TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS PARA FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL

TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS PARA FINS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL

1 de dezembro de 2023 Off Por Cognitio Juris

INTERNATIONAL HUMAN TRAFFICKING FOR THE PURPOSES OF SEXUAL EXPLOITATION

Artigo submetido em 1 de novembro de 2023
Artigo aprovado em 10 de novembro de 2023
Artigo publicado em 1 de dezembro de 2023

Cognitio Juris
Volume 13 – Número 51 – Dezembro de 2023
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Gabriela De Jesus Paixão [1]
Enio Walcácer De Oliveira Filho [2]

RESUMO

O tráfico internacional de pessoas para a exploração sexual é uma atividade criminosa que atravessa fronteiras e gera lucros significativos. Isso impacta muitas pessoas, especialmente aquelas que estão em situações vulneráveis, que vivem em países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, onde a falta de oportunidades educacionais e a pobreza são problemas comuns. As vítimas são atraídas pela ilusão de uma vida economicamente estável, mesmo aquelas que inicialmente escolheram a prostituição voluntariamente, muitas vezes enganadas quanto às condições de trabalho e salários. O propósito deste artigo é educar e aumentar a conscientização do público sobre o tráfico de pessoas para a exploração sexual. Isso inclui uma análise da escala desse problema, das razões por trás dele e de como afeta a sociedade. Além disso, o artigo explora fatores como desigualdade de gênero, desafios socioeconômicos, migração e globalização, que desempenham um papel na disseminação desse crime.

Palavras-chave: Tráfico internacional, prostituição, exploração sexual.

ABSTRACT

International human trafficking for sexual exploitation is a cross-border criminal activity that generates significant profits. It impacts many individuals, particularly those in vulnerable situations, living in developing or underdeveloped countries where a lack of educational opportunities and poverty are common issues. Victims are lured by the illusion of economically stable lives, even those who initially chose prostitution voluntarily are often deceived about working conditions and wages. The purpose of this article is to educate and raise public awareness about human trafficking for sexual exploitation. This includes an analysis of the scale of this problem, the reasons behind it, and how it affects society. Furthermore, the article delves into factors such as gender inequality, socio-economic challenges, migration, and globalization, which play a role in the spread of this crime.

Keywords: International trafficking, prostitution, sexual exploitation.

1 INTRODUÇÃO

No século XIX, houve um começo de formalização do conceito legal de tráfico de pessoas, e isso chamou a atenção no âmbito jurídico. Mais tarde, no início do século XX, esse conceito foi mencionado novamente. No entanto, é importante ressaltar que o mesmo é um comportamento praticado desde os primórdios da humanidade, com registros históricos de tráfico de pessoas que datam de épocas antigas. O termo “tráfico de pessoas” evoluiu ao longo do tempo para descrever e criminalizar uma variedade de atividades que envolvem o recrutamento, transporte e exploração de seres humanos, muitas vezes em condições desumanas e degradantes.

A exploração sexual por meio do tráfico de pessoas é uma das mais repugnantes e perturbadoras violações dos direitos humanos. O tráfico de pessoas é um crime intrinsecamente complexo e desafiador de detectar. Além disso, a definição de “tráfico de pessoas” tem provado ser notoriamente difícil de precisar.

Contudo, a partir do ano 2000, o Protocolo da Organização das Nações Unidas – ONU estabeleceu a definição mais amplamente reconhecida do tráfico de pessoas. Esse protocolo descreve o tráfico como o ato de recrutar, transportar, transferir, abrigar ou receber pessoas por meio de força, coerção, rapto, fraude, abuso de poder ou aproveitando-se de uma posição vulnerável. Também inclui a ação de dar ou receber dinheiro ou benefícios em troca, e envolve o controle exercido por uma pessoa sobre outra, mesmo que haja consentimento desta última, com o objetivo de exploração (ONU, 2001, p. 32).

Na prática, o tráfico frequentemente implica o recrutamento de indivíduos em situações de vulnerabilidade, muitas vezes por alguém que já é conhecido por eles ou por suas famílias, oferecendo promessas de emprego lucrativo. Como consequência, esses indivíduos, que inicialmente mantinham esperanças e confiança, frequentemente se encontram presos em situações de exploração perigosas e abusivas, das quais muitas vezes é praticamente impossível escapar.

Com o objetivo de garantir a proteção das pessoas, existem medidas antitráfico que são tipicamente organizadas em três categorias principais: prevenção, proteção e ação legal. A categoria de prevenção abrange iniciativas como campanhas de conscientização pública, que são veiculadas na televisão e no rádio, como o exemplo da campanha EXIT (End Exploitation & Trafficking) da MTV na Europa, assim como outras campanhas promovidas pela USAID na África.

As atividades de proteção frequentemente incluem o fornecimento de recursos como linhas diretas, abrigos e serviços de aconselhamento para as vítimas. Por outro lado, a categoria de “acusação” diz respeito às atividades de aplicação da lei realizadas pelos programas de combate ao tráfico. Policiamento e controle de imigração são frequentemente prioridades tanto a nível internacional quanto governamental, exigindo avaliações objetivas, isentas de linguagem tendenciosa ou subjetiva.

Dessa maneira, este artigo tem como propósito informar e sensibilizar o público sobre o tráfico sexual de pessoas, abordando sua extensão, causas e impactos na sociedade. Sendo discutidos fatores como desigualdade de gênero, questões socioeconômicas, migração e globalização, que contribuem para a disseminação desse crime.

