A DESJUDICIALIZAÇÃO NA PERSPECTIVA CONTEMPORÂNEA

A DESJUDICIALIZAÇÃO NA PERSPECTIVA CONTEMPORÂNEA

14 de maio de 2025 Off Por Cognitio Juris

DEJUDICIALIZATION FROM A CONTEMPORARY PERSPECTIVE

Artigo submetido em 02 de maio de 2025
Artigo aprovado em 05 de maio de 2025
Artigo publicado em 14 de maio de 2025

Cognitio Juris
Volume 15 – Número 58 – 2025
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Nafé de Jesus de Oliveira[1]

RESUMO: A evolução da sociedade e do pensamento científico-jurídico demonstra a insuficiência da edição de normas jurídicas para o alcance da finalidade do direito e da composição e resolução pacífica dos conflitos no âmbito privado. Evidencia-se a necessidade do reconhecimento e da recepção de normas convergentes para composição e resolução pacífica dos conflitos pelos seus destinatários, para torná-las aplicáveis, efetivas e céleres. É incontestável que o direito surgiu para exercer a função precípua de dar efetivação aos direitos e garantias descritos pelo direito material. A solução reside na previsão dos sistemas jurídicos de ações propriamente destinadas, mormente, à resolução pacífica dos conflitos, dentre eles a arbitragem, a mediação, a conciliação, a desjudicialização e extrajudicialização dos procedimentos, desafogando o Poder Judiciário. Desta forma, novos procedimentos considerados mais adequados aos interesses foram impostos, tais como alterações nas estruturas dos órgãos, e a instituição de novas atribuições capazes de compor e resolver os conflitos ou evitar que se instalem. Instituiu-se, pois, uma tendência à instituição dos juizados especiais, à adoção do juízo arbitral, bem como à utilização da mediação, conciliação, desjudicialização e a extrajudicialização, com vistas a tornar a justiça acessível, célere e efetiva.

Palavras-chave: Resolução de Conflitos. Desjudicialização. Extrajudicialização.

ABSTRACT: The evolution of society and scientific-legal thought demonstrates the insufficiency of issuing legal norms to achieve the purpose of law and the composition and peaceful resolution of conflicts in the private sphere. The need for recognition and reception of convergent norms for the composition and peaceful resolution of conflicts by their recipients is evident, to make them applicable, effective and speedy. It is undeniable that the law emerged to perform the essential function of giving effect to the rights and guarantees described by substantive law. The solution lies in the provision of legal systems for actions specifically intended, mainly, for the peaceful resolution of conflicts, including arbitration, mediation, conciliation, dejudicialization and extrajudicialization of procedures, relieving the Judiciary. In this way, new procedures considered more appropriate to the interests were imposed, such as changes in the structures of the bodies, and the institution of new attributions capable of composing and resolving conflicts or preventing them from arising. Therefore, there was a tendency towards the establishment of special courts, the adoption of arbitration, as well as the use of mediation, conciliation, dejudicialization and extrajudicialization, with a view to making justice accessible, swift and effective.

Keywords: Conflict resolution. Disjudicialization. Extrajudicialization.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo parte de um breve panorama da morosidade na prestação jurisdicional, a denominada “crise” no Poder Judiciário, indicando que novos caminhos devem ser trilhados. Não deve haver dogmas no âmbito jurídico, ainda mais quando se vislumbra que a manutenção de tais dogmas resulta na falta de efetividade de direitos fundamentais.

O momento é muito próprio e fecundo, dada a insatisfação geral dos cidadãos na lentidão na prestação jurisdicional em resolver os problemas que lhe são levados. Além de que, é incontestável que o aparato do Poder Judiciário se encontra por demais abarrotado, tendo sua estrutura física e pessoal amesquinhada pelo próprio Estado, que deveria ser o primeiro a lhe estender a mão.

Manter a toada dos meios alternativos de resolução pacífica de conflitos, da desjudicialização, da extrajudicialização, enfim, da repartição de competências entre o Poder Judiciário e outros órgãos e instrumentos capacitados a auxiliar, qualitativamente e quantitativamente, no término de pendengas dos mais diversos matizes, é buscar, em última análise, a plena concretização de um dos objetivos fundamentais da república, qual seja, o de construir uma sociedade livre, justa e solidária.

