defesa do meio ambiente, em seu art. 170, inc. VI. Ou seja, a Constituição estabelece a necessária compatibilização entre o desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente. Portanto, da interpretação sistemática de tais dispositivos constitucionais, extrai-se a baliza do desenvolvimento sustentável, como um novo modelo de desenvolvimento, que leva em conta a finitude dos recursos naturais e o impacto ambiental.

O direito internacional também dispõe sobre o desenvolvimento sustentável. O Relatório Brundtland, de 1987, intitulado Nosso Futuro Comum pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas, conceitua o desenvolvimento sustentável como aquele capaz de atender as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991, p. 46).

Por sua vez, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) representam uma agenda mundial adotada durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável em setembro de 2015 composta por 17 objetivos e 169 metas a serem atingidos até 2030. Na temática ambiental, trata da preservação e conservação do meio ambiente, com ações que vão da reversão do desmatamento, proteção das florestas e da biodiversidade, combate à desertificação, uso sustentável dos oceanos e recursos marinhos até a adoção de medidas efetivas contra mudanças climáticas. Na área econômica, aborda o uso e o esgotamento dos recursos naturais, a produção de resíduos, o consumo de energia, entre outros (fonte: https://www.estrategiaods.org.br/conheca-os-ods/; acesso em 15 nov. 2022). A vertente institucional, com atuação dos governos e outros atores sociais relevantes, assume especial relevância para a efetiva implementação dos ODS.

Sobre o desenvolvimento sustentável, Netto (2004, p. 139) entende que a proteção do meio ambiente possuiu um vínculo muito forte com o próprio desenvolvimento econômico e com o desenvolvimento social. Como já advertiu Bercovici (2011, p. 215), não há que se falar em desenvolvimento econômico sem falar em desenvolvimento social, pois, se assim o for, estar-se-á diante, apenas, de uma modernização, e esta não traz nada além de mais concentração de renda. Portanto, os mecanismos de proteção ambiental, constitucionalmente elencados, dizem respeito, necessariamente, ao desenvolvimento econômico sustentável.

Ademais, o desenvolvimento sustentável prevê que a atividade econômica deve colaborar para a erradicação da pobreza, além de propiciar um nível de vida que satisfaça as necessidades essenciais da população, mas ao mesmo tempo assegure às futuras gerações as mesmas condições naturais, ou até melhores que as existentes na atualidade. (NETTO, 2004, p. 141).

Feitas essas considerações iniciais a respeito das normas nacionais e internacionais fundamentadoras do desenvolvimento sustentável, cabe destacar o papel de indução comportamental da tributação, que busca dar concretude a tais normas jurídicas. A indução funciona como meio de intervenção sobre o domínio econômico, a fim de promover a conciliação do desenvolvimento econômico com a preservação ambiental e o progresso social.

Com efeito, a norma tributária, além de determinar a forma pela qual se dará o financiamento do Estado, produz diversos efeitos sobre o comportamento dos contribuintes, destacando-se, por sua importância enquanto meio de intervenção sobre o domínio econômico, seu caráter indutor (SHOUERI, 2005).

Assim, é exatamente no campo da indução que a tributação pode servir como um significativo instrumento de realização dos direitos sociais, dentre eles, em especial, a defesa do meio ambiente. Schoueri (2005) é enfático ao afirmar que a defesa do meio ambiente é uma área propícia para a utilização das normas tributárias indutoras.

Dessa forma, o Estado se utiliza de instrumentos fiscais e intervém na economia com o objetivo de preservar e defender o meio ambiente, a fim de implementar a sustentabilidade. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (2013, p. 619), a interferência do Estado na ordem econômica ocorre de três formas: (i) pelo poder de polícia, mediante leis e atos normativos, atuando como agente regulador da atividade econômica, com funções de fiscalização e planejamento (artigo 174 da CF/1988); (ii) por incentivos à iniciativa privada com favores fiscais (artigo 174 da CF/1988); e (iii) o próprio Estado em casos excepcionais, atuando empresarialmente na economia, mediante instituições que cria para tal fim.

