
TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL E SUA APLICAÇÃO NO DIREITO PRIVADO BRASILEIRO: ASPECTOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAL
14 de maio de 2025THEORY OF SUBSTANTIAL PERFORMANCE AND ITS APPLICATION IN BRAZILIAN PRIVATE LAW: DOCTRINAL AND JURISPRUDENTIAL ASPECTS
Artigo submetido em 06 de maio de 2025
Artigo aprovado em 09 de maio de 2025
Artigo publicado em 14 de maio de 2025
Cognitio Juris Volume 15 – Número 58 – 2025 ISSN 2236-3009 |
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Autor(es): Gustavo Raymondi Chaves[1] |
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RESUMO: A possibilidade de resolução de contratos diante do incumprimento de pouca monta sempre foi matéria controvertida no meio jurídico. No Código Civil de 1916 prevalecia a autonomia da vontade humana, corroborada pelo princípio do pacta sunt servanda, o qual era utilizado para cometer abusos quanto à resolução contratual na hipótese de inadimplemento de parcela ínfima da avença. Ao longo das décadas, a doutrina debruçou-se sobre o tema e passou a defender a tese do adimplemento substancial do pacto e a impossibilidade de resolução dele, tese já admitida em diversos países europeus. Desse modo, o trabalho de pesquisa realizado procurou discorrer sobre a teoria do adimplemento substancial e de que maneira os tribunais nacionais a aplicam, bem como a doutrina o aborda. Adiantamos que o desenvolvimento da aludida teoria deu-se com base na aplicação do princípio da boa-fé objetiva, que vinculava as partes a cumprirem o contrato de forma justa e extirpando as cláusulas exorbitantes comuns nos contratos sinalagmáticos. Contudo, a sua aplicação envolve tanto aspectos qualitativos como quantitativos, sendo necessária a análise matemática do quanto já foi adimplido do contrato, como as partes se comportaram diante do inadimplemento e se o inadimplemento resultou na impossibilidade do seu cumprimento ou na perda do interesse do credor.
Palavras-chave: Direito Civil. Contratos. Adimplemento Substancial.
ABSTRACT: The possibility of terminating contracts in the event of minor breaches has always been a controversial issue in the legal field. In the Civil Code of 1916, the autonomy of human will prevailed, corroborated by the principle of pacta sunt servanda, which was used to commit abuses regarding contract termination in the event of breach of a tiny portion of the agreement. Over the decades, legal doctrine has focused on the subject and has come to defend the thesis of substantial performance of the agreement and the impossibility of terminating it, a thesis already accepted in several European countries. Thus, the research work carried out sought to discuss the theory of substantial performance and how national courts apply it, as well as how legal doctrine approaches it. We would like to point out that the development of the aforementioned theory was based on the application of the principle of objective good faith, which bound the parties to fulfill the contract fairly and eliminate the exorbitant clauses common in bilateral contracts. However, its application involves both qualitative and quantitative aspects, requiring a mathematical analysis of how much of the contract has already been fulfilled, how the parties behaved in the face of non-fulfillment and whether the non-fulfillment resulted in the impossibility of its fulfillment or in the loss of the creditor’s interest.
Keywords: Civil Law. Contracts. Substantial Performance.
1 INTRODUÇÃO
Diante da grave crise econômica que assola o país, a cautela na elaboração de contratos de obrigações é fundamental para que as partes consigam adimpli-lo. Todavia, muitas vezes, a precaução não é suficiente podendo ocorrer, inesperadamente, o inadimplemento de uma parcela da obrigação por uma das partes do pacto, causando transtornos à finalidade da avença. Nesse contexto, normalmente, os polos tentam se conciliar a fim de cumprirem suas respectivas obrigações; contudo, quando resta infrutífera a conciliação, o próximo passo é recorrer ao Poder Judiciário para que se faça cumprir o que fora pactuado entre os contratantes.
Assim, o magistrado, ao ter conhecimento do problema referente ao inadimplemento, pode, se for o caso, aplicar a teoria do adimplemento substancial, de forma que o contrato permanece intacto, a obrigação é considerada cumprida e o que de fato foi inadimplido poderá ser objeto de execução dentro do mesmo processo judicial. Entretanto, a aplicação da aludida tese não é uma tarefa simples, pois envolve circunstâncias tanto quantitativas quanto qualitativas do cumprimento da obrigação. Deste modo, o presente trabalho tem o intuito de discorrer sobre o tema, a fim de apresentar como a doutrina e a jurisprudência interpretam e aplicam o dispositivo, bem como quais são os requisitos para a sua execução.
Importante frisar que o dispositivo em voga não está expressamente previsto na legislação nacional, haja vista a sua aplicação ser fundamentada tanto nos princípios gerais do direito civil como na doutrina de importantes juristas que foram os primeiros a trazer a tese ao país. Em face da não previsão legal, estudaremos quais seriam os limites e requisitos de sua aplicação, a fim de garantir a eficácia dos contratos, do princípio do pacta sunt servanda e da autonomia das partes em dispor as regras que envolvem o negócio jurídico.
A relevância do estudo acerca da teoria do adimplemento substancial está na busca por entender de qual forma e em quais circunstâncias ela é aplicada nos casos concretos, para que não se desprestigie o instituto e se consiga gerar a segurança jurídica necessária às partes, na medida em que elaboram as regras do negócio jurídico a ser firmado. Para isso, debruçamo-nos sobre os principais doutrinadores, de modo a verificarmos os seus entendimentos acerca do assunto, mostrando as convergências e divergências entre eles, corroborando e fortalecendo as decisões judiciais para garantir o cumprimento do contrato e sua respectiva função social.
A priori, apresentamos, no primeiro capítulo, o conceito e as noções básicas sobre o adimplemento e o inadimplemento contratual, de maneira a compor a base de estudo e introduzir os conceitos que serão amplamente estudados ao longo do trabalho. É de suma importância descrevermos o que a doutrina entende por adimplemento e inadimplemento contratual e suas respectivas modalidades, para que consigamos compor a estrutura do pensamento apto a entender a teoria objeto deste estudo.
O segundo capítulo foi dividido em quatro subcapítulos, para que pudéssemos explorar os conceitos de maneira separada, mas integrada, visando a didática e a estrutura do pensamento para a concepção e a aplicação da tese do adimplemento substancial. Na primeira parte, trataremos da conceituação e do regime jurídico do adimplemento substancial, a fim de nos introduzirmos no instituto e, de maneira gradual, entendermos a sua importância para o direito contratual pátrio. No segundo subcapítulo, traçamos um comparativo entre os Códigos Civis de 1916 e de 2002, procurando discorrer sobre a previsão do dispositivo para fundamentar a sua aplicação nos processos.
O terceiro e o quarto subcapítulos são as principais partes do trabalho, haja vista tratarem dos princípios que baseiam a sua aplicação e os seus requisitos, respectivamente. Embora configurem o cerne do estudo, eles não podem ser vistos isoladamente, pois as partes acima destacadas servem como base de estudo e de conhecimento para que se entenda o dispositivo e, enfim, consiga-se aprofundar a discussão doutrinária sobre o assunto. No quarto subcapítulo, precisamente, traremos os dispositivos legais que baseiam a aplicação do dispositivo, bem como os entendimentos proferidos nas Jornadas de Direito Civil promovidas pelo Superior Tribunal de Justiça.
O derradeiro capítulo versa sobre a aplicação da teoria do adimplemento substancial no direito privado, sendo destacados diversos julgados, a fim de assimilarmos como os juízos ad quem lidam com o instituto, assim como de que modo é feita a sua aplicação no caso concreto e as suas características e os seus requisitos presentes. Após o estudo de todo o trabalho, baseando-se nas mais importantes doutrinas nacionais sobre o tema, chega-se a hora de visualizarmos na prática como a aplicação é feita e de que maneira se busca a justiça stricto sensu nas decisões, evitando, assim, a aplicação das cláusulas exorbitantes que põem em risco ambas as partes do contrato.
Por fim, ressaltamos que todos os capítulos e os subcapítulos do presente trabalho devem ser vistos como dependentes entre si, de modo que seu estudo, de forma isolada e independente, compromete o entendimento da obra como um todo, pois foram pensados de maneira lógica a construir um estudo inteiriço.
2 ADIMPLEMENTO E INADIMPLEMENTO CONTRATUAL
2.1 Conceito e noções básicas
Os contratos bilaterais, embora confiram às partes liberdade e autonomia pessoal a fim de formalizá-lo, devem observar determinadas limitações aos contratantes quanto à sua formalização, visando, assim, o respeito aos princípios jurídicos e ao ordenamento pátrio. De toda sorte, a independência dos indivíduos fica restrita aos ditames legais para coibir eventuais cláusulas ou medidas exorbitantes que firam princípios jurídicos em detrimento de uma das partes da avença. As obrigações impostas no contrato vinculam os pactuantes a fim de satisfazerem o ajustado, tornando obrigatório o seu cumprimento desde que observados os ditames legais.
Conforme destaca Agostinho Alvim, o jurista italiano Emidio Pacifici Mazzoni acentua que:
“as obrigações produzem efeitos diretos e indiretos. É efeito direto o cumprimento; efeito necessário e principal. São efeitos indiretos os direitos que a lei concede ao credor, de modo a aparelhá-lo para obter a execução precisa e exata da obrigação, e, na sua falta, o ressarcimento dos danos” (MAZZONI, vol. IV, nº 99, apud ALVIM, 1955, p. 18).
A obrigação nasce para ambas as partes na formulação do contrato, sendo que o devedor fica submetido a realizar a prestação nos mesmos moldes em que foi combinada, de modo completo e restrito aos seus termos, observando, ainda, o lugar e o tempo acordados. A sua inobservância culmina no direito do credor em exigir que a obrigação seja observada pelo inadimplente e cumprida conforme estipulado, que, segundo o doutrinador brasileiro citado, é regra fundamental em matéria de efeitos das obrigações.
Assim, temos que enquanto a regra é o cumprimento da obrigação, a exceção é o seu inadimplemento. A aludida regra tem traços de efemeridade, fazendo com que a obrigação cumpra o seu papel de circular riqueza e, quando cumprida, exaure-se, ainda que outra obrigação idêntica venha a surgir posteriormente, entre as mesmas partes (VENOSA, 2017, p. 189). Por conseguinte, temos que cada obrigação é restrita, de modo a não se vincular ou gerar dependência com as demais, caso típico de contratos em prestações. O adimplemento é o núcleo de todos os contratos, representando as vontades dos contratantes pela sua liberdade individual de escolha para a confecção da obrigação, assumindo, por fim, prestações e contraprestações recíprocas.
O adimplemento da obrigação visa restaurar as partes ao status quo anterior ao momento de sua formalização, de maneira que elas recuperarão suas liberdades, podendo também formular novas obrigações se desejarem. Venosa (2017, p. 189) assevera que a obrigação, desde que não exista nada de anormal ou de patológico no seu cumprimento, extingue-se pelo pagamento, este que se configura como o meio normal ou ordinário de extinção das obrigações, liberando, portanto, o devedor. Na mesma vertente, Tartuce (2017, p. 166) afirma que “a principal e corriqueira forma de extinção das obrigações ocorre pelo pagamento direto, expressão sinônima de solução, adimplemento, implemento ou satisfação obrigacional”, culminado, conforme ressalta o referido doutrinador, na liberação total do devedor em relação ao vínculo obrigacional. Em suma, o diálogo entre os dois mencionados doutrinadores assegura que o fim principal da obrigação é o seu cumprimento pelo devedor, perseguindo, desse modo, a sua extinção através do pagamento e do cumprimento, objetivos da obrigação avençada.
Para Venosa (2017), o pagamento do devedor, além de ser sua obrigação, constitui também um direito da parte, pois não é do seu interesse que a dívida se prolongue no tempo, pois acarretaria encargos financeiros, como juros, correção monetária e multa. Ademais, o bom pagador, segundo o jurista, assim que desejar pagar ou cumprir a obrigação na forma combinada poderá oferecer meios de coerção ao credor para que receba o pagamento, que não necessariamente será em pecúnia. Entretanto, de acordo com Ruy Rosado de Aguiar Júnior (1991, p. 92), pode ocorrer de que, não sendo a prestação adimplida na forma estipulada, acabará por privar o credor de receber a prestação esperada, decorrendo prejuízos à parte, e expondo-o ao risco de perder a contraprestação por ele antecipada, de modo a diminuir o seu patrimônio e a frustrar o recebimento da vantagem que proveria do cumprimento da obrigação pelo devedor, gerando, assim, uma dupla perda.
Todavia, o incumprimento da obrigação, também chamado de inadimplemento, é conceituado como a não efetuação da prestação debitória nos termos adequados, segundo Mário Julio de Almeida Costa (1994, p. 907 apud BUSSATA, 2008, p. 26), de maneira que o respectivo conceito, segundo o autor, demonstra que o inadimplemento não precisa ser necessariamente sobre a prestação principal, isto é, hão de ser observados, sobretudo, os princípios da boa-fé, da correspondência, da integralidade e da concretização. Diante do discorrido pelo citado jurista, temos que o adimplemento da parte principal, sem observar deveres laterais ou anexos e princípios do ordenamento jurídico, também configura o inadimplemento da prestação. Assim, o adimplemento deve ser visto como um todo e não simplesmente como uma coisa isolada e focada apenas na prestação principal do negócio jurídico.
O autor Eduardo Luiz Bussata (2008, p. 26 e 134) caracteriza o inadimplemento como a não realização devida ou a realização de uma dada conduta em inobservância aos princípios elencados anteriormente, ou seja, ainda que a prestação principal tenha sido satisfeita pelo devedor, os deveres laterais e anexos também deverão ser observados e atendidos, sob pena de caracterizar inadimplemento por parte do obrigado. Segundo Arnaldo Rizzardo (2015), o cumprimento da obrigação deve ocorrer de modo completo e conforme avençado pelas partes, não ficando autorizado ao devedor cumpri-la parcialmente, de forma a
“ressaltarem-se algumas regras para verificar –se plenamente, como o modo de se cumprir, seguindo as condições, o lugar da prestação, as suas qualidades e as características; a pontualidade, ou no tempo devido, em vista do que emana também do art. 394 (art. 955 do Código anterior), que atribui mora a quem não efetua o pagamento no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer; a integralidade, envolvendo a obrigação principal e acessória, ou abrangendo a própria coisa e os frutos e rendimentos” (RIZZARDO, 2015, p. 324).
Rizzardo (2015) elenca três regras a serem rigorosamente observadas, a fim de ter-se o adimplemento da prestação, quais são: modo de cumprir, pontualidade e integralidade da obrigação, corroborando o que afirma o jurista Bussata, no momento em que elenca princípios norteadores do cumprimento do negócio jurídico. De todo modo, é de se ressaltar que tanto o devedor quanto o credor devem cumprir estritamente a obrigação acordada, isto é, o não cumprimento exato do assumido pelas partes, bem como o princípio da boa-fé objetiva e as disposições legais cogentes ou mesmo supletivas aplicadas ao caso culminarão no inadimplemento do ora estabelecido (BUSSATA, 2008, p. 26).
