O JUSPOSITIVISMO: UM OLHAR CONTEMPORÂNEO EM HOBBES
6 de janeiro de 2025JUSPOSITIVISM: A CONTEMPORARY LOOK AT HOBBES
JUSPOSITIVISMO: UNA MIRADA CONTEMPORÁNEA A HOBBES
Artigo submetido em 28 de dezembro de 2024
Artigo aprovado em 04 de janeiro de 2025
Artigo publicado em 06 de janeiro de 2025
Cognitio Juris Volume 15 – Número 58 – 2025 ISSN 2236-3009 |
.
Autor(es): Ricardo Nascimento Fernandes[1] |
.
RESUMO: O presente trabalho vem abordar o juspositivismo, o olhar contemporâneo em Hobbes. Thomas Hobbes defendeu uma lei civil como controle difuso das iniquidades humanas, utilizando a própria lei natural para tanto, trazendo de certa forma, uma compreensão jusnaturalista da lei civil, pois que a mesma é derivada da lei natural, como se pode observar nas passagens abordadas nos capítulos XIV e XV do Leviatã, como também em Behemoth, o que levou o filósofo Norberto Bobbio a afirmar que apesar de Hobbes pertencer à tradição jusnaturalista, o mesmo é considerado também um precursor do positivismo jurídico. O principal objetivo deste trabalho é descrever as principais características do Juspositivismo abordado por Hobbes. A metodologia adotada será uma análise bibliográfica de literatura, com ênfase em livros e artigos mais atuais e relevantes sobre o tema abordado. Conclui-se que A ligação entre o ser humano, sociedade, lei, política e direito, é sem dúvida, delineada de forma brilhante por Thomas Hobbes, sendo o conceito de justiça hobbesiano um ponto crucial para relação entre a política e o Direito. Em Hobbes a ideia do justo, fornece, de certa forma, a legitimidade para o exercício do poder político e a compreensão do Direito como meio para alcançá-la, tornando possível a conexão entre as mesmas.
Palavras-Chave: Juspositivismo; Thomas Hobbes; Lei natural; Direito.
ABSTRACT: This paper addresses legal positivism, the contemporary view of Hobbes. Thomas Hobbes defended a civil law as a diffuse control of human iniquities, using natural law itself for this purpose, bringing in a certain way, a natural law understanding of civil law, since it is derived from natural law, as can be seen in the passages addressed in chapters XIV and XV of Leviathan, as well as in Behemoth, which led the philosopher Norberto Bobbio to affirm that although Hobbes belongs to the natural law tradition, he is also considered a precursor of legal positivism. The main objective of this paper is to describe the main characteristics of the legal positivism addressed by Hobbes. The methodology adopted will be a bibliographical analysis of literature, with emphasis on the most current and relevant books and articles on the topic addressed. It is concluded that the connection between human beings, society, law, politics and law is undoubtedly brilliantly outlined by Thomas Hobbes, with the Hobbesian concept of justice being a crucial point for the relationship between politics and law. In Hobbes, the ideia of justice provides, in a certain way, the legitimacy for the exercise of policial power and the undestanding of Law as a means to achieve it, making the connection between them possible.
Keywords: Legal positivism; Thomas Hobbes; Natural law; Law.
RESUMEN: Este trabajo aborda el iuspositivismo, la mirada contemporánea a Hobbes. Thomas Hobbes defendió un derecho civil como un control difuso de las desigualdades humanas, utilizando para ello el propio derecho natural, aportando en cierto modo, una comprensión naturalista del derecho civil, en cuanto se deriva del derecho natural, como se puede comprobar en los pasajes discutido en los capítulos XIV y positivismo jurídico. El principal objetivo de este trabajo es describir las principales características del Juspositivismo abordado por Hobbes. La metodología adoptada será un análisis bibliográfico de la literatura, con énfasis en los libros y artículos más actuales y relevantes sobre el tema tratado. Se concluye que la conexión entre ser humano, sociedad, derecho, política y derecho está, sin duda, brillantemente esbozada por Thomas Hobbes, siendo el concepto hobbesiano de justicia un punto crucial para la relación entre política y derecho. En Hobbes, la idea de justicia proporciona, en cierto modo, la legitimidad para el ejercicio del poder político y la comprensión del Derecho como medio para lograrlo, posibilitando la conexión entre ambos.