Por sua vez, Eros Roberto Grau entende que há três formas de intervenção do Estado no domínio econômico, a saber:

(i) por absorção ou participação: o Estado desenvolve atividade econômica no sentido estrito, como agente econômico. A intervenção por absorção ocorre na medida em que o Estado assume integralmente o controle dos meios de produção, atuando em regime de monopólio. No caso da intervenção por participação, o Estado assume o controle de parte dos meios de produção, de modo a atuar em regime de competição com empresas privadas;

(ii) por direção: o Estado atua sobre o domínio econômico, como regulador das atividades econômicas em sentido estrito. Nesse caso, exerce pressão sobre a economia, ao estipular mecanismos e normas de comportamento compulsório;

(iii) por indução: o Estado também é regulador e manipula os instrumentos de intervenção em conformidade com as leis que regem o funcionamento dos mercados. Trata-se de normas dispositivas, que não buscam suprir a vontade dos destinatários, mas sim induzi-los a uma opção econômica de interesse coletivo e social que transcende os interesses individuais.

Portanto, no caso da intervenção por indução, de que trata o presente trabalho, as normas dispositivas objetivam induzir seus destinatários a uma determinada opção econômica de interesse coletivo e social, notadamente mecanismos tributários que buscam induzir a opção por produtos, serviços e atitudes desejáveis do ponto de vista ambiental.

Nesse tipo de intervenção, o Estado cria incentivos fiscais com o objetivo de induzir os agentes econômicos a praticarem condutas de reparação ou de preservação ambiental (AMARAL, 2007, p. 47). Tal indução de comportamentos pode ocorrer por meio da chamada extrafiscalidade, que consiste no uso de instrumentos tributários com finalidades não arrecadatórias. Busca-se estimular, induzir ou coibir comportamentos, a fim de realizar valores constitucionalmente consagrados (ATALIBA, 1990).

Roque Antonio Carrazza (2013) afirma que há extrafiscalidade quando o legislador, em nome do interesse coletivo, “aumenta ou diminui as alíquotas e/ou as bases de cálculo dos tributos, com o objetivo principal de induzir os contribuintes a fazer ou deixar de fazer alguma coisa” (2013, p. 109). Ao tratar da tributação e da defesa do meio ambiente, o autor destaca que a atividade financeira, incluída a tributária, não é um fim em si mesma, mas é meramente instrumental, outorgando ao Estado meios pecuniários para alcançar os fins dispostos na Constituição Federal. Assim, o Estado Democrático de Direito demanda, para além de tributos justos, a implementação dos objetivos constitucionais, entre os quais o desenvolvimento sustentável. O autor também afirma que as intervenções legislativas são legítimas desde que não “esgotem” a riqueza dos contribuintes ou os impossibilitem de manter atividades econômicas lícitas, uma vez que nesses casos o tributo se caracterizaria confisco (CARRAZZA, 2013, p. 796).

Não se pode olvidar o efeito indesejado da chamada monetarização do Direito Ambiental. Utilizado o instrumento tributário com efeito indutor, o contribuinte já não mais é visto como alguém que gera danos, mas como alguém que paga a conta e por isso (especialmente) legitimado a usar ou consumir bens de natureza ambiental. A consequência é, a médio prazo, redução de sua propensão a evitar a prática danosa ao ambiente, além da própria perda de consciência ambiental (HÖFLING, apud SHOUERI, 2005, p. 48).

Nesse contexto, para os tributos sobre o consumo, em que uma tributação agravada pretende desincentivar o consumo de bens indesejados, vale o alerta de Gawel acerca da importância de se medir a elasticidade da oferta e da demanda, já que se for inelástica, de nada adiantará um agravamento da tributação, que apenas aumentará o preço dos bens, sem modificar o consumo. Tratando de um tributo ecológico, o autor afirma que bens e atividades com elasticidade de preços (e tributária) apenas baixa não oferecem justificativa constitucionalmente aceitável para uma intervenção tributária indutora. Prossegue, informando que um tributo indutor que não oferece a seu destinatário a possibilidade de “reduzir a quantidade de seu consumo ambiental revela-se imediatamente ‘sem sucesso’ e portanto impróprio e, em seu efeito tributário, materialmente injustificado” (apud SHOUERI, 2005, p. 49).

Diante do panorama jurídico traçado, demonstra-se a necessidade de lançar mão das ferramentas tributárias “como instrumento indispensável para a implementação das políticas públicas ambientais” (TUPIASSU, 2006). Assim, será possível estimular comportamentos sustentáveis, e induzir os contribuintes à ecorresponsabilidade, com vistas a efetivar o desenvolvimento sustentável, não somente em nível nacional, mas em prol de toda a coletividade global.