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRÁFICO DE PESSOAS

O conceito legal de tráfico de pessoas foi estabelecido no século XIX e retomou destaque no início do século XX. Entretanto, é importante destacar que essa prática é antiga e remonta aos primórdios da humanidade. Existem registros históricos que demonstram sua presença na antiguidade, com os primeiros indícios encontrados na Grécia e, mais tarde, em Roma. Naquele período, prisioneiros de guerra eram frequentemente traficados com o propósito de escravizá-los (CASTRO, 2016).

No entanto, somente entre os séculos XIV e XVII, na cidade-estado italiana, essa prática se tornou comercial, como Mariane Strake Bonjovani (2004, p. 17) informa.

O primeiro caso de tráfico de seres humanos que objetivou lucro aconteceu nas cidades italianas, entre os séculos XIV e XVII, durante o Renascimento. A prática estimulou o comércio mediterrâneo na Península Itálica, onde também teve início o pré-capitalismo, que pregava o acúmulo de capital.

A escravidão no Império Romano, segundo Silva (2022), foi algo intrínseco no meio social do período, e comparando-se com o indivíduo que estivesse em função servil da “escravidão moderna” (ocorrida nas Américas no período pós-século XVI), da mesma forma ocorria no mundo antigo, onde todos os direitos sociais eram perdidos, ou seja, o escravizado não tinha direitos sobre o seu corpo e nem a posses, sendo o seu dono o seu responsável, impondo-lhe as condições que o interessasse.

A “escravidão moderna” teve início durante a colonização das Américas. Algumas dessas colônias eram chamadas de assentamentos, para onde os europeus iam com a intenção de construir uma nova sociedade com características distintas. Enquanto isso, outras colônias eram destinadas à exploração intensiva de seu território e de suas populações, sendo chamadas de colônias de exploração.

No Brasil, ao longo de um período que abrangeu mais de 300 anos, um grande número de pessoas originárias da África foi submetido à escravidão, deixando uma marca significativa na construção do mundo moderno.

O Brasil envolveu-se plenamente nessa trágica aventura da escravidão. Presume-se que tenham sido trazidos forçadamente para o nosso país cerca de 40% dos africanos vitimados pela escravidão moderna. Foram eles e seus descendentes que constituíram a quase total força de trabalho existente durante os mais de trezentos anos em que vigorou a instituição escravocrata brasileira (LEITE, 2017, p. 65).

De acordo com o Brasil Escola, um portal de educação, o desenvolvimento do comércio de escravos no Brasil está intrinsecamente ligado ao início da produção de açúcar no país, que teve início por volta do século XV. A prática de trazer africanos como escravos estava diretamente relacionada à necessidade contínua de mão de obra nas plantações de cana-de-açúcar e também à redução da população indígena. Em outras palavras, devido ao esgotamento da força de trabalho nativa, o comércio de escravos africanos foi empregado para realizar trabalhos agrícolas e preencher essa lacuna.

Em relação ao comércio de escravos, Francisco Bismarck Borges Filho compartilhou:

[…] Com a “descoberta” de novas terras, os europeus, principalmente portugueses e espanhóis, passaram a utilizar-se, prioritariamente, da mão-de-obra negra-escrava para poder desbravar, explorar e possibilitar o povoamento das terras descobertas, agora colônias vinculadas às suas metrópoles. Naquela época, o principal “fornecedor” de pessoas era o continente africano que, devido ao baixo poder de resistência, em face das constantes guerras internas e da superioridade bélica das nações desbravadoras, transformou-se em um dos maiores exportadores de pessoas de todos os tempos […] (FILHO, 2005, P.11).

Naquela época, o tráfico de pessoas era considerado legal e não havia como combater tais atos, conforme observado por Francisco Bismark Borges Filho, os negros eram considerados como mercadorias de fato, desprovidos de qualquer amparo humanitário e de grande valor econômico.

Embora o primeiro intuito do tráfico de negros africanos para o Brasil não fosse a exploração sexual, muitas escravas foram submetidas à severa exploração sexual e prostituição por seus senhores.

 Neste sentido, Gilberto Freyre (1933, p. 538), entende que:

Mas o grosso da prostituição, formaram-no as negras, exploradas pelos brancos. Foram os corpos das negras – às vezes meninas de dez anos – que constituíram, na arquitetura moral do patriarcalismo brasileiro, o bloco formidável que defendeu dos ataques e afoitezas dos don-juans a virtude das senhoras brancas […].

Assim, eram exploradas nas ruas ou em estabelecimentos de prostituição. Por outro lado, as meninas brancas eram associadas à ideia de “pureza”, levando os homens a buscar a satisfação de seus desejos sexuais por meio das escravas que eram submetidas aos tratamentos mais cruéis.

Segundo Ribeiro e Coelho (2022, p.1), no século XIX, mais precisamente a partir do ano de 1850, houveram movimentos abolicionistas que eclodiram no Brasil, que visavam diferentes linhas de abordagem a extinção da escravatura. Emília Viotti Da Costa argumenta que “enquanto no passado considerava-se a escravidão um corretivo para os vícios e a ignorância dos negros, via-se agora, na escravidão, sua causa” (COSTA, 2008, p. 14). No entanto, de acordo com a autora, houve uma mudança na percepção coletiva, na qual a escravidão passou a ser considerada a causa desses problemas. Em outras palavras, a escravidão começou a ser questionada antes da efetiva abolição.

Entretanto, entre as terríveis consequências do período de escravidão, o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual é uma decorrência direta do terrível comércio que ocorreu no país.

Em um cenário em que a exploração sexual de mulheres negras era predominante, o surgimento das ideias capitalistas e o estilo de vida urbano deram origem a novas manifestações de exploração sexual, agora direcionadas a jovens mulheres brancas.