A pessoa humana é fundamento e fim da sociedade e do Estado. E esse foi o tom que o constituinte propôs ao arquitetar na Carta Constitucional[2], em seu inc. III, do art. 1º, que a República Federativa do Brasil se constitui um Estado Democrático de Direito que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana.

A dignidade da pessoa humana é norma constitucional que deve guiar toda e qualquer ação do Estado, bem como de seus agentes, determinando seus parâmetros em face dos escopos traçados para os poderes constituídos da República[3].

Luís Roberto Barroso leciona que o princípio da dignidade da pessoa humana assegura a todas as pessoas um espaço de integridade moral. Em seu entender, a dignidade da pessoa humana relaciona-se tanto à “liberdade e valores do espírito quanto com as condições materiais de subsistência”[4]. Para o autor, o reconhecimento da autonomia dos direitos da personalidade de que todo indivíduo é titular, generalizado após a Segunda Guerra Mundial, é descrito atualmente como emanações da própria dignidade, funcionando como atributos “inerentes e indispensáveis ao ser humano”[5].

Não obstante, pós beligerância, a promulgação da Carta das Nações Unidas, da qual faz parte integrante o anexo Estatuto da Corte Internacional de Justiça, assinada em São Francisco, a 26 de junho de 1945, por ocasião da Conferência de Organização Internacional das Nações Unidas, por meio do Decreto nº 19.841, de 22 de outubro de 1945[6], teve como propósito a manutenção da paz e a segurança em âmbitos internacionais, e dela sinalizava e emergia diretrizes para a resolução e solução pacífica das controvérsias que há muito poderiam ter sido implementadas, como dispõe o artigo 33:

“Artigo 33. 1. As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha.”

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, por sua vez, já em seu art. 1º, destaca dois pilares da dignidade humana – a liberdade e a igualdade: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”.

 É acertado como direito da dignidade da pessoa humana, fundado no princípio da boa-fé e autonomia da vontade, que a escolha do meio mais consentâneo e adequado à resolução pacífica dos conflitos poderá dar-se, livremente, mormente a não efetividade da prestação jurisdicional pelo Poder Judiciário.

Nas palavras do pesquisador-coordenador Ministro Luiz Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça,

[…] a judicialização da vida que é um fato, representa hoje quase 80 milhões de processos em tramitação. Dá um processo para quase dois habitantes, uma das maiores médias de judicialização do mundo. São 30 milhões de novos processos por ano. Ou nós agora traçamos políticas públicas efetivas para o Judiciário, ou nós vamos cair num atoleiro de onde o Judiciário não se levanta mais.[7]

2. GESTÃO DE CONFLITOS

Weeks (1992) afirma que o alto nível de solução pacífica de conflitos é obtido quando as partes envolvidas chegam a uma solução que atenda a algumas necessidades individuais e compartilhadas, de modo que resulte em benefícios mútuos e estreite o relacionamento entre as partes. O nível médio de solução de conflitos é alcançado quando as partes chegam a acordos aceitáveis mutuamente, porém fazem muito pouco para melhorar o relacionamento, além de buscarem o atendimento de interesses imediatos. Já o baixo nível de solução pacífica de conflitos é alcançado quando uma das partes se submete às exigências da outra, ou quando o relacionamento é desfeito com prejuízos mútuos.

O processo de gestão de conflitos pode, portanto, basear-se em diferentes abordagens que envolvem desde as mais indiretas, como a manutenção dos conflitos em nível baixo (ROBBINS, 2005), até abordagens mais diretas e que demandam algum tipo de intervenção, como, por exemplo, o uso da negociação na solução pacífica de conflitos. Há casos em que o conflito evolui e se intensifica, requerendo o uso de terceiros na negociação por meio do sistema judicial vigente ou de métodos alternativos de solução pacífica de conflitos, como a arbitragem e a mediação (apresentados mais adiante).

De acordo com Robbins (2005), o processo de administração de conflitos pode, inclusive, buscar estimulá-lo. Considerando os benefícios e as vantagens dos conflitos defendidos no início deste capítulo, é de se esperar que algumas situações podem requerer mudanças que certamente levarão ao surgimento de conflitos. Para o autor, o estímulo do conflito pode se dar de diversas formas, como:

  1. Por meio de comunicação de mensagens ambíguas;
  2. Inclusão de estranhos na equipe, com comportamentos e valores diferentes;
  3. Reestruturação da organização, alteração de regras e equipes; e
  4. Nomeação de um “advogado do diabo”.