  • Tributação sustentável: a experiência dos países da OCDE

Inicialmente, cabe registrar que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é uma organização internacional fundada em 1961, composta por 38 países, da qual o Brasil faz parte. Busca estabelecer padrões internacionais baseados em evidências, e encontrar soluções para uma série de desafios sociais, econômicos e ambientais (fonte: www.oecd.org (em inglês); acesso em 15 nov. 2022). A OCDE elaborou relatório intitulado “El sistema tributario, la innovación y el medio ambiente” em 2012. Segundo o relatório, como forma de implementar o desenvolvimento sustentável, o Estado se utiliza da tributação relacionada ao meio ambiente, que consiste em qualquer pagamento compulsório e não recompensado para o governo geral incidente sobre bases de cálculo consideradas como especialmente relevantes para o meio ambiente (OCDE, 2012, p. 40).

Tais bases de cálculo podem incluir veículos automotores, lixo, emissões de poluentes, recursos naturais, entre outras. Consideram-se os tributos “não recompensados” uma vez que os benefícios proporcionados pelo governo para os contribuintes geralmente não são proporcionais aos pagamentos. Portanto, adotou-se uma definição ampla de tributo relacionado ao meio ambiente, que leva em conta apenas sua base de cálculo e não a intenção ou adequação do tributo.

Em apertada síntese, o relatório da OCDE conclui que, em alguns países, há alíquotas diferenciadas conforme as características do combustível, como a quantidade de combustível renovável presente e o nível de enxofre, o que pode induzir o consumo de combustíveis renováveis ou menos poluentes. Verificou-se ainda que a tributação de veículos automotores influencia na composição da frota nacional e no tipo de carro adquirido pela população. Assim, há uma tendência, em prol da sustentabilidade, de que os tributos considerem as características ambientais do veículo, tais como a eficiência de combustível, emissão de gás carbônico por quilômetro e peso. Ademais, os tributos adotados em diversos países possuem uma fórmula complexa que incluem diversas variáveis, entre as quais o combustível utilizado pelo veículo é um dos fatores determinantes (OCDE, 2012, p. 47).

O relatório da OCDE também menciona que a emissão de óxidos de nitrogênio (NOx) gera significativa poluição do ar. Por exemplo, o NOx influencia na camada de ozônio, na chuva ácida, na mudança climática e na deterioração da qualidade da água, e se forma geralmente como resultado da combustão. Por esse motivo, alguns países da OCDE, como Estados Unidos e Coreia do Sul, implementaram impostos diretamente sobre as emissões de NOx no ar. A mensuração de tais emissões pode ser difícil, o que geralmente requer sistemas de monitoramento sofisticados para uma avaliação adequada. Com efeito, a experiência da Suécia demonstra que os custos iniciais podem gerar algum atraso na implementação desses impostos. Todavia, uma vez instalados, proporcionam informação relevante tanto ao governo como às indústrias, o que conduz à redução expressiva das emissões. (OCDE, 2012, p. 54).

No tocante aos solventes clorados, a OCDE informa que vários países recolhem impostos sobre esse tipo de substância, utilizada em processos industriais específicos. Alguns solventes clorados contribuem para a destruição da camada de ozônio, como os clorofluorcarbonetos (CFC). Sua utilização sofreu profunda redução desde o Protocolo de Montreal, todavia outros solventes clorados continuam sendo utilizados, e são danosos ao meio ambiente. Dinamarca e Noruega passaram a tributar os solventes e apresentaram reduções substanciais no nível de uso dessas substâncias (OCDE, 2012, p. 56).

Por sua vez, os pesticidas e fertilizantes podem danificar bastante o meio ambiente devido a seus efeitos sobre a fauna silvestre, a biodiversidade, além de contaminar os sistemas hídricos. Mesmo assim, apenas alguns países tributam os pesticidas como meio de reduzir seu uso, entre os quais se destacam a Noruega, a Dinamarca e a Suécia. Convém ressaltar o sistema de tributação da Noruega, que classifica cada pesticida com base nos malefícios à saúde humana e ao meio ambiente. Tal política tributária estimula a redução do uso de pesticidas e fertilizantes, além de incentivar a substituição por produtos menos danosos. Ademais, a introdução do Programa de Registro, Avaliação, Autorização e Restrição de Substâncias Químicas (Reach, sigla em inglês) na Área Econômica Europeia pode apresentar aos governos a informação mais completa sobre decisões com risco em matéria de impostos ambientais sobre os pesticidas (OCDE, 2012, p. 57).