Essa prática criminosa começou a se expandir consideravelmente devido aos movimentos de imigração no final do século XIX. Diante dessa situação, os países sentiram a necessidade de agir contra o tráfico de meninas brancas.

Em 1904, nações de todo o mundo colaboraram para criar o primeiro acordo internacional destinado a combater o tráfico de pessoas. Esse acordo ficou conhecido como o “Acordo Internacional sobre a Supressão do Tráfico de Pessoas de Meninas Brancas” e foi assinado em Paris. No ano de 1910, foi estabelecido um tratado internacional para restringir o comércio de mulheres brancas, denominado “Convenção Internacional contra o Tráfico de Escravas Brancas”. Naquela época, algumas mulheres europeias eram transportadas para locais como Buenos Aires e Rio de Janeiro, onde eram forçadas a trabalhar na prostituição. No entanto, é importante notar que esse tratado não oferecia proteção para mulheres negras, crianças, adolescentes ou homens.

Os tratados subsequentes, criados em 1921 e 1933 sob a Liga das Nações, foram mais abrangentes, mas continuaram a definir o tráfico humano sem considerar o consentimento da mulher, limitando-se apenas a fins de prostituição. Todos esses acordos foram consolidados pela “Convenção e Protocolo Final para a Supressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio” em 1949. Este tratado foi ratificado por 72 países, incluindo o Brasil em 1958 (JESUS, 2003).

Com isso, explica Damásio E. De Jesus (2003, p.27):

[…] O primeiro documento internacional contra o tráfico (1904) mostrou-se ineficaz não somente porque não era propriamente universal, como também porque revelava uma visão do fato centrada na Europa. O Segundo documento de 1910, complementou o primeiro na medida em que incluía provisões para punir os aliciadores, mas obteve apenas 13 ratificações. Os instrumentos seguintes, de 1921 e 1933, que foram elaborados no contexto da Liga das Nações, eram mais abrangentes, mas definiam o tráfico independentemente do consentimento da mulher. Esses quatro instrumentos foram consolidados pela Convenção de 1949, que permaneceu como o único instrumento especificamente voltado para o problema do tráfico de pessoas até a adoção da Convenção de Palermo e seus Protocolos […].

Por fim, em 2000, o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, voltado para a prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, especialmente mulheres e crianças, foi aprovado no Brasil. Esse protocolo foi implementado em 12 de março de 2004 por meio do Decreto nº 5.017 (BRASIL, 2004).

Ao longo do tempo, ocorreram evoluções no direito internacional em relação ao tema do tráfico de pessoas. Exemplo disso é a Convenção de 1949, que pela primeira vez reconheceu que qualquer pessoa pode ser vítima desse crime e estendeu a proteção desses instrumentos, que originalmente mencionaram apenas “escravos brancos”, a todos os “animais humanos”, valorizando a dignidade e o valor da pessoa humana (CONVENÇÃO DE GENEBRA, 1949).

Outro avanço significativo em relação às vítimas foi que, antes da aprovação do Protocolo de Palermo, os estados se concentravam apenas na questão da prostituição. No entanto, nos dias de hoje, o foco não se restringe apenas à exploração com fins sexuais, mas abrange todas as formas de exploração (PINHEIRO, 2018).

A sociedade contemporânea se destaca pela supremacia do sistema capitalista e pela diminuição das fronteiras nacionais, o que resulta na diminuição da importância da identidade regional. Além disso, as tecnologias de informação e comunicação tem desempenhado um papel extremamente importante na comunicação coletiva, pois através dessa tecnologia, a comunicação flui sem que aja barreira. Segundo Lévy (1999), o mundo da informática elabora novas maneiras de pensar e de conviver. Em outras palavras, a tecnologia desempenha um papel fundamental no cenário atual, provocando uma transformação significativa nas formas de trabalho e comunicação, conectando pessoas de todo o mundo a qualquer momento. Diante dessas mudanças, as relações internacionais adotaram uma abordagem renovada, promovendo a apreciação de diversas culturas como meio de fomentar relações mais harmoniosas entre as nações.

Como resultado dessa transformação socioeconômica, pode-se observar que o mundo experimentou um profundo processo de globalização que facilitou a mobilidade das pessoas e ampliou o acesso a diferentes regiões. Isso, por sua vez, contribui para o problema do tráfico humano. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) destaca que, com o rápido avanço da globalização, um mesmo país pode atuar como ponto de origem, destino ou conexão em redes internacionais de tráfico de pessoas (OIT, 2006, p. 10).

Nesse contexto, conforme indicado por Thaís de Camargo Rodrigues (2012, p. 204), podemos compreender que:

[…] Hoje a globalização põe à disposição dos traficantes de pessoas todas as suas ferramentas utilizadas para fins ilícitos, como a revolução dos meios de comunicação e a facilidade de transpor fronteiras. O tráfico é tratado como um negócio qualquer, e suas vítimas se transformaram em commodities. Os traficantes buscam suas mercadorias em ambientes vulneráveis, e as vendem nos mercados mais promissores […].

Atualmente, não há estatísticas precisas sobre o tráfico humano. Isso dificulta a compreensão desse fenômeno.

O descaso de muitos governos com a situação do tráfico internacional de seres humanos faz com que haja muitos dados desatualizados ou que não haja dados sobre a situação do tráfico nesses países. A responsabilidade de combate do tráfico, que afeta milhões de pessoas, deveria ser global, pois somente com a ratificação de protocolos que tenham por finalidade a proteção dos seres humanos da exploração, da violação dos seus direitos fundamentais e inerentes à vida e dos inúmeros desrespeitos é que se consegue combater o crime organizado transnacional. (BONJOVANI, 2004,  p 39).

