A IMPORTÂNCIA DO INSTITUTO DO OMBUDSMAN COMO INSTRUMENTO DE EXERCÍCIO DA CIDADANIA: UM ESTUDO DE CASO DO PROJETO “OUVIDORIA NAS ESCOLAS” DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO AMAZONAS

A IMPORTÂNCIA DO INSTITUTO DO OMBUDSMAN COMO INSTRUMENTO DE EXERCÍCIO DA CIDADANIA: UM ESTUDO DE CASO DO PROJETO “OUVIDORIA NAS ESCOLAS” DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO AMAZONAS

1 de março de 2023 Off Por Cognitio Juris

THE IMPORTANCE OF THE OMBUDSMAN INSTITUTE AS AN INSTRUMENT FOR THE EXERCISE OF CITIZENSHIP: A CASE STUDY OF THE “OMBUDSMAN IN SCHOOLS” PROJECT OF THE COURT OF AUDIT OF THE STATE OF AMAZONAS

Artigo submetido em 05 de janeiro de 2023
Artigo aprovado em 12 de janeiro de 2023
Artigo publicado em 01 de março de 2023

Cognitio Juris
Ano XIII – Número 45 – Março de 2023
ISSN 2236-3009

Autores:
Túlio Macedo Rosa e Silva[1]
Jéssica Dayane Figueiredo Santiago[2]

RESUMO: A presente pesquisa propôs-se a fazer um estudo sobre a importância do instituto do ombudsman no Brasil como instrumento de exercício da cidadania. O caso paradigma eleito foi o projeto “Ouvidoria nas escolas” desenvolvido pelo Tribunal de Contas do Estado do Amazonas – TCE/AM em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Manaus/AM. Objetivou-se demonstrar que embora crianças e adolescentes não sejam cidadãos dentro do conceito jurídico estabelecido na Constituição Federal, assim considerada a possibilidade do indivíduo de votar e ser votado, estes são destinatários finais de políticas públicas, sendo, portanto, cidadãos dentro do conceito de cidadania social, possuindo assim legitimidade para clamar por políticas públicas, notadamente aquelas voltadas para a educação. Neste viés, o projeto de ouvidoria estudantil atribui ao jovem qualificação para o exercício da cidadania, estimulando o debate e favorecendo seu protagonismo social. Foi utilizado o método dedutivo, pois foram analisadas literaturas que trazem as temáticas do instituto do ombudsman e da cidadania. Deste modo, a pesquisa é bibliográfica e o estudo tem abordagem qualitativa, pois buscou-se obter, por meio do estudo de um caso concreto, a importância exercida pela qualificação de jovens para o exercício da participação na condução e execução de políticas públicas.

PALAVRAS-CHAVE: Ombudsman. Ouvidoria. Cidadania. Políticas Públicas.

ABSTRACT: The present research aims to carry out a study on the importance of the ombudsman institute in Brazil as an instrument for exercising citizenship. The chosen paradigm case was the project “Ombudsman in schools” developed by the Court of Auditors of the State of Amazonas – TCE/AM in partnership with the Municipal Department of Education of Manaus/AM. The objective was to demonstrate that although children and adolescents are not citizens within the legal concept established in the Federal Constitution, thus considering the possibility of the individual to vote and be voted for, they are final recipients of public policies, being, therefore, citizens within the concept of social citizenship, thus having permission to call for public policies, notably those assisted for education, in this bias, the student ombudsman project attributes to young people’s qualification for the exercise of citizenship, stimulating debate and favoring their social protagonism. The deductive method was used, as literatures that bring the themes of the ombudsman institute and citizenship were followed, thus, the research is bibliographical and the study has a qualitative approach, as it sought to obtain, through the study of a concrete case , the importance of qualifying young people to exercise participation in conducting and executing public policies.

KEYWORDS: Ombudsman. Citizenship. Public policy.

INTRODUÇÃO

O exercício da cidadania, direito fundamental consagrado na Constituição Federal, pressupõe a participação efetiva do cidadão na criação, condução e fiscalização de políticas públicas, pois, em regra, é o destinatário final dos atos administrativos articulados pelo Estado.