Palabras clave: Juspositivismo; Thomas Hobbes; Ley natural; Bien.
1 INTRODUÇÃO
Um dos maiores expoentes que pode-se citar como precursor da corrente positivista, é o grande filósofo Thomas Hobbes, uma vez que em sua obra conseguiu de uma maneira racionalista surpreendente, carregar o direito positivo com os valores do jusnaturalismo. Na obra hobbesiana, a ligação entre sociedade, lei, justiça, política e direito, é sem sombra de dúvidas, trabalhada de forma brilhante pelo filósofo e teórico político Thomas Hobbes, e pode-se tomar o conceito de justiça hobbesiano como um ponto decisivo para uma aproximação adequada entre a política e o direito.
Assim, desloca-se a problemática da qual se ocupará o jurista contemporâneo. Em vez da busca obsessiva pela realização de uma Ciência Jurídica pura, objetiva e descritiva, os esforços se direcionam para um desenvolvimento teórico que, sem olvidar as influências morais e políticas inerentes à aplicação do Direito, lhe forneça o necessário instrumental de justificação racional, legitimando-o perante a comunidade que a ele está submetida a partir aceitação de seu discurso e da adoção de uma postura de aplicação e interpretação convergentes à Constituição e aos valores nela consagrados, ultrapassando os limites da legalidade estrita adotada como dogma pelas Teorias Positivistas do Direito sob o respaldo, especialmente, do Estado Liberal.
O principal objetivo deste trabalho é descrever as principais características do Juspositivismo abordado por Hobbes. A metodologia adotada será uma análise bibliográfica de literatura, com ênfase em livros e artigos mais atuais e relevantes sobre o tema abordado.
Busca-se, sem pretensões de ineditismo, uma sintética revisão dos resultados e da discussão apresentada no decorrer do presente trabalho, com o especial objetivo de apontar o alcance e o significado do deslocamento de perspectiva no tratamento teórico das atividades de compreensão, realização e justificação democrática do Direito, na forma empreendida (ou, ao menos, pretendida) por aqueles que hoje são chamados de Neoconstitucionalistas.
2 O JUSPOSITIVISMO
É de suma importância, estudar a natureza humana desde o estado de natureza em Hobbes. A natureza humana é individualista, egoísta e por haver condições mínimas, de possibilidade, do ser humano viver conjuntamente e obedecer aos comandos esculpidos pelas leis naturais, para se alcançar a paz e/ou mantê-la, em nome de sua própria autopreservação, fez surgir, neste sentido, a necessidade de se criar uma Lei Civil a qual, via controle difuso por leis positivas, daria a permissão a um juiz que, mediante um caso concreto, manifestar-se-ia acerca de eventual incompatibilidade de julgamento, tendo este, como objetivo, manter a paz e regular as ações e demandas entre os seres humanos (Guerra Filho, 2021).
Para tanto, faz-se necessário o surgimento deste Estado, como curador das relações humanas e o que valerá neste contrato entre o homem e este Estado é a sua lei, não havendo necessidade de se respeitar qualquer outra lei. Tal curatela não ocorre por incapacidade individual dos contratantes como também, não é uma capacidade individual da pessoa natural do soberano uma vez que, apenas o Estado tem a capacidade de administrar os bens públicos e as relações humanas e, isto deriva de algo que extrapola o campo subjetivo (Perelman, 2022).
Em todo Estado, lei fundamental é aquela que, se eliminada, o Estado é destruído e irremediavelmente dissolvido, como um edifício cujos alicerces se arruinam. Portanto lei fundamental é aquela pela qual os súditos são obrigados a sustentar qualquer poder que seja conferido ao soberano, quer se trate de um monarca ou de uma assembléia soberana, sem o qual o Estado não poderia subsistir, como é o caso do poder da guerra e da paz, o da judicatura, o da designação dos funcionários, e o de fazer o que considerar necessário para o bem público. Uma lei não fundamental é aquela cuja revogação não acarreta a dissolução do Estado, como é o caso das leis relativas às controvérsias entre súditos. E é tudo, quanto à divisão das leis (Monteiro, 2023, p. 98).
