
A RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DAS PESSOAS JURÍDICAS POR CRIMES AMBIENTAIS NO BRASIL: LIMITES, AVANÇOS E DESAFIOS À LUZ DA LEI Nº. 9.605/1998
18 de junho de 2025THE CRIMINAL LIABILITY OF LEGAL ENTITIES FOR ENVIRONMENTAL CRIMES IN BRAZIL: LIMITS, ADVANCES AND CHALLENGES IN LIGHT OF LAW NO. 9,605/1998
Artigo submetido em 16 de junho de 2025
Artigo aprovado em 18 de junho de 2025
Artigo publicado em 18 de junho de 2025
Cognitio Juris Volume 15 – Número 58 – 2025 ISSN 2236-3009 |
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RESUMO: A responsabilização penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais representa um avanço normativo significativo no Brasil, principalmente com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e pela Lei nº 9.605/1998. No entanto, sua efetividade ainda é limitada por entraves institucionais, morosidade processual e desigualdade entre as partes. Casos emblemáticos como os desastres de Mariana e Brumadinho evidenciam a dificuldade do sistema penal em assegurar respostas céleres e proporcionais à gravidade dos danos socioambientais. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem caminhado com a vertente de admitir a responsabilização autônoma da pessoa jurídica, o que reforça a efetividade e aplicação do direito penal ambiental. Paralelamente, iniciativas legislativas e a intensificação das ações fiscalizatórias apontam para uma tentativa de fortalecimento do arcabouço repressivo. Contudo, a adequada efetivação da busca pela responsabilização penal ambiental exige articulação entre instrumentos legais, atuação institucional integrada e vontade política.
Palavras-chave: Responsabilidade penal ambiental; Pessoa jurídica; Direito penal; Mariana e Brumadinho; Crimes ambientais no Brasil.
ABSTRACT
The criminal liability of legal entities for environmental crimes in Brazil represents a significant normative advancement, especially after the enactment of the 1988 Federal Constitution and Law No. 9.605/1998. However, its effectiveness remains limited due to institutional barriers, procedural delays, and inequality of arms. Landmark cases such as the Mariana and Brumadinho disasters highlight the difficulty of the criminal justice system in ensuring timely and proportional responses to serious socio-environmental damage. The case law of the Superior Court of Justice has evolved to admit the autonomous liability of legal entities, strengthening the applicability of environmental criminal law. At the same time, legislative initiatives and the intensification of inspection actions suggest an attempt to enhance punitive frameworks. Nevertheless, the effective enforcement of environmental criminal liability requires coordination between legal instruments, institutional performance, and political will.
KEYWORDS: Environmental criminal liability; Legal entity; Criminal law; Mariana and Brumadinho; Environmental crimes in Brazil.
1 INTRODUÇÃO
A responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais delimita um dos temas mais controversos e relevantes do Direito Penal contemporâneo, sobretudo em países marcados por intensos conflitos socioambientais como o Brasil.
A Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) representou um marco normativo ao consagrar expressamente a circunstância de imputação penal às pessoas jurídicas por condutas capazes de causar lesão ao meio ambiente, em nítida observância à norma inserta no artigo 225, §3º da Constituição Federal de 1988 (GUEDES; OLIVEIRA, 2024).
Desde então, tanto à doutrina e quanto à jurisprudência têm se dedicado a debater as limitações e as potencialidades dessa responsabilização no contexto brasileiro, precipuamente sob arcabouço normativo do ordenamento jurídico do Brasil (GUEDES; OLIVEIRA, 2024).
O problema deste estudo refere-se à efetividade da responsabilização penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais à luz da Lei nº 9.605/1998. Indaga-se em qual medida a vigente legislação, aliada à atuação institucional do Ministério Público e dos diversos órgãos ambientais, tem sido idônea capacidade de assegurar a responsabilização penal de entes coletivos em casos de danos ecológicos graves, como os desastres de Mariana e Brumadinho (LIMA; DANTAS, 2025).
O objetivo geral deste estudo consiste em analisar os avanços, os limites e os desafios jurídicos e operacionais da responsabilização penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais no Brasil. Os objetivos específicos são: a) compreender o fundamento constitucional e legal da responsabilização penal da pessoa jurídica; b) identificar entraves doutrinários e práticos à sua aplicação; e c) examinar casos paradigmáticos da jurisprudência brasileira.
A relevância jurídica do tema reside na obrigação constitucional de conferir efetividade à tutela penal do meio ambiente, sobretudo diante da ratificação de que os grandes responsáveis por catástrofes ambientais costumam ser entes empresariais com elevado poder econômico e técnico (SIMAS ET AL., 2024).
A responsabilização penal das pessoas jurídicas representa, nesse sentido, uma ferramenta jurídica de reforço à função preventiva e retributiva do Direito Penal Ambiental, bem como uma resposta proporcional à gravidade dos danos causados (SIMAS ET AL., 2024).
Este estudo então se delimita à análise da responsabilização penal das pessoas jurídicas fundada na Lei nº 9.605/1998, sem abarcar de forma aprofundada as sanções de natureza administrativa ou civil. A metodologia adotada é a revisão bibliográfica e documental, com base em doutrinas jurídicas especializadas, artigos científicos publicados em periódicos reconhecidos, decisões jurisprudenciais do STF e STJ, além da legislação pertinente, como a Constituição Federal de 1988, o Código Penal e a própria Lei de Crimes Ambientais (BRASIL, 1988; 1940; 1998).
A presente pesquisa caracteriza-se como qualitativa, de natureza bibliográfica, conforme a classificação proposta por Lakatos e Marconi (2021). Para os referidos autores, a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já publicado, sobretudo em livros, artigos científicos, legislações e jurisprudências, permitindo ao pesquisador examinar os posicionamentos teóricos existentes sobre um determinado problema.
