SENTENÇA ATO JURISDICIONAL POR EXCELÊNCIA E SEUS ELEMENTOS

SENTENÇA ATO JURISDICIONAL POR EXCELÊNCIA E SEUS ELEMENTOS

23 de junho de 2025 Off Por Cognitio Juris

JUDGMENT: A EXCELLENCE JURISDICTIONAL ACT AND ITS ELEMENTS

Artigo submetido em 24 de maio de 2025
Artigo aprovado em 30 de maio de 2025
Artigo publicado em 23 de junho de 2025

Cognitio Juris
Volume 15 – Número 58 – 2025
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Danielle Rodrigues Felix[1]
Fernando Henrique Dutra[2]

Resumo: O presente estudo investiga a sentença como ato processual que encerra a fase de conhecimento. A pesquisa detalha os componentes intrínsecos da decisão judicial, como relatório, fundamentação e dispositivo, cruciais para a validade e eficácia do ato processual final. Objetiva-se analisar a estrutura da sentença judicial, examinando seus elementos constitutivos à luz do Código de Processo Civil, da doutrina contemporânea e da jurisprudência mineira, sob uma perspectiva descritiva e analítica. A metodologia utilizada envolve a revisão bibliográfica e a análise jurisprudencial, de caráter exploratória e descritiva cujas informações são exibidas de maneira qualitativa. Espera-se que esta pesquisa contribua para a compreensão dos elementos essenciais da sentença, cujos resultados atuam auxiliando estudantes e profissionais do direito em sua elaboração e entendimento, além de fomentar estudos sobre os desafios e controvérsias relacionados a este pronunciamento judicial.

Palavras-chave: sentença; elementos; relatório; fundamentação; dispositivo.

Abstract: The present study investigates the judgment as a procedural act that concludes the cognitive phase. The research details the intrinsic components of the judicial decision, such as the report, the reasoning, and the operative part, which are crucial for the validity and effectiveness of the final procedural act. It aims to analyze the structure of the judicial judgment, examining its constitutive elements in light of the Code of Civil Procedure, contemporary doctrine, and the jurisprudence of Minas Gerais, from a descriptive and analytical perspective. The methodology used involves a bibliographic review and jurisprudential analysis, of an exploratory and descriptive nature, whose information is displayed in a qualitative manner. It is expected that this research will contribute to the understanding of the essential elements of the judgment, whose results assist law students and professionals in its drafting and understanding, in addition to fostering studies on the challenges and controversies related to this judicial pronouncement.

Keywords: judgment; elements; report; grounds; veredict.

Introdução

Costumeiramente, a jurisdição é exercida preponderantemente pelo Poder Judiciário e, no âmbito da fase de conhecimento, se dá com o pronunciamento judicial, mais especificamente, pela sentença. A sentença judicial é um dos pronunciamentos judiciais que, nos moldes do artigo 203 do Código de Processo Civil (CPC), põe fim à fase cognitiva do procedimento comum (com fundamentos nos artigos 485 ou 487 do CPC), bem como extingue a execução.

Todavia, a divulgação do veredito – por intermédio de uma sentença, deve se dar com base no preenchimento dos requisitos formais para que a sentença seja considerada formalmente válida.

O atual Código de Processo Civil (CPC), Lei n°. 13.105, de 16 de março de 2015, destina um capítulo exclusivo à sentença no qual são expostas as disposições gerais, os elementos e os efeitos da sentença.

A sentença, em uma demanda que envolva a crise de conhecimento do procedimento comum, é o instrumento jurídico que que põe fim à lide com ou sem resolução do mérito.

Nesse viés, o presente artigo discorre sobre os elementos da sentença a fim de servir como material de consulta para estudos e fomentar as pesquisas sobre o tema.

No transcurso do texto, tem-se a destinação de seções específica para o relatório, a fundamentação e o dispositivo.

O estudo fundamenta-se na legislação processual civil brasileira, notadamente o Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) e a Constituição Federal de 1988, em relação aos princípios da inafastabilidade da jurisdição e do devido processo legal.

A pesquisa se apoia na doutrina de autores renomados do direito processual civil, como Fredie Didier Jr., Pablo Stolze Gagliano, Elpídio Donizetti e Haroldo Lourenço. Suas obras oferecem a base conceitual para entender a natureza jurídica, a estrutura e os requisitos da sentença judicial.

A análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) também integra o referencial teórico. Ela ilustra a aplicação prática das leis e os entendimentos sobre os elementos essenciais da sentença.

A metodologia empregada é exploratória (fornece uma visão geral e inicial do tema, e, a partir daí o tema é explorado descritivamente) e descritiva (descreve as caracteríscas e os elementos essenciais da sentença como pronunciamento judicial), com abordagem qualitativa, posto que se concentra na interpretação e compreensão dos fenômenos jurídicos relacionados à sentença.

Inicialmente, realiza-se um levantamento bibliográfico de livros, artigos e legislação sobre a sentença judicial e seus componentes.

Posteriormente, analisa-se documentalmente decisões do TJMG relevantes para a discussão dos requisitos formais da sentença, como relatório e fundamentação.

A interpretação dos julgados busca identificar padrões decisórios e a aplicação das normas processuais, unindo teoria e prática.

Como justificativa, mostra-se fundamental o estudo da sentença e sua estrutura para a compreensão do Direito Processual Civil, em especial como mecanismo de prestação da função jurisdicional, contribuindo, a um só tempo, para o ensino, aprendiza e divulgação do tema.

Ademais, a pesquisa justifica-se pela sua relevância para a prática jurídica, auxiliando profissionais do direito na elaboração de sentenças que observem os requisitos legais e jurisprudenciais, evitando nulidades e contribuindo para a efetividade da prestação jurisdicional.

A clareza na exposição dos elementos da sentença promove um melhor entendimento do ato processual, essencial para a segurança jurídica e para a confiança da sociedade no sistema judicial.

Ao fim, na conclusão, é realizada uma síntese do exposto, destacando os principais pontos das seções, convergindo para a elaboração de um texto capaz de servir como material de consulta para os interessados na temática e fomentar estudos sobre o assunto.

1 A SENTENÇA COMO ATO PROCESSUAL RESULTANTE DA INDECLINABILIDADE DA JURISDIÇÃO

A diversidade de valores e interesses, característica que se mostra fundamental às sociedades pluralistas, é fato gerador de conflitos entre as pessoas que as integram.

Em síntese, a existência de pensamentos, comportamentos e ações divergentes, aliada à busca de interesses particulares, acarretam litígios que demandam a atuação do estado como pacificador social.

Nesse viés, ao Estado compete o papel de assegurar a harmonia social, exercendo, assim, a função jurisdicional – substituindo a vontade das partes e colocando fim à celeuma.

Ao Poder Judiciário é atribuída a função típica da jurisdição. 

O ato de dizer o direito ou aplicação da lei ao caso concreto, dá-se pelo judiciário que se manifesta, dentre outros pronunciamentos judiciais, pela prolação da sentença.

Essa função típica do Poder Judicial encontra-se prevista tanto na Constituição quanto no Código de Processo Civil a partir do Princípio da Inafastabilidade do Judiciário, que advém dos seguintes dispositivos:

Constituição Federal. Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; (BRASIL, 1988)

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.

§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. (BRASIL, 2015)

Consequentemente, a atuação do Poder Judiciário consiste precipuamente na prestação jurisdicional a fim de apreciar eventuais ameaças ou lesões a direito.

Não obstante a atuação do judiciário, a própria legislação e o texto constitucional incentivam a solução de conflitos de forma consensual entre as partes, dentre os quais se destacam a conciliação e a mediação previstas no artigo 165 do Código de Processo Civil.

Sobre esse princípio, LOURENÇO (2021, p. 46), referenciando outros autores e destacando o tema, esclarece que a:

[…] efetividade, até bem pouco tempo, não encontrava, sequer, previsão expressa em nosso ordenamento. Processo efetivo é o que realize o direito material. Tal visão sempre foi reforçada pela interpretação que se faz do art. 5º, XXXV, da CR/1988 (art. 3º do CPC/2015), do qual se retira a inafastabilidade da tutela jurisdicional, buscando uma visão no sentido material, abandonando-se a análise formal, como o direito de ir ao Judiciário. Tem-se, a rigor, como se alternam renomadas doutrinas, uma garantia de acesso a uma ordem jurídica justa (WATANABE, 1988. p. 128-135) ou de acesso à justiça (CAPPELLETTI; GARTH, 1998) (CARNEIRO, 2007).