O conceito de cidadania mais assentado na doutrina é o jurídico, definido por José Afonso da Silva como a “capacidade do indivíduo de votar e ser votado”. No entanto, este conceito vem sendo ampliado para algo definido por Bernardo Gonçalves Fernandes como um conceito “aberto” em permanente transmutação (Fernandes, 2021).

Thomas Humphrey Marshall desenvolveu estudos sobre a cidadania em seus três elementos (civil, político e social). Dentro das pesquisas mencionadas neste artigo procura-se demonstrar que, apesar de crianças e adolescentes não serem cidadãos dentro do conceito jurídico, estes são destinatários finais de políticas públicas e podem participar ativamente na criação, condução e fiscalização dessas políticas, notadamente aquelas que voltadas à qualidade da educação (Souki, 2006).

Dessa forma, pretende-se apontar o instituto do ombudsman como um instrumento para a consolidação do exercício da cidadania, pois a figura do ouvidor representa um intermediário entre as manifestações do povo e a administração estatal.

A fim de interligar esses dois institutos: ouvidoria e cidadania, escolheu-se o projeto “Ouvidoria nas escolas” desenvolvido pelo Tribunal de Contas do Estado do Amazonas em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Manaus – SEMED, pois este visa qualificar estudantes da rede pública para desempenharem funções típicas da cidadania no controle social e estatal.

O método é o dedutivo, na medida em que se busca analisar diversas contribuições feitas por autores que se dedicam ao estudo da matéria constitucional relativa à cidadania e ouvidoria. A técnica de pesquisa utilizada é a bibliográfica, ou seja, tem como base o levantamento e o estudo de legislações, doutrinas, artigos, revistas, teses e dissertações referentes ao tema. Por fim, o estudo tem a finalidade qualitativa, pois, a partir da análise documental, apresenta-se a importância exercida pelo projeto “Ouvidoria nas escolas”, para formação cidadã de crianças e adolescentes da rede pública de ensino.

1. O CONCEITO DE CIDADANIA

A Constituição de 1988 possui como principais fundamentos estruturantes o princípio republicano, a democracia, o princípio federativo, o estado de direito, o princípio da separação de poderes, a soberania, a cidadania, a dignidade humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político (Fernandes, 2021, p. 325)

Para José Afonso da Silva (2014, p. 350), ser “cidadão no direito brasileiro, é o indivíduo que seja titular dos direitos políticos de votar e ser votado e suas consequências”. Por outro lado, o eminente professor entende outrossim que o conceito de cidadania possui um sentido mais amplo do que ser titular de direitos políticos (2014, p.106), engloba além disso o reconhecimento do indivíduo como pessoa integrada na sociedade estatal, submetendo, desta maneira, o funcionamento do Estado à vontade popular.

Conforme Fernandes (2021, p. 348), o conceito de cidadania se encontra em permanente transmutação “a cidadania não é algo pronto e acabado, mas se apresenta como processo (um caminhar para) de participação ativa na formação da vontade política e afirmação dos direitos e garantias fundamentais, sendo ao mesmo tempo um status e um direito”.

Cidadania pressupõe participação na condução das políticas públicas, cujo exercício além de ser um direito fundamental previsto na Constituição Federal[3], é também um dever do cidadão estar ciente de todas as decisões e ações que possam influenciar a condução da vida do povo dentro do Estado brasileiro.

A Constituição de 1988 representou um marco na ampliação, de forma expressa, dos meios de participação do cidadão através de inúmeros mecanismos como: ação popular (art. 5º, LXXII, CRFB); denúncia de irregularidades perante o Tribunal de Contas da União (art. 74, §2º, CRFB) e, pelo princípio da simetria, perante os Tribunais de Contas do Estado e Municípios (onde houver); participação de seis cidadãos brasileiros no Conselho da República (art. 89, CRFB); participação de cidadãos eleitos pelo voto direto, na justiça de paz (art. 98, II, CRFB), participação de dois cidadãos no Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, XIII, CRFB); participação de dois cidadãos no Conselho Nacional do Ministério Público (art. 130-A, VI, CRFB); possibilidade de denunciar magistrados e serviços judiciários junto ao CNJ (art. 103-B, §5º, I, CRFB); possibilidade de denunciar membros do Ministério Público e serviços auxiliares (art. 130-A, §3º, I, CRFB); gestão quadripartite da seguridade social, com participação dos trabalhadores, empregadores, aposentados e governo nos órgãos colegiados (art. 194, parágrafo único, VII, CRBF); gestão democrática do ensino público, na forma da lei (art. 206, VI, CRFB); sistema nacional de cultura, de forma participativa e gestão democrática (art. 216-A, CRFB) e participação popular na apresentação de proposições legislativas (art. 61, §2º, CRFB) (Martins, 2017, p. 1125 a 1129).