A liberdade de movimento é atualmente considerada um direito humano fundamental. No entanto, o número de pessoas que foram capturadas e exploradas foi chocante, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho:

Em 2005, com a publicação do relatório “Uma Aliança Global Contra o Trabalho Forçado”, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estimou em cerca de 2,4 milhões o número de pessoas no mundo que foram trancafiadas para serem submetidas a trabalhos forçados. A OIT calcula que 43% para exploração econômica ─ as restantes (25%) são trancafiadas para uma combinação dessas formas ou por razões indeterminadas (OIT, 2006. 12. Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual).

Assim, podemos notar que o tráfico de seres humanos evoluiu ao longo de diferentes períodos. O que costumava ser o comércio de escravos na antiguidade transformou-se em pessoas que, nos dias atuais, muitas vezes caem em armadilhas de promessas de emprego, uma vida melhor ou a fuga de conflitos armados. Há também mulheres que, cientes de que estão se envolvendo em atividades sexuais, acabam surpreendidas com a supressão de seus direitos fundamentais.

Atualmente, é uma triste realidade que o tráfico de pessoas é um crime em crescimento, ampliado pela falta de ação de muitos países diante desse problema.

Portanto, embora haja esforços e ações para combater o tráfico de seres humanos, tanto a nível nacional como internacional, ainda há muito trabalho a ser realizado para desenvolver medidas eficazes que levem a resultados satisfatórios no combate a essa prática..

3 ANÁLISE DO TRÁFICO SEXUAL INTERNACIONAL: FATORES DO TRÁFICO, PERFIL DOS ALICIADORES, DAS VÍTIMAS E ABORDAGEM PARA A ASSISTÊNCIA

3.1 Fatores do tráfico

O tráfico humano é um crime complexo que pode ocorrer em diversas rotas em todo o mundo. As rotas do tráfico humano variam de acordo com as regiões e os objetivos dos traficantes. No âmbito do tráfico internacional, esta rota envolve o transporte de vítimas através das fronteiras internacionais. Muitas vezes, as vítimas são contrabandeadas de um país para outro, frequentemente sob falsas promessas de emprego ou oportunidades de vida melhor em outro país. De acordo com a ONU (2021), as rotas internacionais podem variar amplamente, com destinos frequentes na Europa, América do Norte, Oriente Médio e Ásia.

É importante ressaltar que as rotas do tráfico humano podem variar ao longo do tempo e dependem de uma série de fatores, incluindo a demanda por serviços ilícitos, a repressão das autoridades e a vulnerabilidade das vítimas. O combate a essas rotas exige uma abordagem multifacetada que envolve cooperação internacional, legislação eficaz, conscientização pública e apoio às vítimas.

Analisando as principais rotas do tráfico humano, revela-se uma série de fatores complexos que contribuem para a ocorrência desse crime terrível e desumano. É importante compreender esses fatores a fim de desenvolver estratégias eficazes de prevenção e combate ao tráfico humano. Nessa análise, segundo a ONU (2021), considera-se:

  • As vulnerabilidades socioeconômicas: Regiões com altos níveis de pobreza, desemprego, falta de oportunidades educacionais e sociais são frequentemente os pontos de partida para rotas de tráfico. A falta de recursos e perspectivas econômicas pode tornar as pessoas vulneráveis à promessa de uma vida melhor em outro lugar.
  • Os conflitos armados e instabilidade política: Áreas afetadas por conflitos armados, guerras civis, instabilidade política e violência são propícias ao tráfico humano. A crise humanitária resultante desses cenários cria uma demanda por trabalho forçado, exploração sexual e tráfico de órgãos.
  • As migrações desesperadas: Migração forçada e desesperada devido a desastres naturais, fome, perseguição política e violações dos direitos humanos torna as pessoas extremamente vulneráveis ao tráfico humano. A busca por refúgio e proteção muitas vezes leva a situações onde traficantes se aproveitam dessas pessoas em sua jornada.
  • As fraquezas nos sistemas de justiça e controle de fronteiras: A falta de recursos e corrupção nos sistemas de justiça e controle de fronteiras cria um ambiente propício ao tráfico humano.
  • A discriminação de gênero e a desigualdade desempenham um papel crucial: Mulheres e meninas são especialmente suscetíveis ao tráfico de seres humanos, particularmente para fins de exploração sexual. A desigualdade de gênero, juntamente com normas sociais opressivas e a falta de oportunidades para as mulheres, aumenta significativamente o risco de serem recrutadas e traficadas. De acordo com o Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas do UNODC de 2021, as mulheres e meninas continuam a ser as principais vítimas do tráfico humano, representando 65% dos casos, com exploração sexual como destino em 92% dos casos femininos, contribuindo para 50% do tráfico humano em todo o mundo.
  • As organizações criminosas e redes de tráfico: A existência de organizações criminosas transnacionais e redes de tráfico bem estruturadas desempenha um papel crucial no tráfico humano. Essas redes têm recursos, conhecimento e conexões para facilitar o transporte, a exploração e a venda de pessoas.

 3.2 Perfil dos aliciadores

O tráfico internacional de pessoas com a finalidade de exploração sexual envolve uma rede de criminosos que opera desde o país de origem da vítima até o país de destino. Esses aliciadores podem ter diferentes perfis, mas muitos compartilham características semelhantes.