O doutrinador Ruy Rosado de Aguiar Júnior assevera que o incumprimento da obrigação gera ao credor dois inconvenientes: “priva-o de receber a prestação esperada, com os prejuízos daí decorrentes, e expõe-no ao risco de perder a contraprestação por ele já antecipada” (AGUIAR JUNIOR, 2004, p. 93), ocasionando a diminuição imediata do patrimônio do credor e a frustração da vantagem que proviria com o cumprimento pelo devedor. Isto posto, dispõe o credor de mecanismos e meios para minimizar os danos do atraso do pagamento ou seu incumprimento total, de modo a coagir o devedor a cumprir a obrigação ou a atenuar o prejuízo ocasionado, seja por meio do pagamento de parte da quantia ou por indenização por perdas e danos. Reforçando o entendimento do nobre jurista, temos os ensinamentos de Flavio Tartuce (2017, p. 246), nos quais enaltece que a obrigação, em algumas ocasiões, não é satisfeita conforme pactuado, surgindo, então a responsabilidade (Haftung), de certo que pode-se dizer que o inadimplemento de obrigação, inexecução ou descumprimento resulta no surgimento da responsabilidade civil contratual, baseada nos artigos 389 a 391 do CC/02[2]. Na leitura atenta dos referidos artigos, percebe-se que o inadimplemento promove o dever pelo polo passivo em indenizar as perdas e danos, abrangendo não só o que o credor efetivamente perdeu, mas também o que deixou de lucrar[3], além de eventuais danos morais e extrapatrimoniais. Em síntese, o inadimplemento faz nascer a obrigação de satisfazer o dano causado pelo não cumprimento da prestação pactuada entre as partes.
As espécies de inadimplemento são de suma importância para prosseguirmos com o presente trabalho, a fim de estudar o adimplemento substancial ou inadimplemento de escassa importância, o qual não ensejará a resolução contratual, contudo:
“manterá firme o liame contratual até que o devedor cumpra a totalidade de suas obrigações (somadas a elas as respectivas perdas e danos incidentes) ou o credor proceda ao abatimento do preço originalmente contratado para fazer frente às despesas necessárias para completar a obrigação adimplida ou indenizar a perda do valor de mercado do bem ante a sua imperfeição” (SILVA, P. 2016, p. 46).
Decorrente do Direito Romano, temos a classificação do inadimplemento em: inadimplemento relativo, parcial ou mora e inadimplemento absoluto ou total, de modo que este remonta à obrigação que não pode mais ser cumprida pelo devedor, passando a ser considerada inútil ao credor; já aquele refere-se apenas a um descumprimento parcial da obrigação, podendo ainda ser cumprida pelo devedor. Tartuce afirma que o critério para distinguir as duas espécies é a utilidade da obrigação para o credor. Para Agostinho Alvim (1955, p. 7), o incumprimento segue a classificação destacada acima, ressaltando que mora é o não cumprimento no lugar, no tempo e na forma, porém sendo ainda possível a prestação. Complementando, Venosa (2017, p. 331) argui que “não é pelo prisma da possibilidade do cumprimento da obrigação que se distingue mora de inadimplemento, mas sob o aspecto de utilidade para o credor, de acordo com o critério a ser aferido em cada caso, de modo quase objetivo”, isto é, a perspectiva que se deve observar, para então distinguir mora de inadimplemento absoluto, é se a prestação tem utilidade para o credor, naquele momento, e não se ainda é possível que o devedor cumpra a avença. De forma que, se ainda houver utilidade no cumprimento do ora pactuado ao credor, poderá ser satisfeita a obrigação; caso contrário, restará ao credor exigir indenização por perdas e danos, além eventuais danos que possam existir.
No inadimplemento absoluto, segundo Venosa (2017, p. 331), a obrigação não foi cumprida em tempo, lugar e forma convencionados e não poderá mais sê-lo, de feitio que o juiz deverá analisar o caso concreto a fim de decidir se a obrigação pode ser cumprida, ainda que a destempo (ou no lugar e pela forma não convencionada), tendo como orientação o interesse social e a boa-fé objetiva. Assim, se o cumprimento da obrigação ainda for útil ao credor, o devedor estará em mora (inadimplemento relativo), isto é, o critério da utilidade fará a distinção entre as espécies de inadimplemento. Tanto no inadimplemento absoluto quanto no relativo, o credor poderá enjeitar a prestação e exigir a satisfação das perdas e danos (PAULA, 2003, p. 365), entretanto, conforme assevera Vivien Lys Porto Ferreira da Silva:
“diante do não cumprimento ou do atraso injustificado de executar a prestação, esvaindo-se a utilidade da prestação e interesse do credor, o direito resolutório é a única medida para salvaguardar o direito da parte adimplente com todos os efeitos permitidos pelo ordenamento jurídico” (SILVA, V. 2006, p. 136).
No incumprimento da obrigação, conforme previsto no CC/02, diante do inadimplemento absoluto, a parte poderá, ante a existência de culpa ou não do devedor, exigir o cumprimento do pactuado[4], de modo que confirmada a culpa será admitido reclamar indenização das perdas e danos. Ademais, havendo inadimplemento relativo e sendo viável ainda a execução da prestação, o credor poderá: aguardar a sua execução pelo devedor e pedir indenização, caso ela não se realize; conceder prazo suplementar para o seu cumprimento e diante da inércia do inadimplente resolver a obrigação; resolver imediatamente a obrigação, caso a violação seja fundamental quanto ao cerne da prestação, como nas obrigações de não fazer e obrigações com condição temporal imposta (SILVA, V. 2006, p. 141). A mora está essencialmente relacionada à culpa do devedor, constituindo, assim, o retardamento ou mau cumprimento culposo da obrigação pelo obrigado, conforme versa o artigo 396[5] do CC/02; entretanto, o artigo 399[6] do CC/02 refere-se à necessidade de culpa por parte do devedor, de maneira que o simples retardamento no cumprimento da obrigação, portanto, não implica reconhecimento de mora, pois somente isso não configura a culpabilidade da parte (VENOSA, 2017, p. 332). De toda sorte, o parágrafo único do artigo 395[7] do CC/02 aduz que se a prestação se tornar inútil ao credor devido à mora, ele poderá recusá-la, resultando na resolução da obrigação, e exigir a satisfação das perdas e danos. Por fim, assevera o referido dispositivo legal que a mora poderá converter-se em inadimplemento absoluto no último caso, qual seja, a prestação tornar-se inútil ao credor, além do que o devedor em mora se responsabilizará pelos prejuízos causados ao credor acrescidos de juros, atualização monetária e honorários de advogado, se proposta ação judicial no caso.
Evidentemente que os efeitos decorrentes do inadimplemento absoluto são muito piores do que os do inadimplemento relativo, pelo fato de que naquele caso a prestação não terá mais utilidade ao credor ou não poderá mais ser cumprida. Tartuce (2017, p. 275) ainda especifica que, caso a prestação não seja cumprida pelo sujeito passivo, ele passará a responder pelo valor correspondente ao objeto obrigacional, acrescido das demais perdas e danos, mais juros compensatórios, cláusula penal, atualização monetária, custas e honorários de advogado, regra que está estabelecida no artigo 389 do CC/02, que trata da responsabilidade civil contratual e do inadimplemento de uma obrigação positiva, de dar ou de fazer. Pelo estudo do artigo 402[8] do CC/02, abrange-se tanto o que o credor efetivamente perdeu quanto o que deixou de lucrar com o não cumprimento da prestação; assim sendo, no primeiro cenário há os danos emergentes ou danos positivos, no caso dos valores desembolsados por alguém e da perda patrimonial pretérita efetiva; no segundo contexto, têm-se os lucros cessantes ou danos negativos, constituídos por uma frustração de lucro (TARTUCE, 2017, p. 279).
Todavia, o artigo 475[9] do CC/02 dá a opção ao credor de resolver o contrato inadimplido voluntariamente ou involuntariamente pela parte passiva, de modo que isso será discutido ao longo do presente trabalho, para demonstrar que nem todos os inadimplementos ensejam a resolução do contrato, pois isso geraria insegurança jurídica às partes e atentaria contra os princípios basilares da legislação civil nacional.
De acordo com o jurista Arnaldo Rizzardo (2015, p. 328), a resolução prevista no ordenamento jurídico é uma faculdade da pessoa que não recebeu a prestação prometida, não se apresentando como uma consequência cogente ou necessária, ou seja, figura-se como uma alternativa do credor. Ademais, ao se configurar o inadimplemento, não só a resolução é oferecida ao credor, podendo também ser postulada a execução da prestação, a fim de ser satisfeita, ou até mesmo permite-se que seja solicitado o ressarcimento por perdas e danos decorrentes do incumprimento. Assevera, ainda, o autor, citando Ruy Rosado de Aguiar Júnior, que o credor
“pode promover a ação de cumprimento, para obter a prestação específica convencionada, mais perdas e danos decorrentes da violação contratual; propor a ação de adimplemento, para receber o equivalente, se impossibilitada a prestação específica, com perdas e danos (art 879); ou resolver a obrigação, através do exercício do seu direito formativo, extrajudicialmente, nos casos permitidos em lei, ou pela via judicial, como é a regra prevista no sistema para os contratos bilaterais; manter o contrato, reduzindo o preço, com perdas e danos (art.867), ou sem elas (art. 866); receber a coisa restituída, com ou sem direito à indenização (art. 871); ou mandar executar ou desfazer, à custa do devedor (arts. 881 a 883). Poderá também aguardar a iniciativa da contraparte, retendo a sua prestação (art. 1.092). Os artigos citados – 879, 867, 866, 871, 881, 883 e 1.092 – equivalem respectivamente aos artigos 248, 236, 236, 240, 249, 251 e 476 do vigente Código Civil” (AGUIAR JÚNIOR, 1991, p. 191-192, apud RIZZARDO, 2015, p. 328).
Em suma, diante das mais variadas alternativas apresentadas acima, para que o credor possa receber a prestação que lhe deve a parte passiva, o debate é em torno à previsão legal de que a parte ativa possa resolver o contrato diante de qualquer incumprimento, exceto nos casos de adimplemento substancial da obrigação – tema que a partir de então nos debruçaremos, a fim de entender suas características e aplicações no direito privado brasileiro.
3 ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL
3.1 Conceito e regime jurídico
A Teoria do Adimplemento Substancial foi desenvolvida no direito privado brasileiro a partir da substancial performance doctrine, de origem inglesa, sendo que diversos outros países europeus, como Alemanha, Itália e Portugal, adotavam-na no exercício do direito e, principalmente, fizeram constar o instituto nos seus diplomas legais, gerando mais segurança jurídica e previsibilidade às partes.
Por conseguinte, a recepção da tese no Brasil deu-se pela interpretação teleológica de princípios basilares, como o da boa-fé objetiva, a vedação ao abuso de direito, a função social e o equilíbrio econômico dos contratos (SILVA, P., p. 9 e 34). Segundo Clóvis de Couto e Silva (2006), a teoria baseia-se no princípio da boa-fé objetiva, de modo que, nos casos em que o devedor deixa de executar pequena parcela da obrigação, não seria razoável aplicar a cláusula resolutiva do contrato pactuado, pois divergiria dos referidos princípios. O aludido doutrinador
“foi o propulsor da Teoria do Adimplemento Substancial no sistema jurídico pátrio por ter sido o primeiro a detectar a importância de mensurar o inadimplemento de parte mínima do contrato como elemento operativo na hermenêutica jurídica dos negócios jurídicos, sob a base do princípio da boa-fé objetiva mensurando suas consequências e, eventuais, penalidades” (SILVA, V., 2006, p. 84).
A mencionada tese, embora não tenha previsão legal, foi recepcionada pelos tribunais pátrios devido à sua importância para a segurança jurídica dos contratos e à sua viabilidade na aplicação, tendo sido largamente utilizada há décadas por países europeus, especialmente aqueles do common law. Ressaltamos que a doutrina do adimplemento substancial do contrato, originária do sistema de common law, foi recepcionada pelo ordenamento jurídico pátrio, o qual baseia-se no sistema de civil law, por meio da interpretação integradora de dispositivos legais e pela aplicação de princípios gerais de direito, especialmente o de boa-fé objetiva (SILVA, V., 2006, p. 88). Assim, quando as partes estão diante de um escasso descumprimento da obrigação, o direito de resolução da parte ativa é sustado, de modo que a obrigação de pagar permanece; todavia, o credor poderá exigir o seu adimplemento judicialmente, permanecendo, assim, o pactuado entre as partes. Tal teoria recebe, na doutrina nacional, várias nomenclaturas, sendo que:
no começo, é até um pouco difícil a compreensão em razão dos diferentes vocábulos utilizados, de maneira que alguns juristas referem-se à tese em questão ora como adimplemento ruim[10], ora por insatisfatório[11], ora por incumprimento imperfeito[12] e ora por inadimplemento insignificante[13], mesclando algumas características destes conceitos e gerando, por vezes, algumas dúvidas a respeito do concreto regime jurídico do adimplemento substancial (SILVA, V., 2006, p. 90).
Conforme destaca o jurista Araken de Assis (1999, p. 16), “ao menos um dos eventos resolutivos – o adimplemento ruim – supõe o cumprimento da prestação, conquanto insatisfatoriamente, a seguir rejeitada pelo parceiro ‘lesado’”, entendimento corroborado pelas palavras de uma das principais referências pátrias sobre a supracitada teoria em estudo, no qual Eduardo Luiz Bussata, categoricamente, aduz que a teoria em questão define as situações em que é lícito ao credor buscar a resolução do contrato. Este último afirma que a teoria do adimplemento substancial funciona como limite ao direito formativo extintivo de resolver os contratos, impedindo, portanto, que um pequeno descumprimento, causado por uma das partes, seja considerado causa suficiente ao desfazimento do vínculo, à medida que mantém-se o contrato, remetendo a parte não inadimplente à via ressarcitória, uma vez que o inadimplemento de escassa importância permite a sobrevivência do vínculo, mas não afasta a responsabilidade do inadimplente (BUSSATA, 2008, p. 101). Em outras palavras, a teoria exerce papel de limite ao direito de resolução do contrato quando ocorrer inadimplemento de parcela ínfima do mesmo, ou seja, sendo o incumprimento tão diminuto em relação à obrigação e não atingido os princípios da função econômica-social do contrato e nem o da boa-fé objetiva, fica vedado ao credor resolvê-lo a fim de se evitar o uso desequilibrado do direito de resolução previsto no orçamento jurídico brasileiro,
“fundado essencialmente na aplicação do princípio da boa-fé objetiva, no pleno exercício de sua função defensiva de limitação de direitos subjetivos tal como especificado supra no enquadramento das funções deste princípio e delineado pela doutrina” (MARTINS, 2008, p.69).