A escolha por essa metodologia se fundamenta na necessidade de explorar, com profundidade, os aspectos doutrinários, legais e jurisprudenciais que envolvem a responsabilização penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais no Brasil. Tal abordagem possibilita a análise crítica de diferentes interpretações jurídicas sobre o tema, permitindo uma compreensão mais ampla dos avanços e limites do ordenamento jurídico nacional diante da proteção penal do meio ambiente.
Foram utilizados como fontes principais livros especializados em Direito Penal e Direito Ambiental, artigos científicos revisados por pares, publicações em periódicos reconhecidos e decisões proferidas pelos tribunais superiores, especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ). A seleção dessas fontes considerou os critérios de atualidade, relevância temática e fundamentação jurídica sólida.
Além disso, realizou-se uma análise documental da legislação vigente, com ênfase na Constituição Federal de 1988, notadamente o artigo 225, §3º, na Lei nº 9.605/1998, que disciplina os crimes ambientais, e em normas complementares, como o Código Penal (decreto-lei nº 2.848/1940) e o Decreto nº 6.514/2008, que dispõe sobre infrações e sanções administrativas ao meio ambiente.
Assim, ao explorar os fundamentos legais, a evolução normativa, os desafios interpretativos e os casos práticos de responsabilização penal empresarial no Brasil, o presente trabalho busca contribuir com a reflexão crítica e propositiva sobre o aperfeiçoamento das políticas públicas e instrumentos jurídicos voltados à proteção do meio ambiente no campo penal.
2 EVOLUÇÃO NORMATIVA DA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL AMBIENTAL NO BRASIL
A responsabilização penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais no Brasil tem como marco a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB), que no bojo de seu artigo 225, §3º, delineou expressamente a possibilidade de imputação penal a entes coletivos por lesão causada ao meio ambiente (BRASIL, 1988).
Essa previsão representou uma ruptura paradigmática com os fundamentos do direito penal clássico, tradicionalmente ancorado na responsabilidade subjetiva, limitada à pessoa física, sob os princípios da culpabilidade individual e da intranscendência da pena (GUEDES; OLIVEIRA, 2024).
A CRFB, ao consagrar o meio ambiente enquanto bem jurídico de natureza difusa e intergeracional, exigiu do Estado um aparato normativo e institucional capaz de garantir sua proteção plena, inclusive por meio da responsabilização criminal de agentes coletivos que, pela complexidade de suas estruturas decisórias, potencializam a degradação ambiental em larga escala (BRASIL, 1988).
A regulamentação dessa diretriz constitucional ocorreu com a entrada em vigor da Lei nº 9.605/1998, a chamada Lei de Crimes Ambientais. Em seu artigo 3º, a norma consagra que tanto pessoas físicas quanto jurídicas poderão ser responsabilizadas penal e administrativamente por infrações ambientais, desde que estas tenham sido cometidas por decisão de seus representantes legais ou contratuais, no interesse ou benefício da entidade (BRASIL, 1998).
Trata-se de uma inovação normativa substancial, pois confere eficácia operativa ao dispositivo constitucional e possibilita que empresas sejam diretamente imputadas como autoras de delitos ambientais. Segundo Freitas (2018), a Lei nº 9.605/1998 representou uma inflexão prática ao romper com a exclusividade da ação penal sobre o indivíduo, abrindo espaço para a responsabilização de estruturas empresariais que, de forma sistemática, impactam negativamente os recursos naturais.
Essa construção legal busca responder à complexidade da criminalidade ambiental na conjuntura da sociedade contemporânea, marcada pela atuação de grandes conglomerados econômicos com poder de decisão concentrado em instâncias corporativas.
Conforme observam Guedes e Oliveira (2024), a responsabilização penal da pessoa jurídica é uma mudança de paradigma por romper com o dogma da intranscendência da pena, consagrado no artigo 5º, inciso XLV, da Constituição Federal e no Código Penal de 1940 (Brasil, 1940), ao reconhecer que a organização empresarial é capaz de deliberar, estruturar e executar condutas que produzem lesões significativas ao meio ambiente.
A aplicação do direito penal às pessoas jurídicas é, portanto, não apenas legítima, mas necessária diante da ineficácia de um modelo centrado exclusivamente na imputação individual (GUEDES; OLIVEIRA, 2024).
No plano doutrinário, Silva Neto e Nascimento (2025) argumentam que a inserção da responsabilidade penal da pessoa jurídica no conjunto normativo brasileiro amplia significativamente o alcance protetor do direito ambiental, conferindo-lhe maior efetividade e força dissuasiva.
Para os autores, muitas infrações ambientais são praticadas não por indivíduos isolados, mas sim por organizações inteiras que operam sob a lógica da racionalidade econômica voltada à redução de custos e à maximização do lucro, frequentemente, em detrimento das normas ambiental (SILVA NETO; NASCIMENTO, 2025).
A responsabilização penal de tais estruturas permite por um ponto de ruptura com a prática da impunidade institucionalizada e reforça o papel pedagógico do direito penal enquanto instrumento de controle social e proteção coletiva (SILVA NETO; NASCIMENTO, 2025).
No arcabouço das normas inerentes à temática em comento, a Lei nº 6.938/1981, norma instituidora da Política Nacional do Meio Ambiente, já previa, conforme seu artigo 14, a responsabilidade por danos ambientais, de forma objetiva, inclusive com previsão de sanções (BRASIL, 1981).
A Lei nº 9.605/1998, ao incorporar expressamente a possibilidade de responsabilização penal de entes coletivos, deu concretude à função repressiva prevista na legislação ambiental anterior, em articulação com a lógica de responsabilidade múltipla — penal, civil e administrativa — que marca o regime jurídico ambiental brasileiro (BRASIL, 1998).