Não se basta que o magistrado profira um pronunciamento que contenha o nome forma de sentença para que ela seja legítima, é preciso ainda que ela seja proferida nos termos expostos no artigo 489 do CPC, pois, do contrário a sentença poderá ser considerada viciada e tornada nula em sede recursal.

A Constituição Federal e o Código de Processo Civil estabelecem requisitos para a validade e eficácia da atuação jurisdicional.

Entre os atos do magistrado, a sentença se destaca por encerrar a fase de conhecimento e solucionar o litígio.

No entanto, a mera existência de uma decisão chamada sentença não garante sua legitimidade.

A validade da sentença depende da observância dos elementos essenciais do artigo 489 do CPC: relatório, fundamentação e dispositivo, visando uma decisão lógica e transparente. A ausência ou deficiência desses elementos pode levar à nulidade da sentença, conforme a jurisprudência.

Assim, visando a análise e exposição do tema, as seções seguintes são voltadas à exposição dos elementos essenciais de uma sentença judicial nos termos do artigo 489 do CPC, fornecendo, por consequência, um cenário da forma pela qual a sentença deve ser estrutura, de seu conteúdo e dos elementos que a integram.

2 DO RELATÓRIO

O primeiro dos elementos essenciais previsto no artigo 489 do Código de Processo Civil é: o relatório. Nesse ponto, deverá conter o nome das partes, a identificação do caso, uma síntese do pedido, a síntese da contestação e as principais ocorrências havida no processo.

Assim dispõe a legislação:

Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

I. o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com assuma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo. (BRASIL, 2015).

Portanto, sentença, seja qual for, deverá conter no mínimo os itens mencionados. A indicação desses pontos é essencial para que a sentença seja isenta de vícios.

Para além do caráter formal, o relatório possui algumas funções (de acordo com a doutrina), sendo elas: apresentar um histórico do caso, relatar as questões que serão apreciadas e servir como “prestação de contas” do magistrado à sociedade quanto ao conhecimento dos fatos havidos nos autos.

Sobre o tema e as funções do relatório, tem se que:

[…]o órgão jurisdicional expõe o caso sob julgamento, indicando as questões que serão apreciadas – relata, pois –, para, em seguida, analisar, na fundamentação, as mencionadas questões – identificando, com isso, a norma geral a ser aplicada no caso concreto – e, ao final, estabelecer a norma individualizada do caso concreto […]Uma das funções externas do relatório consiste no atendimento a uma necessidade de ordem política, já que é por meio dele e da fundamentação que o magistrado demonstra, não só às partes e a outros eventuais interessados no processo, mas à sociedade de um modo geral, que está exercitando, de modo responsável, o poder de que foi constitucionalmente investido. (GAGLIANO; VIANA, 2019, p.262)

Nota-se, portanto, que o relatório não se resume a relatar as etapas procedimentais ocorridas em uma demanda processual.

O relatório serve também como mecanismo de publicidade e transparência da decisão judicial tanto aos envolvidos diretamente no litígio, quanto aos não envolvidos.

As funções do relatório, aliadas aos demais elementos essenciais da sentença, atuam a assegurar a legitimidade da decisão.

Embora o artigo 489 do Código de Processo Civil indique que o relatório seja caracterizado como elemento essencial da sentença, existem hipóteses em que ele poderá ser dispensado (desde que haja previsão legal nesse sentido).

A Lei 9.099/99, que trata dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, traz um exemplo dessa dispensa. O caput do artigo 38 dessa lei dispõe que “A sentença mencionará os elementos de convicção do Juiz, com breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência, dispensado o relatório.”.

Desse modo, conclui-se que a regra é a existência do relatório na sentença, contudo, excepcionalmente, pode haver a dispensa desse elemento.

A essencialidade do relatório se faz presente na possibilidade de haver a cassação de sentença quando esse elemento for negligenciado.