Cezar Peluso (2018, p. 763) conceitua a tese do adimplemento substancial como uma típica revelação do solidarismo na relação contratual, evitando-se, por fim, a resolução de quando o contrato se tiver cumprido quase por inteiro, isto é, quando suas prestações se tiverem adimplido quase de maneira perfeita, como, por exemplo, nas hipóteses em que apenas a última parcela do prêmio tenha sido adimplida, preferindo-se, então, a cobrança coativa, mas mantendo-se o ajuste. Os entendimentos acerca do tema exposto até então são reforçados pelo jurista Anderson Schreider, que salienta que a teoria em estudo permite “rejeitar a resolução do vínculo obrigacional sempre que a desconformidade entre a conduta do devedor e a prestação estabelecida seja de pouca relevância” (SCHREIDER, 2009, p. 138), e pelo doutrinador Carlos Roberto Gonçalves (2017, p.227), o qual sintetiza que a doutrina reconhece a tese como impedimento à resolução unilateral do pacto, de modo que o atendimento quase integral da obrigação pactuada, isto é, o incumprimento insignificante da avença, não figura como razoável à extinção do ora pactuado como resposta jurídica à preservação e à função social do contrato.
Todos os conceitos expostos acima, pelos mais diversos doutrinadores e juristas, objetivam demonstrar que a doutrina é uníssona em atestar que a tese do adimplemento substancial está ligada diretamente ao conceito de incumprimento irrelevante ou insignificante das partes, de modo que sustenta-se com base nos princípios da boa-fé objetiva[14], da função social e do equilíbrio econômico dos contratos e da vedação ao abuso de direito[15] (SILVA, P., 2016, p. 16). O que não significa dizer que a adoção do instituto, a fim de evitar a resolução do contrato, cessa o direito do credor de ver satisfeita a prestação da qual o devedor inadimpliu, estando, portanto, assegurado ao polo ativo o direito à cobrança pelas vias judicial ou extrajudicial daquilo que não foi cumprido. Conforme Clóvis de Couto e Silva, o direito de resolução fica prejudicado diante do adimplemento tão próximo do resultado quando o credor requer a indenização e/ou o adimplemento, reforçando que o pedido de resolução, quando feito, fere os princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos. Assim, podemos aferir que
“no adimplemento substancial, a causa final (efeito jurídico pretendido) e a causa impulsiva (a satisfação do interesse da parte e a utilidade da prestação) do negócio jurídico persistem, pois verifica-se que na relação obrigacional caracterizada pela ausência da prestação de parte mínima há a concretização da causa do contrato, revestindo de validade as obrigações assumidas, ainda que de maneira quase que integral” (SILVA, V., 2006, p. 115),
Corroborando o exposto, de que o adimplemento substancial do contrato não gera o ônus ao polo passivo de ter o contrato resolvido pelo polo ativo e nem que este seja prejudicado pela inadimplência do devedor, podendo, portanto, exigir a satisfação da prestação judicial ou extrajudicialmente.
De acordo com o entendimento de Anelise Becker (1993, p. 63), a teoria em debate consiste em um resultado muito próximo do almejado, de modo a não abalar a reciprocidade, o sinalagma das prestações correspectivas, mantendo-se, então, o contrato e concedendo ao credor o direito de ser ressarcido pelos defeitos da prestação, pois o prejuízo, ainda que secundário, se existir, deve ser reparado. Contudo, o referido instituto não se aplica nas hipóteses da obrigação de não fazer, sendo que a violação dessa conduta proibida gera o inadimplemento absoluto, vez que a realização da omissão imposta leva à inexecução, sendo impossível o retorno do status quo, ensejando, assim, ao ressarcimento pelos prejuízos causados, mesmo caso das obrigações em que o tempo é requisito fundamental, não se admitindo cumprimento tardio, e também das obrigações infungíveis, não sendo possível a preservação do contrato com fundamento no adimplemento substancial (SILVA, V., 2006, p. 273). Destarte, a aplicação da teoria do adimplemento substancial busca equilibrar os autores do pacto, trazendo a estabilidade necessária às partes quanto às expectativas do credor relativamente aos interesses insatisfeitos pelo obrigado (ASSIS, 1999, p. 110).
O tema discutido na presente dissertação visa preservar o vínculo contratual entre as partes diante do incumprimento da obrigação de escassa importância, baseando-se no princípio da boa-fé objetiva, considerada na sua atuação mais moderna, isto é, criando deveres aos contratantes, de forma a não importar qual figura como credor e como devedor, mas sim a força conjunta da preservação do contrato, impossibilitando a resolução do contrato caso o descumprimento atingir parte tão reduzida da prestação, admitindo-se solução diversa daquela imposta pela resolução contratual (SILVA, V., 2006, p. 144). Em suma, o instituto visa proteger o devedor ao conter os efeitos negativos do incumprimento de escassa importância observado, a fim de não comprometer o equilíbrio contratual. De tal modo, o propósito da teoria é autorizar a avaliação de gravidade do inadimplemento antes de deflagrar a consequência drástica consubstanciada na resolução da avença (SCHREIDER, 2009, p. 138), pois, assim, o inadimplemento deixa de ser encarado apenas como uma condição descumprida, sendo analisada a importância da inexecução em si, ou seja, se ele compromete o pactuado entre as partes ou se representa apenas o inadimplemento de uma prestação que não prejudique a manutenção do contrato.
3.2 Análise comparativa entre o Código Civil de 1916 e o Código Civil de 2002
Conforme já destacado, o instituto do adimplemento substancial não foi positivado, ainda, em nosso ordenamento jurídico; contudo, as decisões judiciais, com base na doutrina pátria, costumam invocar a tese, a fim de manter vigentes os contratos, quando possível sua aplicação. No Código Civil de 1916 e no de 2002, há previsão legal de resolução do contrato por inadimplemento, consistindo no desfazimento da relação contratual por decorrência de evento superveniente com retorno ao status quo (ASSIS, 1999, p. 69). Diante da previsibilidade legal de resolução dos contratos por incumprimento, analisaremos como os referidos Códigos previam tal ação por parte do credor e de qual maneira os princípios gerais do direito foram positivados.
O CC/16 continha um viés iluminista do direito e, por conseguinte, do contrato, baseado na autonomia da vontade, a qual permitia aos contratantes a liberdade necessária para estabelecerem o conteúdo jurídico entabulado, observando um pequeno número de normas de ordem pública que, em geral, versavam sobre a própria manifestação de vontade, já que não supria os anseios sociais (BUSSATA, 2008, p. 05). De fato, o antigo código foi influenciado pelos códigos civis de França, Alemanha e Suíça, sendo, assim, mais voltados para a liberdade do indivíduo, de forma que o legislador pátrio não incorporou o aspecto social da relação obrigacional, calcado no princípio da autonomia privada, isto é, o diploma civil, ao se utilizar de premissas provenientes de códigos iluministas, priorizou conceitos individualistas, como o princípio da vontade humana como expressão da liberdade individual vista dentro da relação jurídica intersubjetiva (SILVA, V., 2006, p. 89). O contexto histórico da época priorizava sobretudo a liberdade do indivíduo e a diminuição da interferência do Estado nas relações entre particulares, devendo as partes observarem o pactuado e cumprirem suas respectivas obrigações, de maneira que o direito apenas representava a conjuntura social do período.
A visão liberal do código civil desenvolveu a relação obrigacional calcada no pacto sunt servanda, no qual se assevera que as partes devem cumprir rigorosamente ao contratado estabelecido e ratificado por elas, de maneira que o descumprimento da avença poderia ensejar a resolução dele, vigorando, assim, um parâmetro rígido e formalista do contrato.
A parte adimplente poderia exigir o cumprimento total e irrestrito do devedor, com base no princípio mencionado acima, ficando protegida para exercer como bem quisesse o direito potestativo resolutório, cumulado com a possibilidade de pleitear as perdas e danos decorrentes do incumprimento da obrigação. Desse modo, apresentava-se uma relação desproporcional entre os obrigados, pois o mínimo inadimplemento da prestação poderia levar à resolução do pacto e possibilitar a cobrança do credor de eventuais perdas e danos consequentes do incumprimento. O doutrinador Clóvis do Couto Silva (1980, p. 58-60) atestou que o código de Clóvis Beviláqua, apesar do imenso conteúdo valorativo da obra, não deu importância em figurar em disposição legislativa o princípio da boa-fé, isto é, nem o jurista e nem os legisladores dispuseram, no referido código, nada que especificasse o aludido princípio no campo que lhe caberia, qual seja o Direito das Obrigações. O citado doutrinador afirma, ainda, que os autores que escreveram, posteriormente ao Código Civil brasileiro não mencionaram a importância do princípio da boa-fé para uma moderna concepção de relação obrigacional, isto é, não a definiram como uma complexidade, estrutura ou sistema de processos, talvez porque os autores não tivessem apreço a tal princípio ou ele deveria ser considerado como um reforço a uma simples regra de interpretação (SILVA, C., 1980, p. 58-61).
Na mencionada norma jurídica, havia previsão de que o descumprimento da obrigação principal do pactuado poderia ensejar a resolução do contrato pela outra parte, seguindo, assim, a visão iluminista da liberdade do sujeito face aos seus direitos. Contudo, a regra era que o inadimplemento relativo impedia, irrevogavelmente, o acesso ao mecanismo resolutório, pois considera-se a mora como situação transitória, emendável e benigna, jamais ocasionando o estrépito e os perigos econômicos do descumprimento desequilibrante do contrato, além disto, porque impede de transformar em inútil a prestação debitória, sob pena de o credor não se consentir rejeitá-la, de modo que se esse perder o interesse na prestação, estaremos diante do caso de inadimplemento absoluto, propriamente dito (ASSIS, 1999, p. 103). Destarte, o citado código valorizava o cumprimento das obrigações conforme originalmente pactuadas entre as partes, com a valorização de parâmetros rígidos, materialistas e individualistas de controle do cumprimento da prestação. Fundamental destacar o parágrafo único do artigo 1.092 do CC/16[16], no qual a parte, desde que lesada pelo inadimplemento, poderia requerer a rescisão[17] do contrato com perdas e danos.
Com base no parágrafo único do artigo 1.092 do CC/16, “não existia margem para se conferir qualquer tutela ao inadimplente diante da ausência de gravidade no inadimplemento gerado em relação à inexecução de parte mínima da obrigação, o que configura o adimplemento substancial” (SILVA, V., 2006, p. 90), de modo que o posicionamento que prevalecia diante dessa circunstância era o de resolução do contrato, vez que o código não dispunha de elementos protetivos ao inadimplente quando ocorria o incumprimento de parte insignificante da obrigação. É importante ressaltar que o código, ao não destacar o princípio da boa-fé objetiva, além de expressamente prever a resolução do contrato no caso de inadimplemento, criava uma situação jurídica de desvantagem ao devedor, pois também não dispunha de elementos que caracterizassem quando o inadimplemento poderia ensejar a resolução do pacto, isto é, poderia o ordenamento jurídico dispor acerca da resolução por inadimplemento, contudo, não oferecia componentes para que fosse averiguada a situação de extinção da avença. Por conseguinte, o aludido código prestigiava a resolução da avença sem prever possível prejuízo inexpressivo decorrente da inexecução, deixando a parte inadimplente descoberta de qualquer proteção jurídica, caso descumprisse parte ínfima da obrigação prometida, ou seja, dirimindo qualquer possibilidade de adequação do contrato diante do desequilíbrio formado (SILVA, V., 2006, p. 91).
Embora o ordenamento jurídico não previsse o adimplemento substancial das obrigações, a jurisprudência passou a adotar a teoria mesmo durante a vigência dele, passando a aplicar o dispositivo e impedindo a resolução de contratos que decorressem do mínimo incumprimento, devendo o magistrado analisar caso a caso, isto é, não foi definido um quantitativo do cumprimento do pactuado a fim de termos o adimplemento substancial da obrigação. A teoria do adimplemento substancial,
“por meio da interpretação analógica e com fundamento nos princípios do direito obrigacional, especialmente o princípio da boa-fé objetiva, passou a absorver, ainda de que forma minoritária a mencionada tese, como se observa, por exemplo, no acórdão proferido em 12 de abril de 1988, pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na Apelação Cível nº 588012666, pelo Desembargador Ruy Rosado de Aguiar Junior: ‘Contrato. Resolução. Adimplemento Substancial. O comprador que pagou todas as prestações de contrato de longa duração, menos a última, cumpriu substancialmente o contrato, não podendo ser demandado por resolução. Ação de rescisão julgada improcedente e procedente indenizatória’” (SILVA, V., 2006, p.30).
Assim, vimos que, o mencionado código, que teve influência de legislações europeias calcadas no iluminismo, mais precisamente na liberdade do indivíduo, não dispunha de dispositivo positivado a fim de minimizar a sanção de resolução do contrato com base no inadimplemento, mesmo que mínimo, de qualquer das partes; contudo, um novo projeto de lei tramitava no Congresso Nacional a fim de aprimorar o Código Civil pátrio, devendo ser atualizado em função das mudanças sociais observadas nessas longas décadas de vigência do código anterior.
Com a implantação do novo sistema civil, em 2002, foi fornecido ao juiz um novo instrumental, bem diferente do que ocorria no ordenamento revogado, que negava a revisão judicial dos contratos diante de cláusulas nitidamente abusivas, para respeitar a manifestação de vontade, embora, na maioria das vezes, esse componente sequer estivesse presente na celebração (AGUIAR JUNIOR, 2004, p. 232). Destaca-se, no CC/02, o artigo 475, o qual aduz que, diante da existência de inadimplemento, a parte lesada pode requerer a resolução do contrato, se não preferir exigir o seu cumprimento; ademais, em qualquer dos casos, poderá ajuizar demanda de perdas e danos. Diante do exposto, o jurista Eduardo Luiz Bussata (2008, p. 87) alega que, embora o ordenamento tenha previsto a resolução do contrato na ocorrência de incumprimento, ele não adjetivou qual inadimplemento seria, dando a entender que toda e qualquer lesão ao direito seria suficiente para a parte valer-se da faculdade de desfazimento do vínculo, estando o credor autorizado legalmente a buscar a resolução do vínculo contratual. Contudo, a resolução é medida extrema, ao implicar ao inadimplente uma sanção exagerada a qual encerrará o vínculo obrigacional, retirando-lhe os efeitos jurídicos produzidos e os que deveriam ser produzidos durante a sua vigência; assim sendo, havendo o incumprimento de escassa importância, a resolução pelo credor seria manifestamente desproporcional, injusta e contrária à finalidade econômica e social do contrato (MARTINS, 2008, p. 69).