O Decreto nº 6.514/2008, oportunamente, contribuiu ao detalhar as infrações administrativas e os procedimentos sancionatórios aplicáveis às pessoas jurídicas (BRASIL, 2008). Como observa Milaré (2018), esse sistema normativo integrado fortalece a coerência e a efetividade do aparato jurídico voltado à proteção ambiental no país.
Outro ponto relevante reside na compatibilização da Lei de Crimes Ambientais com o Código Penal, que, conquanto não preveja expressamente a pessoa jurídica como sujeito penal, admite a aplicação de sanções restritivas de direitos, tais como suspensão de atividades, interdição temporária de estabelecimento e proibição de contratar com o poder público (BRASIL, 1940).
Conforme Leite (2020), essas sanções podem ser estendidas à pessoa jurídica por analogia, de modo a conferir efetividade à aplicação penal, sem desrespeitar o princípio da legalidade, desde que preenchidos os requisitos da Lei nº 9.605/1998. Essa integração dos diplomas legais é essencial para a efetiva implementação do sistema sancionador ambiental brasileiro.
No contexto internacional, a responsabilidade penal de pessoas jurídicas é incentivada por vários tratados e recomendações, como a Convenção da OCDE sobre Corrupção e os instrumentos elaborados no âmbito das Nações Unidas. Tais documentos propõem a adoção de modelos jurídicos mais rígidos e eficazes contra a criminalidade empresarial, especialmente em setores com grande impacto ambiental.
De acordo com Machado (2016), o ordenamento jurídico brasileiro, ao incorporar a responsabilização penal dos entes coletivos, alinha-se às melhores práticas internacionais, contribuindo para a promoção da governança ambiental e da justiça climática.
A jurisprudência brasileira, ainda que inicialmente reticente, tem se consolidado na direção da responsabilização penal autônoma da pessoa jurídica. Conforme apontam Lima e Dantas (2025), decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e de tribunais regionais vêm admitindo a responsabilização do ente coletivo independentemente da imputação ou condenação da pessoa física.
Essa orientação representa um avanço importante na superação da exigência da chamada “dupla imputação”, tornando o sistema mais compatível com a realidade das organizações empresariais modernas, em que a identificação do agente humano específico pode ser impraticável diante da atuação coletiva e hierarquizada.
2.1 INCLUSÃO EXPRESSA DA PESSOA JURÍDICA NA LEI Nº 9.605/1998
A promulgação da Lei nº 9.605/1998, denominada de Lei de Crimes Ambientais, consolidou juridicamente a possibilidade de responsabilização penal das pessoas jurídicas no Brasil, conforme previsão constitucional expressa no artigo 225, §3º, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988; 1998).
O artigo 3º da referida norma estabelece que pessoas jurídicas serão responsabilizadas penal, civil e administrativamente quando a infração ambiental for cometida por decisão de seus representantes legais ou contratuais, no interesse ou benefício da entidade. Trata-se de um avanço normativo significativo, pois rompe com a tradição penal brasileira centrada exclusivamente na pessoa física como sujeito de imputação penal (BRASIL, 1998).
Para Silva Neto e Nascimento (2025), essa previsão legal é crucial para possibilitar a responsabilização de grandes corporações cujas decisões organizacionais impactam negativamente o meio ambiente. A aplicação de sanções penais às pessoas jurídicas não apenas amplia a eficácia da tutela ambiental, mas também obriga os agentes econômicos a internalizar os custos ecológicos e sociais de suas atividades. Ao responsabilizar o ente coletivo, o Estado reconhece que muitos danos ambientais resultam de ações estruturadas e não de comportamentos individuais isolados.
A doutrina assevera que a inclusão da pessoa jurídica como sujeito penal ativo é coerente com o princípio da função social da empresa e também com os deveres ambientais fixados pela Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), que impõe a prevenção, reparação e compensação dos danos ambientais (BRASIL, 1981).
Guedes e Oliveira (2024) sustentam que, ao responsabilizar a organização empresarial, a legislação ambiental contribui para romper com a impunidade institucionalizada que por décadas favoreceu a degradação sistêmica de ecossistemas frágeis.
Oliveira e Andreani Junior (2022) reconhecem, em argumentação contrária, que a inovação trazida pela Lei nº 9.605/1998 desafia os princípios clássicos do direito penal, como a culpabilidade e a dignidade da pessoa humana, tradicionalmente restritos à esfera da responsabilidade individual.
No entanto, os autores admitem que a gravidade das condutas lesivas ao meio ambiente justifica o desenvolvimento de uma dogmática penal adaptada à complexidade da criminalidade moderna, especialmente quando esta se manifesta em estruturas empresariais hierarquizadas e deliberadas (OLIVEIRA; ANDREANI JUNIOR, 2022).
O Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848/1940) não contempla diretamente a responsabilização de entes coletivos, mas prevê sanções restritivas de direitos que, por força da Lei nº 9.605/1998, podem ser aplicadas às pessoas jurídicas, como a suspensão de atividades e a interdição de estabelecimentos (BRASIL, 1940; 1998).
Nesse contexto, Carneiro Junior e Dantas (2025) observam que o legislador optou por incorporar à legislação ambiental um modelo jurídico próprio, que permite compatibilizar os instrumentos punitivos com a realidade estrutural das empresas infratoras.
Complementarmente, o Decreto nº 6.514/2008 disciplina as infrações administrativas ambientais e detalha procedimentos que podem ser aplicados a pessoas jurídicas em paralelo às sanções penais, contribuindo para a coerência e eficácia do sistema sancionador (BRASIL, 2008).
Segundo Lima e Dantas (2025), esse conjunto normativo evidencia a construção de uma malha legal articulada, que não apenas permite, mas exige a atuação punitiva do Estado diante de condutas coletivas que violam os direitos difusos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A jurisprudência brasileira, embora inicialmente reticente, tem se alinhado progressivamente ao entendimento da possibilidade de responsabilização penal autônoma da pessoa jurídica.
