SOCIEDADES LIMITADAS E ANÔNIMAS: UM COMPARATIVO ENTRE OS MODELOS SOCIETÁRIOS E A VIABILIDADE DE TRANSFORMAÇÃO

SOCIEDADES LIMITADAS E ANÔNIMAS: UM COMPARATIVO ENTRE OS MODELOS SOCIETÁRIOS E A VIABILIDADE DE TRANSFORMAÇÃO

28 de novembro de 2023 Off Por Cognitio Juris

LIMITED LIABILITY COMPANIES AND CORPORATIONS: A COMPARISON BETWEEN BUSINESS MODELS AND THE FEASIBILITY OF TRANSFORMATION

Artigo submetido em 17 de outubro de 2023
Artigo aprovado em 26 de outubro de 2023
Artigo publicado em 28 de novembro de 2023

Cognitio Juris
Volume 13 – Número 50 – Novembro de 2023
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Patricia Milles Scherer [1]
Cleverson Aldrin Marques [2]
Clara Heinzmann [3]

RESUMO: As sociedades de responsabilidade limitada alcançaram notável êxito devido à sua marcante vantagem de proporcionar proteção patrimonial por meio da limitação de responsabilidade, aliada a um modelo de gestão simplificado. Mas com a mudança da lei em 2002, as estruturas societárias se tornaram mais intrincadas. Nesse sentido, o trabalho analisa as possibilidades legais e as vantagens e desvantagens da transformação de uma Sociedade Limitada em uma Sociedade Anônima. Para alcançar o objetivo da pesquisa foram adotados o método dedutivo e a pesquisa de natureza bibliográfica descritiva. Com a implementação da Lei nº 10.406/2002, Código Civil de 2002, revogou a legislação anterior que regulava as sociedades de responsabilidade limitada, gerando o aumento da exposição do patrimônio pessoal dos sócios, particularmente quando se busca salvaguardar os investimentos, devido à crescente aplicação da doutrina da desconsideração da personalidade jurídica pela jurisprudência, tem levado a uma reavaliação da adequação das Sociedades de responsabilidade Limitada como forma societária. Dessa forma, impulsou o surgimento das Sociedades Anônimas como alternativa para enfrentar esses desafios. Conclui-se que, atualmente e cada vez mais, a transformação das sociedades limitadas em sociedades anônimas traduz na maneira mais adequada para constituição societária visando investimentos de pequeno e grande porte, pois traz maior proteção patrimonial e com complexidade de constituição, alterações e manutenção muito similares às de sociedade limitada.

Palavras-chave: Direito Empresarial. Direito Societário. Sociedade Limitada.

ABSTRACT: Limited liability companies have achieved remarkable success due to their significant advantage of providing asset protection through limited liability, coupled with a simplified management model. However, with the change in the law in 2002, corporate structures became more intricate. In this context, this study analyzes the legal possibilities and the advantages and disadvantages of transforming a Limited Liability Company into a Corporation. To achieve the research objective, deductive methodology and descriptive bibliographic research were adopted. The implementation of Law No. 10,406/2002, the 2002 Civil Code, repealed the previous legislation governing limited liability companies, increasing the exposure of partners’ personal assets, especially when seeking to safeguard investments. The growing application of the doctrine of piercing the corporate veil by jurisprudence has led to a reevaluation of the suitability of Limited Liability Companies as a corporate form. Consequently, it has prompted the emergence of Corporations as an alternative to address these challenges. It is concluded that, currently and increasingly, the transformation of limited liability companies into corporations represents the most suitable way for corporate constitution, catering to both small and large-scale investments. This approach offers greater asset protection and entails complexities in formation, alterations, and maintenance similar to those of limited liability companies.

Keywords: Business Law. Corporate Law. Limited Liability.

1.       INTRODUÇÃO

          No contexto dinâmico do cenário empresarial brasileiro, a escolha do tipo societário é uma decisão crucial para qualquer empreendimento. Cada constituição de sociedade traz consigo expectativas dos sócios e, portanto, é vital selecionar um modelo que se alinhe perfeitamente com essas expectativas. A trajetória histórica das sociedades empresariais no Brasil revela uma mudança significativa nas opções disponíveis, especialmente entre as Sociedades Anônimas (S.A.) e as Sociedades Limitadas (Ltda.). O presente artigo busca explorar as vantagens e desvantagens desses dois modelos sob a ótica da segurança jurídica nos investimentos.