A ampliação do conceito de cidadania tem sido objeto de inúmeros estudos que se ocuparam inclusive na elaboração de uma divisão em cidadania social, cidadania civil e cidadania política, como no artigo “A dimensão social da cidadania” em que seu autor aborda suas características:

“A cidadania civil é constituída pelos direitos necessários ao exercício da liberdade individual, como liberdade de ir e vir e liberdade de contratar (inclusive de firmar contrato de trabalho), ou pelo direito de possuir propriedades, e é garantida pelo sistema legal. A cidadania política é o direito de participar do poder político tanto diretamente, pelo governo, quanto indiretamente, pelo voto. Faz parte das instituições representativas dos governos local e nacional. A cidadania social é o conjunto de direitos e obrigações que possibilita a participação igualitária de todos os membros de uma comunidade nos seus padrões básicos de vida.” (ROBERTS, 1997, p. 5-22).

O conceito de cidadania social trazido na pesquisa referida foi elaborado com base em estudos de outros teóricos, especialmente o sociólogo Thomas Humphrey Marshall. Cidadania social se consubstancia na necessidade de envolver todos os indivíduos de uma comunidade na participação e condução de ações sociais, políticas e econômicas que possam gerar efeitos em suas vidas.

Seguindo a mesma corrente ideológica (De Oliveira, 2010) sustenta que “o sistema educacional e os serviços sociais são as instituições que mais representam esses direitos” no exercício da cidadania.

Afora os indivíduos habilitados juridicamente para o exercício da cidadania civil e política, podemos citar como exemplo de indivíduos que estão habilitados para o exercício da cidadania social as crianças e os adolescentes (menores de dezoito anos) que não são cidadãos, dentro do conceito jurídico[4] estabelecido no ordenamento brasileiro, pois embora os maiores de dezesseis anos possam votar, não podem ser votados, ou seja, representar o povo, mas são titulares de direitos e destinatários finais de inúmeras políticas públicas, principalmente na área da educação. Estes indivíduos podem ser considerados cidadãos dentro do conceito social, pois são membros da comunidade e, dessa forma, possuem legitimidade para o exercício de participação na condução de políticas públicas que são de seu interesse.

A Constituição Federal estabelece em seu artigo 205 que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Preparar os jovens para o exercício da cidadania também é substancial para sua formação, apenas a educação é capaz de promover mudanças sociais efetivas, informar sobre direitos e deveres e incentivar a prática de elaboração de propostas de melhorias viabiliza inclusive a verbalização de reclamações quando o indivíduo percebe que o Estado não está promovendo aquilo que lhe é de direito.

Dentro desse viés, (Gonçalves, 2007):

“A educação política enquanto prática de cidadania activa reclama formar: sujeitos socialmente comprometidos, verdadeiros protagonistas do dia-a-dia, isto é, cidadãos conscientes, críticos e militantes, porque a Cidadania não deve ser resumida a uma soma de direitos e deveres. Ela representa, antes de mais, um modo de ser, uma implicação pessoal, uma construção do mundo e da sociedade.”

Dessa forma, para tornar cidadãos preparados para o exercício deste direito fundamental é necessário estimular desde a educação básica valores sociais e sua importância para o convívio em uma sociedade.

2 O INSTITUTO DO OMBUDSMAN

A origem do instituto do ombudsman no Brasil está diretamente relacionada com a promulgação da Constituição Federal de 1988, lei fundamental que marcou a redemocratização do Brasil com o fim da ditadura militar.