A despeito de o artigo 475 do CC/02 prever que o inadimplemento enseja a resolução do vínculo contratual, a teoria do adimplemento substancial não ofende ao ordenamento jurídico, visto que configura uma excepcionalidade temporária à regra, isto é, se o devedor não cumprir os requisitos necessários à aplicação da teoria, como, por exemplo, o pagamento substancial da prestação, e a condição de conseguir cumprir a obrigação em sua totalidade, o contrato poderá ser resolvido mesmo diante do seu pagamento substancial. O aludido artigo deve ser compreendido
“com o escopo de valorar os exatos limites do inadimplemento gerador da resolução, na medida em que o adimplemento substancial é construído com fundamento no princípio da boa-fé e, a ‘contrario sensu’, dos artigos 394, 395, parágrafo único do mesmo diploma civil, porquanto que o descumprimento mínimo de parte da obrigação é configurado quando a ausência da prestação não violar a substância do contrato e não tornar inútil a prestação à parte adimplente, subsistindo o interesse desta em receber a obrigação executada no tempo, lugar e forma dispostos pela lei ou pelo contrato, ainda que reduzida ou prejudicada, minimamente, alguma parte destes critérios” (SILVA, V, 2006, p. 271).
Conquanto, as partes não estão impedidas de pactuarem uma prévia valoração do inadimplemento para fins resolutórios, podendo determinar que determinados incumprimentos, em princípio sem relevância para a economia do contrato, facultem ao credor resolvê-lo.
Tanto na contratação quanto na execução do pacto, as partes deverão observar o princípio da boa-fé objetiva, a fim de guiar suas ações e não incorrer em abusos, sendo a norma, portanto, de ordem pública e inderrogável pela vontade dos obrigados. Portanto, fica vedado aos contratantes estabelecerem cláusulas que contrariem o princípio da boa-fé, já que sua existência será considerada abusiva e não vinculará as partes, de maneira que nada adiantaria o legislador prever o dispositivo no código se fosse admitido que elas estabelecessem cláusulas que afrontassem a sua aplicação. Tanto o diploma de 1916 como o vigente foram omissos quanto ao modo de descumprimento da obrigação a fim de motivar a resolução em caso de inadimplemento; entretanto, essa omissão é suprimida com a integração do artigo 394[18], do parágrafo único do artigo 395, e do artigo 389 do CC/02. Os quais definem a mora e discorrem sobre a inutilidade da prestação para o credor e a possibilidade deste resolver o contrato com o direito de indenização por perdas e danos, na perda do seu interesse pelo cumprimento da prestação pelo devedor (SILVA, V., 2006, p. 98).
A flexibilidade ao artigo 475 do diploma civil é construída sob fundamento do princípio da boa-fé que edifica o adimplemento substancial, a contrario sensu, do artigo 394 e parágrafo único do artigo 395 do CC/02, porquanto que o descumprimento mínimo de parte da obrigação é configurado quando a ausência da prestação não violar a substância do contrato e não tornar inútil a prestação à parte adimplente, subsistindo o interesse desta em receber a obrigação executada no tempo, no lugar e na forma dispostos pela lei ou pelo contrato, ainda que reduzida ou prejudicada, minimamente, alguma parte destes critérios (SILVIA, V., 2006, p. 98). Assim sendo, podemos afirmar que a teoria do adimplemento substancial ingressa no nosso ordenamento jurídico somente a partir da promulgação do CC/02; isso não se dá de maneira positivada em torno de um dispositivo legal, mas sim na conjugação de diversos desses dispositivos calcados no princípio da boa-fé objetiva (artigo 422 do CC/02[19]), agora inserido dentro do ordenamento, a fim de minimizar os danos de uma resolução contratual quando diante do inadimplemento de pouco monta. É por meio da menção expressa do princípio da boa-fé no ordenamento civil que a teoria do adimplemento substancial ganha força – a ponto de se destacar como instrumento inibitório de resoluções contratuais.
Por fim, o embasamento para tanto se dá principalmente pela função limitadora da boa-fé ao exercício de direitos subjetivos, como na vedação do enriquecimento sem causa[20], no instituto do abuso de direito[21] e na função social e preservação dos contratos[22] (SILVA, P., 2016, p. 35), ficando, assim, limitada a discricionariedade que o credor tinha de resolver a avença adimplida substancialmente, restando ao polo ativo a indenização por perdas e danos ou a retenção de parte do preço, se não já integralmente pago. A jurisprudência dos nossos tribunais tende, a partir do CC/02, a prestigiar o equilíbrio contratual com base no princípio da preservação dos contratos e da equidade; ademais, o descumprimento de parte mínima do contrato encontra guarida nos princípios da segurança jurídica, da preservação e da função social dos contratos, de modo a conservar os pactos e a prestigiar a manutenção equilibrada do vínculo obrigacional, se mantida a essencialidade da obrigação dentro da equidade aplicável sob o princípio do pacta sunt servanda, que se relativiza mediante o princípio da função social – que prima pelo equilíbrio do contrato quando útil e justo (SILVA, V., 2006, p. 98 – 99).
3.3 Princípios que norteiam a aplicação do adimplemento substancial
As partes promovem um pacto com base na confiança de que o outro obrigado cumprirá o que lhe foi imputado, de modo que a boa-fé deve estar presente desde a fase pré-contratual até a fase pós-contratual. Evidente que a recusa no recebimento de uma prestação quase totalmente adimplida, frustra essa confiança entre os obrigados, gerando um desequilíbrio ao inadimplente, ao receber a recusa da outra parte e ao propor a resolução do contrato, mesmo se os seus interesses tiverem sido atingidos substancialmente pela execução da obrigação realizada (SILVA, V. 2006, p. 85). A boa-fé objetiva é o princípio que deve ser perseguido pelas partes, pois em torno dela e dos demais princípios é que a relação obrigacional orbita, tendo o devedor e o credor responsabilidades e deveres entre si a fim de cumprir o pacto. Nessa medida, a relação obrigacional deixa de ser apenas a soma de crédito e débito, estaticamente considerados, sendo compreendida como uma ordem de cooperação, agregando-se ao dever principal os deveres laterais e anexos, os quais permitirão que seja atingido o pleno adimplemento, ou seja, a satisfação total do credor em seu interesse na prestação pelos ditames da boa-fé objetiva (SILVA, V. 2006, p. 101). Conforme assevera Araken de Assis (1999, p. 113), o obrigado pode adimplir incorretamente a prestação, não só no que concerne à identidade ou à quantidade da obrigação principal, de forma que o descumprimento recobre, também, os deveres laterais e acessórios da avença.
Além do princípio da boa-fé objetiva, podemos fundamentar o adimplemento substancial em muitos outros, como o princípio da conservação dos contratos; o princípio da igualdade jurídica; o princípio da liberdade contratual, conforme expresso pela autonomia privada; além do sinalagma contratual (equivalência/interdependência das prestações), de modo a harmonizar e satisfazer os interesses dos contratantes, visando a satisfação mútua de interesses das partes por meio do adimplemento.
O princípio da conservação dos contratos visa garantir a rigidez necessária a preservar a parte do programa contratual já executada, sem impingir à parte mínima descumprida, que terá um tratamento diferenciado em relação à parte maior totalmente adimplida. O princípio da igualdade jurídica é considerado o material formador do adimplemento substancial, à medida que as partes deverão ter tratamento igualitário, a fim de que o contrato apresente sanção ao inadimplente ou compensação da frustração do interesse do credor ou até mesmo pela severidade imposta ao inadimplente ao perder todo o seu direito em razão do não cumprimento de parte ínfima da obrigação. O princípio da liberdade contratual é orientado pela autonomia privada, por representar o sopro de vivência de cada contrato, encontrando-se a liberdade da autonomia dos contratantes delimitada na autonomia privada. O sinalagma contratual, por conter a reciprocidade devida, é o responsável por temperar a tutela dos interesses do credor diante do inadimplemento de parte mínima da obrigação, mas também tem o encargo de tutelar os interesses do devedor nesta situação como forma de equilibrar a interdependência das prestações. O princípio da boa-fé objetiva é o norteador das ações dos contratantes, uma vez que ambas devem estar imbuídas de probidade pela consecução do adimplemento e havendo o descumprimento mínimo deste, sem grande relevância, o espírito do aludido princípio deve ser exaltado, de modo que dever-se-á impossível a prerrogativa do credor de recusar a aceitar a parte da prestação adimplida substancialmente, sendo a solução mais equânime a postulação pelo ressarcimento das perdas e danos gerados pela insubsistência mínima da prestação realizada (SILVA, V. 2006, p.143 – 144; 272).
O doutrinador Flávio Tartuce (2017, p. 317) afirma que o esteio principiológico do adimplemento substancial é a função social do contrato, diante da busca de preservação da autonomia privada e da conservação do negócio jurídico. Destaca que, pela teoria do adimplemento substancial, o contrato, ao ser quase totalmente cumprido, não poderá ser extinto diante do incumprimento de pouca monta, cabendo outros efeitos jurídicos para tal, visando sempre a manutenção da avença, de modo que o autor citado entende que a relação da teoria se dá mais com o princípio da função social dos contratos, diante da conservação do negócio jurídico (Enunciado nº 22 CJF/STJ)[23]; entretanto, salienta que, para Eduardo Bussata, o fundamento do adimplemento substancial é a boa-fé objetiva, residindo aqui a discordância entre os autores. Conforme expresso no Enunciado nº 361 CJF/CSTJ[24], os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato são associados à tese acima, a despeito de previsão expressa no ordenamento jurídico civil (TARTUCE, 2015), atestando que, a partir da teoria, há uma nova visão sobre os contratos, mais justa, efetiva e segura juridicamente aos contratantes – que sofriam diante dos abusos cometidos pela outra parte.
A teoria do adimplemento substancial, na visão de Eduardo Luiz Bussata (2009, p.162), deve ser adotada no direito pátrio, seja em razão do princípio da boa-fé objetiva, seja na função de controle, ao limitar o exercício das posições jurídicas ou dos direitos subjetivos, vez que importa em exercício desequilibrado do direito à resolução ante a pequenez do inadimplemento (pequena lesão que acarreta grande sanção), seja em razão da função social do contrato, vez que visa à conservação do negócio. A boa-fé objetiva, sem dúvida, é considerada pelos mais diversos doutrinadores e juristas como o princípio que norteia a teoria em debate, sendo o de maior relevância, embora não haja uma classificação entre princípios e seus respectivos graus de importância ao direito. O supracitado princípio é caracterizado como baliza de comportamento dos contratantes em suas relações recíprocas, devendo esta se pautar por um padrão ético de confiança e lealdade, indispensável ao desenvolvimento normal da convivência social, pois a expectativa de um comportamento adequado por parte do outro é um componente indissociável da vida em relação, sem a qual ela mesma seria inviável (AGUIAR JUNIOR, 2004, p. 244). Portanto, funcionando a boa-fé objetiva como cláusula geral das relações obrigacionais, a solução de casos pode ser com base nos fatores metajurídicos, de modo que as partes ficam incumbidas de dar fiel cumprimento à avença, protegendo ambos os contratantes de malícias ou inflexibilidades que o outro lado imponha, a fim de ver seu direito prevalecer em detrimento do direito do outro, causando, assim, situações desequilibradas entre as partes, que podem levar a tomadas de atitudes desarrazoadas e prejudiciais ao que fora pactuado.
Bussata (2008, p. 71 – 72) aduz que a boa-fé subjetiva, derivada do Direito Canônico, baseia-se em dados internos, meramente psicológicos, referentes à ignorância de estar lesando direito alheio, ou seja, o sujeito imagina que a sua conduta está pautada no direito, desconhecendo, portanto, o eventual dano à outra parte através da sua ignorância ou da crença equivocada de estado de desconhecimento do ferimento do direito alheio. Para Claudio Luiz Bueno de Godoy (2007, p. 72), tal instituto corresponde a um estado psicológico, um estado de ignorância da antijuridicidade ou do potencial ofensivo de determinada situação jurídica. O citado instituto tem o condão de se referir a uma condição subconsciente do sujeito, de modo que cada indivíduo possui determinada interpretação acerca do que é boa-fé subjetiva, a fim de justificar suas atitudes sem que saiba que elas afrontem normas jurídicas e que causem prejuízo alheio. A boa-fé objetiva atua como uma norma de conduta, isto é, um padrão de comportamento a ser adotado pelo sujeito de acordo com a lealdade e a correção, a fim de que o indivíduo haja seguindo determinados padrões, socialmente recomendados, de correção, lisura e honestidade para não frustrar a confiança legítima da outra parte (BUSSATA, 2008, p. 72), impondo deveres que antecedem a obrigação e que permanecem após o seu cumprimento, não se limitando apenas ao período em que vigora o contrato ou às prestações principais. Segundo Bussata (2008), a principal diferença entre a boa-fé objetiva e a boa-fé subjetiva é que esta não importa em um dever de conduta, mas somente em um estado de consciência de não estar lesando direito alheio; já aquela, a qual está positivada no ordenamento jurídico civil, deve ser aplicada a todo o ramo obrigacional e impõe às partes observar a lealdade, a honestidade e a confiança legitimamente depositada.
Ao considerarmos o princípio da boa-fé objetiva como cláusula geral do direito pátrio, devemos reconhecer que isso nos remete a analisar tal princípio no campo interpretativo da ciência jurídica, de modo a reconhecer o papel do instituto na aplicação e na realização do direito. O princípio da boa-fé informa a interpretação a ser observada contra o estipulante nos casos de ambiguidade ou contradição, o que vemos normalmente em contratos de adesão; ademais, tal princípio serve como limitação e impedimento ao exercício dos direitos subjetivos, devendo os contratantes agirem com boa-fé para que sua conduta seja considerada regular, de maneira que o exercício de determinado direito, sem a sua observância ou quando exceda manifestamente os fins do instituto, configura-se abusivo (BUSSATA, 2008, p. 80 – 85). Assim, temos como precisar o exato conteúdo das cláusulas do pacto e as respectivas obrigações de cada contratante, não só pelas regras avocadas pela autonomia privada, mas também pelos valores admitidos pelo sistema, de forma que “o objetivo desta compreensão é atingir uma relação obrigacional mais justa, com maior equilíbrio entre direitos e obrigações e que, ao mesmo tempo, atenda aos legítimos interesses dos contratantes, a fim de que sua função econômica-social seja cumprida” (MARTINS, 2008, p. 66).