Tradicionalmente, as Sociedades Limitadas ofereciam vantagens notáveis, como a proteção patrimonial pela limitação de responsabilidade e um modelo de gestão simplificado. No entanto, a complexidade aumentou com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, que revogou a regulamentação anterior das Ltdas. A jurisprudência, em particular a aplicação crescente da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, expôs o patrimônio pessoal dos sócios, gerando insegurança nos investimentos. Por outro lado, as Sociedades Anônimas, inicialmente concebidas para atrair grandes investidores, oferecem proteção especial e, surpreendentemente, podem ser uma opção mais segura, inclusive para pequenos empresários, devido à regulamentação que visa proteger os acionistas.

Neste contexto, este trabalho tem como objetivo analisar as vantagens e desvantagens de ambos os modelos societários, considerando não apenas a complexidade e os custos de gestão, mas também a segurança jurídica oferecida aos investidores. A análise comparativa será fundamentada no Código Civil de 2002, que rege as Sociedades Limitadas, e na Lei nº 6.404/1976, que estabelece as normativas para as Sociedades Anônimas. Ao longo deste artigo, será construído um panorama histórico das distinções entre esses tipos de sociedades, destacando as principais diferenças na legislação vigente.

Dessa forma, esta pesquisa visa fornecer uma compreensão aprofundada das características distintas das Sociedades Anônimas e Sociedades Limitadas, permitindo aos empresários e investidores uma base sólida para a tomada de decisões informadas. Ao examinar de perto as nuances desses modelos, este estudo pretende contribuir para a promoção da segurança jurídica e, por conseguinte, estimular o crescimento sustentável do ambiente de negócios no Brasil.

2.       EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO EMPRESARIAL

A exploração econômica sempre foi uma busca constante desde tempos antigos, com o comércio sendo fundamental para a circulação das riquezas (JR. FAZZIO, 2020). Inicialmente, o comércio era uma atividade individual baseada na troca direta, evoluindo para uma economia de mercado, onde a especialização e a moeda facilitaram o processo (DINIZ, 2022). O agrupamento de pessoas em sociedades surgiu da necessidade de crescimento e sobrevivência, muitas vezes impulsionado por interesses familiares (TOKARS, 1999). Na Idade Média, a limitação da responsabilidade patrimonial foi crucial para o desenvolvimento das sociedades, permitindo que os negócios se expandissem sem expor excessivamente os empresários aos riscos (RODRIGUES, 2007).

A pessoa jurídica foi criada para superar as limitações humanas, permitindo que os indivíduos se unissem em uma entidade capaz de alcançar objetivos maiores (RODRIGUES, 2007).

No Brasil, as sociedades empresárias são reconhecidas como entidades distintas dos sócios, adquirindo direitos e obrigações próprios (REQUIÃO, 1998). A personalização das sociedades confere autonomia patrimonial, tornando a pessoa jurídica titular de direitos e devedora de obrigações, com a capacidade de estar em juízo como demandante e demandada (GOMES, 2001). O princípio da autonomia patrimonial é fundamental no direito societário, protegendo os sócios das responsabilidades da sociedade empresária.

2.1. SOCIEDADES LIMITADAS CONFORME O CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

A sociedade limitada, originada no século XIX, surgiu para atender às necessidades de pequenos e médios empresários, oferecendo limitação patrimonial sem a complexidade das sociedades anônimas (DINIZ, 2022). No Brasil, foi adotada em 1919 pelo Decreto nº 3.708, conhecido como Lei das Limitadas, proporcionando uma estrutura organizacional simplificada (BRASIL, 2002).

A sociedade limitada organiza as atividades dos sócios, limitando sua responsabilidade ao valor das quotas de capital integralizado (BRASIL, 2002). Os sócios desfrutam do benefício da limitação de responsabilidade, que é essencial para a manutenção da empresa. Em situações excepcionais, a lei prevê medidas como exclusão do sócio inadimplente ou redução de sua quota (BRASIL, 2002).

A retirada de sócios é possível mediante notificação com antecedência mínima de sessenta dias em casos de prazo indeterminado, ou com justa causa comprovada judicialmente em prazo determinado (BRASIL, 2002). Alterações contratuais também podem permitir a retirada, garantindo a estabilidade da empresa (BRASIL, 2002).

