O MARCO TEMPORAL E OS DESAFIOS PARA OS DIREITOS TERRITORIAIS DOS POVOS INDÍGENAS NO BRASIL

O MARCO TEMPORAL E OS DESAFIOS PARA OS DIREITOS TERRITORIAIS DOS POVOS INDÍGENAS NO BRASIL

1 de dezembro de 2023 Off Por Cognitio Juris

THE TEMPORAL LANDMARK AND THE CHALLENGES TO THE TERRITORIAL RIGHTS OF INDIGENOUS PEOPLES IN BRAZIL

Artigo submetido em 17 de novembro de 2023
Artigo aprovado em 26 de novembro de 2023
Artigo publicado em 1 de dezembro de 2023

Cognitio Juris
Volume 13 – Número 51 – Dezembro de 2023
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Gabriela Araújo de Oliveira [1]
Edy César dos Passos Júnior [2]

RESUMO: O presente estudo científico molda-se em torno da tese do “marco temporal” no contexto dos direitos territoriais dos povos indígenas no Brasil. O marco temporal é uma interpretação jurídica que limita o exercício ao direito de propriedade dos povos indígenas, vinculando a demarcação do seu território à promulgação da Constituição Federal brasileira, o que tem sido objeto de intenso debate na esfera judicial. Assim, faz-se uma análise acerca das origens históricas do marco temporal, sua evolução ao longo do tempo e seu impacto nas comunidades indígenas, bem como das implicações jurídicas e dos desafios futuros que essa interpretação gera. Além disso, considera a resistência das comunidades indígenas e a mobilização da sociedade civil em busca de uma abordagem mais justa e equitativa em relação aos direitos indígenas.

Palavras-chave: Brasil; Constituição federal; Povos Indígenas; Demarcação; Marco Temporal.

ABSTRACT: The present scientific study revolves around the thesis of the “temporal landmark” in the context of the territorial rights of indigenous peoples in Brazil. The temporal landmark is a legal interpretation that limits the exercise of property rights by indigenous peoples, linking the demarcation of their territory to the promulgation of the Brazilian Federal Constitution, which has been the subject of intense debate in the judicial sphere. Thus, an analysis is made regarding the historical origins of the temporal landmark, its evolution over time, and its impact on indigenous communities, as well as the legal implications and future challenges that this interpretation poses. Additionally, it considers the resistance of indigenous communities and the mobilization of civil society in search of a more just and equitable approach to indigenous rights.

Keywords: Brazil; Federal Constitution; Indigenous Peoples; Demarcation; Temporal Landmark.

INTRODUÇÃO

Os direitos territoriais dos povos indígenas no Brasil são garantidos pela Constituição Federal de 1988, que reconhece o direito dessas comunidades à posse permanente de suas terras tradicionais. No entanto, nas últimas décadas, a tese do Marco Temporal tem sido amplamente discutida no país, gerando preocupações no que se refere à proteção dessas garantias individuais.

Essa tese tem se tornado uma questão recorrente no cenário jurídico brasileiro, suscitando debates sobre sua compatibilidade com constitucionalismo positivado. A política interfere diretamente nas comunidades indígenas, que lutam para manter suas terras tradicionais e preservar suas culturas.

O Marco Temporal é uma abordagem legal que altera os critérios para demarcação de novas terras indígenas, estabelecendo como data específica a promulgação da atual Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988, a fim de que os povos originários não sofram com a reintegração de posse.

O presente estudo científico examina os impactos do Marco Temporal nas comunidades indígenas e como ele afeta seus direitos e seu modo de vida. Diante disso, preocupou-se trazer uma abordagem mais ampla acerca dos impactos que podem incidir sobre as garantias individuais dos povos indígenas, adotando uma tratativa baseada nas origens e na evolução dessa tese jurídica.

Posteriormente, inicia-se uma análise aprofundada acerca dos impactos nas comunidades indígenas e suas possíveis implicações jurídicas sobre o referido tema. Por fim, foi imperioso abordar, ainda, a ótica internacional sobre a problemática descrita.

Quanto à metodologia utilizada neste estudo, trata-se de pesquisa qualitativa baseada no método indutivo usando como técnica a revisão bibliográfica e análise documental.