Nesse sentido a própria jurisprudência é pacífica a reconhecer a nulidade da sentença pela ausência de observância aos elementos essenciais previstos no artigo 489 do CPC, como se vê da seguinte decisão:


EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. SENTENÇA SEM FUNDAMENTAÇÃO. AUSÊNCIA DE RELATÓRIO. NULIDADE RECONHECIDA DE OFÍCIO.
[…] 2. A questão em discussão consiste em verificar a validade da sentença, diante da ausência de fundamentação adequada e de elementos essenciais, como o relatório, conforme exigido pelo ordenamento jurídico. III.RAZÕES DE DECIDIR
[…]5. A ausência de relatório, elemento essencial da sentença, prejudica a análise da controvérsia e viola os requisitos legais previstos no art. 489 do CPC, comprometendo a validade do ato decisório. 6. Precedentes do TJMG reforçam a nulidade de decisões desprovidas de fundamentação suficiente e relatório essencial. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Sentença cassada. Determinado o retorno dos autos à instância de origem para a prolação de nova decisão, devidamente fundamentada e em conformidade com os requisitos legais. Tese de julgamento: 8. A sentença judicial deve conter fundamentação concreta e adequada, além dos elementos essenciais previstos no art. 489 do CPC, sob pena de nulidade. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 93, IX; CPC/2015, arts. 11, 489, § 1º, I.
Jurisprudência relevante citada: TJMG, Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.21.146067-0/001, Rel. Des. Ramom Tácio, julgamento em 15/12/2021; TJMG, Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.21.161796-4/001, Rel. Des. Evangelina Castilho Duarte, julg amento em 02/12/2021.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0000.24.388124-0/001, Relator(a): Des.(a) Maria Cristina Cunha Carvalhais , 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 11/02/2025, publicação da súmula em 21/02/2025)

O relatório é um elemento da sentença no qual não se tem o cunho decisório, mas sim uma essência narrativa e descritiva. Ademais, na redação do relatório o magistrado, aparentemente em razão da ausência de previsão legal, mostra-se livre para redigí-lo seja de maneira cronológico ou lógica.

Portanto, verifica-se que o relatório possui o papel de auferir legitimidade às sentenças judiciais, posto que sua função extrapola a mera descrição dos episódios procedimentais e serve como mecanismo de publicidade e transparência da decisão.

O artigo 489, inciso I, do CPC impõe que o relatório da sentença contenha informações essenciais para que se possa entender o litígio.

Identificar as partes, resumir pedido e defesa, e registrar eventos processuais estabelecem o contexto fático e jurídico. Essa exigência legal visa vincular a decisão aos fatos relevantes.

A doutrina moderna vê o relatório além de um resumo formal.

O relatório, basicamente, apresenta o histórico da disputa, delimita as questões a serem analisadas e serve como uma “prestação de contas” do juiz à sociedade. Essa visão realça a transparência e legitimação da decisão, facilitando a compreensão do processo.

A ausência do relatório, quando não houver dispensa legal, poderá ensejar repercussões processuais que prejudicam as partes, a ponto de ensejar até a nulidade da sentença como sedimentado jurisprudencialmente.

Para além do relatório, existem os fundamentos e o dispositivos que integram o conjunto de elementos essenciais da sentença e que serão tratados nos tópicos seguintes.

3 DOS FUNDAMENTOS

Após o relatório, a fundamentação é o próximo dos elementos essenciais previsto no artigo 489 do Código de Processo Civil. É nos fundamentos que o julgador deverá, como o próprio nome sugere, fundamentar a decisão analisando os fatos da lide posta em apreciação e o direito aplicável ao caso.

Literalmente, a legislação assim prevê:

Art. 489. São elementos essenciais da sentença: […]

I. o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas do andamento do processo;

II. os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; […] (BRASIL, 2015).

A sentença, assim, conterá, além de um tópico destinado ao relatório, com uma sessão relativa à exposição das razões que formaram o convencimento do julgador.

Acerca da exposição dos fundamentos que:

A fundamentação é enraizada no princípio do livre convencimento motivado e pressuposto do devido processo multinormativo (constitucional, legal e internacional), devendo o magistrado exteriorizar os fundamentos de fato e de direito que dão suporte à decisão, com a indicação dos artigos legais e princípios elencados, legitimando, assim, a própria sentença proferida. (NETO e RODRIGUES, 2016, p.43). 

É nesta parte da sentença (fundamentação) que as partes e interessados no julgamento do feito conseguem ter acesso aos motivos que levaram o magistrado a decidir de um ou outro modo.

Em síntese, é pela fundamentação que o juiz irá expor o raciocínio jurídico que o fez proferir determinado veredito, aplicando a legislação e demais normas jurídicas ao caso posto sob sua apreciação.