A nova constituição possui como uma de suas características principais o rol analítico de direitos e garantias fundamentais que foram expressamente introduzidos no texto constitucional.

“Introduz a Carta de 1988 um avanço extraordinário na consolidação dos direitos e garantias fundamentais, situando-se como o documento mais avançado, abrangente e pormenorizado sobre a matéria da história constitucional do país. É a primeira Constituição brasileira a iniciar com capítulos dedicados aos direitos e garantias, para, então, tratar do Estado, de sua organização e do exercício dos poderes. Ineditamente, os direitos e garantias individuais são elevados a cláusulas pétreas, passando a compor o núcleo material intangível da Constituição (artigo 60, parágrafo 4º). Há a previsão de novas direitos e garantias constitucionais, bem como o reconhecimento da titularidade coletiva de direitos, com alusão a legitimidade de sindicatos, associações e entidades de classe para a defesa de direitos.” (PIOVESAN e VIEIRA, 2006, p. 128-146)

Conforme Tácito (1988), houve uma iniciativa na Assembleia Nacional Constituinte de se incorporar “ao texto magno de concepções modernas de direito público, mediante as quais se cuida de ampliar o conceito de cidadania e amparar interesses essenciais da vida comunitária”.

O referido autor destaca entre tais sugestões inovadoras aquela que se destinava a “importar uma instituição de defesa de direitos fundamentais e de controle da administração pública, que já alcançou trânsito no direito comparado”. Este órgão receberia o nome de “defensor do povo”, foi incluído no artigo 56 do anteprojeto da Comissão de Notáveis[5].

No entanto, após uma sucessão de substituição de relatores, conforme narrado por Tácito (1988) foi abandonada a instituição da “Defensoria do povo” sendo suas características incorporadas às funções do Ministério Público.

O instituto do ombudsman, ou, como se pretendiam os primeiros relatores da constituinte de 1988 – um defensor do povo – historicamente, retrocede o início do século XIX, em que na Suécia havia a figura do justitieombudsman (comissário de justiça), eleito pelo parlamento e encarregado de cumprir e supervisionar a observância das leis, instituições similares foram verificadas em outros países (Gomes, 1988).

Ainda conforme Tácito (1988, p. 17) a primeira referência que se tem na literatura jurídica do Brasil data de 1967, “em palestra realizada sobre controle da administração e a nova Constituição do Brasil”.

Manoel Eduardo Alves Camargo e Gomes ao tratar da “Institucionalização do ombudsman no Brasil” (1987) destaca a necessidade de implementação de mecanismos de controle da administração, merece destaque o conceito do instituto estabelecido pelo autor:

“O ombudsman é, basicamente, um instituto do direito administrativo de natureza unipessoal e não-contenciosa, funcionalmente autônomo e formalmente vinculado ao Legislativo, destinado ao controle da administração, e nessa condição, voltado para a defesa dos direitos fundamentais do cidadão.”

O referido autor ainda delimita duas características básicas ao ombudsman: “a facilidade de acesso da população aos seus ofícios e a utilização de formas não-convencionais de atuação”.

Segundo Gomes (1988) o marco de institucionalização prática do instituto do ombudsman no Brasil, data da criação da Ouvidoria Municipal de Curitiba, que conforme De Mário e Moretti (2007, p. 32-41) impulsionou a expansão da criação de ouvidorias públicas pelo Brasil, representando, assim, “participação na gestão pública” e “agiriam no controle do Estado”.

“A legitimidade de uma Ouvidoria Pública está, portanto, na forma como estabelece sua relação com o Estado, por um lado, com a Sociedade Civil por outro, e na interlocução, no fluxo de informações entre ambos. Seu verdadeiro caráter democrático está em pautar essas relações nos princípios da democracia, cidadania, e na Constituição deste país. Para isso é fundamental a postura assumida pelos Ouvidores e suas equipes. O órgão perderá sua legitimidade se não conseguir atender aos seus princípios, que como vimos são o de ser fiscalizador, garantir acesso e transparência da gestão pública e defender os direitos do cidadão.” (DE MARIO e MORETTI, 2007, p. 32-41)

Para Bezerra (2014, p. 46 a 73) a institucionalização do ombudsman no Brasil tornou-se “malograda” devido às inúmeras tentativas de inserção do instituto dentro da Constituição Federal (1967 e 1988) e a ausência de equivalências do instituto com a criação das ouvidorias pelo Brasil.