Ao final, conclui-se que a presente situação tem sido matéria de discussão presente no ordenamento jurídico brasileiro uma vez que há a preocupação sobre os direitos constitucionais violados caso aprovada essa emenda constitucional, que oferece ameaça aos povos originários.

  1. ORIGENS E EVOLUÇÃO DO MARCO TEMPORAL 

A colonização das terras indígenas é um capítulo sombrio da história da humanidade que remonta a séculos atrás. Esse processo de usurpação das terras indígenas ocorreu em várias partes do mundo, à medida que impérios europeus expandiram seus territórios e buscaram riquezas, recursos naturais e poder.

A colonização frequentemente começou com a chegada de exploradores e colonizadores europeus às terras habitadas por povos indígenas. Esses exploradores frequentemente alegavam ter “descoberto” terras que já eram habitadas por comunidades indígenas há séculos, ignorando suas culturas, línguas e tradições. Portanto, é uma parte fundamental da história do país, com consequências profundas e duradouras para as comunidades indígenas e a nação como um todo.

A definição e demarcação das terras indígenas no Brasil passaram por várias fases e políticas ao longo da história. Após o período de colonização e a independência do Brasil, houve uma evolução significativa nas políticas de demarcação de terras indígenas, começando durante a colonização e o início do Império, as terras indígenas não eram oficialmente demarcadas, e os povos indígenas frequentemente perdiam suas terras para colonos e fazendeiros. O governo brasileiro, em muitos casos, não reconhecia a existência de terras indígenas.

No início do século XX, o governo brasileiro criou o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), que tinha a função de administrar e proteger as populações indígenas. No entanto, essa proteção muitas vezes resultava em uma política de assimilação, em que os povos indígenas eram forçados a adotar a cultura ocidental e perdiam suas terras tradicionais.

Diante dessa perspectiva, Constituição Federal de 1988 marcou uma mudança significativa na abordagem do governo em relação às terras indígenas. que está previsto no artigo 231, § 1 º e 2 º, que estabelece:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

O Artigo 231 é, portanto, um pilar fundamental na proteção dos direitos dos povos indígenas no Brasil, contribuindo para sua autodeterminação, preservação cultural, e a manutenção de suas formas de vida tradicionais. No entanto, é importante notar que a efetiva aplicação e demarcação das terras indígenas muitas vezes enfrentam desafios políticos e econômicos, e a luta pelos direitos indígenas continua a ser uma questão central no país, por que mesmo sendo expressamente dito em lei, entendimentos contrários dificultam tal demarcação.

Observa-se o artigo 231 da Constituição Federal, não cita datas exatas para que possa determinar a demarcação das terras indígenas, assim trazendo diversas interpretações, por vezes rasas, e se analisada somente a data da promulgação da Constituição, é esquecido outros fatores importantes. Ressalta-se que a demarcação é um ato formal de grande importância para a oficialização dos direitos indígenas.

O Marco Temporal é uma abordagem legal que estabelece uma data específica como critério para a demarcação de terras indígenas. De acordo com essa perspectiva, apenas as terras ocupadas por povos indígenas até uma determinada data teriam direito à demarcação. No Brasil, a data de referência apresentada pelo PL 490 07 é de 5 de outubro de 1988, quando a Constituição Federal foi promulgada.

 Nesse sentido diz o jornalista Marcos Candido para o site Uol: “A tese do Marco Temporal” ignoraria povos que foram expulsos de suas terras, sob violência ou devido à expansão rural e urbana dos brancos, pelo desmatamento ou mortos por proliferação de doenças quando a Constituição federal foi promulgada.” (CANDIDO, 2021).

O judiciário utilizou-se desta tese para o julgamento da terra indígena Raposa Serra do Sol, veja o que diz o professor de história Daniel Neves: “Essa tese foi utilizada pela primeira vez em 2009, quando o próprio STF se valeu dela em um julgamento que determinou a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Entretanto, o próprio STF reconheceu que a tese aplicada no julgamento dessa terra indígena só tinha validade para aquele caso específico”(SILVA, 2023).

A justificativa por trás dessa abordagem estava relacionada ao desejo de equilibrar os interesses dos povos indígenas com os interesses de desenvolvimento do país. O argumento era que o reconhecimento de terras indígenas deveria ser limitado às áreas que estavam efetivamente ocupadas na época da promulgação da Constituição, a fim de evitar disputas generalizadas de terras que poderiam prejudicar o desenvolvimento econômico do Brasil.