3. DOS MEIOS ALTERNATIVOS DA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

Os meios alternativos de resolução pacífica de conflitos se configuram como importantes ferramentas para o encerramento célere de uma controvérsia, sem a necessidade da interferência do Poder Judiciário já tão rotineiramente assoberbado. Nesse modelo, a lei passou a indicar diversos caminhos extrajudiciais para os cidadãos darem fim a situações que, antes, necessitavam da interferência judicial. Era o início da desjudicialização. Começamos com os procedimentos:

3.1. Dos Juizados Especiais

Cumprindo a norma constitucional que no art. 98, caput e inciso I  prescreve que, “A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão juizados especiais providos por juízes togados, ou togados e leigos, componentes para a conciliação, o julgamento e a execução de infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau”, foi editada a Lei nº. 9.099/1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais[8].

Com efeito, a ideia original de desafogar o Poder Judiciário, na prática revelou-se inócua, pois o que se vislumbrava célere e eficaz acabou por tormentosa avalanche de ações de pequena monta entre fornecedores e consumidores, vizinhos ou entre relacionamento momentâneo de pessoas. Este antagonismo poderia ser solucionado com diálogo e bom senso; porém, resultaram em litígios, com o intento de “enriquecimento sem causa”.

A introdução dos juizados especiais cíveis e criminais tornaram-se, em verdade, órgãos abarrotados de demandas e litígios dos mais diversos matizes, sem uma solução célere e eficaz, como de início apregoava-se.

O número de processos só aumentou e o Judiciário ficou ainda mais congestionado, não surtindo a efetividade esperada.

3.2. Da Arbitragem

A arbitragem, como meio privado de solução de conflitos, é fruto da edição da Lei nº. 9.307/1996[9], na tentativa de desafogar a justiça e agilizar a finalização dos conflitos. Coloca à disposição dos jurisdicionados uma alternativa não judicial para dirimir seus conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis, com promessa de mais celeridade, produzir sentenças arbitrais equiparadas para todos os fins a sentenças judiciais, além de decisões concessivas de tutelas de urgência durante o procedimento. Trata-se, verdadeiramente, de um meio célere de solução de controvérsias, realizada extrajudicialmente e com força executiva, de cunho sigiloso e cuja decisão é irrecorrível.

A arbitragem é um meio simples, rápido e informal de solução de litígios. O princípio fundamental da arbitragem é a vontade das partes. A arbitragem pode ser de direito, de acordo com a legislação pátria, ou por equidade. Há uma grande liberdade de escolha para as partes contratantes. A evolução frente ao ordenamento jurídico pátrio foi extraordinária.

O legislador, vislumbrando a importância da globalização e a integração do direito em vários países, apresenta a compatibilidade da Lei da Arbitragem com o direito internacional, tratados, convenções, pactos, declarações e legislações internacionais. Dá-se preventivamente, por cláusula arbitral, ou posteriormente, após o surgimento da controvérsia, podendo as partes estabelecer que resolverão a contenda por arbitragem.

Há ainda, a arbitragem institucional e a arbitragem ad hoc. Institucional é aquela em que as partes submetem o seu litígio a uma instituição arbitral que administrará todo o procedimento. Na ad hoc, as partes envolvidas escolhem um árbitro, e ambos disciplinarão, previamente, os procedimentos.

3.3. Jurisdição Voluntária

Com o advento da Lei nº 11.441/2007[10] e a Resolução nº 35, de 24 de abril de 2007[11], do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que disciplinou a aplicação da referida lei pelos serviços notariais e de registro, tornou-se possível o inventário, a partilha, a separação consensual e o divórcio consensual por via administrativa serem feitos extrajudicialmente. Trata-se de marco inicial e fundamental como quebra de paradigma do legislador, atribuindo a realização, perante notários, da formalização de atos privados consubstanciados de fé pública e segurança jurídica.