Outro aspecto tratado pela OCDE acerca da tributação sobre poluentes específicos consiste nos programas para reduzir as quantidades de resíduos produzidos pelas famílias e pela indústria. Verificou-se que a efetividade da tributação sobre o lixo é menos direta, considerando que a eficácia sobre os resíduos é menor, dada a distância entre a imposição do tributo –, que ocorre no momento em que o lixo é descartado – e a ação que efetivamente causa o dano, a saber, a criação de lixo pelo produtor. Com efeito, quem descarta o lixo e paga o tributo normalmente não detém controle sobre as embalagens, determinadas pelos produtores (OCDE, 2012, p. 60).

Portanto, o relatório da OCDE apresenta contexto de atuação governamental por meio do sistema tributário, demonstrando haver forte intersecção entre impostos, inovação e meio ambiente. A arrecadação de impostos verdes representou cerca de 7% do total, entre os 34 membros da OCDE no período de 1994 a 2007 (atualmente 38). O fato indica ser ainda incipiente a utilização dos instrumentos tributários para induzir o desenvolvimento sustentável e impulsionar a inovação em tecnologias e processos ambientalmente mais eficientes. A partir dos dados constantes no relatório da OCDE, evidencia-se a importância de desenhar e colocar em prática políticas adequadas, inclusive de viés tributário, para fazer frente aos desafios ambientais.

  • A experiência do Brasil: casos práticos de tributação verde

No Brasil, a tributação sobre a propriedade territorial urbana e rural, caso do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), pode ser considerada espécie de tributação verde, pois visa a zelar pelo cumprimento da função socioambiental da propriedade. Sobre o assunto, o Estatuto da Terra delimita que a função social da propriedade rural é determinada pelo: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Nesse contexto, a Constituição impõe que a propriedade se destina não apenas à satisfação íntima de seu proprietário, mas, sobretudo, ao atendimento do interesse social ou coletivo, especialmente à preservação do meio ambiente para garantir o bem-estar de toda a sociedade. É o que se extrai dos arts. 5º, incisos XXIII, 170, incisos II e III, 182, § 2º, 185, parágrafo único, 186, incisos I e II e 225, caput (MIGUEL; LIMA, 2012).

Outra forma de tributação verde adotada no Brasil consiste nos incentivos fiscais, mecanismo que objetiva estimular os contribuintes a exercer atividades ou a assumir custos que resultem na diminuição da poluição ao meio ambiente. Podem ser utilizadas as chamadas “isenções fiscais verdes”, formas de “exoneração tributária concedida com escopo extrafiscal de induzir ou recompensar comportamentos ambientalmente benéficos” (BRITO, 2017, p. 235) e com fundamento explícito no princípio ambiental do protetor-recebedor, definido por Paulo Sérgio Miranda Gabriel Filho (2014, p. 83):

O princípio do Protetor Recebedor defende que o agente público ou privado que de alguma forma protege um bem natural que reverte em benefício da comunidade, deve receber uma compensação financeira como incentivo pelo serviço prestado. Esse princípio serve de incentivo econômico a quem protege áreas e representa um símbolo de justiça econômica no momento em que valoriza os serviços ambientais prestados, remunerando esse serviço. Parte do pressuposto que se tem valor econômico, é justo que se receba por ele.

O Estado do Amazonas aplicou o referido princípio ambiental ao expedir a Lei 3.135/2007 (AMAZONAS, 2007), que instituiu a política estadual sobre mudanças climáticas, conservação ambiental e desenvolvimento sustentável do Amazonas. A lei instituiu hipóteses de extrafiscalidade na incidência de Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), com vistas a estimular atividades que diminuam a poluição. Conferiu benefícios de isenção ou de redução de base de cálculo relativos ao IPVA, no caso de veículos que reduzam emissão de gases de efeito estufa, seja por adotarem sistemas ou tecnologias, seja por substituírem o combustível utilizado por gás ou biodiesel (art. 15, II, a e b).

Vale mencionar ainda a adoção do chamado ICMS Ecológico no Brasil, instituído para premiar as “condutas verdes”. O fundamento encontra-se no art. 158, parágrafo único, II, da Constituição Federal, com a redação dada pela EC 108/2020. Conferiu-se liberdade ao legislador estadual para destinar até 35% da parcela transferível do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) aos municípios, de acordo com as disposições das respectivas legislações estaduais.