No entanto, essa interpretação do marco temporal tem sido objeto de intensos debates e controvérsias. Muitos defensores dos direitos indígenas argumentam que essa abordagem não leva em consideração a história de deslocamento forçado e violações dos direitos indígenas ao longo dos séculos. Eles afirmam que essa interpretação não reflete adequadamente a realidade das terras tradicionais indígenas e representa uma ameaça aos direitos territoriais e culturais das comunidades indígenas no Brasil.

1.1 A história dos Xokleng.

Se implementado nos processos de demarcação de terras, o marco temporal impediria o reconhecimento das territorialidades indígenas por pessoas que de outra forma se oporiam ao extermínio e ao genocídio que ocorre hoje. Além disso, pode dificultar a distinção entre terras indígenas e outras terras, anteriormente se esperava que isso exigisse a declaração de nulidade dos documentos pertencentes à área a ser distinguida, sem a declaração de nulidade o Estado teria que indenizar os proprietários, o que exigiria um compromisso orçamental significativo.

Além disso, a aceitação do prazo altera a natureza original dos direitos indígenas – uma natureza que é reconhecida pela Constituição – uma vez que limita o gozo dos direitos a situações que não levam em conta o genocídio indígena.

Tese jurídica que regulamenta os direitos étnicos, o Marco Temporal está presente em julgamentos no STF, tais quais o da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, que dispõe sobre territórios quilombolas, art. 68 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias, e na ADI 5905, sobre a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho.

Em 2021, a tese jurídica do Marco Temporal chega no julgamento do Recurso Extraordinário 1017365 como tema de Repercussão Geral para Terras Indígenas. O Recurso Extraordinário foi movido pela Fundação Nacional do Índio (Funai), em 2016, em face do Instituto de Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) sobre conflito existente no Estado de Santa Catarina com povos indígenas da Terra indígena Ibirama-La Klãnõ.

Em 2009, a Fundação Ambiental do Estado de Santa Catarina (Fatma), peticionou uma Ação de Reintegração de Posse contra a Fundação Nacional do Índio, tendo como alegação o argumento de que eles são os legítimos proprietários de uma área de 80.006,00 m2, localizada na estrada Esperança-Bonsucesso Linha, em Itaió-SC. Fatma alegou que manteve uma posse pacífica e tranquila durante mais de sete anos.

Contudo, a área em questão fazia parte da Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ, dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, conforme Portaria nº 1.182/2003, do Ministério da Justiça, que declarou que os povos Xokleng, Kaingang e Guarani os povos teriam posse permanente da terra, e que esta teria uma área total de 37.108ha (trinta e sete mil cento e oito hectares).

Através Recurso Extraordinário, a Funai questionou a possibilidade de reintegração de posse da área por acreditar que a área em questão já foi reconhecida como de ocupação tradicional indígena, e que a decisão do Superior Tribunal de Justiça, que foi favorável à reintegração da posse, baseou-se na interpretação do artigo 231, que priorizou o direito de posse dos proprietários arrolados em registro de imóveis, em prejuízo da prerrogativa originária dos índios.

No ano de 2017, a divulgação do Parecer Normativo 001/2017, publicado pela Advocacia-Geral da União (AGU) em 20 de julho de 2017, também criou lacunas na aplicação da teoria do Marco Temporal ao afirmar que uma série de limitações foram impostas a definição de terras indígenas pela administração pública. O Parecer 001 afirma que apenas os indígenas que habitavam a terra em 5 de outubro de 1988 tinham direito ao reconhecimento.

Já no mês de março de 2020, as comunidades indígenas Xokleng e Ibirama-La Klãnõ solicitaram, juntamente com a maioria dos amici curiae associados à presente ação, pedido de tutela provisória incidental, a fim de cessar os efeitos do Parecer 001/ 2017/GAB/ CGU/AGU, inaudita altera para até que o STF possa definir definitivamente a questão examinada pelo instituto da repercussão geral do Recurso Extraordinário 1017365.