A busca de uma simplificação de procedimentos via legislação, procedimental que seja, não altera o direito material. Tais procedimentos, em que haja partes maiores e capazes, são seguros e possíveis. A racionalidade e celeridade decorrente de procedimento notarial, desde que haja consenso, é o mais apropriado para as partes, resguardando ao Poder Judiciário eventuais causas em que ocorram litígios.

Desafogar o judiciário do diagnóstico de sobrecarga de causas, concentrando na jurisdição contenciosa seu destino tradicional, descentralizando a atividade consensual aos delegatários do poder público, como reza o Art. 236 da Constituição da República Federativa do Brasil[12], certamente foi medida profícua e correta do legislador constituinte.

Vale frisar, ainda, os benefícios que propicia na perspectiva do cidadão, pois o procedimento envolve menor burocracia, desonerando-o, com previsibilidade de gratuidade para os atos às pessoas necessitadas.

Portanto, a jurisdição voluntária tem como escopo fundamental a prevenção de litígios, vez que é uma das razões essenciais destinadas à formação de atos e negócios jurídicos, tendo uma função constitutiva de direitos e garantias.

A lei material é a mesma, visto que a sua aplicação é obtida por vias procedimentais administrativa extrajudicialmente.

4. DESJUDICIALIZAÇÃO

A desjudicialização é tema de suma importância para a plena, rápida e eficaz realização do Direito. A efetividade e celeridade na solução das pretensões resistidas é imanente à complexa sociedade moderna, como pode ser identificado no novo direito fundamental à celeridade na prestação jurisdicional e administrativa, expresso no Art. 5º, LXXVIII, por força da EC nº 45/2004[13]: “[…] a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Com efeito, os meios alternativos de resolução pacífica de conflitos despontam como alternativa para a desjudicialização de procedimentos, os quais podem ser resolvidos de maneira célere, eficiente e eficaz, garantindo-se, dessa forma, o adequado acesso à justiça.

A morosidade judicial, devido há vários canais de incentivo a judicialização dos conflitos sociais, trouxe a necessidade premente da extrajudicialização dos procedimentos judiciais, de forma que a desjudicialização amenize a crescente demanda no Poder Judiciário, abolindo, ou pelo menos mitigando numericamente, questões tradicionalmente lhe atribuídas. Questões essas plenamente suscetíveis de serem resolvidas em sede administrativa.

Podemos sintetizar que a desjudicialização significa a promoção da busca de direitos basilares e necessários ao indivíduo e que deve ser amplamente atingida por políticas públicas, sem qualquer exclusão dos cidadãos, na forma da lei.

A desjudicialização executada administrativamente por profissionais do direito serve como referência dos serviços oferecidos de maneira eficiente, rápida, adequada e segura juridicamente. Nesse contexto, vale frisar que a morosidade contemporânea do Poder Judiciário brasileiro fez com que a inovação no ordenamento jurídico não se trate meramente de rapidez na solução dos casos e questões advindas do cotidiano das partes, mas sim de necessidade na resolução dos mesmos, com a simplificação e racionalização de recursos.

Na atualidade, são inúmeros os casos e questões que podem ser solucionados administrativamente e extrajudicialmente, refletindo mérito do legislador que confiou nos profissionais do direito tal mister, bem como a aceitação do cidadão ao serviço delegado em caráter privado, de cuja característica se revela de agilidade e economicidade.

5. MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO

É uma realidade inafastável a vida em sociedade. A ocorrência de conflitos está diretamente relacionada com a vida em sociedade. Com o intuito de contribuir para a evolução dos conflitos, a Lei nº 13.140/2015[14] trouxe a regulamentação para as mediações judiciais e extrajudiciais.

Mediar não significa o mesmo que conciliar. Em que pesem a mediação e a conciliação se tratarem de formas de solução consensual de conflitos (GARCIA, 2015, p. 24), elas divergem quanto ao procedimento.

A Resolução nº 125/2010[15] do CNJ, conferiu a implantação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, responsáveis pela efetivação de sessões de conciliação e mediação, dirigidas por profissionais devidamente habilitados nas técnicas de solução alternativa de litígios, os quais necessitam passar por um processo de capacitação continuada. Tais centros foram instalados onde existiam duplicidade/pluralidade de Juizados e Varas, cuja competência é compreendida pela mencionada resolução.