No entanto, há divergências jurisprudenciais sobre o direito de retirada. Alguns, como Gonçalves Neto (2004), defendem que a retirada só é permitida em caso de modificação do contrato social, enquanto outros, seguindo o Decreto 3.708/1919, consideram a retirada livre (BERTOLDI, 2022). A falta de consenso cria desafios para as empresas, especialmente em momentos de crise, onde a retirada de um sócio pode impactar significativamente o capital da empresa (BERTOLDI, 2022).

2.2. A SOCIEDADE ANÔNIMA NA LEI Nº 6.404/1976

A expressão “sociedade anônima” foi introduzida no Código Comercial francês de 1807 para descrever organizações anteriormente conhecidas como “companhias”. O Código Comercial brasileiro de 1850 adotou a mesma nomenclatura (NEGRÃO, 2023). O termo “anônima” indica que a sociedade não opera sob uma firma social, o que a diferencia de outras formas de organização empresarial (NEGRÃO, 2023).

A sociedade anônima é um tipo de sociedade empresária cujo capital social é dividido em ações, limitando a responsabilidade dos sócios ou acionistas ao valor de emissão dessas ações (COELHO, 2009). Esse modelo sempre teve o propósito de atrair grandes capitais, sendo ainda amplamente utilizado no Brasil (NEGRÃO, 2023).

Um dos atrativos das sociedades anônimas é a limitação patrimonial e a possibilidade de negociação das ações, o que as torna uma escolha popular para investidores que buscam multiplicar seu capital (SACRAMONE, 2023). Existem sociedades anônimas abertas, onde as ações podem ser negociadas em bolsas de valores, e sociedades fechadas, onde essa prática não é permitida de acordo com o art. 4º da Lei das Sociedades Anônimas.

A influência das sociedades anônimas na economia é imensa, chegando ao ponto de algumas delas terem poder financeiro superior ao de pequenos países. Por exemplo, a Petrobrás, com seu valor de mercado em R$ 415 bilhões, desempenha um papel crucial na economia brasileira (MARQUES, 2023).

3.       POSSIBILIDADE LEGAL DE TRANSFORMAÇÃO DE UMA SOCIEDADE LIMITADA EM UMA SOCIEDADE ANÔNIMA

A transformação societária, definida nos artigos 1.113 a 1.115 do Código Civil e nos artigos 220 a 222 da Lei das Sociedades por Ações, permite que sociedades mudem de um tipo para outro sem dissolução e liquidação (DIB, 2023). A migração entre tipos societários não tem restrições específicas, exceto para a conversão entre diferentes tipos de entidades, como associações, sociedades e fundações (BORBA, 2021).

O empresário individual, que exerce atividade econômica sob sua responsabilidade, não pode utilizar a transformação para operar como sociedade limitada ou anônima (BRASIL, 2002). Além disso, a sociedade em conta de participação não pode ser transformada em um tipo societário personificado, pois é considerada um contrato associativo, não possuindo patrimônio próprio (COELHO, 2019).

A transformação envolve procedimentos específicos. A convocação de assembleia ou reunião de sócios é essencial, seguindo as formalidades legais, para obter a aprovação dos sócios. A transformação deve ser aprovada por unanimidade ou por maioria, conforme previsto no contrato social, permitindo a retirada dos dissidentes (BRASIL, 2020).

O Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) regulamenta detalhes do processo, incluindo os documentos necessários para o arquivamento, como o instrumento que aprova a transformação e o estatuto ou contrato social (BRASIL, 2020). As garantias oferecidas aos credores não devem ser prejudicadas pela mudança de tipo societário (BRASIL, 2002).

A transformação envolve não apenas alterações contratuais, mas também a elaboração e aprovação do estatuto social, sendo uma mudança profunda com impactos significativos para sócios e credores (NETO, 2023). Dessa forma, a transformação é semelhante ao ato constitutivo de uma sociedade, embora não crie uma nova entidade, mas transforme a estrutura existente (NETO, 2023).

3.1 CONVERSIBILIDADE DE COTAS EM AÇÕES

A transformação da sociedade-base, no caso, de sociedade limitada para sociedade anônima, requer a conformidade com os preceitos constitutivos estabelecidos na Lei das Sociedades por Ações. Nesse contexto, torna-se imperativa a conversão das cotas dos sócios em ações ordinárias como um requisito intrínseco a ser cumprido.

Assim, o sócio que era proprietário de quotas de uma sociedade limitada passará a sê-lo de ações de uma sociedade anônima. Em algumas conversões cada quota transforma-se em uma única ação ordinária. Em outros casos, usa-se taxas de conversão.