A partir dessa previsão constitucional, diversos Estados brasileiros passaram a adotar o ICMS Ecológico, a fim de permitir a transferência aos respectivos municípios de parcelas maiores do ICMS em face do cumprimento de determinados critérios ambientais definidos em lei.

Atualmente, a maior parte dos Estados brasileiros aderiu ao ICMS Ecológico, no total de dezessete, a saber: Acre, Amapá, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, São Paulo e Tocantins. Apenas nove Estados ainda não estipularam o critério ecológico como mecanismo diferenciado de repasse de receitas: Alagoas, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Maranhão, Roraima, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Sergipe (MELLO et al., 2020).

O primeiro Estado brasileiro a instituir o ICMS Ecológico foi o Paraná, por meio da Lei Complementar Estadual 59/1991 (PARANÁ, 1991). De acordo com a referida lei, destina-se 5% (cinco por cento) da arrecadação de ICMS aos municípios que abriguem em seu território unidades de conservação ambiental ou que sejam diretamente influenciados por elas, ou àqueles com mananciais de abastecimento público (artigos 1º e 4º, I).

A aplicação da lei acarretou um aumento de 160% de espaços territorialmente protegidos naquele ente federativo entre os anos de 1991 e 2005 (AMADO, 2011, p. 601). Trata-se de experiência decorrente do federalismo fiscal ambiental, no sentido de que “A União, portanto, deve existir e subsistir através da felicidade dos entes que dela fazem parte”, nos termos de Paulo Affonso Leme Machado (2012, p. 440). Tal felicidade é constituída de vários elementos, entre os quais a implementação do direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e propício a uma sadia qualidade de vida (art. 225, caput, da CF/1988).

Assim, “a existência da Federação não pode basear-se na felicidade de alguns Municípios, construída sobre a infelicidade de outros”, isto é, “o desenvolvimento de uma parte da Federação não pode ser conseguido à custa da poluição e da degradação da natureza da outra parte, ainda que seja do menor, do mais pobre e do mais distante dos Municípios” (MACHADO, 2012). As palavras do autor traduzem a denominada solidariedade espacial na preservação do meio ambiente. Dessa forma, impõe-se a todos os entes da Federação – União, Estados e Municípios –, inclusive por meio da tributação ambiental, o dever de defesa do meio ambiente, indissociável da busca do desenvolvimento econômico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O meio ambiente como direito fundamental deve ser defendido e preservado por meio da formulação e efetiva implementação de políticas públicas que incorporem uma filosofia de crescimento econômico associado ao equilíbrio ambiental. Para alcançar esse mandamento constitucional e cumprir os objetivos do desenvolvimento sustentável, firmados em nível internacional, as intervenções tributárias são chamadas a colaborar.

A experiência dos países da OCDE tem demonstrado o sucesso na instituição da tributação sustentável, de modo a induzir o consumo de combustíveis renováveis ou menos poluentes, além de reduzir a emissão de poluentes no ar, e a utilização de pesticidas e fertilizantes. O relatório da instituição evidencia a importância de desenhar e implementar políticas adequadas, inclusive de viés tributário, para enfrentar os desafios do desenvolvimento sustentável.

O Brasil, integrante da OCDE, também aplica internamente formas de tributação sustentável, por meio das isenções fiscais verdes, formas de exoneração tributária com escopo extrafiscal de induzir ou recompensar comportamentos ambientalmente benéficos. Além disso, a maior parte dos Estados da Federação já instituiu o ICMS Ecológico. Ainda resta avançar, especialmente nos Estados em que repousa grande parte da Floresta Amazônica e que ainda não implantaram tal mecanismo, como Amazonas, Roraima e Maranhão.

Cumpre realizar a transição para um sistema tributário sustentável, que intervenha na economia de modo a induzir no mercado comportamentos ambientalmente corretos, como a inibição de emissões tóxicas, e, ao mesmo tempo, coibir as formas de tributação que contribuam para práticas degradantes do meio ambiente. Com efeito, o mecanismo da tributação deve ser utilizado de forma racional e estratégica, tendo sempre em vista as finalidades públicas de efetivar, de forma indissociável, o direito ao desenvolvimento econômico e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALFAIA, Fábio Lopes. A extrafiscalidade como instrumento de proteção ao meio ambiente. Revista de Estudos Jurídicos do Superior Tribunal de Justiça, 2020, p. 185-209.