A fim de auxiliar tanto as partes, quanto o prolator da sentença, o parágrafo primeiro do artigo 489 lista uma série de hipóteses em que a sentença não será considerada fundamentada.

Nesse sentido, a sentença não será considerada fundamentada quando se limita a reproduzir normas sem explicar sua aplicação ao caso concreto, usa conceitos jurídicos vagos sem justificativa, apresenta motivos genéricos que não se conectam à decisão específica, ignora argumentos relevantes das partes, apenas invoca precedentes ou súmulas sem confrontar com os fatos da demanda, ou deixa de aplicar entendimentos consolidados sem justificar a distinção ou superação e, respectivamente, sua não aplicação ao caso concreto.

Tal como no relatório, a ausência de fundamentação poderá ensejar a nulidade da sentença, como se vê da seguinte decisão do tribunal mineiro:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – PRELIMINAR INSTALADA DE OFÍCIO – NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – SENTENÇA GENÉRICA – AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DOS MARCOS TEMPORAIS – NECESSIDADE – ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – SENTENÇA CASSADA.
– O dever de fundamentação das decisões encontra-se inscrito no art. 93, IX, da CR/1988, e, no âmbito infraconstitucional, no art. 489 do Código de Processo Civil, que expressamente enuncia as hipóteses em que não se considera fundamentada a decisão.
– O magistrado, ao reconhecer a prescrição intercorrente, deverá fundamentar o ato judicial por meio da delimitação dos marcos temporais que foram observados na contagem do respectivo prazo, inclusive quanto ao período em que a execução ficou suspensa. Entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
– Preliminar de nulidade da sentença por ausência de fundamentação instalada de ofício.
– Sentença cassada. Recurso prejudicado.  (TJMG –  Apelação Cível  1.0000.24.462665-1/001, Relator(a): Des.(a) Mariangela Meyer , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 17/12/2024, publicação da súmula em 13/01/2025)

A decisão supratranscrita nada mais é do que um exemplo de decisão na qual observa a disposição do artigo 93, IX da Constituição Federal na qual prevê que todas as decisões dos órgãos do Poder Judiciário devem (em regra) ser públicas e fundamentadas, sob pena de serem nulas.

Embora seja somente um tópico da sentença, a fundamentação possibilita que as partes tenham ciências das razões que conduziram o julgador a decidir de determinada maneira.

 Não se trata, portanto, de um mero formalismo, mas sim de um instrumento de controle das decisões e publicidade dos atos judiciais, garantindo a transparência e a publicidade das decisões do judiciário, e, sua ausência poderá acarretar na nulidade da sentença.

Após o relatório e a fundamentação, o dispositivo surge como o terceiro e último elemento essencial da sentença, matéria a ser explorada no tópico seguinte.

4 DO DISPOSITIVO

O terceiro dos elementos essenciais da sentença é o dispositivo. É no dispositivo da sentença em, nos termos do artigo 489, III do Código de Processo Civil que “[…] o juiz resolverá as questões principais que as partes lhe submeterem. ”.

Como nos demais elementos da sentença, o relatório também não se trata de mera formalidade, mas sim possui função específica e relevante a assegurar a legitimidade da decisão proferida.

Sobre a função e conceito do dispositivo a doutrina assim expõe:

Por meio do dispositivo o julgador fixa a norma individualizada que regerá a relação entre os sujeitos parciais do processo. O dispositivo é, assim, “a parte da decisão em que o órgão jurisdicional estabelece um preceito normativo, concluindo a análise acerca de um (ou mais de um) pedido que lhe fora dirigido” (GAGLIANO e VIANA, 2019, p.539)

Assim, infere-se que o dispositivo é uma parte integrante da sentença na qual o julgador irá apresentar o veredito acerca dos pedidos formulados pelas partes.

Em resumo, a sentença contém o relatório (narrativa e descrição dos principais feitos do processo), a fundamentação (texto dissertativo no qual o julgador expõe as razões que o levaram a decidir de uma ou outra maneira) e o dispositivo que consiste, basicamente, na ordem judicial quanto ao pedido formulado.

Assim como a fundamentação e diversamente do relatório, o dispositivo não é um elemento dispensável em uma sentença. É ainda no dispositivo que o julgador irá expor se o pleito será procedente, parcialmente procedente ou improcedente.