A lista de acionistas com a qualificação e o nome de cada um, chamado boletim ou lista de subscrição, deverá constar no ato de transformação, a ser arquivado na Junta Comercial da sede da sociedade, já constando dele o número de ações que cada antigo quotista terá subscritas.

3.2 VANTAGENS E DESVANTAGENS DO PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO DE UMA SOCIEDADE LIMITADA EM UMA SOCIEDADE ANÔNIMA.

3.2.1 Análise comparativa

Tradicionalmente, as Sociedades Limitadas no Brasil foram criadas pelo Decreto nº 3.708/1919, oferecendo uma vantagem significativa ao permitir a proteção patrimonial por meio da limitação de responsabilidade, além de um modelo simplificado de gestão. No entanto, com a implementação do Novo Código Civil, Lei nº 10.406/2002, que revogou a regulamentação anterior, as estruturas societárias se tornaram mais complexas.

Além disso, as sociedades limitadas, geralmente consideradas sociedades de pessoas, enfrentam desafios relacionados ao direito de retirada (também aplicáveis a sociedades anônimas fechadas de caráter familiar, conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça). O caráter discricionário desse direito é amplamente aceito pela maioria dos especialistas.

O art. 50 do Código Civil, que prevê as situações em que a desconsideração da personalidade jurídica pode ocorrer com base na chamada Teoria Maior, tem causado insegurança jurídica devido ao uso de termos vagos, como “abuso da personalidade” (COELHO,2019).

 Isso representa uma ameaça constante ao escopo de limitação, um objetivo claro para aqueles que se aventuram no empreendedorismo, especialmente quando decisões judiciais são tomadas por juízes que muitas vezes carecem da formação necessária para compreender os efeitos econômicos de suas decisões.

A exposição significativa do patrimônio pessoal dos sócios, mesmo quando se busca proteger o investimento, devido ao uso excessivo da desconsideração pela jurisprudência, independentemente dos requisitos do Código Civil quando se aplica a Teoria Maior, e considerando também as disposições do Direito do Trabalho e do Direito do Consumidor, nos quais a desconsideração é a regra e não a exceção (especialmente no caso de sociedades limitadas), juntamente com a responsabilidade tributária ocasional dos sócios, enfatiza a importância da análise das vantagens de uma reestruturação societária.

Além disso, em meio à crise econômica global, a proteção contra riscos de investimento se torna ainda mais relevante, e nesse aspecto as Sociedades Anônimas, por ações, superam as sociedades limitadas, pois são muito mais eficazes em termos de proteção patrimonial.

Por outro lado, as sociedades anônimas oferecem proteção especial e, como são adequadas tanto para pequenas quanto para grandes empresas, proporcionam uma proteção aprimorada para os pequenos empresários, uma vez que a regulamentação foi criada com o objetivo de proteger os grandes empresários.

Diante dessas considerações, é importante avaliar as vantagens e desvantagens da adoção de uma sociedade limitada ou anônima com base em alguns pontos essenciais.

3.2.2 Aspectos burocráticos

Anteriormente o nível de complexidade de uma sociedade anônima era mais elevado em relação ao de uma sociedade limitada, elevando-se o custo procedimental pela necessidade de manutenção de livros especiais, divulgação de balanços e afins.

Por esta razão muitas empresas, ainda que com porte médio, interessadas em redução de custos com publicações, registro de atos e funcionamento de órgãos acabava por optar pela atuação enquanto sociedade limitada.

Contudo, a INSTRUÇÃO NORMATIVA DREI/SGD/ME Nº 82, DE 19 DE FEVEREIRO DE 2021, pôs fim aos livros societários de papel. A normativa considerou, a evolução tecnológica e outros aspectos com o seguinte texto:

CONSIDERANDO o desenvolvimento tecnológico que permite o registro e o lançamento de atos e fatos das empresas de forma eletrônica, garantindo a segurança, a inviolabilidade e a autenticidade dos instrumentos submetidos à autenticação;

CONSIDERANDO a necessidade de simplificar, uniformizar, modernizar e automatizar os procedimentos relativos à autenticação dos termos de abertura e de encerramento dos instrumentos de escrituração contábil, dos livros sociais e dos livros dos agentes auxiliares do comércio, resolve:

Art. 1º Esta Instrução Normativa consolida as normas e diretrizes gerais acerca dos procedimentos a serem observados para a autenticação de que tratam os arts. 32, inciso III, e 39, inciso I, da Lei nº 8.934, de 18 de novembro de 1994, sem prejuízo da legislação específica aplicável à matéria.