Não só a obrigação principal fica condicionada à boa-fé dos contratantes, mas também os deveres laterais, anexos ou secundários, os quais são decorrentes do mencionado princípio, recaem tanto ao devedor quanto ao credor, exigindo condutas condizentes com a boa-fé objetiva. As partes devem cooperar e serem leais entre si para que o contrato possa ser adimplido por todos, sem que ocorram interferências capazes de gerar pandemônios que conduzirão a uma eventual resolução do pacto. De forma que tanto a boa-fé quanto os deveres anexos se estendem até mesmo depois do contrato adimplido, transformando-se em responsabilidade pós-contratual. A boa-fé objetiva, por conseguinte, acaba por cumprir o papel delimitador de direitos subjetivos, destacando-se, assim, a teoria do adimplemento substancial ao limitar a autonomia da vontade em resolver o contrato em que se observou o adimplemento ruim.
Segundo o doutrinador português Antônio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro (2013, p. 858), “ninguém pode ser obrigado a suportar o exercício de um direito, quando o sacrifício implicado afete gravemente os princípios da boa-fé”, de maneira que ao aludido princípio toma corpo de cláusula geral a fim de proteger a parte contrária do contratante que, em uma espécie de devaneio em tirar vantagem da situação, acaba provocando danos desconformes ao outro contratante. As cláusulas gerais, como as da boa-fé, ganham importância para a solução de problemas que venham surgir entre as partes quanto ao cumprimento de seus deveres, devendo sopesar os valores do titular do direito e daquele cuja posição é atingida pelo exercício de determinada ação prejudicial ao seu direito.
Na doutrina do adimplemento substancial, não se permite a resolução do contrato que foi adimplido substancialmente, atribuindo-se um direito de indenização ao credor, de sorte que o princípio da boa-fé atua defensivamente, impedindo o exercício das pretensões, ou ativamente, criando deveres e podendo, se necessário, restringir o princípio de o cumprimento ser completo ou integral, permitindo outra solução (SILVA, C., 1980, p. 68). Com base nos enunciados 361 CJF/STJ e 371[25] CJF/STJ, aprovados na IV Jornada de Direito Civil, tanto os princípios da boa-fé objetiva quanto a função social do contrato preponderam no adimplemento substancial, de modo que a mora do devedor, desde que de escassa importância, não autoriza a resolução do contrato, por atentar ao princípio da boa-fé objetiva; assim, temos clareza ao afirmar que a inexatidão da prestação está inserida no âmbito da aludida tese, de forma que antes da resolução do contrato deverá ser valorada a importância do inadimplemento em questão, tendo em conta, de um lado, a aproximação existente entre a prestação inexata e o programa contratual e, de outro, a função econômico-social do contrato, o que importa dizer, a utilidade normal da prestação (BUSSATA, 2008, p. 124). Assevera o mencionado doutrinador que, se tratando da prestação principal, há a presunção de gravidade do descumprimento, competindo ao devedor provar que o cumprimento inexato satisfaz os interesses do credor, exceto nos casos em que as circunstâncias observadas no caso concreto depuserem contra essa presunção, afastando-a de plano. Ainda segundo Bussata (2008, p. 127), o incumprimento de obrigação acessória somente poderá acarretar o desfazimento do contrato quando refletir gravidade na prestação principal que interfira a ponto de não poder ser cumprida ou que impeça um resultado típico contratual ou, ainda, torne a prestação principal inútil ao credor, situações que, sem sombra de dúvidas, refletem-se de forma grave na economia contratual, retirando não só o sinalagma como também a função econômica-social do contrato. Portanto, o princípio da boa-fé objetiva visa a cooperação entre os contratantes, baseada na lisura e na correção à medida que cria deveres laterais de conduta necessários para o bom fim das obrigações, evitando também que a inobservância de formalismos inúteis seja considerada inadimplemento.
A positivação do princípio da boa-fé ratificou a ideia de que a autonomia da vontade não prevalece sobre a legislação pátria ou sobre o referido princípio, devendo essa autonomia ser restringida por eles (SILVA, C. 2010, p. 37). Em suma, após a positivação do princípio da boa-fé objetiva no ordenamento jurídico brasileiro, a aplicação da teoria do adimplemento substancial foi simplificada, a fim de evitar que o devedor sofra as consequências da resolução do pacto diante do incumprimento de escassa importância em relação à obrigação a ser adimplida, isto é, a partir do CC/02, houve um movimento mais significativo quanto a relativizar o inadimplemento do devedor, ao exigir do credor a observância de princípios como a boa-fé objetiva[26], a função social do contrato, a vedação ao abuso de direito[27] e a cooperação entre as partes. O autor Antonio Herman V. Benjamin elucida que
“as práticas abusivas nem sempre se mostram como atividades enganosas, muitas vezes, apesar de não ferirem o requisito de veracidade, carreiam alta dose de imoralidade econômica e de opressão. Em outros casos, simplesmente dão causas a danos substanciais contra o consumidor, manifestam-se através de uma série de atividades, pré e pós-contratuais, assim como propriamente contratuais, contra as quais o consumidor não tem defesas, ou, se as tem, não se sente habilitado ou incentivado a exercê-las” (BENJAMIN, 2008, p. 216).
Um ótimo exemplo que podemos relacionar às palavras do autor é a utilização de cláusula contratual abusiva nos contratos, aquelas que preveem poder suficiente ao credor de extinguir o contrato diante de qualquer incumprimento do devedor, criando desvantagens a este e o colocando em situações de vulnerabilidade jurídica, sob o condão de que a autonomia da vontade prevalece a partir do instante em que as partes convencionam sobre determinada obrigação.
3.4 Requisitos para aplicação do adimplemento substancial
Já vimos que o inadimplemento de pouca monta, insignificante ou de escassa importância pode levar o credor a resolver unilateralmente o contrato, ficando demonstrado, assim, a medida desproporcional e injusta adotada, contrária à função social do contrato e à boa-fé objetiva. Evidente que a atuação das partes antes, durante e após o cumprimento do contrato deve se pautar pelos princípios dispostos acima e também pela lealdade e probidade, cabendo, ao devedor, o cumprimento de sua obrigação e, ao credor, o exercício do seu crédito, de forma a não constranger o outro por medidas ilegais e abusivas a fim de ter a obrigação adimplida. Há uma linha tênue que separa a inexecução do contrato ou o seu adimplemento substancial, não sendo aplicada, para aferir o incumprimento, a análise axiomático-dedutiva (BUSSATA, 2008, p. 107), de forma que vigorará o diagnóstico da valoração da gravidade do incumprimento e o grau de satisfação do interesse da parte adimplente, ou seja, a partir dessa observação, ter-se-ão elementos para promover a extinção do negócio jurídico ou o resguardo da relevância social da manutenção do contrato (SILVA, V., 2006, p. 145). Por conseguinte, Araken de Assis (1999, p. 105) é preciso ao afirmar que a resolução do contrato é permitida desde que haja características muito relevantes quanto ao inadimplemento da obrigação, de maneira que o descumprimento reiterado do pacto pode descambar ao inadimplemento absoluto, eliminando em definitivo a possibilidade de o obrigado cumprir a prestação.
Não só o descumprimento do dever principal leva à resolução do contrato, sendo que o inadimplemento dos deveres laterais ou acessórios, mesmo que insignificantes, pode ensejar a resolução do contrato quando inutilizarem a prestação principal, conforme prevê o artigo 1.455 do Código Civil italiano[28] (ASSIS, 1999, p. 115), isto é, a violação de cláusula acessória somente atingirá a obrigação principal apenas quando estiver ligada fortemente a ela ou quando representar parte essencial do contrato em razão de convenção das partes. Porém, mesmo com a convenção das partes em diplomar o dever acessório como causa de resolução contratual ou atrelá-lo sistematicamente à obrigação principal da avença, tal cláusula deverá ser analisada sob a ótica do princípio da boa-fé objetiva, de modo a não prevalecer se ficar subentendido que o aludido princípio foi menosprezado. Ratificando o entendimento do jurista Araken de Assis, Bussata aduz que
“possível será a resolução do contrato quando o descumprimento da prestação principal, ou quando impedir a consecução do resultado típico do contrato ou, ainda, quando o descumprimento do dever acessório ou lateral redundar na inutilidade para o credor da prestação principal” (BUSSATA, 2008, p. 136)
Ocorrendo, à vista disso, a perda da função econômico-social do contrato, segundo o jurista em destaque.
Conforme dito, o descumprimento de deveres laterais ou acessórios pode levar à resolução da avença quando isso trouxer resultados danosos e suficientes para implicar na extinção do pacto, cabendo ao credor provar a perda da função econômica-social por conta do descumprimento dos mencionados deveres. Na falta da comprovação, a fim de motivar a extinção da avença ou nos casos que o descumprimento não for suficiente para resultar na perda da função econômica-social do pacto, o credor somente terá direito a pleitear a satisfação das perdas e danos, caso existentes (BUSSATA, 2008,p.136). Em suma, em todas as situações em que a prestação tornar-se inútil ao credor, nos casos em que o descumprimento de uma prestação acessória atingir e macular de forma grave a economia contratual, desequilibrar o sinalagma funcional e a função econômica-social do contrato, ou quando o inadimplemento inviabilizar o cumprimento da prestação principal ou impedir o resultado típico da avença, podemos ter resolvido o contrato, de maneira que, nas situações contrárias ao cenário descrito acima, o vínculo contratual se manterá, resolvendo-se o caso em perdas e danos (MARTINS, 2008, p.93).
No caso do adimplemento substancial, a preservação do contrato por parte do credor é exigência sine qua non para a verificação do citado dispositivo, pois não seria viável defender a manutenção do pacto quando não mais satisfizer os interesses acordados entre as partes, especialmente o credor, de maneira que a avença deve ser avaliada de acordo com o princípio da função econômica-social do contrato, conforme dispõe a doutrina italiana com base no artigo 1.455 do Código Civil ítalo (BUSSATA, 2008, p. 112). De acordo com as palavras do jurista Bussata, o inadimplemento, embora insignificante, será de escassa importância desde que mantenha a função econômica-social do contrato, de maneira a não lesar os direitos do credor e de modo a manter o seu interesse em ver satisfeita a obrigação, a qual é o resultado perseguido pelas partes. Entretanto, a falta de permanência do interesse do credor em manter o contrato não lhe gera o direito de resolvê-lo nos casos em que ocorra inadimplemento insignificante, a fim de evitar a aplicação de sanção exagerada e desproporcional contra o devedor, observando-se o princípio da boa-fé contratual.
A aplicação da teoria do adimplemento substancial tem a função de impor limites ao direito potestativo do credor em resolver o contrato inadimplido insignificantemente, isto é, se não fossem impostos esses limites à parte, levar-se-ia a situações de manifesta iniquidade, especialmente nos casos que o programa obrigacional foi cumprido substancialmente pelo contratante, ou contrariamente tendo a outra parte obtido substancialmente o programa contratual que almejava ao contratar (MARTINS, 2008, p. 75). A aplicação da tese estudada não se dá apenas pelos aspectos quantitativos do contrato adimplido, mas também são considerados os aspectos qualitativos a fim de aferir a aplicabilidade do dispositivo. Entende-se por aspectos qualitativos o comportamento do inadimplente na execução do contrato referente à sua capacidade de solver a prestação e o interesse do credor no resultado esperado da obrigação; já o aspecto quantitativo refere-se ao percentual adimplido da obrigação. Conforme salienta o doutrinador Flávio Tartuce, a análise do adimplemento substancial não deve ser meramente quantitativa, levando-se em conta somente o cálculo matemático do montante do cumprimento do negócio, mas também deve-se considerar o aspecto qualitativo, afastando-se a incidência, por exemplo, em situações de moras sucessivas, purgadas reiteradamente pelo devedor, em claro abuso de direito.
A aplicação da teoria em voga se dá na hipótese da exceptio non rite adimpleti contractus, em que há execução incompleta e defeituosa da prestação, de maneira que o vínculo contratual se mantém nos casos de inadimplemento de escassa importância, não permitindo que o contratante não inadimplente busque resolver o contrato, ficando também vedado à parte alegar o leve descumprimento contratual para não cumprir a prestação que lhe cabe (PELUSO, 2018, p. 515), isto é, enquanto a parte adimplente não pode resolver o contrato no caso de adimplemento substancial, a parte inadimplente não pode se evadir e esquivar-se de cumprir a obrigação pactuada. O jurista Anderson Schreider é categórico ao mencionar que o atual desafio da doutrina pátria está em fixar os parâmetros que permitam ao Judiciário dizer, em cada caso, se o adimplemento se afigura ou não significativo. O julgador do caso deverá valorar a gravidade do descumprimento ocorrido, de modo que a avaliação terá dois parâmetros: a priori levar-se-ão em consideração critérios matemáticos, ou seja, será aferido se o adimplemento realizado se aproxima quantitativamente daquele que deveria ter sido realizado ou do programa obrigacional estabelecido; em seguida, será analisado se o cumprimento imperfeito da prestação permite que o contrato cumpra a sua função econômica-social (BUSSATA, 2008, p. 136). Bussata (2008) ainda afirma que, após a verificação dos dois parâmetros acima, passar-se-á à apreciação se o cumprimento inexato satisfaz os interesses do credor, cumprindo os fins práticos para o qual a avença foi criada.
A análise realizada a fim de verificar se ocorreu o adimplemento substancial será casuística, tendo em vista a finalidade econômico-social do contrato. De acordo com Chiné, Fratini e Zoppini (2013, p. 1369, apud TARTUCE, 2017, p. 319 – 320), doutrinadores italianos, a análise do adimplemento substancial passa por dois filtros, sendo o primeiro deles objetivo, a partir da medida econômica do descumprimento dentro da relação jurídica existente entre os envolvidos; já o segundo é subjetivo, sob o foco dos comportamentos das partes no processo contratual. O doutrinador em voga, ratificando as palavras de Bussata, aduz que tais parâmetros podem ser utilizados nos casos brasileiros, incrementando a sua aplicação em nosso país, mesmo não havendo dispositivo positivado em nosso ordenamento jurídico. Seguindo esse entendimento, temos aprovado o Enunciado nº 586 CJF/STJ[29], o qual prevê que, para a caracterização do adimplemento substancial, são considerados tanto os aspectos quantitativos quanto os qualitativos.
Após a jurisprudência nacional, com apoio da doutrina, absorver a teoria do adimplemento substancial baseada na cláusula geral da boa-fé objetiva, coube ainda a tarefa de delimitá-la conceitualmente, não abrangendo apenas os aspectos quantitativos de prestação cumprida, mas também os aspectos qualitativos da prestação. Assim, será prudente verificar se a parte adimplida da obrigação, ainda que incompleta ou imperfeita, mostrou-se capaz de satisfazer essencialmente o interesse do credor, a ponto de deixar incólume o sinalagma contratual, devendo o intérprete levar em conta também aspectos qualitativos que compõem o vínculo.