“Ainda que existam no Brasil uns organismos aos quais os cidadãos podem dirigir-se para fazer reclamações acerca de má administração, não possuem os traços essenciais indicados pela mais autorizada doutrina jurídica acerca do ombudsman.”

Ainda que não haja uma instituição formal do ombudsman (ouvidor) dentro da Constituição Federal as normas que autorizam a criação das ouvidorias dentro da estrutura administrativa do Estado Brasileiro se coadunam perfeitamente com os ideais constitucionais, pois representam um mecanismo de participação popular no controle dos atos administrativos.

Assim, a ouvidoria representa um importante instrumento democrático que proporciona a intermediação entre o povo e a administração pública no tratamento de suas manifestações e satisfação de suas necessidades, além de trazer ao gestor público sugestões de melhorias na condução de políticas públicas.

3. PROJETO “OUVIDORIA NAS ESCOLAS” DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO AMAZONAS

Nos tópicos anteriores foram apresentados os conceitos de cidadania e ombudsman (ouvidor). Explicou-se a importância do ouvidor para a fiscalização da execução de políticas públicas e se traçou a sua relação com o exercício da cidadania que pressupõe a participação do povo no acompanhamento (fiscalização) dessas políticas, podendo, inclusive, influenciar a criação de novos projetos sociais e políticos.

Ao analisar o conceito de cidadania, verificou-se que este instituto se encontra em permanente transmutação estando além do conceito jurídico previsto no ordenamento jurídico brasileiro que considera cidadão aquele que tem a capacidade de votar e ser votado. Apresentou-se, dentro da doutrina sociológica, as formas de cidadania: civil, política e social, esta última sendo aquela que engloba todos os indivíduos pertencentes a uma comunidade.

Neste âmbito, o foco passou para a necessidade de considerar as crianças e os adolescentes cidadãos sociais, pois são titulares de direitos e destinatários finais de inúmeras políticas públicas, notadamente aquelas que são formuladas para a área da educação.

Voltando à importância do ouvidor, cujo instituto, consagra a importância de um intermediador entre a participação popular – no exercício da fiscalização e verbalização de inconformidades na execução de políticas públicas, ou do bom funcionamento da administração estatal – e as autoridades competentes, verificou-se a importância de levar este instituto para aqueles que ainda não possuem a capacidade jurídica de exercitar sua cidadania.

Neste sentido, merece destaque o projeto do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas, que, através de uma parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Manaus, formalizada por intermédio de um Termo de Cooperação Técnica, elaborou o projeto “Ouvidoria nas escolas”.

De acordo com as informações prestadas pelo Tribunal de Contas do Estado do Amazonas – TCE/AM, através de seu próprio canal de ouvidoria[6], o projeto de ouvidoria estudantil “visa promover a participação dos alunos do ensino fundamental, das escolas públicas municipais no controle social, pressupondo, assim, a efetiva participação da sociedade, na forma do Grêmio Estudantil das escolas públicas, não só no auxílio da gestão, mas também no desenvolvimento de projetos no âmbito escolar”.

De acordo com o projeto básico, inicialmente, no ano de 2020, foram escolhidas 3 (três) escolas da rede pública municipal de Manaus-AM: Escola Municipal Antônia Pereira, no bairro Santa Etelvina, Escola Municipal Abílio Alencar, na rodovia AM 010, km 35 e Escola Municipal Dalvina Oliveira, no bairro Tarumã.

Após o sucesso do projeto piloto, mesmo com todas as adversidades enfrentadas em decorrência da pandemia, houve a ampliação do projeto que, conforme os dados fornecidos, atualmente, ele engloba onze escolas, quais sejam: E.M. Lucila Freitas, E.M. Profª Dulcenides dos Santos, E.M. Síria Mamed, E.M. Profª Jarlece da Conceição, E.M. Raimundo Magalhães, E.M. Aristófanes Bezerra, E.M. Abílio Nery, E.M. Rodolpho Valle, E.M. Ana Mota, E.M. Waldir Garcia e E.M. Vila da Felicidade.