A mediação como atividade técnica é exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, o qual, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia, facilitando o diálogo entre as mesmas.

Noutra vertente, a conciliação traduz técnica consensual de resolução pacífica de controvérsias, em que há a intervenção de um terceiro que estimula e auxilia as partes a obterem um acordo, atuando o conciliador, preferencialmente, nos casos em que não exista vínculo anterior entre as partes. Daí que poderá sugerir soluções para o litígio, vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.

Inegavelmente que tais procedimentos são céleres; além de traduzirem menor tempo na solução de problemas do cotidiano, também repercutem no baixo custo que representam. São processos amplamente utilizados em diversos países do mundo, através de iniciativas privadas e algumas públicas, e que ganhou no País contornos de política pública e impulso através do Código de Processo Civil.

A judicialização das questões não é a melhor saída e, portanto, faz-se necessária a conscientização da sociedade a fim de atingir o desiderato.

6. INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA AMAZÔNIA

Pesquisa feita pelo IPEA[16] sobre Justiça Itinerante no Brasil, realizada nos anos 2012 e 2013, fez um levantamento de todos os projetos de justiça itinerante do país, e registrou que as primeiras experiências itinerantes ocorreram em Rondônia e Amapá, no início da década de 1990, sendo que o Tribunal de Justiça do Amapá foi o primeiro a institucionalizar o projeto, no ano de 1996.

A origem da Justiça Itinerante no Estado de Rondônia data de 20 de novembro de 1990, quando foram realizadas as primeiras audiências fora dos Fóruns, em barracas de lonas improvisadas nos bairros da periferia de Porto Velho. Mas a ideia de realizar o serviço público de forma itinerante surgiu muito antes disso. Em 1982, ano de instalação do Poder Judiciário no Estado de Rondônia, o serviço eleitoral de alistamento de eleitores foi realizado de forma itinerante, conforme consta em registro contido na obra “A Justiça além dos Autos”[17], publicado pela Corregedoria Geral da Justiça do CNJ.

O primeiro movimento de realização de atos judiciais itinerantes se deu com o surgimento do Juizado Especial de Pequenas Causas em Porto Velho, criado por meio da Lei Estadual nº 108, de 9 de junho de 1986[18], sendo que em agosto de 1986 o Juizado foi oficialmente instalado na Avenida Campos Sales, centro de Porto Velho. Em 1990, foram realizadas as primeiras audiências fora do ambiente do Juizado Especial de Pequenas Causas, inaugurando a prática itinerante no Estado de Rondônia.

A Justiça Rápida é uma operação realizada periodicamente em todo o Estado de Rondônia, que tem como princípio norteador o atendimento amplo e gratuito à população para solução de questões nas esferas Cível, Criminal, Infância e Juventude, Família e Registros Públicos, com especial atenção às comunidades distantes dos centros urbanos, nas regiões ribeirinhas e na periferia da cidade.

O atendimento é realizado em dias previamente anunciados. Para tanto, desloca-se toda a estrutura material e humana necessárias, com divulgação antecipada pelos meios de comunicações disponíveis (rádio, jornal, TV, cartazes e outros). Dias antes da operação, equipes de servidores trabalham no próprio local onde serão atendidas  as reclamações, fazendo triagens dos casos a serem resolvidos e agendando audiências, com a imediata expedição de notificações para que as partes compareçam no dia e hora marcados.

Na data designada, realiza-se um mutirão do qual participam juízes, promotores, defensores públicos, advogados e conciliadores, quando então são resolvidas as questões apresentadas, além de se proceder a assentos de nascimento.

Com o estabelecimento de parcerias, foram formalizados casamentos, viabilizadas expedições de carteiras de identidade, carteiras de trabalho e título de eleitor, variando a diversidade de prestação de serviço com a peculiaridade do local onde ele é prestado.

Dependendo da disponibilidade de defensores públicos e advogados, não sendo possível o acordo nem a realização da audiência de instrução e julgamento (em razão do rito processual), desde logo se elabora a petição inicial, que é despachada pelo juiz para posterior prosseguimento do processo na vara respectiva.