Conforme argumentam Simas et al. (2024), decisões proferidas no âmbito do Superior Tribunal de Justiça têm reconhecido que a responsabilização da pessoa jurídica prescinde da condenação da pessoa física, desde que comprovado o nexo funcional entre a conduta lesiva e a atividade da empresa. Tal interpretação fortalece o caráter independente da responsabilidade penal da organização, ampliando sua aplicabilidade.
Assim, a inclusão expressa da pessoa jurídica na Lei nº 9.605/1998 não apenas operacionaliza o mandamento constitucional de proteção ao meio ambiente, como também inaugura um modelo normativo voltado à responsabilização efetiva de estruturas empresariais. A doutrina majoritária tem reconhecido os méritos desse instrumento, sobretudo diante da urgência em conter os danos ambientais em escala industrial.
Portanto, a responsabilização penal da pessoa jurídica, nesse cenário, representa um mecanismo necessário para assegurar que o direito ambiental deixe de ser meramente declaratório e passe a ter efeitos concretos no campo da justiça penal e da política pública.
2.2 APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE PENAL AUTÔNOMA DA PESSOA JURÍDICA
A aplicação da teoria da responsabilidade penal autônoma da pessoa jurídica corresponde a um dos temas mais relevantes e debatidos no âmbito do Direito Penal Ambiental brasileiro.
Essa teoria sustenta que a pessoa jurídica pode ser responsabilizada criminalmente independentemente da responsabilização simultânea de seus dirigentes ou representantes legais. Tal concepção rompe com a lógica da “dupla imputação”, a qual condicionava a imputação penal da entidade coletiva à existência de processo ou condenação da pessoa física envolvida no fato.
Simas et al. (2024) defendem que essa abordagem é necessária para conferir efetividade ao sistema de tutela penal ambiental, sobretudo diante da dificuldade prática de individualizar condutas dentro de estruturas empresariais complexas. Muitas decisões lesivas ao meio ambiente decorrem de atos deliberados institucionalmente, o que torna insuficiente a apuração de culpa de apenas um gestor. Assim, a responsabilização direta da pessoa jurídica visa coibir práticas corporativas danosas e evitar a impunidade institucionalizada.
Na jurisprudência, essa teoria tem avançado, especialmente no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que já admitiu, em diversos precedentes, a possibilidade de imputação penal autônoma à pessoa jurídica, sem a necessidade de persecução penal paralela contra a pessoa física.
Para Carneiro Junior e Dantas (2025), trata-se de um sinal de amadurecimento institucional, ao reconhecer que o ente coletivo possui autonomia decisória e, portanto, deve ser sujeito direto de obrigações penais nos casos em que atua com dolo organizacional ou negligência estrutural.
A própria Lei nº 9.605/1998 respalda esse entendimento ao prever, em seu artigo 3º, que a pessoa jurídica poderá ser responsabilizada penalmente sempre que a infração ambiental tiver sido praticada por decisão de seus representantes legais ou contratuais, no interesse ou benefício da organização (BRASIL, 1998).
Ainda que a lei mencione a ação de pessoas físicas, a redação não exige a concomitante condenação dessas para que haja responsabilização do ente coletivo, o que legitima, portanto, a aplicação da teoria autônoma (BRASIL, 1998).
Lima e Dantas (2025) destacam que essa responsabilização penal tem caráter preventivo e pedagógico, sendo essencial para dissuadir comportamentos empresariais que ignoram normas ambientais em nome do lucro. A imposição de sanções penais a empresas — como interdição de atividades, suspensão de funcionamento ou proibição de contratar com o poder público — fortalece a função repressiva do Direito Ambiental e garante maior efetividade à proteção de bens jurídicos difusos.
Guedes e Oliveira (2024) complementam esse raciocínio ao afirmar que condicionar a punição da pessoa jurídica à responsabilização de pessoas físicas não apenas enfraquece a lógica sancionatória ambiental, como também desconsidera a complexidade decisória das grandes organizações.
Para os autores, o ente coletivo deve ser reconhecido como sujeito autônomo de direitos e deveres penais, sob pena de inviabilizar a própria eficácia das normas protetivas do meio ambiente (GUEDES; OLIVEIRA, 2024).
Ainda assim, parte da doutrina, como Oliveira e Andreani Junior (2022), alerta para a necessidade de aplicar essa teoria com cautela, a fim de evitar abusos e garantir o respeito aos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e presunção de inocência.
Segundo os autores, a responsabilização penal da pessoa jurídica deve se dar com base em critérios objetivos e provas robustas, de forma a evitar que o processo penal se converta em instrumento de coação excessiva contra empresas (OLIVEIRA; ANDREANI JUNIOR, 2022).
2.3 EFETIVIDADE DA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL EM CASOS EMBLEMÁTICOS NO BRASIL
A responsabilização penal de pessoas jurídicas por crimes ambientais no Brasil, embora prevista em dispositivos normativos robustos como a CRFB e a Lei nº 9.605/1998, encontra limitações significativas no plano prático.
Os desastres socioambientais de Mariana (2015) e Brumadinho (2019) revelam a distância entre a legislação existente e sua efetiva aplicação, especialmente em se tratando de grandes corporações. Esses eventos expõem as dificuldades do sistema penal brasileiro em enfrentar a criminalidade empresarial com celeridade, equidade e efetividade.
O desastre de Mariana, causado pelo rompimento da barragem de Fundão, operada pela Samarco (joint venture da Vale e BHP Billiton), resultou em 19 mortos e danos ambientais irreversíveis ao rio Doce e a dezenas de municípios atingidos.
Conforme apontado por Galvão (2024), apesar das denúncias penais oferecidas, a condução do processo penal foi marcada por entraves processuais e acordos extrajudiciais que afastaram a responsabilização criminal efetiva das empresas e de seus dirigentes, demonstrando o predomínio da lógica reparatória sobre a lógica punitiva.