A metodologia consiste em levar a ouvidoria do Tribunal de Contas do Amazonas até as escolas públicas visando capacitar os estudantes a fim de promover a participação da sociedade, fortalecendo, assim, o controle social e o protagonismo juvenil.

Conforme os dados fornecidos, o projeto se divide em etapas, sendo que estas comportam aproximadamente quarenta e quatro horas, que incluem a formação dos ouvidores estudantis, imersão prática dos alunos dentro das instituições de ensino (escolas) e palestras com ênfase no tema controle social, o público alvo são os estudantes do ensino fundamental (séries iniciais e finais), ou seja, alunos do 1º (primeiro) ao 9º (nono) ano.

O objetivo geral do projeto é promover a participação cidadã dos estudantes e os objetivos específicos são: “impulsionar a capacidade de intervenção e representatividade dos jovens alunos para que cumpram seu papel no controle social da gestão pública, promover o protagonismo juvenil; envolver os participantes nos debates direcionados a cidadania; estimular os participantes a disseminar as informações adquiridas com a interação entre os pares, durante as palestras, em todos os espaços de convivência; contribuir para a formação cidadã dos alunos, estimulando o pensar e o agir coletivos, e o protagonismo na transformação e construção das políticas públicas, através das ações desenvolvidas na comunidade escolar; estimular a busca de soluções para as origens das reclamações e estimular o diálogo e zelar pelo cumprimento dos direitos dos cidadãos e usuários dos serviços públicos”.

O treinamento realizado pelo Tribunal de Contas ocorre na modalidade de educação presencial, utilizando materiais impressos e audiovisuais especialmente produzidos para o curso, atividades individuais e coletivas, e um serviço de apoio ao projeto realizado pela equipe da Ouvidoria e do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas.

A capacitação dos jovens ouvidores é realizada por instrutores do TCE/AM, com a finalidade de preparar o aluno e orientá-lo para o exercício das atividades de ouvidoria cujos módulos englobam a prática da participação popular no cotidiano da escola em ações de controle social e mediação de conflitos por meio de monitoramento da ouvidoria, articulação entre alunos e a gestão escolar.

Após o treinamento, o TCE/AM mantém um canal de atendimento com as ouvidorias instaladas nas escolas que são controladas pelos próprios alunos, para atendimento aos cursistas, propiciando a interlocução destes para fins de orientação e esclarecimento de dúvidas.

Dentro da formação dos jovens ouvidores foram organizados módulos que contêm instruções de temas relativos a formação cidadã de matriz constitucional, como, por exemplo, as “funções dos três poderes”, a “criação, função e importância dos tribunais de contas para a sociedade”, “consciência social”, “importância da participação do grêmio estudantil na gestão escolar”, “aprendendo sobre ouvidorias”, controle social, “o Projeto Ouvidoria Estudantil”, “aprendendo sobre as manifestações”, “formulários” e “procedimentos gerais”.

Como resultados alcançados pelo projeto desenvolvido, a partir do “Relatório Final” relativo ao ano de 2021, fornecido pelo Tribunal de Contas do Estado do Amazonas, destacamos o seguinte:

(…) “Quanto às manifestações, de um universo de 11543 alunos das 13 escolas participantes do projeto, o Ouvidoria Estudantil registrou cerca de 563 manifestações. Na sua maioria as demandas foram relacionadas com a merenda escolar, ficando em segundo lugar manifestações sobre a estrutura das escolas. A merenda escolar teve como maior tipo de demanda a sugestão, seguida de crítica. A estrutura escolar foi o segundo tema das manifestações mais abordadas sendo em sua maioria a de crítica.

Verifica-se, com base neste relatório, que as reclamações relativas à qualidade da merenda escolar, bem como, da estrutura da escola são elementos da prestação do serviço público que apenas aqueles que são destinatários finais podem avaliar com maior rigor.