A Operação Justiça Rápida inspira-se na necessidade de adequação à nova política de atendimento à população e institucionalização dos direitos humanos, com a criação do Juizado de Pequenas Causas e da Justiça Itinerante, intensificada a partir de 1990, quando o juiz se deslocava até aos bairros para resolver os litígios.

Devido à nova realidade da pandemia da Covid-19 e em atendimento às recomendações sanitárias de distanciamento social, o Tribunal de Justiça de Rondônia, instituiu o programa Justiça Rápida Digital, que tem como objetivo realizar o serviço de Justiça Itinerante em meio digital com abrangência para todo estado de Rondônia e coordenação unificada, atendendo todos os casos admissíveis pela modalidade pré-processual.

Somente no ano de 2021, desde que passou por mudanças para se adequar à nova realidade da pandemia, o programa realizou mais de 1,5 mil audiências. . Essa ação, que era realizada mensalmente, passou a fazer atendimentos e audiências por meio do aplicativo WhatsApp, se consolidando como alternativa permanente para solução pacífica de conflitos de forma rápida, sendo que 82% das audiências efetuadas findaram com o estabelecimento de  acordo entre as partes.

A Justiça Rápida Digital tem o foco na solução pacífica de conflitos, envolvendo guarda de menores entre pais, alimentos e visitas para os filhos, cobranças de pequenos valores, dissolução de união estável, investigação de reconhecimento de paternidade, divórcio imediato consensual (com ou sem bens e filhos) e conversão consensual de separação judicial em divórcio. Para ampliar a abrangência da ação, foram disponibilizados números de contato via WhatsApp, através dos quais é possível obter informações sobre cada caso e realizar o agendamento de audiências.

O aumento da periodicidade e a utilização de ferramentas tecnológicas levaram a soluções pacíficas consensuais, sobretudo para pessoas que moram em áreas mais distantes, que não precisam se deslocar até à sede da comarca para conseguir atendimento.

7. CONCLUSÃO

A desjudicialização na perspectiva contemporânea representa, portanto, um avanço na resolução pacífica dos conflitos. Não só contribui significativamente para desafogar o Poder Judiciário, liberando-o para cumprir adequadamente o seu mister, nas demandas que forem levadas à sua apreciação, como também se traduz em uma nova forma de acesso à Justiça.

Vislumbra-se de tal forma ser necessária a consolidação de uma política pública permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais na busca e de solução pacífica dos litígios, visando atender aos anseios do cidadão e da população que busca na fé pública a segurança jurídica para os atos privados.

A extrajudicialização na resolução pacífica dos conflitos entre cidadãos vai ao encontro na redução da excessiva judicialização dos conflitos de interesses.

Não é demais relembrar a relevância e a necessidade de que o direito de acesso à Justiça, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil[19], traduz ordem jurídica justa.

Por fim, as instituições de ensino e o Ministério da Educação têm introduzido na grade curricular diretrizes ajustadas à estrutura dos cursos, com o intuito de estabelecerem disciplinas concernentes ao Direito Notarial e Registral, Arbitragem, Mediação e a Conciliação, como forma alternativa de aprendizado, no sentido da resolução e solução pacífica dos conflitos sem que haja a necessidade de judicialização. Quebra-se, assim, o paradigma e o estigma do acadêmico, até então doutrinado exclusivamente à lide, fazendo com que ocorra o descongestionamento do Judiciário e o pronto benefício às partes envolvidas com soluções equânimes.

Sob o aspecto da desjudicialização, urge orientar as iniciativas de limitação de acesso ao Poder Judiciário diante do fenômeno de litigância habitual dos jurisdicionados que colonizam a máquina judiciária em detrimento dos cidadãos, cujo maior exemplo é o próprio Estado. Há necessidade premente, portanto, da formação de arcabouço de instrumentos eficientes e eficazes, além dos já existentes, bem como conscientizar a sociedade e população no propósito de que as medidas de desjudicialização possam efetivamente servir para o aperfeiçoamento do acesso à justiça, sem com isso violar direitos humanos e fundamentais.

Em essência, não é por acaso que a aprovação dos meios alternativos pela sociedade redundou em inúmeros benefícios aos interessados, inclusive, ao Poder Judiciário, que em 10 anos, desde a vigência da Lei nº.11.441/2007, chegou a economizar 3,5 bilhões de reais, impactando a desjudicialização e desburocratização de maneira positiva a vida do cidadão brasileiro.