O caso de Brumadinho agravou a percepção pública de impunidade. A tragédia, provocada pelo colapso da barragem da Mina Córrego do Feijão, de responsabilidade da Vale S.A., ceifou 272 vidas e causou danos ambientais significativos. O Ministério Público de Minas Gerais denunciou a empresa e seus executivos por homicídio doloso e crime ambiental, baseando-se em perícias técnicas que comprovaram a negligência reiterada (LIMA; DANTAS, 2025). No entanto, a tramitação processual segue lenta, com impugnações diversas e liminares que retardam o julgamento de mérito.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem avançado no sentido de consolidar a possibilidade de responsabilização penal autônoma da pessoa jurídica, mesmo na ausência de imputação penal a pessoas físicas. No Recurso Especial nº 1.221.170, o STJ decidiu que a responsabilização da empresa pode ocorrer sempre que houver comprovação de conduta lesiva e nexo funcional com a estrutura organizacional (STJ, 2024). Essa interpretação fortalece a efetividade da legislação ambiental e rompe com a exigência da chamada “dupla imputação”, comum na fase inicial de aplicação da Lei de Crimes Ambientais.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) também tem intensificado a responsabilização administrativa, especialmente em relação a incêndios florestais criminosos. Dados publicados pela CNN Brasil (2025) revelam que, somente no primeiro semestre de 2024, foram aplicadas 242 multas a empresas e pessoas físicas envolvidas com queimadas ilegais, totalizando mais de R$ 460 milhões em penalidades. Embora sejam sanções de natureza administrativa, esses números evidenciam a relevância do papel fiscalizador na contenção de crimes ambientais.
Do ponto de vista legislativo, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 1.459/2022, que propõe o aumento da pena para crimes relacionados a incêndios em vegetações nativas, especialmente quando houver risco à coletividade e aos serviços públicos essenciais (AGÊNCIA BRASIL, 2025). A iniciativa legislativa responde à pressão popular por maior rigor penal, mas especialistas alertam que a eficácia dessa medida depende da articulação entre os órgãos de persecução penal e os mecanismos de controle social e institucional.
3 DISCUSSÃO
A responsabilização penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais, apesar de consolidada no ordenamento jurídico brasileiro desde a promulgação da Lei nº 9.605/1998, permanece como objeto de intensos debates doutrinários e jurisprudenciais.
A previsão legal da responsabilidade criminal dos entes coletivos reflete uma tentativa de modernização do sistema penal, voltada a enfrentar a complexidade das infrações ambientais praticadas no contexto empresarial. Entretanto, a efetiva aplicação dessa responsabilização demanda uma análise crítica dos fundamentos teóricos, das interpretações judiciais e dos desafios operacionais que permeiam sua concretização.
Os resultados da pesquisa indicam que a CRFB, ao prever expressamente a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica por danos ambientais (art. 225, §3º), promoveu uma inflexão relevante no paradigma clássico do Direito Penal, baseado na culpabilidade individual.
A posterior promulgação da Lei nº 9.605/1998 representou um marco na consolidação normativa desse entendimento, ao regulamentar a imputação penal dos entes coletivos, sobretudo quando as infrações forem cometidas por decisão de seus representantes, em benefício da empresa.
Essa construção legal permitiu, de forma inédita, o reconhecimento da empresa como sujeito ativo do crime ambiental, abrindo caminho para novas possibilidades de responsabilização quando da ocorrência de degradação ecológica.
No plano jurisprudencial, os dados apontam um avanço gradual, porém relevante, na aceitação da teoria da responsabilidade penal autônoma da pessoa jurídica, especialmente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.
A superação da exigência de dupla imputação — que condicionava a responsabilização da empresa à simultânea condenação de pessoa física — revela um amadurecimento institucional do sistema de Justiça brasileiro perante a complexidade da criminalidade empresarial.
A pesquisa identificou decisões que reconhecem a autonomia decisória da pessoa jurídica e sua consequente responsabilidade direta por atos lesivos ao meio ambiente, desde que demonstrado o nexo funcional entre a conduta institucional e o dano causado.
Ainda assim, os resultados evidenciam desafios operacionais e estruturais que comprometem a efetividade dessa responsabilização penal. Fatores como a carência de pessoal técnico nos órgãos de fiscalização, a dificuldade na obtenção de provas qualificadas, a morosidade dos processos judiciais e a pressão política exercida por grandes corporações constituem obstáculos significativos à consolidação do modelo sancionador.
Além disso, a utilização excessiva de instrumentos de natureza cível ou administrativa, como termos de ajustamento de conduta (TACs), muitas vezes substitui a persecução penal, reduzindo o alcance simbólico e pedagógico das sanções criminais previstas na legislação.
A presente seção propõe-se a discutir, sob diferentes ângulos, os principais impasses e avanços observados na responsabilização penal ambiental da pessoa jurídica no Brasil.
Para tanto, serão abordadas três dimensões centrais: a tensão entre os princípios clássicos do direito penal e a responsabilização de entes coletivos; a consolidação da teoria da responsabilidade penal autônoma; e os obstáculos institucionais e estruturais que comprometem a efetividade das ações penais contra empresas envolvidas em danos ecológicos graves. Cada um desses aspectos será explorado com base na doutrina especializada, na legislação vigente e na jurisprudência dos tribunais superiores.
Ao adotar uma abordagem analítica, a discussão busca evidenciar tanto os fundamentos normativos e as interpretações que sustentam a responsabilização penal das empresas, quanto os limites práticos e conceituais que ainda dificultam sua implementação plena.
A análise crítica desses elementos não apenas permite uma compreensão mais aprofundada do atual estágio da legislação ambiental penal brasileira, como também subsidia propostas de aperfeiçoamento jurídico e institucional voltadas à maior efetividade da proteção penal do meio ambiente.