Além disso, é no dispositivo que se tem ao esclarecimento se o feito foi resolvido com resolução do mérito nos termos do artigo 487 do CPC o juiz, nos termos do artigo 490 do CPC, “[…] resolverá o mérito acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, os pedidos formulados pelas partes”, ou sem resolução do mérito nos termos do artigo 485 do CPC.

No livro Redigindo a Sentença Cível, o autor apresenta o seguinte exemplo de dispositivo:

Ante o exposto, acolho o pedido pleiteado pelo autor, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC, para condenar o réu ao pagamento de R$ 5.000,00 a título de danos materiais, com juros legais de 1% a partir da citação e correção monetária a partir da data do efetivo prejuízo, nos termos da Súmula 43 do STJ. Custas e honorários pelo réu, os últimos arbitrados em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC. (DONIZETTI (2017, p.118)

Embora seja típico do relatório a descrição informativa dos atos processuais, a partir do dispositivo também é possível extrair diversas informações do processo.

De início, infere-se que a causa de pedir (fatos e fundamentos jurídicos do pedido) envolve prejuízos de ordem material sofridos pela autora por ato praticado pela requerida. Dita conclusão advém da condenação do réu ao pagamento de valores a título de danos materiais.

Pelo dispositivo ainda, nota-se que a parte autora formulou tão somente o pedido de indenização por danos materiais, pois, do contrário o julgador deveria indicar que o pedido pleiteado fora acolhido parcialmente.

Além disso, nota-se que as custas e honorários foram integralmente suportados pelo réu, não sendo, portanto, caso de sucumbência recíproca.

Caso a autora tivesse formulado outro pedido e o julgador não o apreciasse, ter-se-ia uma hipótese de sentença omissa que poderia ser alvo de embargos de declaração.

É cabível os embargos de declaração (espécie de recurso) contra decisão judicial para, conforme o artigo 1.022, II do CPC, “[…] suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento.”.

Desse modo, o dispositivo possui diversas funções e mostra-se relevante para a adequada legitimação da sentença. É no dispositivo que o litígio é solucionado com a exposição do veredito do julgador, definindo ainda as obrigações das partes e direitos reconhecidos do transcurso do processo.

Para além da função decisória, ainda que de maneira implícita, o dispositivo também possui cunho informativo a partir do qual é possível depreender a natureza da causa de pedir, os limites do pedido, a responsabilidade pelo ônus sucumbencial e a maneira pela qual o mérito foi resolvido.

Em síntese, o dispositivo é um elemento essencial da sentença por ser o meio em que o direito é materializado, que se tem o desfecho da demanda e que as demais informações relevantes do processo são expostas, garantindo, assim, a legitimidade ao pronunciamento judicial proferido

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo do conteúdo do texto, da legislação aplicável e da jurisprudência exposta, nota-se que ao Poder Judiciário compete, como função típica, exercer a jurisdição. Nesse viés, a sentença emerge como um dos principais pronunciamentos judiciais. Pela sentença, tem-se o encerramento da fase cognitiva de um procedimento comum. Contudo, para que a sentença seja formalmente válida, é necessário que ela seja proferida em consonância com os requisitos formais estabelecidos em lei.

Esses requisitos estão dispostos no Capítulo XIII, seção II da Lei n°. 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). Segundo o artigo 489 do CPC, o relatório, os fundamentos e o dispositivo são os elementos essenciais da sentença.

O relatório além de ser um elemento essencial da sentença, tem a função primordial de atuar como um histórico do caso. No relatório, em regra, encontram-se os nomes das partes, a identificação da ação, o resumo do pedido e da contestação, além dos principais marcos processuais.

Ademais da função primordial, o relatório serve também como um meio de prestação de contas à sociedade, assegurando, ainda, a transparência e legitimidade da sentença.

Embora, a priori, o relatório seja considerado um elemento obrigatório, em hipóteses legalmente previstas poderá ser dispensado.

Como exemplo de dispensa do relatório, destacou-se a previsão expressa da Lei 9.099/99 que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências.

Concluiu-se também que a ausência do relatório, nos casos em que exigida sua obrigatoriedade, podem acarretar na nulidade da sentença – conforme sedimentado jurisprudencialmente.

 Além do relatório, a fundamentação é outro dos elementos essenciais da Sentença. Na fundamentação, compete ao juiz analisar as questões de fato e de direito, bem como expor as razões que o levaram a proferir determinado veredito.