Segundo estatísticas do Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (CNB/SP), em todo o País, desde o ano de 2007, foram realizados mais de 1,5 milhão de atos com base na citada lei.

Por derradeiro, revela-se que a desjudicialização é inquestionavelmente o caminho a ser seguido para a solução pacífica extrajudicial dos conflitos, de forma economicamente viável e sustentável.

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. V. 3. P. 573.

BRASIL. Decreto nº 19.841, de 22 de outubro de 1945. Promulga a Carta das Nações Unidas, da qual faz parte integrante o anexo Estatuto da Corte Internacional de Justiça, assinada em São Francisco, a 26 de junho de 1945, por ocasião da Conferência de Organização Internacional das Nações Unidas. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d19841.htm. Acesso em 08 dez. 2022.

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GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Mediação e autocomposição: considerações sobre a Lei nº 13.140/2015 e o novo CPC. Revista Magister de Direito Civil e Processo Civil, n. 66, p. 23-34, maio/jun. 2015.

IPEA. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Relatório de Pesquisa. Democratização do acesso à justiça e efetivação de direitos. Justiça Itinerante. Brasília, 2015.

LUNARDI, Soraya Regina Gasparetto. Dignidade da pessoa humana. In: DIMOULIS, Dimitri (Org.). Dicionário brasileiro de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 115.

ROBBINS, Stephen, P. Conflito e negociação. In: ______. Comportamento organizacional. 11ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005.

RONDÔNIA. Lei nº 108, de 09 de junho de 1986. Cria o Juizado de Pequenas Causas e dá outras providências. Porto Velho: Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia, 1986. Disponível em: http://ditel.casacivil.ro.gov.br/COTEL/Livros/Files/L108-PL.pdf. Acesso em 12 dez. 2022.

WEEKS, D. The eight essential steps to conflict resolution: preserving relationship at work, at home, and in the community. New York: G. P. Putnam’s Sons, 1992.

ANEXOS

Fotografia 1 – Jornal Nova Rondônia – Agosto/86 – Instalação do Juizado de Pequenas Causas em Porto Velho. Fonte: arquivo pessoal Des. Roosevelt Queiroz Costa

Fotografia 2 – Jornal O GUAPORÉ de 21/11/90 anunciando o atendimento do Juizado na Operação ACISO. Fonte: arquivo pessoal Des. Roosevelt Queiroz Costa

Fotografia 3 – 13ª Operação ACISO – novembro de 1990 – atendimento prestado à comunidade. Fonte: Departamento de Comunicação do Tribunal de Justiça de Rondônia

Fotografia 4 – 13ª Operação ACISO – novembro de 1990 – estrutura de atendimento à população. Fonte: Departamento de Comunicação do Tribunal de Justiça de Rondônia

Fotografia 5 – 13ª Operação ACISO – novembro de 1990 – fila de pessoas que aguardavam atendimento. Fonte: Departamento de Comunicação do Tribunal de Justiça de Rondônia

Fotografia 6 – Barco da Operação Justiça Rápida Itinerante – Navegando no Rio Madeira em direção as comunidades ribeirinhas

Fotografia 7 – Mapa do Baixo Madeira retirado da Cartilha “Justiça Rápida Itinerante: Poder Judiciário do Estado de Rondônia em ação”. Fonte: Tribunal de Justiça de Rondônia


[1] Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Araraquara, Oficial de Registro de Imóveis de Colorado do Oeste/RO. E-mail: nafedejesus@hotmail.com           

[2] BRASIL, 1988.

[3] LUNARDI, 2007, p. 115.

[4] BARROSO, p. 573.

[5] BARROSO., p. 574.

[6] BRASIL, 1945.

[7] CARVALHO, 2019.

[8] BRASIL, 1995.

[9] BRASIL, 1996.

[10] BRASIL, 2007.

[11] CNJ, 2007.

[12] BRASIL, 1988.

[13] BRASIL, 2004.

[14] BRASIL, 2015.

[15] CNJ, 2010.

[16] IPEA, 2015, p. 7.

[17] CNJ, 2016.

[18] RONDÔNIA, 1986.

[19] BRASIL, 1988.