O Ministro Relator Edson Fachin fez pedido monocrático de tutela, e suspendeu temporariamente os efeitos do referido parecer até a conclusão do processo sobre o mérito do Recurso Extraordinário. Com o reconhecimento do efeito global, o julgamento não afetará apenas os povos Xokleng, Kaingang e Guarani, mas também afetará centenas de povos indígenas em todo o país, que possuem “definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena, nos termos do artigo 231 do texto Constitucional” (Tema de Repercussão Geral nº 1.031).

O ingresso do amici curiae causou uma mobilização estratosférica levando a um debate constante entre as partes que defendiam a favor ou contra o Marco Temporal. A pedido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ou da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), o STF tornou-se palco de conflitos entre indígenas e ruralistas.

1.2. Impactos e Contribuições das Terras Indígenas na conservação ambiental.

            A ligação entre as comunidades indígenas e suas terras é essencial para a reafirmação da sua identidade cultural, ou seja, a perda desse território pode gerar impactos devastadores na sociedade, acarretando em um deslocamento forçado como a causa principal de problemas de saúde, desestruturação familiar e danos irreversíveis à história e cultura do povo brasileiro.

            O Marco Temporal tem gerado tensões e conflitos entre comunidades indígenas, agricultores e outros atores que disputam terras, resultando em uma escalada de conflitos territoriais pode levar a episódios de violência e ameaças à segurança das comunidades indígenas.

             Papel na preservação do meio ambiente, os povos originários atuam como protetores da natureza, o que vai muito além do seu próprio bem-estar. Neste sentido, diz o instituto Akatu que ‘’Estima-se que os povos indígenas constituam apenas 5% da população global e seus territórios ocupem somente 28% da superfície terrestre mundial, mas, juntamente com famílias ribeirinhas, eles protegem e preservam 80% da biodiversidade mundial, entre animais, plantas, rios, lagos e áreas marinhas.’’ (AKATU, 2022).

            Nesse sentido, é possível perceber que a terra é a principal condição para a continuidade da vida, saúde, preservação cultural e existência dos povos indígenas. Seu desenvolvimento depende da exploração de recursos naturais consciente, destacando o entendimento de que pertencem à terra e não a terra o pertence, de modo que não existe abordagem lucrativa ou qualquer pretensão capitalista.

             Portanto, a cultura indígena, suas tradições e modos de vida estão profundamente ligados à natureza e ao equilíbrio ecológico, e essa conexão com o meio ambiente tem um impacto significativo na preservação dos ecossistemas. Segundo Souza et al. (2015), para essas populações indígenas, as atividades produtivas são basicamente para subsistência. Assim, apresentam forte dependência em relação à natureza e aos recursos naturais renováveis, os quais são os mantenedores de seu modo particular de vida.

             O conhecimento tradicional que possuem sobre a natureza em que vivem é uma das principais razões para a importância dos povos indígenas na preservação do meio ambiente. Os indígenas têm sua relação com o meio ambiente descrita no Estatuto do Índio, no Decreto nª 1.141, de 5 de maio de 1994, que dispõe sobre as ações de preservação ambiental e seu modo de utilização (BRASIL, 1994).

            O artigo 34, inciso I e II do mencionado dispositivo, estabelece os bens de patrimônio indígena, vejamos:

Art 39. Constituem bens do Patrimônio Indígena:

I – as terras pertencentes ao domínio dos grupos tribais ou comunidades indígenas;

II – o usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades existentes nas terras ocupadas por grupos tribais ou comunidades indígenas e nas áreas a eles reservadas; (BRASIL, 1994)

             Concomitante a isso, dispõe o artigo 44:

Art. 44. As riquezas do solo, nas áreas indígenas, somente pelos

silvícolas podem ser exploradas, cabendo-lhes com exclusividade o

exercício da garimpagem, faiscação e cata das áreas referidas. (BRASIL, 1994)

            Observa-se que o Estatuto do Índio em seu Art. 18, §1º assegura-se exclusivamente aos indígenas o direito à exploração de recursos naturais e o exercício da garimpagem, vejamos:


Art. 18. As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade indígena ou pelos silvícolas.

§ 1º Nessas áreas, é vedada a qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade agropecuária ou extrativa. (BRASIL, 1994)

            Ao longo de gerações, esses povos desenvolveram um profundo entendimento sobre os recursos naturais de suas terras. Esse conhecimento é frequentemente transmitido para o seu povo e se baseia na observação cuidadosa da natureza. Sabem quando e como plantar, colher, pescar e caçar de maneira sustentável, minimizando o impacto negativo sobre o meio ambiente. Suas práticas de manejo ambiental são, muitas vezes, um exemplo de como podemos viver em harmonia com a natureza.