É na Fundamentação que o julgador expressa o raciocínio jurídico, elucidando o caso e aplicando a lei aos fatos narrados. No artigo 489 do CPC, tem-se o estabelecimento de critérios para que a fundamentação seja considerada válida, além de indicar as hipóteses em que a sentença não será considerada fundamentada.

A ausência de fundamentação, tal como a ausência do relatório, pode ensejar a nulidade da sentença. A fundamentação é, portanto, um item da sentença que possibilita o controle e a transparência da sentença (não só às partes, mas também à sociedade).

Por fim, destacou-se que a necessidade de fundamentação nas decisões judiciais encontra também seu fundamento de validade diretamente na Constituição Federal, especificamente no artigo 93, inciso IX.

O terceiro elemento essencial da sentença mencionado foi o Dispositivo. No tópico do dispositivo, são resolvidas (pelo juízo) as principais questões que a ele foram submetidas pela parte.

O dispositivo tem como função principal a apresentação da ordem judicial sobre o pedido formulado, concretizando-se em um veredito no qual se acolhe (ainda que parcialmente) o pedido ou não – quando houver o julgamento do mérito. Nada obsta, porém, que no dispositivo o feito seja extinto sem resolução do mérito.

Subsidiariamente, o dispositivo possui também caráter informativo, posto que dele é possível extrair informações sobre a natureza da causa, os limites dos pedidos, a forma pela qual o mérito foi resolvido e ainda a responsabilidade pelas custas processuais e honorários sucumbenciais.

Conclui-se, assim, que a sentença é o pronunciamento judicial por excelência no qual a jurisdição se materializa. A validade da sentença, porém, é condicionada à observância dos requisitos legais e da adequada estrutura formal na qual é composta pelo relatório, pela fundamentação e pelo dispositivo.

Cada qual dos elementos essenciais da sentença possuem suas funções principais e secundárias, que, se observadas, asseguram a legitimidade da decisão, bem como dão publicidade e transparência ao ato judicial. Ao fim, infere-se que a sentença materializa o papel principal do judiciário e assegura a legitimidade da atuação judicial perante às partes e à sociedade.

Referências

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LOURENÇO, Haroldo. Processo Civil Sistematizado. Rio de Janeiro: Método, 2021. 6. ed. (E-book). p. 46. ISBN 9786559640133. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786559640133/. Acesso em: 02 mar. 2025.

RIBEIRO, Marcelo. Processo Civil. Rio de Janeiro: Método, 2023. 3. ed. (E-book). p. 246. ISBN 9786559646166. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786559646166/. Acesso em: 28 fev. 2025.

TJMG. Apelação Cível nº 1.0701.14.022163-4/001, Comarca de Uberaba, Relator: Des. Marcos Lincoln, 11ª Câmara Cível, 01 de julho de 2015. Publicação da Súmula: 10 de julho de 2015.

TJMG. Apelação Cível nº 1.0000.24.388124-0/001, Relatora: Maria Cristina Cunha Carvalhais, 2ª CÂMARA CÍVEL, 11 de fevereiro de 2025. Publicação: 21 de fevereiro de 2025.

TJMG. Apelação Cível nº 1.0000.24.462665-1/001, 10ª Câmara Cível, Relatora Des. Mariangela Meyer, Julgado em 17 de dezembro de 2024, Publicado em 13 de janeiro de 2025. RIBEIRO, Marcelo. Processo Civil. Rio de Janeiro: Método, 2023. 3. ed. (E-book). p. 246. ISBN 9786559646166. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9786559646166/. Acesso em: 28 fev. 2025.


[1] Danielle Rodrigues Félix. Professora Universitária e Coordenadora Do Núcleo de Práticas Jurídicas (Centro de Educação Superior – INHUMAS). Mestranda em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Pós – graduada em Direito Civil e Processual Civil (Instituto Elpídio Donizetti). Bacharela em Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais. danifelixadv@gmail.com

[2] Fernando Henrique Dutra. Professor Universitário (Centro de Educação Superior – INHUMAS). Mestre em Educação – Universidade de Uberaba (UNIUBE). Pós-graduado em Direito e Processo Civil (LEGALE). Bacharel em Direito pela Faculdade de Talentos Humanos (FACTHUS). fhdutra@gmail.com