Parágrafo único. As disposições desta Instrução Normativa aplicam-se às filiais, sucursais ou agências, no Brasil, do empresário ou sociedade com sede em país estrangeiro. (BRASIL,2021)

Com as devidas alterações, o que antes era uma grande desvantagem das Sociedades Anônimas em relação as Sociedades Limitadas, foi amenizado, mas ainda que a simplificação e a automatização dos livros, trouxe vantagens relevantes as Sociedades Anônimas. A Lei nº 6.404/76 ainda exige maior robustez na estrutura organizacional destas, e estabelece alguns órgãos que devem fazer parte dessa estrutura, como por exemplo a Assembleia Geral de Acionistas e a Diretoria.

Neste sentido os aspectos burocráticos das LTDA, até o presente, são inferiores aos das S/A, tornando-a mais vantajosa nesse critério.

3.2.3 Responsabilidade dos sócios

Para Pereira (2019) a desconsideração da personalidade jurídica é outro dos fantasmas jurídicos do nosso tempo que espanta investidores, pelo risco de que o investimento falho termine por representar uma catástrofe maior do que a calculada, ou seja, fazendo com que o sócio perca não só o que decidiu arriscar no empreendimento, mas coloque em risco a totalidade de seu patrimônio em caso de insucesso da operação.

E é nas sociedades limitadas que a teoria tem sido aplicada com maior rigor, a ponto de a desconsideração ter sido vista mais como regra do que como exceção, em especial no âmbito trabalhista e dos consumidores, o que gera uma desvantagem a esse tipo societário.

Nas sociedades anônimas a aplicação tem sido mais tímida, o que igualmente promove proteção aos investidores, elevando a atratividade da empresa, posto isto, uma vantagem para as S/A.

3.2.4 Sociedade de capital

A comercialização da participação societária é usualmente mais praticável numa sociedade reconhecidamente de capital, como na sociedade anônima e em uma sociedade híbrida (com aspectos de sociedade de pessoas e aspectos de sociedade de capital), como a sociedade limitada.

Por isso, para Bertoldi (2022) as sociedades por ações não contam com as restrições à entrada de novos sócios típicas das sociedades limitadas, justamente por sua natureza capitalista, diferentemente das limitadas, que são corriqueiramente constituídas intuitu personae, ou seja, levando em consideração a identidade pessoal dos sócios, o que pode gerar uma desvantagem a comercialização de cotas nas LTDA.

Assim, ainda que previsível o direito de preferência em igualdade e condições, os sócios de sociedades anônimas não podem impedir a venda de ações para terceiros, e por não ter a identidade dos sócios revelada, o impacto negativo de um sócio considerado “persona non grata” (não querida) é zero. Proporcionando assim uma vantagem aos negócios de uma sociedade anônima.

3.2.5 Penhorabilidade de quotas

O credor que penhora quotas de sócios pode fazer uso do art. 1.026 do Código Civil para efetuar a liquidação das quotas. Isso envolve a apuração dos valores devidos e a subsequente redução do capital social da empresa. Tal ação pode levar a sociedade a vender ativos, usar capital de giro ou contrair empréstimos para cumprir com a obrigação.

Em contrapartida, quando a penhora envolve ações, não ocorre a liquidação automática das mesmas. As ações são normalmente alienadas por meios judiciais, como leilão ou alienação particular. Nesses casos, os sócios têm a oportunidade de resgatar a dívida, desde que possuam os meios e o interesse necessário. Isso também é válido para as sociedades de responsabilidade limitada.

Essa situação impõe desafios distintos para as empresas em questão, pois a penhora de quotas pode impactar diretamente a estrutura de capital e os ativos da sociedade, enquanto a penhora de ações normalmente não leva à descapitalização imediata, Cavalcante (2019). Determinando uma vantagem para as sociedades anônimas.

3.2.6 Proteção aos minoritários

O sistema de salvaguarda dos direitos dos acionistas minoritários em sociedades anônimas demonstra um patamar de eficácia substancialmente superior quando comparado ao adotado pelas sociedades limitadas. Isso é especialmente evidenciado pela imposição da constituição obrigatória do conselho fiscal e pela exigência incontornável de distribuição dos proventos.

Por contraste, nas empresas estruturadas como sociedades limitadas, os acionistas minoritários encontram-se em uma posição de proteção mais reduzida, em parte devido à menor rigidez no estabelecimento das responsabilidades dos gestores.