             Além disso, os territórios indígenas frequentemente abrigam ecossistemas naturais valiosos e intocados, que servem como reservatórios da biodiversidade. Ao defender suas terras e modos de vida, desempenham um papel vital na proteção de florestas, rios, savanas e outros habitats naturais que são essenciais para a saúde do planeta. Isso é particularmente relevante em um momento em que a degradação ambiental e as mudanças climáticas representam desafios globais.

             Outrossim, os povos indígenas muitas vezes atuam como defensores da justiça ambiental. Eles são frequentemente os primeiros a sentir os impactos das mudanças climáticas e da degradação do meio ambiente, e têm uma perspectiva única sobre como essas questões afetam as comunidades locais. Muitas vezes, eles se unem a movimentos de conservação e desempenham um papel fundamental na luta por políticas e práticas sustentáveis.

             No entanto, é importante ressaltar que os povos indígenas muitas vezes enfrentam desafios significativos em sua luta pela preservação do meio ambiente. A invasão de suas terras, a exploração de recursos naturais sem o seu consentimento e a perda de suas terras tradicionais são obstáculos comuns. Portanto, é fundamental respeitar os direitos territoriais e culturais dos povos indígenas e envolvê-los de maneira significativa nas decisões relacionadas à preservação ambiental.

             Em resumo, é perceptível o desempenho de um papel crucial na preservação do meio ambiente devido ao seu profundo conhecimento tradicional, à proteção de ecossistemas valiosos e à sua atuação como defensores da justiça ambiental. Respeitar e apoiar suas lutas é essencial para garantir um futuro sustentável para o nosso planeta.

2. IMPLICAÇÕES JURÍDICAS SOBRE A TESE

A Constituição de 1988 reconhece os direitos dos povos indígenas à posse permanente de suas terras tradicionais e estabelece que esses direitos são imprescritíveis, ou seja, não estão sujeitos a prescrição ou perda com o tempo.

O artigo 231 da Constituição determina que a demarcação das terras indígenas é de competência exclusiva do Poder Executivo, sendo um dever do Estado proteger e garantir esses territórios.

O Marco Temporal estabelece uma data (geralmente 5 de outubro de 1988) como critério para a demarcação de terras indígenas. Isso levanta a questão de se essa abordagem é compatível com a Constituição, que não impõe restrições temporais aos direitos territoriais indígenas.

Muitos juristas e especialistas argumentam que o Marco Temporal pode ser interpretado como uma tentativa de reinterpretar a Constituição, o que é inconstitucional, já que qualquer mudança na Constituição deve seguir um procedimento específico de emenda.

O STF tem sido palco de discussões jurídicas fundamentais sobre o Marco Temporal. Em agosto de 2021, o STF iniciou o julgamento de um caso que pode estabelecer precedentes importantes em relação a essa questão. O tribunal ainda não emitiu uma decisão final, mas a jurisprudência do STF será crucial para a interpretação e aplicação do Marco Temporal no futuro.

A constituição federal de 1988 prevê que a propriedade e os direitos originários se apliquem às terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. O artigo nº 20, XI, CF/88 afirma que essas terras são propriedade da Commonwealth (organização intragovernamental que cooperam em prol de objetivos comuns, a exemplo da garantia dos direitos humanos) e, como forma de propriedade associada, garantem os direitos dos povos originários sobre elas.

Quanto à organização do país e à determinação de que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios sejam propriedade federal, Paulo Tadeu Gomez da Silva criticou essa escolha porque transfere a propriedade da terra para grupos indígenas, o que será reforçado pela colonização interna. (2015, p. 213)

De acordo com o artigo 231, inciso 2º da CF/88, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são destinadas à sua ocupação permanente, com acesso exclusivo aos seus ricos solos, rios e lagos. As relações jurídicas baseadas nas instituições indígenas estabeleceram-se como fonte substancial e característica de posse territorial. (SILVA, 2015, p. 5)

A Constituição também reserva à União, instituída a partir da CF/34, a competência de legislar de forma privada no que diz respeito aos povos indígenas, conforme refletido no artigo 22, inciso XIV. No que diz respeito à organização dos poderes, compete exclusivamente ao Congresso Nacional outorgar a exploração e proveito das riquezas minerais existentes nas terras indígenas (artigo 49, art. 16).