É importante destacar que a disponibilidade de informações sobre os aliciadores pode ser limitada devido à clandestinidade desse crime No entanto, ao considerar pesquisas e relatórios das Nações Unidas, é possível identificar algumas características típicas dos recrutadores:

  • Homens e Mulheres: Tanto homens quanto mulheres podem atuar como aliciadores. Embora a maioria dos aliciadores seja do sexo masculino, as mulheres também estão envolvidas, muitas vezes desempenhando papéis de recrutamento ou aliciamento.
  • Idades Variadas: Os aliciadores podem ter idades variadas. Alguns são jovens, enquanto outros são mais velhos. A faixa etária dos aliciadores pode ser diversificada.
  • Aparentemente Bem-Sucedidos e Inteligentes: Muitos aliciadores são habilidosos em ocultar suas atividades ilegais e podem parecer bem-sucedidos e inteligentes. Eles frequentemente usam táticas manipuladoras para atrair vítimas em potencial.
  • Diversidade de Atividades: Alguns aliciadores estão diretamente envolvidos no tráfico e exploração, enquanto outros cuidam de questões logísticas e burocráticas, como transporte, documentação e financiamento das vítimas.
  • Antigas Vítimas: Em alguns casos, as mulheres que foram anteriormente vítimas do tráfico sexual podem se tornar aliciadoras. Elas foram exploradas e, em seguida, foram recrutadas para ajudar a recrutar outras vítimas, muitas vezes como uma forma de escapar de sua própria exploração.

Vale destacar que essas características são abrangentes e podem diferir de acordo com a localização geográfica e as particularidades das operações de tráfico em questão.

A motivação predominante para envolvimento em um crime de tráfico internacional de pessoas, especialmente com fins de exploração sexual, é a busca por lucro financeiro por parte dos traficantes. O tráfico de pessoas é um negócio extremamente lucrativo devido à alta demanda por serviços sexuais em muitos países.

É importante salientar que as razões para o envolvimento no tráfico de pessoas podem ser diversas e estão sujeitas a influências culturais, sociais e econômicas que variam em diferentes partes do mundo. No entanto, o lucro financeiro permanece como uma das principais motivações por trás desse crime.

3.3 Perfil das vítimas

De acordo com informações da ONU, no ano de 2016, houve registros de aproximadamente 25 mil casos de tráfico de pessoas em 97 países ao redor do mundo. Cada um desses casos pode envolver mais de uma vítima. Aproximadamente 59% dos casos estavam relacionados ao tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Dentro desse grupo, as vítimas majoritárias foram mulheres e meninas, representando 49% do total, enquanto os homens somaram 21% e os meninos, 7% (BRASIL DE DIREITOS, 2019).

Analisando as esparsas informações existentes sobre tráfico de mulheres que obtivemos, é possível esboçar um perfil das vítimas. Em geral, são provenientes das camadas mais pauperizadas da população, as mesmas pessoas que podem ser vítimas da exploração sexual. As mulheres, em geral, têm baixo grau de escolarização e passam por dificuldades de ordem financeira. Muitas vezes já estão engajadas no sexo comercial (JESUS, 2003, p. 127)

Segundo a avaliação do autor mencionado anteriormente, é possível identificar dois padrões de mulheres que se tornam vítimas do tráfico de pessoas. O primeiro perfil é composto por mulheres que buscam melhores oportunidades de emprego e uma qualidade de vida superior, mas acabam sendo enganadas, pois o propósito oculto de sua viagem é a exploração. O segundo perfil envolve mulheres que atuam como profissionais do sexo e que concordam em viajar com essa finalidade.

As vítimas são frequentemente enganadas por meio de promessas de emprego, educação ou uma vida melhor no exterior. Em busca de oportunidades econômicas, são enganadas por traficantes que se aproveitam de sua vulnerabilidade e desespero.

Na verdade, a maioria esmagadora dessas vítimas não tem conhecimento de que, ao invés de encontrarem uma oportunidade de emprego legítima no exterior, serão forçadas à exploração sexual, terão sua liberdade retirada e, por vezes, serão separadas de seus entes queridos. Quando essas mulheres chegam aos países de destino, são submetidas a uma completa restrição de suas liberdades, vivendo sob o controle absoluto de seus aliciadores. Elas são forçadas a trabalhar longas e exaustivas jornadas diárias, muitas vezes sem receber qualquer pagamento pelo seu trabalho.

3.4 Abordagem para a assistência às vítimas

A assistência às vítimas de tráfico internacional para fins de exploração sexual é uma questão crucial para quebrar o ciclo vicioso do tráfico. Trata-se de um problema global que afeta milhares de pessoas a cada ano, muitas das quais são mulheres e crianças.

É importante ressaltar que todas as medidas de assistência e apoio devem ser fornecidas de maneira não discriminatória, respeitando e promovendo os direitos humanos das pessoas traficadas. Além disso, tais serviços são obrigatórios, independentemente da cooperação da vítima com as autoridades judiciais. Neste contexto, é importante abordar diversas áreas para compreender plenamente a questão e discutir estratégias de assistência.