Considerando que frequentemente são os investidores externos os detentores das cotas minoritárias, os quais infundem capital nas organizações durante fases de crescimento, é notável que um arranjo societário que proporcione maior salvaguarda, como é o caso das Sociedades Anônimas, uma vantagem que torna um fator atrativo adicional para investimentos.

3.2.7 Sistema de gestão

O sistema de gestão das Sociedades Anônimas foi desenvolvido com o intuito de promover maior profissionalismo e transparência. Isso é alcançado mediante a necessidade de estabelecer um Conselho de Administração obrigatório. Essa abordagem se diferencia significativamente do método predominante de tomada de decisões nas Sociedades Limitadas, que envolve assembleias ou reuniões de sócios.

A estrutura das S/A é altamente apreciada pelos investidores estrangeiros, fato este, que aponta uma grande vantagem para investimentos maiores.

3.2.8 Vedação da retirada imotivada

Ao contrário das Sociedades Limitadas, onde existe a constante possibilidade de um sócio se retirar, o que pode exigir a avaliação de seus ativos e, consequentemente, reduzir o capital da empresa, uma desvantagem aos investidores. As Sociedades Anônimas não permitem que um sócio simplesmente opte por sair da sociedade, levando consigo uma parcela do seu patrimônio.

A retirada de sócios nas Sociedades Anônimas é altamente restrita e não pode acontecer de forma imotivada, seguindo rigorosamente as disposições dos artigos 136 e 137 da Lei nº 6.404/1976. Nesse contexto, a retirada só é possível quando um sócio expressa discordância em relação a decisões mais drásticas da empresa, como fusões ou cisões. Trazendo assim, segurança ao investidor, consequentemente também, uma vantagem.

3.2.9 Desconsideração da personalidade jurídica

Em relação a desconsideração da personalidade jurídica, conhecida no âmbito teórico há décadas, e que não tinha previsão legislativa no Brasil, até ser incorporada ao Direito do Consumidor, o qual adotou a chamada teoria menor da desconsideração, tendo em vista a própria natureza da relação de consumo. Coelho (2022), define teoria menor como a instabilidade no princípio da autonomia patrimonial em relação às sociedades empresárias. Essa teoria se baseia na ideia de que quando a sociedade empresária não atende às obrigações de crédito que estão registradas em seu nome devido à insolvência ou falência da mesma, ela propõe que se o sócio da sociedade estiver solvente, isso seria suficiente para responsabilizá-lo por tais obrigações da sociedade.

Com passagens pelo Direito Ambiental e uma aplicação no mínimo contestável no Direito do Trabalho, a teoria alcançou o Código Civil, que em seu art. 50 do Código Civil dispôs:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. (BRASIL,2002)

Como confusão patrimonial e desvio de finalidade, bem como a própria ideia de abuso de personalidade, todos são conceitos jurídicos indeterminados, a insegurança passa a ser uma constante na estipulação dos parâmetros da desconsideração da personalidade jurídica, em especial em sede das sociedades limitadas, que mesmo híbridas seguem sendo vistas muito mais como sociedades de pessoas do que como sociedades de capital, uma desvantagem aos negócios.

Este risco de desconsideração é fator de retração de investimento, tendo em vista a possibilidade de, em caso de insucesso do empreendimento, o empreendedor ver atingido mais patrimônio do que visava a arriscar no negócio.

Deste modo, nota-se que a separação patrimonial, nas sociedades anônimas, é mais evidente, fato este que torna viável a transformação, trazendo mais segurança em investimentos, sendo assim, a opção mais vantajosa.

3.2.10 Segurança jurídica

A legislação que rege as Sociedades Anônimas é a Lei nº 6.404/1976, a qual está em vigor há mais de quarenta anos. No entanto, é importante ressaltar que ao longo dos anos, a legislação passou por várias atualizações, o que pode certamente tornar seu estudo mais desafiador. Ela passou por sua última reforma mais significativa em 2001, por meio da Lei nº 10.303. Como resultado, os litígios típicos relacionados a esse tipo de sociedade costumam ter jurisprudência consolidada, proporcionando maior previsibilidade ao determinar cláusulas contratuais.

No caso das sociedades limitadas, a regulamentação é estabelecida pela Lei nº 10.406/2002, que é mais recente e ainda não possui um histórico substancial de decisões judiciais para permitir uma previsão mais precisa. Questões como a retirada de sócios, por exemplo, ainda não foram amplamente abordadas pelos tribunais, o que torna a negociação menos segura. O mesmo se aplica a outras questões, como prazos para o pagamento de haveres.