AMADO, Frederico Augusto Di Trindade. Direito Ambiental Esquematizado. 2ª ed. revista, atualizada e reformulada. São Paulo: Método, 2011.

AMARAL, Paulo Henrique do. Direito tributário ambiental. Ed. Revista dos Tribunais, 2007, p. 47.

AMAZONAS (Estado). Lei Ordinária n. 3.135, de 5 de junho de 2007. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=119995. Acesso em: 6 dez 2022.

ARAÚJO, Joana Franklin. Tributação Sustentável: a experiência estrangeira e a política fiscal brasileira, 2014. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2133/tde-11022015-143539/publico/VERSAO_COMPLETA_Joana_Franklin_de_Araujo.pdf. Acesso em 15 nov. 2022.

ATALIBA, Geraldo. IPTU: progressividade. Revista de Direito Público, v. 23, n. 93, 1990, p. 49.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento. Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. v. 5. Curitiba, 2004. p. 215.

BRITO, Luís Antônio Monteiro de. Direito Tributário Ambiental: Isenções fi scais e proteção do meio ambiente. Rio de Janeiro: Lumen Juris Direito, 2017.

SILVEIRA, Paulo Antônio Caliendo Velloso da; RAMMÊ, Rogério Santos; MUNIZ, Veyzon Campos. Tributação e sustentabilidade ambiental: a extrafiscalidade como instrumento de proteção do meio ambiente. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, v.19, n.76, p. 471-490, out./dez. 2014. Disponível em: https://dspace.almg.gov.br/handle/11037/32460. Acesso em: 6 dez 2022.

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, São Paulo, Malheiros, 2013, p. 109, 796.

COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (CMMAD). Nosso Futuro Comum. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1991. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4245128/mod_resource/content/3/Nosso%20Futuro%20Comum.pdf. Acesso em: 5 nov. 2022.

FREITAS, Juarez. O tributo e o desenvolvimento sustentável. Revista Novos Estudos Jurídicos – Eletrônica, Vol. 21 – n. 3, set-dez 2016. Disponível em: file:///C:/Users/Glenda%20Grando/Downloads/amello,+Artigo+3.pdf. Acesso em: 15 nov. 2022.

GABRIEL FILHO, Paulo Sérgio Miranda. Curso de Direito Tributário Ambiental. Curitiba: Editora CRV, 2014.

GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, p. 133.

LAZARI, Rafael de; NASCIMENTO, Jonatas Albino do. RJLB, Ano 7 (2021), nº 6, 1273-1290

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 21ª ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2012.

MELLO, Elizabete; SOUZA, Kerolyn Reis; COSTA, Thais Silva. Análises Críticas do ICMS Ecológico nos Estados Brasileiros. Revista de Direito da Cidade, vol. 12, nº 4, 2020. ISSN 2317-7721. pp.2646-2684. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/view/53878. Acesso em: 6 dez. 2022.

MIGUEL, Luciano Costa; LIMA, Lucas Azevedo. Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 12(23): 193-214, jul.-dez. 2012.

NETTO, Alexandre de Oliveira. Análise crítica acerca do ICMS ecológico e repartição ecológica do ICMS. Revista Direito Tributário Atual (137-157), 2011.

OCDE. El sistema tributario, la innovación y el medio ambiente, Foro Consultivo Científico y Tecnológico. A.C., México, D.F., 2012. Disponível em: https://doi.org/10.1787/9789264208193-es. Acesso em: 15 nov. 2022.

PARANÁ (Estado). Lei Complementar n. 59, de 1 de outubro de 1991. Disponível em: https://leisestaduais.com.br/pr/lei-complementar-n-59-1991-parana-dispoe-sobre-a-reparticao-de-5-do-icms-a-que-alude-o-art-2-da-lei-n-9491-90-aos-municipios-com-mananciais-de-abastecimento-e-unidades-de-conservcao-ambiental-assim-como-adota-outras-providencias . Acesso em: 6 dez 2022.

SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense: 2005, pp. 41-72, 203-209.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional, 4ª ed., São Paulo, Malheiros, 2002. TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Tributação ambiental: a utilização de instrumentos econômicos e fiscais na implementação do direito ao meio ambiente saudável. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 128.


[1] Doutor e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor Adjunto da Escola de Direito da Universidade do Estado do Amazonas. Juiz do trabalho. tuliomasi@hotmail.com

[2] Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Amazonas. Auditora federal de controle externo. Advogada. grandoglenda@gmail.com