De acordo com as diretrizes estabelecidas no Guia Prático da Defensoria Pública da União – DPU (2019), algumas ações de auxílio às vítimas compreendem:

  • Identificação e Resgate: A identificação das vítimas de tráfico é um passo crítico na assistência. As autoridades e organizações de combate ao tráfico devem estar devidamente preparadas e treinadas para reconhecer os sinais do tráfico e para realizar operações de resgate com segurança.
  • Abrigo e Moradia Adequados: As vítimas devem receber abrigo e moradia segura, proporcionando-lhes um ambiente de proteção e segurança.
  • Informações sobre Direitos: As vítimas precisam ser informadas sobre seus direitos, incluindo o acesso à representação diplomática e consular em seu país de cidadania. Isso as ajuda a tomar decisões informadas sobre sua situação.
  • Acesso a Informações em um Idioma Compreensível: As vítimas têm o direito de receber informações em um idioma que compreendam, garantindo que não sejam exploradas devido a barreiras linguísticas.
  • Proteção Eficaz contra Ameaças e Intimidação: Devem ser implementadas medidas de proteção para garantir a segurança das vítimas, impedindo ameaças, intimidação ou danos por parte dos traficantes ou seus cúmplices.
  • Proteções Independentes de Testemunho: As proteções para as vítimas não devem depender de sua disposição de testemunhar no tribunal ou ser limitadas pela duração do julgamento, a fim de garantir que não sejam punidas por serem vítimas de tráfico.
  • Reabilitação e Reintegração: A prevenção da reincidência é vital. A assistência deve incluir a reintegração das vítimas na sociedade, oferecendo oportunidades de emprego, educação, treinamento e apoio para evitar a revitimização.
  • Atendimento Médico e Psicológico: Os serviços de saúde, atendimento psicológico e serviços sociais devem ser parte integrante da reabilitação e reintegração das vítimas.
  • Assistência Jurídica e Apoio Psicológico: As vítimas de tráfico frequentemente enfrentam traumas físicos e psicológicos profundos. A assistência deve incluir apoio jurídico para assegurar que as vítimas acessem a justiça e obtenham proteção legal. Além disso, é fundamental oferecer apoio psicológico e social, essencial para a recuperação dessas vítimas.
  • Cooperação Internacional: O tráfico de pessoas além-fronteiras é um desafio que ultrapassa as fronteiras nacionais. A cooperação entre os países é um pilar essencial para combater eficazmente esse crime, incluindo o compartilhamento de informações, a extradição de traficantes e a celebração de acordos de assistência mútua.
  • Conscientização e Prevenção: A conscientização do público desempenha um papel fundamental na prevenção do tráfico de pessoas. A educação sobre os perigos do tráfico, a identificação dos sinais de exploração e a promoção dos direitos humanos são estratégias essenciais para evitar o tráfico internacional.
  • Papel das Organizações Não Governamentais: As organizações não governamentais desempenham um papel vital na prestação de assistência às vítimas de tráfico. Frequentemente, elas preenchem as lacunas deixadas pelos governos e oferecem apoio vital às vítimas.

Os Princípios e Orientações Recomendados sobre Direitos Humanos e Tráfico de Pessoas, definidos no âmbito do Protocolo de Palermo, fornecem orientações claras sobre ações de apoio e assistência para a recuperação de vítimas de tráfico, garantindo o respeito aos seus direitos e dignidade.

O compromisso de oferecer proteção e assistência eficazes às vítimas de tráfico de pessoas é tanto um dever moral quanto um imperativo legal. Isso é refletido na resolução 60/147, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 16/12/2005 (Princípios e Diretrizes Básicos sobre direito a recurso e reparação). Esses princípios estabelecem que recursos para graves violações de direitos humanos e de direito internacional humanitário incluem: a) garantir à vítima igualdade de acesso à justiça de maneira eficaz; b) proporcionar à vítima a reparação adequada, efetiva e rápida dos danos sofridos; e c) fornecer à vítima acesso a informações pertinentes relacionadas às violações e aos mecanismos de reparação. Ou seja, serve para garantir que essas vítimas sejam tratadas com dignidade e justiça.

Assim sendo, a assistência às vítimas de tráfico internacional para fins de exploração sexual é uma questão complexa que requer uma abordagem multidisciplinar, envolvendo a cooperação internacional, a proteção dos direitos humanos e o fornecimento de assistência abrangente, a fim de ajudar as vítimas a se recuperarem e reconstruírem suas vidas. É uma luta constante que exige o compromisso de governos, organizações da sociedade civil e da comunidade internacional. A eliminação do tráfico de pessoas é uma responsabilidade moral que demanda esforços coletivos para salvaguardar as vítimas e evitar a exploração sexual em escala global.

4 DEFINIÇÃO LEGISLACIONAL INTERNACIONAL: CONVENÇÃO DE PALERMO E PROTOCOLO DE PALERMO

A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida comumente como a Convenção de Palermo, é o tratado internacional mais relevante, tendo sido adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 15 de novembro de 2000.

No Brasil, a Convenção de Palermo foi oficializada em 29 de setembro de 2003, após ter sido ratificada por meio do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004. O Brasil foi um signatário deste tratado, objetivando principalmente fortalecer a cooperação internacional e promover medidas eficazes de investigação e prevenção.

A Convenção de Palermo impõe responsabilidades aos Estados signatários, tais como a promulgação de leis contra o crime organizado, a cooperação em investigações e extradição, a proteção de vítimas e testemunhas, bem como a recuperação de bens obtidos de forma criminosa. Além disso, estabelece um Comitê de Peritos para supervisionar o cumprimento de suas disposições e oferece orientações. Dada a natureza transnacional do crime organizado, que muitas vezes opera para além das fronteiras, a cooperação internacional é fundamental e pode envolver a repatriação de vítimas.

A Convenção de Palermo demanda uma colaboração constante entre Estados signatários, organizações internacionais, a sociedade civil e outros atores. Esse tratado desempenha um papel fundamental na promoção de um ambiente mundial mais seguro, na defesa dos direitos humanos e no fortalecimento da justiça e do Estado de Direito.