Portanto, devido à maior previsibilidade que oferecem durante a estruturação de suas operações, as Sociedades Anônimas são mais recomendadas para empreendimentos de grande porte que envolvam montantes significativos, (CAMPINHO,2022).

3.2.11 Atração de investimento

A análise comparativa dos fatores discutidos anteriormente, em relação às normas das sociedades limitadas em contraste com as normas das sociedades por ações, deixou claro que a forma limitada é mais adequada e vantajosa para empresas que não buscam uma maior abertura, não têm ambições significativas de expansão, modernização da gestão ou atração de investidores externos.

As sociedades limitadas, além de não terem a capacidade de captar recursos nos mercados organizados, são percebidas como arriscadas para investidores devido à regulamentação voltada para sociedades pessoais, aos quóruns deliberativos exigentes, à menor proteção oferecida aos acionistas minoritários e ao direito de retirada sem justa causa.

Sendo assim, para uma estrutura empresarial voltada para o crescimento e com a intenção de atrair investidores externos para financiar sua expansão, a Sociedade Anônima se configura como a escolha ideal.

3.2.12 Sociedade limitada como sociedade embrionária

A significante vantagem de gestão simplificada das sociedades limitadas, em relação às sociedades anônimas, no que se refere especificamente aos aspectos burocráticos iniciais, bem como a própria questão de custos operacionais diretamente atrelada a esta menor complexidade, é recorrente o uso do tipo societário das limitadas para dar início ao empreendimento que, se alcançar o sucesso esperado, será transformado em sociedade anônima para permitir maior expansão.

Rubens Requião faz menção a está prática:

Pode-se, como é comum, constituir uma sociedade ‘piloto’ sob a forma de sociedade limitada, como primeira etapa, que, depois de montada em toda a sua estrutura legal, é transformada em sociedade anônima, fechada ou aberta. Muitos consideram – e em certos casos assim é – mais fácil e conveniente criar-se uma companhia, através de duas etapas, usando-se o mecanismo da transformação […] (REQUIÃO,1998, p.268)

O procedimento traz vantagens reais no que se refere a praticidade, mas também demanda certas cautelas, como por exemplo a previsão da própria transformação em sede de contrato social. Portanto, se seu contrato social prever uma possível transformação, iniciar como uma empresa LTDA é uma vantagem.

3.2.13 Companhia aberta versus companhia fechada

Passo decisivo na opção pela transformação de sociedade limitada em sociedade anônima é a opção pelo modelo que melhor corresponda com as expectativas dos participantes da sociedade.

Em comparação, tem-se que as sociedades limitadas são de gestão mais simples do que a das sociedades anônimas e, dentre estas, as anônimas de capital fechado são menos complexas do que aquelas de capital aberto.

O critério distintivo entre companhias abertas e companhias fechadas está apontado no art. 4º da Lei das Sociedades por Ações e se baseia na ofertabilidade das ações no mercado de valores mobiliários: se passíveis de oferta ao mercado, a companhia é aberta; se não, fechada.

Neste sentido, justifica-se, a maior complexidade das companhias abertas justamente porque nelas há acesso à poupança pública na busca de subscritores para as ações, bem como acesso aos mercados secundários, como a Bolsa de Valores, exigindo-se maior resguardo por parte dos órgãos reguladores, posto que os impactos de fraudes ou gestões equivocadas acabam afetando não só um normalmente pequeno grupo de sócios, como nas fechadas, mas uma globalidade de investidores.

Por esta razão, as companhias abertas devem obrigatoriamente registrar-se na CVM, que também faz outras sérias exigências, podendo aplicar sanções disciplinares em caso de descumprimento, como multa por atraso na entrega de balanços.

Portanto, ao se pretender a transformação da sociedade limitada em sociedade anônima é fundamental ter consciência dos impactos que a adoção da forma aberta ou fechada terá na gestão do empreendimento.

A necessidade de atenção se amplia quando se tem em vista os rigores legais para um posterior fechamento do capital, apontados no § 4º do art. 4º da LSA, que exige a recompra das ações postas no mercado, bem como o cumprimento de outras tantas exigências, conforme instruções normativas da Comissão de Valores Mobiliários.

Neste sentido, a modalidade de Sociedade Anônima permite uma atuação no mercado mais voltada à captação de recursos, em relação à Sociedade Limitada, existindo nas modalidades aberta e fechada.