No ordenamento jurídico, as disputas sobre os direitos indígenas são tratadas e julgadas por juízes federais conforme o que preceitua o art. 109, inciso XI. Já no Ministério Público, como detentor da função institucional de preservar os interesses e as garantias individuais dos povos originários, é o Ministério Público Federal que atua nessas causas.

O capítulo VIII da CF/88 dedica-se às questões indígenas e identifica, em seu artigo 231, o reconhecimento da organização social, costumes, línguas, e toda a tradição indígena, bem como seus direitos originais às terras que tradicionalmente ocupam, cabendo ao governo federal delinear seus limites e proteger e garantir o respeito à propriedade.

Diante do exposto, a natureza dos direitos constitucionais às terras historicamente ocupadas pelos povos indígenas é precedente ao positivamento jurídico, além de imanente ao reconhecimento da sua existência social , sendo, portanto, considerados direitos naturais, tendo em vista que coexistem entre si.

3. LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL E O DIREITO INDÍGENA

O ponto de partida para a proteção internacional dos direitos dos povos indígenas foi a Convenção nª 107 da Organização Internacional do Trabalho, publicada em 5 de junho de 1957, que elucidava uma preocupação com a integração das populações indígenas. O traço assimilacionista infringiu diretamente o direito dos povos indígenas à diversidade cultural. (PIOVESAN; 2017, p. 316)

As críticas à Convenção resultaram na alteração desta, o que levou à Convenção nª 169, publicada em 7 de junho de 1989, sobre Povos Indígenas e Tribais, esse novo paradigma envolvia o direito à diversidade, o reconhecimento da identidade dos povos indígenas, seu direito de participação, e, ainda, conceitos e princípios acerca do desenvolvimento étnico e da autodeterminação. O governo brasileiro reconheceu oficialmente esta Convenção em 25 de julho de 2002. (PIOVESAN; 2017, p. 317)

Segundo Flávia Piovesan (2017, p. 317), o efeito jurídico da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas é consultivo (soft law), confirmando a proteção dos direitos às terras que ocupam. Portanto, refere-se à importância de fortalecer as visões indígenas baseadas em suas relações espirituais e materiais com a terra, a água, as plantas e os animais.

Incorporada pelo legislador brasileiro, através do Decreto nº 5.051/2004, a Convenção n. 169 da OIT, possui natureza de ato normativo supralegal, uma vez que configura-se como tratado internacional de direitos humanos.

Nessa perspectiva, são os artigos do referido tratado:

Artigo 6º 1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão: a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;

Artigo 7º 1. Os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas, próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso, esses povos deverão participar da formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetá-los diretamente. (Convenção n. 169, OIT; 1989)

Medidas legislativas ou administrativas que possam atingir diretamente os povos indígenas dependem, portanto, de consulta livre, prévia e informada e, consequentemente, qualquer inadimplência de suas decisões poderá resultar em responsabilização internacional ao Estado Brasileiro.

Deve-se enfatizar que o descumprimento do direito à consulta como pré-requisito para a validade de qualquer ato que atinja especificamente os direitos dos povos indígenas é necessário reconhecer uma afronta ao texto da Convenção nº 169 da OIT, bem como da Declaração das Nações Unidas.

No sistema Interamericano de Direitos Humanos, a defesa dos direitos territoriais indígenas deriva da interpretação evolutiva do artigo 21 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José de Costa Rica), que diz respeito ao direito à propriedade. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Relatoria Especial sobre Direitos Indígenas, ambos de 1990, fazem parte do sistema interamericano de acompanhamento dos direitos dos povos indígenas.