A responsabilização penal da pessoa jurídica introduz uma ruptura paradigmática com os fundamentos tradicionais do Direito Penal, notadamente com o princípio da culpabilidade subjetiva, que exige a presença de dolo ou culpa atribuível a um agente dotado de discernimento individual.
A dogmática penal clássica, estruturada sobre a noção de ação humana consciente e voluntária, não reconhece, em tese, a capacidade de culpabilidade de entes despersonalizados. Tal compreensão, consagrada historicamente no Código Penal brasileiro de 1940, esbarra na premissa da intranscendência da pena, prevista no artigo 5º, inciso XLV, da Constituição Federal de 1988, segundo a qual a sanção penal não pode ultrapassar a pessoa do infrator.
Com a promulgação do artigo 225, §3º, da CRFB, e sua regulamentação pela Lei nº 9.605/1998, o ordenamento jurídico passou a admitir expressamente a responsabilização penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais.
Essa inovação normativa não apenas desafia a lógica retributiva tradicional, como também demanda uma releitura dos institutos penais à luz da realidade organizacional das sociedades empresárias.
Nesse novo contexto, passa-se a admitir que a estrutura decisória de uma empresa pode atuar como sujeito de fato típico, sobretudo quando se identifica dolo organizacional ou negligência estrutural, como destacam Silva Neto e Nascimento (2025).
A doutrina contemporânea vem se debruçando sobre o desafio de compatibilizar esse novo modelo de imputação com os princípios constitucionais do Direito Penal, especialmente a dignidade da pessoa humana, a presunção de inocência e o devido processo legal. Autores como Oliveira e Andreani Junior (2022) argumentam que a penalização da pessoa jurídica deve observar critérios rigorosos de legalidade e proporcionalidade, sob pena de se configurar um desvirtuamento da função punitiva estatal.
Assim, a adoção da responsabilidade penal de entes coletivos exige a construção de uma dogmática própria, que reconheça a autonomia funcional das organizações sem perder de vista as garantias penais e processuais fundamentais.
Importa destacar que essa tensão teórica é mitigada pelo reconhecimento de que, no caso dos crimes ambientais, os danos frequentemente decorrem de práticas institucionalizadas, orientadas por racionalidades econômicas internas e não por condutas pessoais desvinculadas.
A responsabilização penal da pessoa jurídica surge, nesse cenário, como um mecanismo de adaptação do Direito Penal à complexidade das lesões a bens jurídicos difusos, permitindo que o sistema jurídico reaja de forma eficaz diante de condutas corporativas que afetam o meio ambiente.
Como sustentam Guedes e Oliveira (2024), a aplicação da sanção penal ao ente coletivo reforça o caráter preventivo e simbólico do Direito Penal Ambiental, ressignificando os limites clássicos da imputação penal sem abdicar da racionalidade jurídica.
A responsabilização penal autônoma da pessoa jurídica constitui um dos pontos mais significativos da evolução do Direito Penal Ambiental brasileiro, principalmente após a promulgação da Lei nº 9.605/1998. Essa teoria se fundamenta na ideia de que a pessoa jurídica pode ser responsabilizada penalmente por crimes ambientais independentemente da existência de um processo ou de uma condenação simultânea de pessoas físicas.
Trata-se de um desdobramento normativo e jurisprudencial que visa conferir efetividade à tutela penal de bens jurídicos difusos, como o meio ambiente, diante da constatação de que muitos danos ambientais são causados por decisões corporativas e não por atos isolados de indivíduos.
Historicamente, a aplicação do princípio da dupla imputação dominou os julgados nacionais, limitando a responsabilização das pessoas jurídicas à condição de que seus representantes legais também fossem imputados no mesmo processo penal. Essa exigência decorre da interpretação tradicional da dogmática penal, que associa a culpabilidade à pessoa física.
No entanto, essa exigência se mostrou ineficaz para a repressão penal de infrações ambientais cometidas por corporações, sobretudo em razão da dificuldade de individualizar condutas em estruturas organizacionais complexas. Como apontam Simas et al. (2024), essa limitação comprometia o alcance prático da Lei de Crimes Ambientais e favorecia a impunidade institucional.
A superação gradual dessa exigência pode ser observada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em diversos precedentes, reconheceu a possibilidade de responsabilização direta da pessoa jurídica sem necessidade de vinculação com a condenação de pessoa física.
Essa mudança interpretativa representa um amadurecimento do sistema penal ambiental, pois compreende que os atos lesivos ao meio ambiente, muitas vezes, resultam de deliberações coletivas ou omissões institucionais, não sendo razoável exigir a individualização da conduta em todos os casos. Nesse contexto, a teoria da responsabilidade penal autônoma revela-se mais adequada para lidar com a criminalidade empresarial.
Do ponto de vista normativo, a Lei nº 9.605/1998 respalda a responsabilização penal autônoma ao dispor, em seu artigo 3º, que as pessoas jurídicas poderão ser responsabilizadas penalmente sempre que a infração ambiental for cometida por decisão de seus representantes, no interesse ou benefício da entidade.
A redação legal, ao não condicionar expressamente a responsabilização à condenação de pessoas físicas, oferece margem para a responsabilização independente da pessoa jurídica, desde que comprovado o nexo funcional entre a conduta e o interesse da organização.
Esse entendimento é reforçado por interpretações doutrinárias como a de Guedes e Oliveira (2024), que destacam a autonomia decisória das empresas como elemento essencial para a imputação penal.
Contudo, a aplicação da teoria autônoma ainda enfrenta resistências, sobretudo no campo doutrinário. Parte da literatura jurídica adverte que essa flexibilização pode resultar na responsabilização objetiva da pessoa jurídica, o que seria incompatível com os princípios constitucionais do devido processo legal, da presunção de inocência e da culpabilidade.
Segundo Oliveira e Andreani Junior (2022), é imprescindível que a imputação penal seja acompanhada de elementos probatórios que demonstrem a existência de uma vontade organizacional voltada à prática do ilícito ambiental, seja por ação deliberada, seja por omissão culposa institucionalmente tolerada.