De acordo com o estudo realizado por Vivien Lys Porto Ferreira da Silva (2006), para que o adimplemento seja considerado substancial, é necessária a configuração dos seguintes elementos: 1) imprevisibilidade; 2) boa-fé objetiva expressa nas ações de ambos contratantes; 3) ausência de gravidade no inadimplemento da parte mínima da obrigação; 4) satisfação dos interesses da parte adimplente; 5) utilidade da prestação mesmo diante do inadimplemento sem pouca importância; 6) proporcionalidade razoável do adimplemento substancial em relação ao programa contratual.
O primeiro elemento a ser analisado é a imprevisibilidade, a qual “consiste na possibilidade do devedor demonstrar que o adimplemento substancial ocorreu sem que fosse possível prever esse resultado” (SILVA, V. 2006, p. 174). De certa maneira, a imprevisibilidade precisa ser demonstrada pela parte inadimplente, a fim de comprovar a sua isenção de responsabilidade quanto ao evento, isto é, o devedor deve demonstrar que o incumprimento não foi previsto, tendo sido também surpreendido pelo resultado negativo gerado pela inexecução. A existência do elemento imprevisível é fundamental para caracterizar a espontaneidade da configuração dessa espécie de adimplemento que, embora executado, ainda carece de insignificante porção da prestação a cumprir; ademais, não caracteriza-se privilégio ou descrédito ao devedor o fato de não ter executado parte mínima da prestação existente, na medida em que esta ausência é fruto de condições externas ou internas ao contrato, originadas após a efetivação do sinalagma genético, tendo sua causa, durante o sinalagma funcional, em decorrência a fatores alheios (SILVA, 2006, p. 174).
O segundo aspecto a ser analisado refere-se à boa-fé objetiva, já analisada, mas que se faz necessário citarmos alguns aspectos relevantes à tese do adimplemento substancial. Já dissemos que os princípios da boa-fé objetiva e o da função social do contrato são a base da teoria em estudo, de maneira que a boa-fé normatiza as relações desenvolvidas dentro de uma sociedade, funcionando como um instrumento norteador do princípio da autonomia da vontade. Tal princípio consiste nos elementos externos que indicam o padrão de conduta a ser seguido pelo homem médio, permitindo formular essas regras para além de previsões legais ou cláusulas contratuais e até mesmo condenar determinados comportamentos contraditórios, que violem o princípio. A boa-fé permite ao intérprete alcançar a função do contrato, aplicando seus preceitos de maneira estruturada e adequada aos movimentos do direito obrigacional, funcionando como fundamento essencial à teoria do adimplemento substancial, ao exigir das partes condutas calcadas na confiança, na lealdade, na probidade, especialmente no momento do adimplemento, a fim de mensurar sua exata extensão e detectar desvios na prestação do obrigado, bem como as sanções de seu eventual inadimplemento mínimo (SILVA, V., 2006, p. 170). Conforme destaca a pesquisadora, Vivien L. P. F. da Silva (2006), em sua dissertação de mestrado, o credor, com base no referido princípio, não pode dificultar a realização do adimplemento da obrigação do devedor, bem como deve cooperar para facilitar a prestação a ser adimplida, devendo a mútua cooperação prevalecer em detrimento de qualquer interesse individual. Tal previsão visa garantir que a parte que adimpliu sua prestação atue com lealdade, de maneira que o seu direito de receber a contraprestação do inadimplente não deva ser obstado em razão de meros descumprimentos mínimos ou não importantes, descontando-se, dentro do critério da razoabilidade, a proporção do pagamento devida pela ausência da parte ínfima da obrigação não executada, se for o caso (SILVA, V., 2006, p. 173).
Conforme discorrido acima, o princípio da boa-fé objetiva forçar o devedor a apresentar alternativa para o cumprimento da obrigação inadimplida, demonstrado também a sua capacidade de cumprir o ora pactuado e que tal incumprimento deu-se de modo imprevisível; outrossim, ocorre que o credor também deve observar tal princípio, no que tange a abdicar de resolver o contrato adimplido substancialmente, não podendo exigir a extinção do pacto, o que é considerada uma prática abusiva. Assim, incumbirá ao magistrado verificar se a resolução do contrato é medida extrema, de maneira que deverá valorar o incumprimento para decidir de a resolução deve ou não ser declarada (BUSSATA, 2008, p. 100), considerando em sua análise o comportamento das partes durante a execução da obrigação, tendo o devedor o encargo de atuar de modo a minimizar os danos decorrentes do seu incumprimento e o credor a se abster de praticar atos que possam ser considerados abusivos diante da inexecução do contrato, porém deve-se avaliar se ele ainda tem o interesse no cumprimento da avença.
O terceiro subsídio a ser analisado é a ausência de gravidade no inadimplemento da parte mínima da obrigação, configurando uma análise material e quantitativa da prestação que deveria ser cumprida. Tal aspecto é considerado como um dos requisitos fundamentais para a aplicação do adimplemento substancial, de modo que o incumprimento mínimo não poderá comprometer a obrigação principal pactuada, sob pena de resolução do contrato estabelecido. Contudo, não há regra positivada para se verificar se a materialidade e a essencialidade da obrigação foram descumpridas, de modo que a aferição ocorre por meio dos seguintes parâmetros: i) a execução parcial será considerada uma inexecução grave se atingir alguma parte essencial do contrato; ii) uma violação fundamental será valorada se atingir seriamente quantidade ou qualidade da obrigação; iii) uma inexecução do contrato intencional caracteriza-se uma violação fundamental; iv) será um inadimplemento grave se a obrigação não for realizada no tempo devido, sendo este requisito fundamental; v) as partes podem elencar, nas cláusulas contratuais, quais obrigações, se descumpridas, configurarão uma violação fundamental; todavia, tal prerrogativa é calcada no princípio da boa-fé objetiva, de forma que se os contratantes elegerem cláusulas contratuais como essenciais que careçam dessa natureza, seu inadimplemento não terá força para caracterizar violação fundamental passível de resolução contratual, podendo ser impugnada judicialmente caso ocorra (SILVA, V., 2006, p. 176).
O incumprimento de escassa importância não se caracterizará quando a gravidade do inadimplemento for “suficiente para impedir a satisfação econômica das partes e quando permitir supor que ficou frustrada a obtenção da finalidade prática típica perseguida ou restou impedido o fim do contrato” (BUSSATA, 2008, p. 115). Assim, observa-se que estando ausente o dano à essência do contrato, quanto ao descumprimento ocorrido, estaremos diante apenas de um desvio de execução, de forma que o contrato continuará vigente e, se for o caso, aplicar-se-á a penalidade cabível em relação ao descumprimento observado. Ressalta-se, ainda, que a perda do interesse do credor é fundamental para averiguar se o sinalagma será mantido, considerando-se como abusiva a resolução do contrato pelo credor quando ocorrer o adimplemento substancial sem que haja a desnaturação séria do programa contratual capaz de pôr em risco a obrigação principal da avença.
A satisfação dos interesses da parte adimplente na manutenção do contrato, caracterizando o quarto elemento a fim de configurar o adimplemento substancial, caracteriza-se no entusiasmo do credor em ver atendida a sua ambição de ver satisfeita a prestação prometida e cumprida regularmente, de modo que, ao desaparecer essa utilidade à parte, não há como manter o contrato com o fundamento no adimplemento substancial (SILVA, V., 2006, p. 183). O incumprimento de escassa importância da obrigação, embora seja uma quebra mínima do vínculo contratual, traduz-se como o cumprimento da prestação, isto é, considera-se como atingido o adimplemento de maneira não completa, mas satisfatória e útil. Considera-se, portanto, que o adimplemento substancial é um resultado diverso do esperado apenas quanto à pequena ausência da concretude da obrigação prometida, não sendo motivo para desnaturar a causa do pacto, já que a convenção estipulada foi em grande parte respeitada, não subsistindo ao credor o direito de resolver o contrato, pois fica averiguado o seu interesse na manutenção da avença, a fim de ver o seu completo adimplemento. Assim, o descumprimento ínfimo da prestação prometida não é capaz de desequilibrar o sinalagma das obrigações correspectivas, na medida em que não desnatura a essencialidade do programa contratual, por conservar o interesse do credor e a utilidade da parte quase que total da prestação executada (SILVA, V., 2006, p. 228), vetando a demanda resolutória após a avaliação de suficiência do adimplemento.
O quinto subsídio a compor o dispositivo estudado é a utilidade da prestação mesmo diante do inadimplemento sem pouca importância, isto é, “a ponderação entre a parte essencial da prestação cumprida e a parte mínima executada pela parte inadimplente deve ser observada mediante a utilidade substancial da prestação principal ou acessória, executada do contrato” (SILVA, V., 2006, p. 178). Por conseguinte, o credor não pode se utilizar de sua malícia a ponto de suscitar a resolução contratual após obter proveito da prestação executada quase que em sua totalidade, cabendo a ele somente exigir indenização por perdas e danos por eventual prejuízo que tenha sofrido em decorrência do insignificante inadimplemento da obrigação.
Por fim, temos o sexto subsídio que compõe o adimplemento substancial, o qual corresponde à proporcionalidade razoável do adimplemento substancial em relação ao programa contratual, de forma que esse elemento de proporcionalidade não apresenta, nem na doutrina nem na jurisprudência, um instrumento exato quantificador de sua configuração, não sendo possível defini-lo com base em porcentuais numéricos ou cálculos matemáticos a serem aplicados como regra, cabendo à sua valoração a análise casuisticamente, sob a premissa de que a proporção razoável deve ser medida em relação ao programa contratual como um todo (SILVA, V., 2006, p; 181).
Assim, temos analisado brevemente os elementos fundamentais que, segundo Vivien Lys Porto Ferreira da Silva, configurarão o adimplemento substancial.
A valoração do inadimplemento deve levar em conta a consideração do caso concreto, partindo de um juízo de aproximação entre o pactuado e o conteúdo da prestação realizada pelo devedor, verificando-se, ainda, se tal conteúdo, mesmo que inexato, perfaz a função econômico-social do pacto, satisfazendo a utilidade normal da prestação (BUSSATA, 2008, p. 116). Relevante ressaltar que o adimplemento substancial não vislumbra ser aplicado nos casos em que o devedor opta por não cumprir o pacto originalmente contratado, isto é, para que o dispositivo seja aplicado, é condição sine qua non que tenha ocorrido esforço do inadimplente em cumprir o contrato. O esforço citado figura como requisito objetivo e não subjetivo, de maneira que o devedor deverá comprovar que tentou efetivamente cumprir o acordado (e.g.: depositar em juízo pagamento parcial ou fazê-lo com pequeno atraso), além de apresentar alternativa eficaz e comprovar sua capacidade de quitar a obrigação pendente, a fim de que o direito resolutivo seja vedado ao credor, entretanto, não podendo lhe impor o ônus de aguardar indefinitivamente um incerto pagamento daquilo que lhe é devido (SILVA, P, 2016, p. 54 – 56). A teoria do adimplemento substancial deve ser cuidadosamente aplicada, de modo a se evitar que devedores de má-fé a utilizem visando reduzir o valor da prestação pactuada com o credor, frustrando a utilização fraudulenta do dispositivo no momento em que o devedor deixar de adimplir a obrigação por simples vontade e sem qualquer justificativa razoável. Caberá às partes observarem a boa-fé objetiva na execução do contrato, ficando o credor impedido de exigir a resolução do contrato, quando do adimplemento substancial, e o devedor proibido de agir com abuso de direito, ao se recusar a cumprir a prestação na forma originalmente contratada e deixar de apresentar garantias de que cumprirá a avença.
4 APLICAÇÃO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL NO DIREITO PRIVADO BRASILEIRO
Ao longo do presente trabalho, discorremos sobre a teoria do adimplemento substancial e quais requisitos são necessários para a sua aplicação, de modo que ficou demonstrado, com base na ampla pesquisa doutrinária, que não somente são avaliados aspectos materiais da obrigação, mas também aspectos subjetivos relativos à conduta do devedor e do credor. As partes, ao formalizarem o pacto, trazem para si a obrigatoriedade de atuar conforme os ditames da boa-fé objetiva, de modo a se esforçarem para executar o contrato de forma leal e honesta, observando todas as particularidades negociadas. Todavia, é natural que ocorram pequenos defeitos ou omissões técnicas não importantes no cumprimento da prestação, sujeitando as partes a corrigirem-nas quando surgirem e, caso não seja possível, invocar a mencionada teoria, a fim de resguardar ao inadimplente o direito de ver cumprido o contrato e não ser prejudicado pelo incumprimento de escassa importância. Dessa forma, tem-se que
“a dosagem entre o interesse do credor e a tutela jurídica do devedor é fator decisivo para a configuração da substancialidade da prestação executada que, uma vez conjugados de forma equânime, não é passível de quebrar o equilíbrio contratual na estrutura do programa contratual” (SILVA, V., 2006, p. 151).
Conforme destaca Ruy Rosado de Aguiar Junior (2004), a resolução é um dos modos de extinção da relação obrigacional estabelecida em contrato bilateral, com a retirada de sua eficácia pelo exercício do direito formativo-extintivo, do qual é titular o credor não inadimplente. A resolução é medida extrema a ser tomada por qualquer das partes, haja vista extinguir o vínculo contratual, retirando todos os efeitos práticos jurídicos que produziu, isto é, tal medida tem efeito ex tunc ao levar as partes às condições anteriores à obrigação formalizada e também acaba por suprimir todos os efeitos que o pacto ainda produziria, importando em séria sanção ao contratante inadimplente (BUSSATA, 2008, p. 87).
Assim, devemos levar os casos em que ocorrem suposto adimplemento substancial, e a parte credora exige a resolução da avença, ao crivo do Poder Judiciário, para que este, de modo isento, possa avaliar se o incumprimento no caso concreto preenche os requisitos discutidos outrora, de modo a garantir que ninguém saia prejudicado diante do inadimplemento observado e também da sanção exacerbada de resolver o contrato. O intérprete do direito, ao se deparar com eventual causa de extinção do contrato, especialmente a rescisão e a resolução, deverá envidar seus melhores esforços para não permitir que isso ocorra, devendo converter o contrato, reduzi-lo, revisá-lo etc – e somente como ultima ratio deverá decidir pela extinção o pacto (BUSSATA, 2009, p. 150). A perda do interesse objetivo do credor na manutenção do contrato é motivo suficiente para se aplicar a extinção do pacto, cabendo ao magistrado aplicar o juízo de valor para aferir se tal interesse permanece diante do inadimplemento.