Além disso, a Convenção de Palermo gerou três protocolos suplementares, sendo eles: 1) Protocolo de Prevenção e Combate ao Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças; 2) Protocolo contra o Contrabando de Migrantes por Terra, Mar e Ar; e 3) Protocolo contra a Fabricação e o Tráfico Ilícito de Armas de Fogo. O Protocolo de Palermo é um adendo à Convenção que se concentra principalmente no tráfico de pessoas, com ênfase em mulheres e crianças, que são as maiores vítimas desse crime. Estatísticas indicam que 45% das vítimas são mulheres adultas e 40% são crianças, tornando esses números impactantes (UNODC, 2014). Este Protocolo reconhece o tráfico de seres humanos como uma séria violação dos direitos humanos e tem como objetivo prevenir e combater essa modalidade de crime organizado em escala transnacional.

O Protocolo estabelece uma definição para o tráfico de pessoas como sendo o ato de recrutar, transportar, transferir, abrigar ou receber pessoas por meio de ameaças, força, coerção, sequestro, fraude, abuso de poder ou exploração de vulnerabilidade, com a intenção de explorá-las. Essa exploração pode incluir abuso sexual, trabalho forçado, remoção de órgãos e outras formas de escravidão. Para combater o tráfico de pessoas, o Protocolo estabelece obrigações para os Estados Partes, incluindo prevenção, proteção das vítimas e persecução dos traficantes. Enfatiza também a cooperação internacional entre os Estados Partes, envolvendo a troca de informações, assistência jurídica mútua, extradição e repatriação das vítimas.

Ou seja, o Protocolo de Palermo é um instrumento jurídico fundamental na legislação internacional que visa combater o tráfico de pessoas e proteger os direitos das vítimas. Ele desempenha um papel crucial na sensibilização global para esse problema e no estabelecimento de padrões para a prevenção e repressão do tráfico de pessoas em escala internacional.

Na legislação brasileira, o art. 149-A do Código Penal, fala que o tráfico com finalidade de exploração sexual, entra na finalidade de:

I – remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;

II – submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;

III – submetê-la a qualquer tipo de servidão;

IV – adoção ilegal; ou

V – exploração sexual.

A exploração abrangida pelo protocolo inclui uma vasta gama de atividades, incluindo exploração sexual, trabalho forçado, tráfico de órgãos, escravidão e outras formas de exploração.

A captura de indivíduos, seja por meio de aliciamento ou força, ocorre em dois métodos distintos. No primeiro método, as vítimas são atraídas por oportunidades de trabalho formal que não envolvem atividade sexual. Nesse caso, as vítimas são completamente enganadas, aceitando a oferta sob a ilusão de realizar algum serviço legítimo.

No segundo método, as pessoas transportadas geralmente estão envolvidas na prostituição e concordam em se envolver nessa atividade ou similar. No entanto, ao chegarem ao destino, essas promessas não são cumpridas. Além disso, os documentos das vítimas são frequentemente confiscados, e elas são detidas em locais determinados pelos contrabandistas, sujeitando-as às piores formas de exploração.

É importante ressaltar que até mesmo pessoas que viajam para se dedicar à prostituição são frequentemente enganadas, já que as condições de trabalho prometidas antes da viagem diferem significativamente da realidade, muitas vezes sem seu consentimento.          

De acordo com a OIT, muitas vítimas, por falta de recursos financeiros, muitas vezes concordam em contrair dívidas para cobrir os custos relacionados à documentação de viagem, passagens e despesas iniciais relacionadas à prostituição. Isso as coloca em uma situação de dependência em relação aos traficantes, tornando-as vulneráveis à exploração, sujeitas a condições abusivas e à partilha de seus ganhos de maneira expropriatória, o que torna difícil quitar essa dívida. Além disso, o pagamento geralmente é menor do que o previamente acordado, e há custos “ocultos”, como aluguel de quartos, alimentação e despesas com propaganda do serviço, que não foram informados no momento em que o acordo foi fechado (pp. 57-58).

Neste contexto, duas etapas críticas ocorrem após o recrutamento das vítimas: o transporte e a exploração. Essas fases desempenham um papel fundamental na compreensão abrangente da seriedade do crime e dos danos físicos e emocionais enfrentados pelas vítimas.

Na etapa inicial, o transporte, após o recrutamento, as vítimas são deslocadas de suas comunidades de origem para os locais onde serão submetidas à exploração sexual. Esse transporte pode acontecer tanto dentro dos limites de um país como em âmbito internacional e abrange diversos meios de locomoção, como avião, automóvel, ônibus, embarcação e, por vezes, até mesmo a pé.

Os traficantes têm a capacidade de empregar documentos falsos ou coagir as vítimas a cruzar fronteiras, tornando-as ainda mais vulneráveis e dependentes de seus agressores. Nessa etapa, as vítimas frequentemente enfrentam condições extremamente desfavoráveis e perigosas.

Elas são submetidas a viagens longas, frequentemente em condições precárias e insalubres, sem acesso adequado a alimentos, água ou cuidados médicos. Além disso, as vítimas podem estar sujeitas à violência física, ameaças e coerção para assegurar sua obediência durante o transporte.

A segunda etapa é a de exploração, uma vez que as vítimas chegam ao destino final, elas são sujeitas a diversas formas de exploração sexual. Elas são forçadas a se envolver em atividades sexuais contra sua vontade, muitas vezes sendo submetidas a violência sexual, abuso físico e psicológico.

A exploração pode manifestar-se em diversos cenários, incluindo bordéis, casas de prostituição, clubes noturnos, redes de tráfico sexual online e até em ambientes informais, onde as vítimas são exploradas em locais privados. Durante essa fase de exploração, as vítimas têm suas liberdades fundamentais e direitos humanos retirados.