A Comissão submeteu ocasionalmente casos à Corte Interamericana, esta última reconheceu a jurisdição da Comissão sobre a primeira. A Corte Interamericana de Direitos Humanos possui uma função consultiva, ou seja, estabelece-se como um órgão de jurisdição internacional ao qual é conferida a capacidade de investigar possíveis violações da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assim como de outros tratados que possam ser de interesse do órgão. (BIJOS E MELO; 2016, p.28)

De acordo com o que defende Antônio Augusto Cançado Trindade (2000, p. 105), o número crescente de ordens internacionais dedicadas à proteção dos direitos humanos e a sua complementaridade conduziu a uma maior probabilidade de proteção efetiva dos direitos defendidos. Em outras palavras, devido ao interesse comum superior, à consideração da ordem pública e ao conceito de proteção coletiva dos direitos protegidos, a probabilidade de proteção efetiva dos direitos defendidos aumentou.

Já na visão de André de Carvalho Ramos (2011, p. 521) deve ser estabelecido um diálogo com as legislações nacionais a fim de descobrir uma justaposição mais adequada que leve ao maior grau de eficácia na proteção dos direitos humanos, sem qualquer flexibilização ou concessão aos organismos internacionais que interpretam estas leis, “sem qualquer remissão ou lembrança da jurisprudência dos órgãos internacionais que os interpretam”.

No que diz respeito aos programas internos, o ordenamento jurídico deve seguir as mesmas orientações abrangentes que as ordens internacionais ao aplicarem normas internacionais destinadas à proteção e garantia dos direitos humanos, garantindo sua eficácia.

CONCLUSÃO

O Marco Temporal tem impactos profundos e preocupantes nas comunidades indígenas no Brasil. A perda de território, os desafios culturais e sociais, os conflitos e a violência representam sérias ameaças para essas comunidades. A mobilização e a resistência das comunidades indígenas, aliadas ao apoio de organizações e defensores dos direitos humanos, desempenham um papel fundamental na luta pela proteção de seus direitos territoriais e na preservação de suas culturas. A busca por soluções justas e respeitosas aos direitos indígenas permanece uma questão crucial para a justiça e a igualdade no Brasil.

Esta tese representa um dos desafios mais significativos para os direitos territoriais dos povos indígenas no Brasil. As controvérsias em torno desse conceito destacam a importância de um diálogo inclusivo e respeitoso entre as comunidades indígenas, o governo e a sociedade brasileira, a fim de garantir o pleno cumprimento dos direitos constitucionais dessas comunidades e a preservação de suas terras tradicionais.

Apesar da disposição constitucional dos direitos territoriais indígenas, os povos indígenas constituem o grupo social mais vulnerável, pois são politicamente sub-representados e a eficácia dos seus direitos é insignificante, especialmente porque o Supremo Tribunal Brasileiro não cumpriu o seu dever de proteger os interesses das comunidades vulneráveis.

Sendo assim, é imprescindível a figuração dos órgãos jurisdicionais internacionais no controle judicial, atuando com efetividade na correção estatal quando há equívoco das suas entidades federativas quanto à proteção dos direitos fundamentais.

Como resultado, determinou-se a necessidade de comunicação efetiva entre os tribunais, a Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Supremo Tribunal Federal. Com isso, foi possível reconhecer o potencial de responsabilização do governo brasileiro perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, por meio do controle da convencionalidade de origem internacional.

REFERÊNCIAS

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ARAÚJO JUNIOR, Julio José. O marco temporal e uma prática constitucional assimilacionista. Índios, Direitos Originários e Territorialidade. Associação Nacional dos Procuradores da República. 6a Câmara de Coordenação e Revisão. Ministério Público Federal. Brasília: ANPR, 2018, (p. 106- 142).

BARROS FILHO, Salvador Pompeu de. Terras indígenas. Direito ambiental: conservação e degradação do meio ambiental. – SP: Editora Revista dos Tribunais, v.2, 2011, (p. 667-676).

CANDIDO, Marcos. O que é o Marco Temporal e como ele impacta os povos indígenas. Portal UOL, São Paulo, jornal, 02 de junho de 2020. Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2020/06/02/o-que-e-o-marco-temporal-e-como-ele-impacta-indigenas-brasileiros.htm. Acesso em 20 out 2023

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[1] Graduanda no curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo, E-mail:.gabi.araaaujo@icloud.com

[2] Mestre em Direito pela Universidade Federal do Tocantins – UFT. Bacharel em Direito pela Faculdade Serra do Carmo Palmas – FASEC. Advogado e professor da Faculdade Serra do Carmo – FASEC. E-mail edycesar@gmail.com.