Outro ponto de tensão diz respeito à delimitação dos elementos subjetivos exigidos para a responsabilização penal do ente coletivo. Embora se reconheça que o dolo ou culpa individual não são requisitos indispensáveis, a doutrina majoritária exige a demonstração de um “dolo institucional”, caracterizado pela atuação consciente da pessoa jurídica no sentido de obter vantagem econômica à custa da degradação ambiental.
Nesse cenário, a atuação do Ministério Público e dos órgãos de fiscalização torna-se fundamental para instruir adequadamente os processos penais, por meio de investigações que comprovem a relação entre a estrutura empresarial e a prática lesiva.
Além disso, a responsabilização penal autônoma exige a observância de critérios objetivos que evitem a arbitrariedade do Estado na aplicação de sanções. Como destaca Carneiro Junior e Dantas (2025), a responsabilização da pessoa jurídica deve basear-se em critérios técnico-jurídicos claramente estabelecidos, como a existência de políticas internas negligentes, a omissão frente a riscos ambientais evidentes ou a recusa em adotar medidas preventivas eficazes. A ausência desses critérios compromete a segurança jurídica e fragiliza a legitimidade do Direito Penal Ambiental como instrumento de controle social.
Apesar dos avanços legislativos e da progressiva aceitação da responsabilização penal autônoma da pessoa jurídica, diversos obstáculos estruturais e institucionais ainda comprometem a efetividade da aplicação da Lei nº 9.605/1998.
A materialização da responsabilização penal no âmbito ambiental exige um conjunto de condições que, na prática, ainda encontra fragilidades nas esferas investigativa, processual e institucional, dificultando a imposição de sanções significativas a grandes corporações envolvidas em desastres ambientais.
Um dos principais entraves é a carência de infraestrutura e de recursos humanos nos órgãos ambientais responsáveis pela fiscalização e lavratura dos autos de infração. Em muitos estados, o corpo técnico é insuficiente para acompanhar a complexidade das atividades empresariais potencialmente poluidoras. Essa limitação compromete a formação de provas técnicas necessárias à responsabilização criminal das empresas.
Como ressaltam Simas et al. (2024), a ausência de relatórios periciais detalhados inviabiliza a demonstração do nexo causal entre a conduta organizacional e o dano ambiental, inviabilizando, em diversas situações, a denúncia por parte do Ministério Público.
A atuação do Ministério Público, embora juridicamente central na persecução penal ambiental, também enfrenta dificuldades operacionais. A elevada demanda processual, a necessidade de atuação especializada e a multiplicidade de temas afetos ao meio ambiente exigem uma estrutura institucional que nem sempre está disponível, especialmente em comarcas do interior.
Muitos promotores não dispõem de equipes técnicas ou de apoio pericial adequado, o que prejudica a análise aprofundada das condutas empresariais. Além disso, como observam Guedes e Oliveira (2024), a pressão política e econômica exercida por grandes conglomerados pode influenciar, direta ou indiretamente, a condução de investigações e o ajuizamento das ações penais.
Outro obstáculo significativo se refere à morosidade do sistema judicial brasileiro. A tramitação dos processos penais ambientais, frequentemente complexos e volumosos, pode se estender por anos sem decisão definitiva. A demora na aplicação das penas gera descrédito social quanto à eficácia da responsabilização penal ambiental e pode estimular a reincidência das condutas lesivas.
Além disso, a prescrição da pretensão punitiva em crimes ambientais, embora mitigada pela sua natureza continuada em alguns casos, continua sendo um fator limitador, especialmente diante da lentidão na coleta e produção de provas técnicas.
As dificuldades de articulação entre os diversos órgãos envolvidos na responsabilização — como IBAMA, órgãos estaduais de meio ambiente, Ministério Público, Polícia Civil e Judiciário — também contribuem para a ineficácia do sistema.
A ausência de uma política integrada de repressão penal ambiental e de protocolos padronizados de atuação leva à fragmentação das ações, comprometendo a coerência das medidas adotadas.
Essa desarticulação institucional é particularmente evidente em situações de grande impacto, como nos desastres de Mariana e Brumadinho, nos quais a responsabilização penal das empresas envolvidas ainda segue em curso com pouca efetividade concreta.
A análise dos casos emblemáticos de Mariana (2015) e Brumadinho (2019) evidencia de forma contundente os limites da responsabilização penal das pessoas jurídicas no Brasil, especialmente quando confrontada com empresas de grande porte e expressivo poder econômico.
Como aponta Machado (2016), a efetivação da justiça ambiental esbarra não apenas na legislação existente, mas em uma estrutura institucional fragilizada diante da complexidade e da influência dessas organizações. Em ambos os desastres, observou-se a dificuldade do Ministério Público em consolidar denúncias com provas técnicas robustas e em conduzir processos penais que resultassem em responsabilizações céleres e exemplares.
No caso de Mariana, o predomínio da via reparatória em detrimento da penal teve como consequência a diluição da responsabilização criminal. Acordos extrajudiciais como os firmados entre a Samarco, o Estado e as vítimas, embora tenham buscado reparações econômicas, não enfrentaram adequadamente o aspecto repressivo da legislação penal ambiental.
De acordo com Simas et al. (2024), essa estratégia processual resulta em uma “suspensão simbólica da penalidade”, esvaziando a função preventiva do direito penal. A ausência de condenações efetivas contribuiu para a percepção de que os agentes econômicos envolvidos continuaram operando sem consequências proporcionais à gravidade do dano ambiental e humano causado.
Brumadinho, por sua vez, revelou uma intensificação do discurso punitivo, com o oferecimento de denúncia por homicídio doloso qualificado contra dirigentes da Vale S.A., além da imputação por crimes ambientais. No entanto, apesar da robustez pericial e da comoção pública, a tramitação do processo seguiu o mesmo padrão de lentidão e impugnações processuais já observados em Mariana.