A tarefa do juiz não é nada simples, visto que, de acordo com os anseios sociais, bem como da interpretação jurídica, deverá decidir se o inadimplemento é abusivo ou não, se a medida de resolução do contrato é atentatória ao princípio da boa-fé objetiva e da função social do contrato, permitindo-se, também, que o intérprete rompa com a ética-jurídica do direito legal e decida a lide de acordo com os postulados da justiça e os anseios sociais (BUSSATA, 2008, p. 91). Dispondo do conhecimento jurídico e dos ditames sociais, o juiz, ao analisar o caso de incumprimento de escassa importância, precisa sopesar aspectos quantitativos e qualitativos do inadimplemento, não bastando apenas averiguar o porcentual que não foi adimplido pela parte, mas também se o credor mantém interesse na continuação do contrato, se o devedor se comportou de modo a configurar que o inadimplemento foi por absoluta vontade da parte, se o incumprimento é justificado plausivelmente, se o devedor detém meios para cumprir o pacto, ainda que de modo diverso do que fora combinado, mas preservando o interesse do credor, e observar também se as partes estão agindo de acordo com a boa-fé objetiva.
Enquanto, por um lado, ao manter o contrato quando houver inadimplemento de obrigação fundamental configurar-se-á enriquecimento sem causa, por comprometer a economia da avença a favor do inadimplente: por outro, ao se aplicar a resolução do contrato diante do adimplemento substancial se favorecerá a parte adimplente, concedendo-a mais benefícios econômicos e ocasionando o empobrecimento da parte inadimplente, por não ter executado parte mínima da obrigação, perdendo toda a prestação cumprida até então e não podendo exigir, proporcionalmente, a contraprestação da parte adimplente (SILVA, V., 2006, p. 214). A pesquisadora Vivien L. P. F. da Silva (2006, p. 214) aduz que manter o equilíbrio contratual nas obrigações comutativas e correspectivas prestigia a manutenção do autorregulamento e sustenta o sinalagma positivamente, garantindo a satisfação do interesse de ambas as partes contratantes sem pecar pela desnaturação do programa contratual, isto é, a conservação do pacto, de acordo com o negociado entre as partes, leva à ênfase da importância desse acordo entre os contratantes, ao gerirem, sem a intermediação dos poderes estatais, as cláusulas a serem respeitadas, dando mais autonomia à vontade, desde que respeitem os princípios basilares do ordenamento pátrio.
Ao ser judicializada a questão debatida neste trabalho, o julgador deverá se valer de parâmetros a serem utilizados a fim de aplicar a teoria do adimplemento substancial no caso concreto e objetivando a manutenção da segurança jurídica; portanto, o exame acerca da importância ou não do inadimplemento é feito a partir da situação de fato ocorrida, de modo a se ponderar os interesses em jogo, a conduta das partes e todas as demais circunstâncias que no caso se mostrarem relevantes.
Segundo Eduardo Luiz Bussata (2008, p. 109), o critério a ser utilizado para a apreciação do caso deverá considerar a economia do contrato, a globalidade da relação existente e o desequilíbrio ocasionado pelo descumprimento, não se sujeitando a qualquer valoração subjetiva que o contratante fizer sobre seu interesse, ou seja o critério a ser empregado é objetivo, segundo afirma a doutrina italiana. O jurista esclarece, ademais, que o primeiro juízo a ser realizado é o cotejo entre o dever-ser e o ser, a fim de obter elementos para comparar o que havia sido programado e o que realmente foi realizado, emergindo, assim, um juízo matemático, no qual são analisadas as grandezas do previsto e do realizado, pondo-se em evidência a diferença existente.
Conforme destacamos acima, na análise acerca dos elementos que comporão a lide, o julgador deverá valorar a gravidade do inadimplemento, de modo a obter elementos que o assegurem a decidir a causa de forma isenta e conforme a doutrina e a jurisprudência se expressam sobre casos semelhantes, levando também em consideração as circunstâncias relevantes para o caso debatido, sobretudo a perturbação do equilíbrio sinalagmático do pacto, a natureza da obrigação descumprida, o comportamento das partes etc. Além do mais, o juiz necessitará perquirir a intenção da parte, de forma que, ao decidir a questão, terá que indagar em seu raciocínio se a intenção do devedor é ainda de executar a obrigação ou se essa intenção está ausente, dependendo, destarte, da sensibilidade do julgador (VENOSA, 2007, p. 331). Logo, o magistrado tem a legitimidade de controlar a avença, a fim de manter o contrato ativo às partes ou de resolvê-lo, mesmo diante de cláusula expressa de resolução no caso de inadimplemento, desde que dotada de evidente caráter abusivo e violando a boa-fé objetiva e a função social do contrato.
A partir do discutido, relativamente aos requisitos para aplicação da teoria do adimplemento substancial, bem como da percepção e valoração do caso concreto ao qual o magistrado se debruçará para julgar o caso, procuraremos expor algumas jurisprudências que corroboram o entendimento apresentado até então.
No que tange ao comportamento do devedor, podemos ressaltar que ele deverá comprovar a capacidade de cumprir o restante da obrigação inadimplida ou então prover indenização por perdas e danos ao credor; assim foi o entendimento da 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao afirmar que
“a ré foi diligente ao depositar o montante próximo ao equivalente à purgação da mora (fls. 36) e que a própria autora reconheceu o cumprimento das demais parcelas devidas (fls. 105), impossibilitando -se, destarte, a extinção do negócio jurídico em apreço sob o fundamento de inadimplemento voluntário” (TJSP, Ap. nº 4036267-56.2013.8.26.0224, rel Desa. Ana Catarina Strauch, 27ª Câmara de Direito Privado, j. 27.09.2015).
Confirmando o entendimento da aludida Câmara de Direito privado do TJSP, tem-se que:
“merece ser prestigiado o entendimento declinado na aludida sentença, ao aceitar o depósito um dia após a data fatal, sopesando as circunstâncias do caso e o manifesto interesse do apelado na retomada do bem após tê-lo consertado. Ademais, a reforçar o inequívoco e manifesto interesse do réu na continuidade do contrato e a permanência na posse do bem está o fato de que, com suas contrarrazões, juntou recibos de pagamentos das prestações vencidas a partir de junho de 2014 (fls. 146/152), mês seguinte ao último vencido, conforme demonstrativo de fls. 91, além de inexistir notícias de nova inadimplência” (TJSP, Ap. nº 0002440-29.2014.8.26.0082, rel. Des. Sergio Alfieri, 27ª Câmara de Direito Privado, j. 11.08.2015).
Por conseguinte, fica clara a posição da jurisprudência em considerar relevante o comportamento do inadimplente diante do incumprimento, de maneira que, em ambos os casos acima, os deveres demonstraram interesse na manutenção da avença, ao purgar a mora e se posicionarem diante do feito cumprindo o princípio da boa-fé objetiva. Assim, pode-se asseverar que o devedor não pode se recusar a cumprir a prestação vencida e vincenda, sob pena de mitigar o seu interesse pela manutenção do contrato; por outro lado, o credor, ao extinguir unilateralmente o pacto, não pode agir com abuso de direito e prosseguir com a resolução sem ao menos notificar o devedor, entendimento apresentado pela 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao considerar que
“as notificações não têm a finalidade de constituição do devedor em mora, que é ex re, pois a prestação é positiva, líquida e a termo. Servem para converter a mora em inadimplemento absoluto, caso não seja purgada até o prazo cumulativo de sessenta dias. A notificação deve ser feita para que se dê ao segurado a oportunidade de purgação da mora” (TJSP, Ap. nº 0054664-61.2012.8.26.0001, rel. Des. Percival Nogueira, j.09.10.2014).
É uníssono, na doutrina e na jurisprudência, que a avaliação da aplicação da teoria do adimplemento substancial se dá com base nos critérios quantitativo e qualitativo, sendo que este acabamos de destacar nos dois julgados acima, a fim de verificarmos como o julgador enfrenta a questão debatida; entretanto, o critério quantitativo é aplicado de modo discrepante entre os mais diversos tribunais e até mesmo câmaras ou turmas de um mesmo tribunal. O voto do Excelentíssimo Ministro Luís Felipe Salomão (relator) ao Recurso Especial nº 1.051.270/RS (2008/0089345-5) – STJ[30] foi contundente ao esclarecer que a insuficiência obrigacional poderá ser relativizada com vistas à preservação da relevância social do contrato e da boa-fé, desde que a resolução do contrato não responda satisfatoriamente a esses princípios, sendo essa a doutrina do adimplemento substancial; o voto certificou também que da análise do caso acima, o réu pagou “…31 das 36 prestações contratadas, 86% da obrigação total (contraprestação e VRG parcelado)…”, isto é, o Exmo. Ministro afiançou que o montante de 86% é suficiente para que se observe o cumprimento do critério quantitativo visando a aplicação do dispositivo do adimplemento substancial, entendimento semelhante ao acórdão da Apelação nº 0000707-10.2013.8.26.0358 TJSP[31], a qual previu que o pagamento mínimo de 80% do valor total do contrato é suficiente para a viabilidade de reconhecimento do adimplemento substancial.
No julgamento da Apelação nº 0340634-53.2009.8.26.0000 TJSP[32] os desembargadores da 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo acordaram que o pagamento de 73% do valor da dívida não se caracteriza como pagamento substancial, dado o percentual de inadimplemento e falta de demonstração do interesse na continuidade do contrato. Nessa linha de entendimento, a Quarta Turma do STJ, ao analisar o Recurso Especial nº 1.581.505/SC (2015/0288713-7) – STJ[33], acentuou que “o débito superior a um terço do contrato de mútuo, incontroverso, jamais poderá ser considerado irrelevante ou ínfimo”, isto é, com base nos julgados acima, podemos dizer que pelo menos há a necessidade de ser adimplido entre 70% a 80% do valor total do contrato para que seja superado o critério quantitativo para aplicação do instituto em voga.
Contudo, essa regra matemática não se sustenta diante do caso concreto, onde cada caso é único e deve ser avaliado o conjunto de todos os fatos ocorridos, não se limitando ao aspecto quantitativo do inadimplemento, para não descaracterizar o adimplemento substancial que possa ter ocorrido.
Diante do exposto, temos o caso da Apelação nº 0017694-07.2013.8.26.0008 TJSP[34], julgada pela 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, a qual considerou que o pagamento de 64% do preço total pode ser considerado como pagamento substancial, aplicando-se a teoria do adimplemento substancial no referido caso. Ora, essa falta de previsão legal quanto ao instituto estudado gera insegurança jurídica ao verificar que tanto o critério quantitativo quanto o qualitativo dependem da análise subjetiva do julgador, fazendo com que cada um analise o caso sob uma perspectiva, com bases nas suas premissas de conhecimento de mundo.
A teoria do adimplemento substancial é restrita ao direito das obrigações do nosso ordenamento jurídico; contudo, muitas vezes tenta-se aplicá-la em outros ramos do direito, como no caso do direito de família. A Quarta Turma do STJ afirmou que a teoria do adimplemento substancial é de aplicação estrita no âmbito do direito contratual, não tendo incidência nos vínculos jurídicos familiares, revelando-se, portanto, inadequada para solver controvérsias relacionadas às obrigações de natureza alimentar, de modo que o julgamento sobre a cogitada irrelevância do inadimplemento da obrigação de prestar alimentos não se prende ao exame exclusivo do critério quantitativo, conforme exposto ao longo deste trabalho, sendo também necessário avaliar sua importância para satisfazer as necessidades do credor alimentar, isto é, a subtração de um pequeno percentual pode até mesmo ser insignificante para um determinado alimento, mas possivelmente não para outro, mais necessitado (Habeas Corpus nº 439.973/MG – 2018/0053668-7)[35].
Do exposto, não há cabimento de requerer a aplicação da aludida tese no caso de prestação alimentícia, conforme a mencionada turma brilhantemente refutou a alegação de que a teoria em questão deveria ser somente aferida sobre critério quantitativo, não sendo necessária a confrontação do caso concreto com a metodologia qualitativa do estudo do caso. Destarte, podemos afirmar que o adimplemento substancial é restrito aos casos de contratos sinalagmáticos, nos quais a reciprocidade das obrigações é evidente e funciona como mecanismo de ligação entre a prestação e a contraprestação a serem adimplidas; entretanto, vale ressaltar que, nas obrigações infungíveis, não há possibilidade para aplicação das regras do aludido dispositivo, posto que, uma vez inexecutadas, o inadimplemento será absoluto, e as perdas e danos serão devidos, bem como é o caso das obrigações negativas de não fazer, onde também não haverá a caracterização desse instituto.
Já vimos que há impedimento na resolução de um contrato já adimplido substancialmente, desde que o devedor comprove a capacidade de cumprir o restante da avença ou de indenizar as perdas e danos ao outro contratante, restando, assim, ao credor, o direito de indenização ou, até mesmo, o adimplemento forçado. A aplicação da teoria do adimplemento substancial visa inequivocamente a preservação dos contratos pelos princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos, de forma que restringe o direito à resolução unilateral quando observado o incumprimento de escassa importância, sendo considerada a resolução um remédio grave, por romper com o vínculo jurídico, desfazendo o contrato e todos os seus efeitos, além de desvincular os contratantes (BUSSATA, 2008, p. 99). Bussata aduz que a resolução funciona como ratio extrema, sempre ponderadas as circunstâncias relevantes que concorrem para a frustração ou a manutenção do interesse do credor, de maneira que a sua extinção somente poderá ser realizada quando o descumprimento for sério, lesivo aos interesses da parte não inadimplente, retirando, portanto, o sinalagma funcional da avença e afastando sua função econômica-social. Sendo assim, a fim de manter o pacto vigente, competirá ao devedor comprovar que “a prestação inexata cumpre com a sua função econômico-social do contrato, satisfazendo, por via de consequência, os interesses objetivamente considerados do credor” (BUSSATA, 2008, p. 136), impedindo a resolução unilateral do contrato.
Por fim, podemos concluir que o reconhecimento e a aplicação da teoria em voga no direito obrigacional advêm da necessidade de neutralizar a autonomia da vontade que expressava o interesse egoístico das partes contratantes, os quais, sem os limites judiciais e legislativos impostos pelo Estado, colocavam em risco a própria estrutura do programa contratual (SILVA, V. 2006, p. 266).
5 Considerações finais
Ao longo das últimas décadas, é notório o amadurecimento da doutrina e da jurisprudência sobre critérios visando equilibrar relações contratuais, relativizando o princípio do pacta sunt servanda, que, por muitos anos, direcionou os contratos civis, sendo considerado um princípio indiscutível do ordenamento jurídico. Após o Código Civil de 2002, têm-se uma considerável mudança, sendo positivados expressamente os princípios da boa-fé objetiva e da vedação ao abuso de direito, além da função social e do equilíbrio econômico dos contratos. Portanto, tais princípios passaram a servir de base para a configuração da teoria do adimplemento substancial, que advém da necessidade de neutralizar a autonomia da vontade das partes, utilizada, muitas vezes, de forma egoísta, colocando em xeque a estrutura do programa contratual, devido aos inexistentes limites legislativos e judiciais. Dessa forma, o inadimplemento deveria ser de extrema relevância, grave e essencial para que se suscitasse a resolução do pacto, de modo que a gravidade do descumprimento se sobrepusesse à natureza do dever descumprido.