Elas são controladas e monitoradas pelos traficantes, muitas vezes mantidas em condições de escravidão moderna e sujeitas a uma série de abusos. O abuso deixa marcas profundas nas vítimas, tanto físicas quanto psicológicas, levando a traumas duradouros, problemas de saúde mental, baixa autoestima e dificuldades de reintegração social.

No entanto, a legislação internacional sobre o tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual desempenha um papel fundamental na proteção das vítimas e na punição dos criminosos envolvidos nesse crime hediondo. Trata-se de uma questão de direitos humanos, com impactos profundos e devastadores nas vítimas, muitas das quais são mulheres e crianças.

Através de tratados como a Convenção de Palermo e seu Protocolo relacionado, os Estados estão comprometidos em combater esse flagelo de maneira coordenada e eficaz. A legislação estabelece definições claras do crime de tráfico de pessoas, bem como obrigações para prevenir, proteger e perseguir os traficantes.

Portanto, para que essas leis sejam aplicadas de maneira eficaz, é fundamental contar com a cooperação internacional e adotar uma abordagem multidisciplinar. Isso envolve não apenas a aplicação da lei, mas também a prestação de assistência às vítimas e a busca por soluções que abordem as causas subjacentes do tráfico, como a pobreza e a desigualdade.

Em última análise, a legislação visa não apenas punir os perpetradores, mas também proteger as vítimas, proporcionar-lhes apoio adequado e trabalhar para prevenir futuros casos. Dado que o tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual constitui uma séria violação dos direitos humanos, esforços são empreendidos por meio de legislação adequada e colaboração global para combater essa prática e buscar justiça para as vítimas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente proporcionou uma compreensão concreta do que envolve o tráfico internacional de indivíduos com o propósito de exploração sexual. Primeiramente, foi apresentada a evolução histórica do tráfico de forma geral, onde há registros históricos que evidenciam sua existência na era clássica com os primeiros relatos encontrados na Grécia e, posteriormente, em Roma.

O tráfico de seres humanos é uma triste realidade que abrange todo o mundo nos dias de hoje. Nesse contexto, as vítimas são despojadas de sua dignidade, consideradas como commodities rentáveis pelos criminosos, e lhes é negado qualquer reconhecimento de seu valor como seres humanos. Já no primeiro capítulo, torna-se evidente que o tráfico internacional de pessoas é um ato criminoso que persiste ao longo de muitos anos e que ainda é lamentavelmente comum nos dias de hoje.

O segundo capítulo abordou o perfil das vítimas e dos aliciadores no tráfico de pessoas para exploração sexual. Os aliciadores costumam buscar vítimas que se encaixam em certos perfis, comumente direcionando seus esforços para mulheres jovens oriundas de comunidades carentes, com baixa educação e recursos financeiros limitados. Quanto ao estado civil, a maioria das vítimas são mulheres solteiras, tornando-as alvos mais vulneráveis, já que muitas vezes carecem de apoio afetivo sólido. Podemos identificar dois principais grupos de mulheres vítimas desse tráfico: aquelas que buscam uma melhoria em suas condições de vida e são enganadas por promessas de emprego no exterior, e aquelas que já estão envolvidas na prostituição e concordam em viajar para esse fim.

Quanto aos aliciadores, eles são em sua maioria homens, com diversas idades, aparentemente bem-sucedidos e com habilidades para lidar com questões burocráticas, como transporte e documentação. No entanto, é importante observar que também há mulheres envolvidas nesse processo, sendo que muitas delas são ex-vítimas que passaram por exploração sexual. Agora, elas trabalham em conjunto com os aliciadores, muitas vezes em busca de uma maneira de escapar de sua própria exploração anterior. Algumas delas até tentam persuadir outras vítimas a entrar no esquema.

O terceiro capítulo se dedica à análise da legislação internacional relacionada ao tráfico de pessoas, com ênfase no Protocolo de Palermo. Este protocolo foi estabelecido em 2000 e tornou-se efetivo em 2003, sendo ratificado pelo Brasil em 2004. Ele marcou um progresso notável no esforço de combater o tráfico de pessoas, uma vez que estabeleceu medidas amplas para prevenção, punição e proteção.

Conforme delineado no Protocolo de Palermo, o tráfico de pessoas representa um exemplo de colaboração internacional entre os Estados, destinado a combater esse crime horrendo em âmbito mundial. No entanto, ainda há desafios significativos na implementação efetiva dessas medidas em todo o mundo.

Sendo assim, é importante notar que o tráfico de pessoas continua sendo um crime muitas vezes “invisível” e subestimado, tanto no direito penal quanto na literatura acadêmica. Dessa forma, ao aprofundar o estudo sobre o tema e ao ouvir depoimentos reais, torna-se patente a seriedade e a amplitude dessa transgressão, impossibilitando qualquer forma de apatia em relação a ela.

Em suma, a luta contra o tráfico de pessoas para exploração sexual é uma jornada longa e desafiadora em todo o mundo. Embora a legislação internacional busque eliminar esse crime, ainda existem obstáculos significativos, e é essencial investir em políticas públicas e sociais, como educação, emprego e moradia, para proporcionar o mínimo de dignidade possível aos seres humanos e prevenir a exploração.

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[1] Acadêmica do Curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo – FASEC. E-mail: gabhy1990@gmail.com

[2] Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos, especialista em Ciências Criminais e em Direito e Processo Administrativo, graduado em Direito e em Comunicação Social, autor e coordenador de diversos livros jurídicos, atuando ainda como parecerista de revistas acadêmicas diversas. Delegado de Polícia Civil do Tocantins. Professor Universitário.