Conforme Carneiro Junior e Dantas (2025), isso decorre, em parte, da insuficiência de um modelo processual penal ambiental especializado, que considere a peculiaridade técnico-jurídica das grandes infrações ambientais organizadas. A responsabilização, nesses casos, depende de uma atuação integrada e coordenada que ainda não se consolidou institucionalmente.
É preciso reconhecer que a responsabilização penal da pessoa jurídica, para além de sua previsão legal, exige estrutura e estratégia. A aplicação da teoria da responsabilidade penal autônoma, cada vez mais aceita pelo Superior Tribunal de Justiça, mostra-se necessária para enfrentar os desafios dos crimes empresariais ambientais, em que a conduta não se resume a decisões isoladas, mas a lógicas institucionais e culturais que favorecem a degradação ambiental sistemática.
Como sustentam Guedes e Oliveira (2024), o dolo organizacional deve ser presumido quando há omissão reiterada diante de alertas técnicos ou negligência no cumprimento das normas de segurança e prevenção, como claramente evidenciado nos relatórios da tragédia de Brumadinho.
Outra dimensão crítica se relaciona à ausência de responsabilizações efetivas com efeito dissuasório. A simples imposição de multas administrativas, ainda que vultosas, como nos dados do IBAMA de 2024, não têm capacidade isolada de transformar a conduta empresarial.
É necessário que essas medidas se articulem com sanções penais que suspendam atividades, impeçam contratos com o poder público e atinjam os interesses estratégicos das organizações infratoras.
A esse respeito, Silva Neto e Nascimento (2025) defendem que a sanção penal deve atuar como mecanismo de coerção institucional, capaz de alterar o custo-benefício da ilegalidade ambiental e fomentar a internalização da responsabilidade socioambiental.
A legislação ambiental prevê sanções penais relevantes, como multas, interdição temporária de atividades, suspensão parcial ou total de operações e proibição de contratar com o poder público. Contudo, a aplicação dessas penas enfrenta resistência no Judiciário, muitas vezes em razão da dificuldade de mensuração precisa dos danos e da ausência de critérios uniformes para sua imposição.
Conforme apontam Carneiro Junior e Dantas (2025), juízes tendem a priorizar soluções consensuais, como termos de ajustamento de conduta (TACs), o que reduz o alcance pedagógico e repressivo da sanção penal propriamente dita.
Outro fator limitante é o tratamento jurídico conferido à reparação ambiental dentro da lógica penal. Embora o ordenamento preveja a cumulação de responsabilidade penal, civil e administrativa, na prática, os acordos de natureza civil ou administrativa costumam ser utilizados como argumentos para excluir ou abrandar a persecução penal.
Essa prática, embora legítima em alguns contextos, pode resultar em responsabilizações simbólicas ou insuficientes, não condizentes com a gravidade dos danos ambientais, especialmente quando envolvem ecossistemas frágeis ou comunidades vulneráveis.
4 CONCLUSÃO
A responsabilização penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais no Brasil, conforme analisado ao longo deste estudo, representa um avanço normativo relevante no enfrentamento da criminalidade ambiental corporativa.
A promulgação da Constituição Federal de 1988 e, especialmente, da Lei nº 9.605/1998, constituiu uma mudança de paradigma ao introduzir de forma expressa a possibilidade de imputação penal a entes coletivos. Tal inovação busca compatibilizar o Direito Penal com a realidade das infrações ecológicas contemporâneas, muitas vezes protagonizadas por estruturas empresariais complexas e de difícil responsabilização individual.
Ao longo da análise, observou-se que, apesar de a legislação oferecer fundamentos robustos para a punição de condutas empresariais lesivas ao meio ambiente, persistem entraves significativos à sua plena efetividade. A morosidade processual, a insuficiência de provas técnicas, a desarticulação institucional entre os órgãos de controle e a pressão política de grandes corporações fragilizam a aplicação das sanções penais previstas.
Além disso, a preferência por mecanismos alternativos, como os termos de ajustamento de conduta, muitas vezes esvazia o caráter pedagógico e retributivo da persecução penal ambiental.
O estudo demonstrou, ainda, que a jurisprudência vem progressivamente superando a exigência da “dupla imputação”, consolidando a teoria da responsabilidade penal autônoma da pessoa jurídica. Esse avanço interpretativo contribui para o fortalecimento do sistema sancionador ambiental, ao reconhecer a autonomia organizacional das empresas e sua capacidade de causar danos em escala.
Entretanto, a adoção dessa teoria demanda critérios objetivos e provas contundentes, de modo a preservar as garantias constitucionais do devido processo legal e da presunção de inocência.
Como proposição para o aprimoramento jurídico e institucional, destaca-se a necessidade de fortalecer a atuação técnica dos órgãos ambientais e do Ministério Público, com recursos humanos e periciais adequados.
A criação de núcleos especializados em Direito Penal Ambiental, bem como a integração entre instâncias administrativas, civis e penais, pode conferir maior celeridade, coerência e efetividade à responsabilização das pessoas jurídicas. Além disso, recomenda-se a padronização de critérios para aplicação das sanções, assegurando maior segurança jurídica e eficácia punitiva.
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[1] Graduanda em Direito pela Faculdade Serra do Carmo – FASEC. E-mail: wclk40361@gmail.com.
[2] Professor na Faculdade Serra do Carmo – Fasec, da disciplina de Direito Tributário, Direito Administrativo e Prática Real e Simulada V, no curso de Bacharelado em Direito. Especialista em Direito Processual Civil, graduado em Direito pela Universidade Federal do Tocantins UFT/Palmas/TO. Servidor Público Federal da Seção Judiciária do Estado do Tocantins – Justiça Federal da 1ª Região. E-mail: jefferson.franco.silva@gmail.com..