Em sua forma fechada, é ideal para empreendimentos que pretendem abertura para investimentos especificamente escolhidos, tendo em vista que não pode lançar valores mobiliários para o público em geral.

A forma aberta, que exige registro e será submetida a fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) permite uma captação por emissão pública de valores mobiliários, além de, obedecidos os devidos trâmites, poder promover IPO e passar a atuar no mercado de bolsa, o que representa a forma mais expressiva de capitalização disponível no mercado, (BORBA,2020).

É perfeitamente possível começar a operar como companhia fechada e, posteriormente, considerada uma escala crescente e um anseio de expansão ainda maior, converter-se em companhia aberta. A decisão, no entanto, exige cautela, porque o fechamento de capital é procedimento complexo, que demanda a aquisição das ações em circulação no mercado, (NEGRÃO, 2023).

Importante tecer comentários acerca da abertura de Startups, tema em voga há algum tempo, contudo, ainda em desenvolvimento e com muitos assuntos ainda em debate. Fato é que para criação de uma Startup, o mais comum seria adequá-la como Sociedade Limitada ou Anônima, (REIS, 2022).

Ainda, é necessário esclarecer que, no caso das Fintech (é um termo oriundo da abreviação das palavras financial technology, que, em simples tradução, poderia ser descrito como tecnologia financeira), por se tratarem de empresas que possivelmente necessitarão de regulamentação do Banco Central, em grande parte, deverão ser constituídas como Sociedades Anônimas.

Assim, como descrito no capítulo anterior, as Sociedades Anônimas possuem maior previsibilidade acerca de sua constituição, com menos debates jurídicos, uma vez que estão sedimentadas no direito brasileiro. Pelos motivos apontados, as S/A são mais vantajosas por serem operáveis para a maioria das empresas e investimentos.

4.       CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste estudo, foi possível analisar a dinâmica das sociedades de responsabilidade limitada e sociedades anônimas, considerando suas estruturas, vantagens e desvantagens e as possibilidades legais de transformação de um modelo societário para outro. Inicialmente, a flexibilidade oferecida pela responsabilidade limitada parecia ser a escolha ideal para empresas de menor porte, eliminando a necessidade de uma complexa estruturação societária comparada às sociedades anônimas, destinadas a investimentos mais robustos.

No entanto, com as mudanças introduzidas pelo Código Civil de 2002, as sociedades de responsabilidade limitada tornaram-se mais complexas e perderam parte de sua simplicidade original. A exposição do patrimônio pessoal dos sócios, devido à crescente aplicação da desconsideração da personalidade jurídica pelos tribunais, juntamente com as responsabilidades fiscais em situações específicas, ressaltou a necessidade de reavaliar as vantagens da estruturação societária.

É inegável que as sociedades anônimas oferecem uma proteção especial, sendo adequadas tanto para empresas pequenas quanto para grandes corporações. Elas são altamente adaptáveis aos novos modelos de negócios, como Startups e Fintechs, proporcionando uma proteção mais robusta para os empresários, especialmente considerando o sistema regulatório desenvolvido para proteger investidores de grande porte. Esta proteção é essencial para promover a participação pública no mercado financeiro, estimulando a aquisição de ações e outros títulos emitidos por empresas, contribuindo para o desenvolvimento econômico do país.

Portanto, conclui-se que a transformação das sociedades de responsabilidade limitada em sociedades anônimas, é viável e representa a abordagem mais adequada para a formação de empresas nos dias atuais. Independentemente do tamanho dos investimentos, essa mudança oferece uma proteção patrimonial mais sólida, mantendo uma estrutura de formação, alterações e administração que, embora semelhante à das sociedades de responsabilidade limitada, proporciona uma segurança essencial para os empresários e investidores. Em um cenário cada vez mais complexo e competitivo, essa proteção é crucial para garantir a estabilidade e o crescimento sustentável das empresas, contribuindo assim para o desenvolvimento econômico e social do país.

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[1]Acadêmica do Curso de Direito da Faculdade Educacional de Medianeira – UDC Medianeira.

[2] Doutor em Desenvolvimento Sustentável. Mestre em Direito. Professor do Curso de Direito da Faculdade Educacional de Medianeira – UDC Medianeira.

[3] Doutora em Desenvolvimento Sustentável. Mestre em Direito. Professora do Curso de Direito da Faculdade Educacional de Medianeira – UDC Medianeira.