No primeiro capítulo, discorremos sobre o conceito e as noções básicas do adimplemento e do inadimplemento dos contratos, conquanto que a regra é o cumprimento da obrigação, sendo a exceção o seu inadimplemento. O incumprimento da obrigação priva o credor de receber a prestação esperada, trazendo-lhe prejuízos como a diminuição de seu patrimônio e o não recebimento da vantagem que proveria do cumprimento da obrigação pelo devedor. Conforme observamos ao longo do aludido capítulo, o inadimplemento também ocorre quando adimplida a parte principal sem observar deveres laterais ou anexos e princípios do ordenamento jurídico, ou seja, o adimplemento deve ser visto como um todo e não simplesmente como uma coisa isolada e focada apenas na prestação principal do negócio jurídico. Também citamos a classificação e as diferenças entre o inadimplemento relativo ou mora e o inadimplemento absoluto ou total, sendo que este remonta à obrigação que não pode mais ser cumprida pelo devedor, passando a ser inútil ao credor; já aquele configura o descumprimento parcial da obrigação, isto é, o não cumprimento no lugar, no tempo e na forma, podendo a prestação ainda ser cumprida pelo devedor.
Posteriormente, passamos a analisar o conceito e o regime jurídico do adimplemento substancial, de modo que mencionou-se que a teoria foi desenvolvida no direito privado brasileiro a partir da substancial performance doctrine, de origem inglesa, sendo também utilizada em diversos países europeus de commom law. A recepção da tese em nosso país deu-se pela interpretação teleológica de princípios basilares, como o da boa-fé objetiva, da vedação ao abuso de direito, da função social e do equilíbrio econômico dos contratos, sendo o jurista Clóvis de Couto e Silva o propulsor da teoria do adimplemento substancial no sistema jurídico pátrio. Expomos que a doutrina reconhece que a tese do adimplemento substancial está ligada diretamente ao conceito de incumprimento irrelevante ou insignificante das partes, sustentando-se com base nos princípios elencados acima. Assim, ficou demonstrado que a aplicação da teoria visa equilibrar os autores do pacto firmado, trazendo estabilidade às partes, ao analisar a gravidade do inadimplemento antes de deflagrar a resolução da avença.
Destacamos que tanto o Código Civil de 1916 quanto o de 2002 não mencionam expressamente o adimplemento substancial. O Código do século passado continha um viés iluminista do direito, baseado na autonomia da vontade do indivíduo, permitindo, então, aos contratantes, a liberdade jurídica necessária para estabelecerem regras contratuais. O referido Código, ao utilizar premissas iluministas, priorizou conceitos individualistas, como o princípio da vontade humana como expressão da liberdade individual, sendo diminuída a interferência do estado nas relações entre particulares, devendo as partes observarem o pactuado e cumprirem suas respectivas obrigações (pacta sunt servanda). Entretanto, apontamos que, embora o ordenamento jurídico civil não previsse o adimplemento substancial das obrigações, a jurisprudência passou a adotar a teoria mesmo na vigência dele, limitando o direito do credor de resolver o contrato no caso de descumprimento do mínimo incumprimento, cabendo ao Judiciário analisar casuisticamente.
No CC/02, o adimplemento substancial também não foi positivado em torno de um dispositivo legal, mas sim na conjugação de diversos dispositivos calcados no princípio da boa-fé objetiva. É por meio da menção expressa do referido princípio, no ordenamento civil, que a teoria do adimplemento substancial ganha força, a ponto de se destacar como instrumento inibitório de resolução contratual, de modo que as partes deverão observar a boa-fé objetiva a fim de guiar suas ações e não incorrer em abusos, sendo a norma de ordem pública e inderrogável pela vontade das partes.
Dos princípios que baseiam a teoria do adimplemento substancial, destacamos o da boa-fé objetiva, que deve ser perseguido pelas partes, tendo o devedor e o credor responsabilidades e deveres entre si, a fim de cumprirem o pacto. Assim, vimos que a relação obrigacional passou a ser compreendida como uma ordem de cooperação, deixando de ser a soma de crédito e débito, agregando-se, ao dever principal, os deveres laterais e anexos. Ademais, outros princípios foram mencionados no texto, a fim de fundamentar a aplicação da teoria em estudo, tais como o princípio da conservação dos contratos, o da igualdade jurídica, o da liberdade contratual, conforme expresso pela autonomia privada, além do sinalagma contratual. Os mais diversos doutrinadores mencionam que a boa-fé objetiva é o princípio que norteia a teoria em debate, sendo o de maior relevância, embora não haja uma classificação entre princípios e seus respetivos graus de importância ao direito. Em suma, verificamos que a positivação do princípio da boa-fé objetiva ratificou a ideia de que a autonomia da vontade não prevalece sobre a legislação pátria ou sobre o referido princípio.
Tanto o incumprimento do dever principal, quanto o inadimplemento dos deveres laterais ou acessórios, mesmo que insignificantes, podem levar à resolução do contrato quando afetarem e inutilizarem a prestação principal. Todavia, a falta de interesse do credor em manter o contrato não lhe gera o direito de resolvê-lo nos casos de inadimplemento insignificante, de modo a evitar a aplicação de sanção exagerada e desproporcional contra o devedor. Assim, convalidou-se que o julgador do caso deverá analisar a gravidade do descumprimento ocorrido, remetendo a avaliação aos parâmetros quantitativo e qualitativo. A ótica qualitativa diz respeito à análise acerca do cumprimento imperfeito da prestação e, em caso afirmativo, se foi cumprida a função econômica-social; já o exame quantitativo, levará em consideração critérios matemáticos, de modo a avaliar se o adimplemento realizado se aproxima quantitativamente daquele que deveria ter sido realizado ou do programa obrigacional estabelecido. A fim de aplicar a teoria do adimplemento substancial, ficou demonstrado que não somente são avaliados os aspectos materiais da obrigação, mas também os subjetivos relativos à conduta do devedor e do credor.
A resolução é medida extrema a ser adotada pela parte, de maneira que extingue o vínculo contratual e retira todos os efeitos práticos jurídicos que produziu, levando, assim, as partes às condições anteriores à obrigação formalizada e suprimindo todos os efeitos que o pacto ainda produziria. Desse modo, a doutrina aduz que o juiz, ao analisar o caso de incumprimento de escassa importância, deve sopesar os aspectos qualitativos e quantitativos do inadimplemento, verificando também se o credor ainda mantém o interesse na continuação do contrato, se o devedor se comportou de modo a configurar que o inadimplemento foi por absoluta vontade da parte, se o incumprimento é justificado plausivelmente, se o devedor detém meios para cumprir o pacto, ainda de modo diverso do que fora combinado, mas preservando o interesse do credor, além de verificar se o princípio da boa-fé objetiva está sendo observado. Assim, o julgador deverá valorar a gravidade do inadimplemento para decidir de forma isenta sobre a aplicação da teoria objeto do presente estudo, levando em consideração os requisitos citados acima e que foram debatidos ao longo do trabalho. A jurisprudência analisada demonstra que o comportamento do inadimplente diante do incumprimento deve ser considerado na análise a ser feita pelo julgador, de forma que o devedor não pode se recusar a cumprir a prestação vencida e vincenda, sob pena de mitigar o seu interesse na manutenção do contrato; da mesma forma que o credor não pode agir de forma intransigente e prosseguir com a resolução da avença sem ao menos notificar o devedor, sob pena de incorrer em abuso de direito. Por fim, devemos salientar que, conforme exposto, a teoria do adimplemento substancial é restrita ao direito das obrigações, não sendo aplicada em casos de direito de família, como no caso exposto de prestação alimentícia.
Finalmente, ressaltamos que a ausência de entendimento da doutrina e da jurisprudência quanto a alguns critérios de aplicação da teoria do adimplemento substancial, especialmente o critério quantitativo, conforme demonstrado no presente trabalho, não atravanca a aplicação da tese. O que se espera não é o perdão da dívida, mas sim evitar a resolução do contrato diante de incumprimento de pouca monta, ficando o devedor obrigado a cumprir a obrigação, ou seja, embora mantenham-se o contrato e todas as suas consequências sociais e jurídicas, o devedor não fica isento de ter que cumprir a obrigação inadimplida, podendo ser feita de forma diversa daquela que foi pactuada outrora. Assim sendo, a teoria deve ser aplicada com cautela e moderação, ficando clara a função limitadora do exercício do direito potestativo de resolução para que seja mantido o contrato.
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[1] Bacharel em História pela Universidade de São Paulo e em Direito pela Escola Paulista de Direito – EPD. Pós-graduação lato sensu em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale.
[2]In verbis: art. 389 do CC/02. “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”
Art. 390 do CC/02. “Nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster.”
Art. 391 do CC/02. “Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.”
[3] Conforme asseverado, o art. 389 CC/02 deve ser interpretado juntamente com o que disciplina os arts. 402 a 404 do CC/02, de forma que as perdas e danos no caso de incumprimento do devedor abrangem, além do que o credor efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar; contudo, há exceções legais para a abrangência do dispositivo legal. Ademais, os art. 403 CC/02preveem que as perdas e danos incluem somente os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, referindo-se apenas àqueles decorridos da inexecução contratual. Finalmente, o disposto do art 404 CC/02 refere-se às obrigações de pagamento em dinheiro, prevendo que incidirá correção monetária segundo os índices oficiais, abrangendo juros, custas e honorários advocatícios, sem prejuízo da pena convencional, caso existente.
[4] Nesse sentido, destacamos o art. 235 do CC/02, o qual prevê que “deteriorada a coisa, não sendo o devedor culpado, poderá o credor resolver a obrigação, ou aceitar a coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu” e o art. seguinte, que aduz que “sendo culpado o devedor, poderá o credor exigir o equivalente, ou aceitar a coisa no estado em que se acha, com direito a reclamar, em um ou em outro caso, indenização das perdas e danos.”
[5] In verbis: Art. 396 do CC/02. “Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora.”
[6]In verbis: Art. 399 do CC/02. “O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.”
[7]In verbis. Art. 395, parágrafo único do CC/02. “Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos.”
[8] In verbis. Art. 402 do CC/02. “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.”
[9] In verbis. Art. 475 do CC/02. “A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.”
[10] Araken de Assis no livro “Resolução do Contrato por Inadimplemento”, página 129, aborda a teoria do adimplemento substancial denominando-a de inadimplemento ruim ao exarar a seguinte definição: “o adimplemento ruim pode versar sobre uma parte modesta ou diminuta e ou infinitesimal da prestação. o direito inglês cunhou, a respeito, a doutrina da substancial performance.
[11] Araken de Assis no mesmo livro citado acima, mais precisamente na página 134 denomina o adimplemento substancial como adimplemento insatisfatório ao abordar o descumprimento de parte mínima da obrigação
[12] Ruy Rosado de Aguiar Junior em seu livro “Extinção dos Contratos dos Contratos por Incumprimento do Devedor”, na página número 130, ao comentar o artigo 1455 do Código Civil Italiano – o qual é o fundamento do adimplemento substancial – classifica-o como cumprimento imperfeito, podendo gerar controvérsias com o instituto cumprimento defeituoso, se os conceitos de ambos não forem bem distinguidos e delimitados
[13] Araken de Assis no livro acima mencionado, na página 129, denomina o adimplemento substancial como inadimplemento insignificante, ao se referir ao inadimplemento de “scarza importancia” – sem importância – ou seja, o adimplemento substancial, ao observar os ensinamentos de Arturo Dalmartello no livro Risoluzione del Contratto
[14] Boa-fé objetiva que está positivada no art. 422 do CC/02, qual seja: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
[15] O princípio de vedação ao abuso de direito está expressamente previsto no ordenamento jurídico nacional, mais precisamente no art. 187 do CC/02: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
[16] In verbis: art. 1.092, parágrafo único do CC/16. “ A parte lesada pelo inadimplemento pode requerer a rescisão do contrato com perdas e danos.”
[17] No presente dispositivo legal, dever-se-ia utilizar a expressão “resolução” ao invés de “rescisão”, por se tratar de expressão genérica quanto ao desfazimento do contrato, de modo que o legislador poderia ter adotado o termo “resolução” a fim de configurar melhor aspecto técnico ao dispositivo.
[18] In verbis: art. 394 do CC/02. “Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.”
[19] In verbis: art. 422 do CC/02. “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
[20] Conforme art. 884 do CC/02. “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”
[21] Conforme art. 187 do CC/02. “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
[22] Conforme art. 421, caput do CC/02. “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, observado o disposto na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.”
[23] In verbis: Enunciado nº 22 (I Jornada de Direito Civil) – “A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas.”
[24] In verbis: Enunciado nº 361 (IV Jornada de Direito Civil) – “O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475.”
[25] In verbis: Enunciado nº 371 (IV Jornada de Direito Civil) – “A mora do segurado, sendo de escassa importância, não autoriza a resolução do contrato, por atentar ao princípio da boa-fé objetiva”
[26] O princípio da boa-fé objetiva está positivado no artigo 422 do CC/02, de modo que vincula aos contratantes a guardar tanto na execução como na conclusão, os princípios da probidade e da boa-fé
[27] O princípio da vedação ao abuso de direito está expresso no artigo 187 do CC/02, o qual aduz que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
[28] In verbis: art 1.455. “Importanza dell’inadempimento – Il contratto non si può risolvere se l’inadempimento di una delle parti ha scarsa importanza, avuto riguardo all’interesse dell’altra”
[29] In verbis: Enunciado nº 586 (VII Jornada de Direito Civil) – “Para a caracterização do adimplemento substancial (tal qual reconhecido pelo Enunciado 361 da IV Jornada de Direito Civil – CJF), levam-se em conta tanto aspectos quantitativos quanto qualitativos.”
[30] STJ, Recurso Especial nº 1.051.270 – RS (2008/0089345-5), rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 04.09.2011
[31] TJSP, Ap. nº 0000707-10.2013.8.26.0358, rel. Desa. Rosangela Telles, 02ª Câmara de Direito Privado j. 11.01.2019
[32] TJSP, Ap. nº 0340634-53.2009.8.26.0000, rel. Des. Edson Luiz de Queiroz, 05ª Câmara de Direito Privado, j. 31.07.2013
[33] STJ, Recurso Especial nº 1.581.505 – SC (2015/0288713-7), rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, j. 18.08.2016
[34] TJSP, Ap. nº 0017694-07.2013.8.26.0008, rel. Des. Antônio Carlos Mathias Coltro, 05ª Câmara de Direito Privado, j. 06.02.2019
[35]STJ, Habeas Corpus nº 439.973 – MG (2018/0053668-7), rel. Min. Luiz Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 16.08.2018