Na conclusão do relatório, foi apontado o seguinte:

Quanto ao seu papel de instrumento de comunicação entre os alunos e as demandas do contexto escolar, inclusive necessidades de informação e, as realidades operacionais e administrativas da gestão escolar, o Ouvidoria Estudantil criou espaços além da escola como o de comunicação de demandas ao corpo executivo da SEMED sendo então os alunos do grêmio, dentre eles o ouvidor, os protagonistas para encaminhamentos das demandas escolares.

Percebe-se a criação e o fortalecimento de uma figura de representação democrática, o grêmio estudantil, fortalecendo o protagonismo dos próprios estudantes na condução de assuntos de seu interesse dentro da escola, e ainda, a possibilidade de levar suas queixas diretamente a uma instituição externa, propiciando o entendimento aos alunos de que existem várias instâncias a quem recorrer.

 Nesse processo, vimos a necessidade de fazer um adendo a operacionalização do Projeto em relação a dificuldades encontradas, bem como, a sugestão de encaminhamentos. Dificuldades encontradas: – Resistência dos gestores e equipe pedagógica ao projeto, o que se supõe que a falta de conhecimento dos temas concernentes ao controle social e a participação cidadã, indica que os referidos temas devem ser mais explorados no contexto educacional; – Limitação de tempo e disponibilidade da equipe escolar, tanto pela ausência de comprometimento quanto pela carga horária comprometida com atividades pedagógicas, ocasionando excesso de atividades a serem cumpridas. – Ausência de conhecimento específico para o tratamento das demandas e ainda noções de análises consistentes com participação ativa e efetiva nos projetos existentes.

Nesse aspecto das dificuldades encontradas, sobretudo em relação à resistência dos gestores das escolas, tal situação pode ser explicada pela necessidade de amadurecimento da sociedade a respeito dos meios e possibilidades de exercitar a cidadania, cujos fatores podem estar relacionados ao longo período em que o Brasil esteve submetido a regimes antidemocráticos ao longo de sua história política. Quanto a ausência de conhecimento específico para o tratamento das demandas, ressalta-se que o projeto ainda é novo e estão sendo realizados treinamentos periódicos para capacitar os jovens.

Encaminhamentos – Fortalecimento das orientações sobre o controle social, a participação cidadã e a transparência pública; – Sistema informatizado para recebimento de demandas do Projeto Ouvidoria Estudantil. Por fim, fica evidente a importância e a necessidade do fortalecimento desse instrumento de comunicação, conscientes de que o projeto intensifica o protagonismo dos estudantes por meio de uma postura ativa dentro do ambiente escolar, em uma democracia participativa.”

Percebe-se que o projeto, mesmo que ainda recente, já consegue causar impactos significativos na sociedade, sobretudo na formação cidadã dos jovens, proporcionando inclusão social e a criação de mecanismos de participação popular.

CONCLUSÃO

O objetivo desta pesquisa foi demonstrar a importância do instituto do ombudsman (ouvidoria) para o exercício da cidadania.

Inicialmente, abordou-se o conceito jurídico e sociológico de cidadania, o primeiro, com base na doutrina da ciência jurídica, constitui-se na capacidade de votar e ser votado, e o segundo aponta uma divisão em cidadania civil, política e social, esta última abrangendo todos os indivíduos que fazem parte de uma comunidade.

Neste viés, demonstrou-se que, embora crianças e adolescentes não sejam cidadãos no sentido jurídico, são destinatários finais de políticas públicas, tendo, portanto, legitimidade para a participação na sua criação, condução e fiscalização, notadamente para aquelas políticas desenvolvidas no âmbito da educação.

Assim, partiu-se para uma abordagem do instituto do ombudsman (ouvidor) que se constitui em verdadeiro intermediador entre as demandas apresentadas pelo povo e a administração pública, este atua na coleta de informações, reclamações e tratamento das demandas apresentadas.

A partir do encaminhamento das demandas geradas, o povo exerce sua cidadania e participa efetivamente da condução de políticas públicas.

A escolha do caso paradigma, qual seja, o projeto “Ouvidoria nas escolas” apontou a possibilidade de se atribuir aos jovens o protagonismo necessário para a condução de políticas públicas que atendam efetivamente suas necessidades.

O projeto, como ficou demonstrado, atua na qualificação/capacitação dos alunos da rede pública para o exercício da cidadania, a partir do conhecimento de seus direitos e a possibilidade de manifestação de suas insatisfações com o serviço público prestado, a fim de buscar a promoção das melhorias necessárias.

REFERÊNCIAS

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DE MARIO, Camila Gonçalves; DE SOUSA MORETTI, Ricardo. Ouvidorias Públicas Municipais no Brasil: Possibilidades e Desafios. Fórum de direito urbano e ambiental, v. 6, n. 33, p. 32-41, 2007.

DE OLIVEIRA, Paula Julieta Jorge. A CIDADANIA É PARA TODOS. Direitos, Deveres e Solidariedade. Caderno Virtual, v. 1, n. 21, 2010.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. rev., atual. e ampl. Salvador: Ed. JusPodivm, 2021.

GOMES, Manoel Eduardo Alves Camargo e. A institucionalização no Ombudsman no Brasil. Revista de Direito Administrativo, v. 167, p. 1-21, 1987.

GOMES, Manoel Eduardo Alves Camargo e. A instituição do Ombudsman no contexto jurídico e político brasileiro. Sequência: estudos jurídicos e políticos, v. 9, n. 16, p. 98-115, 1988.

GONÇALVES, Daniela. Finalidades da Educação para a Cidadania. 2007.

MARTINS, Flávio. Curso de direito constitucional. Revista dos Tribunais, 2017.

PIOVESAN, Flávia. VIEIRA, Stanziola Renato. Justiciabilidade dos direitos sociais e econômicos: desafios e perspectivas. Araucária. Revista Iberoamericana de Filosofia, Política y Humanidades, Nº 15. Abril de 2006. Págs. 128-146.

ROBERTS, Bryan R. A dimensão social da cidadania. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 12, n. 33, p. 5-22, 1997.

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SOUKI, Lea Guimarães. A atualidade de TH Marshall no estudo da cidadania no Brasil. Civitas-Revista de Ciências Sociais, v. 6, n. 1, p. 39-58, 2006.

TÁCITO, Caio. Ombudsman – O Defensor do povo. Revista de Direito Administrativo, v. 171, p. 15-26, 1988.


[1] Doutor e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Professor Adjunto da Escola de Direito da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), no curso de Graduação e no Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental (Mestrado); Juiz do Trabalho, e-mail: tuliomasi@gmail.com.

[2] Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), especialista em Direito Eleitoral pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), advogada, e-mail: jessicafigueiredo.adv@gmail.com.

[3] Art. 5º (…) LXXVII – são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania.

[4] Art. 14, §1º, da CRFB, estabelece as regras para o alistamento eleitoral e o voto.

[5] Art. 56. É criado o defensor do povo, incumbido, na forma de lei complementar, de zelar pelo efetivo respeito dos poderes do Estado aos direitos assegurados nesta Constituição, apurando abusos e omissões de qualquer autoridade e indicando aos órgãos competentes as medidas necessárias a sua correção ou punição.

§ 1° O defensor do povo poderá promover a responsabilidade da autoridade requisitada no caso de omissão abusiva na adoção das providências requeridas.

§ 2° Lei complementar disporá sobre a competência, a organização e o funcionamento da Defensoria do Povo, observados os seguintes princípios:

I – o defensor do povo é escolhido, em eleição secreta, pela maioria absoluta dos membros da Câmara dos Deputados, entre candidatos indicados pela sociedade civil e de notório respeito público e reputação ilibada, com mandato renovável de cinco anos;

II – são atribuídos ao defensor do povo a inviolabilidade, os impedimentos, as prerrogativas processuais dos membros do Congresso Nacional e os vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal;

III – as Constituições Estaduais poderão instituir a Defensoria do Povo, de conformidade com os princípios constantes deste artigo.”

[6] A pesquisa foi realizada através de solicitação por e-mail das informações do projeto, os dados foram encaminhados pelo canal eletrônico ouvidoria@tce.am.gov.br que enviou o Termo de Cooperação Técnica formalizado com a Secretaria Municipal de Educação, o Projeto Básico e o Relatório Final relativo às atividades desenvolvidas no ano de 2021, bem como a resposta a um questionário elaborado pelos pesquisadores autores desta pesquisa.