Hobbes, em sua obra Leviatã, apresenta conceitos sobre leis separando-as em naturais e positivas.
Outra maneira de dividir as leis é em naturais e positivas. As naturais são as que têm sido leis desde toda a eternidade, e não são apenas chamadas naturais, mas também leis morais. Consistem nas virtudes morais, como a justiça, a eqüidade, e todos os hábitos do espírito propícios à paz e à caridade, dos quais já falei nos capítulos 14 e 15. As positivas são as que não existem desde toda a eternidade, e foram tornadas leis pela vontade daqueles que tiveram o poder soberano sobre outros. Podem ser escritas, ou então dadas a conhecer aos homens por qualquer outro argumento da vontade de seu legislador (Hobbes, 2003, p. 96).
Contudo, existe uma polêmica quanto ao jusnaturalismo ou ao juspositivismo na recepção filosófica de Hobbes, uma vez que são posições mutuamente excludentes e alguns o consideram um jusnaturalista e outros um juspositivista. Tratar da relação entre ambos, numa perspectiva histórica é trazer à luz a discussão típica da antiguidade sobre a oposição entre nómos e phúsis, no entanto, deve-se notar que a forte interpretação dicotômica desta relação não seria típica nem da antiguidade nem dos primeiros tempos da modernidade, mas chega aos nossos dias pela influência do positivismo deimonônico, como leciona Guerra Filho (2021) ao debater sobre o direito positivo e o direito natural.
Apesar de o direito positivo, ter seu nascedouro no século XIX, consideração esta feita por muitos autores, o termo já aparece no século XVII e este direito positivo ou juspositivismo é aquele baseado no direito estabelecido a partir de uma convenção e tem um caráter temporal e contextual, pois está em constante mudança por atualizações que as mesmas sofrem no decorrer do tempo. Neste sentido, pontua Perelman (2022, p.96):
As positivas são as que não existem desde toda a eternidade, e foram tornadas leis pela vontade daqueles que tiveram o poder soberano sobre outros. Podem ser escritas, ou então dadas a conhecer aos homens por qualquer outro argumento da vontade de seu legislador.
Quanto ao tema, a partir desta passagem, pode-se inferir que o positivismo surge com Hobbes, mas o filósofo também tenta afirmar a existência de “leis divinas positivas” (Monteiro, 2023, p.234), que são eternas e enviadas por Deus. Esta complexidade hobbesiana entre o direito positivo e o direito natural que ocorre no século XVII e tem suas raízes na antiguidade, conduz nosso olhar neste estudo. Resgatar as fontes antigas na modernidade é de grande importância porque as lentes do positivismo do século XIX obscureceram a riqueza desse assunto, ad exemplum, a Magna Carta5 de João Sem Terra, assinada em 15 de junho de 1215.
Neste contexto, o direito positivo ou juspositivismo, surgiu em consequência da vontade humana empírico-cultural, transformando-se em ordenamento positivo como pressuposto e existência de leis formais e a lei natural ou jusnaturalismo, surgiu de uma concepção ideal de direito, de um dever de estar de acordo com as regras da humanidade e da justiça universal, vez que referir-se à raça humana em sua totalidade, distinguindo-se de sua particularidade, pressupõe-se um caráter imutável, atemporal e universal, razão esta, pela qual os direitos humanos são frequentemente associados ao campo do direito natural (Perelman, 2022).
Porém, quando este surge interpretado como direitos fundamentais na esteira dos direitos, garantias e liberdades individuais, em um catálogo escrito e codificado, cuja problemática jurídica é associada a estes direitos, a argumentação adquire um novo caráter, em virtude de sua positivação como direitos diretamente vinculantes (Guerra Filho, 2021).
3 CONTROVÉRSIAS AS IDEIAS DE HOBBES
Muitos filósofos questionam os argumentos de Hobbes em suas colocações, como Monteiro (2023, p.101), ao asseverar que o direito natural representa a negação do direito positivo, quando o mesmo descreve o direito natural e o direito positivo, como antagônicos e excludentes.
Neste sentido, o direito natural é considerado, a partir da definição juspositivista, como uma concepção ideal do direito, ou seja, um dever ser conforme os ditames da humanidade e da justiça. O direito positivo, por tanto, debruça-se sobre o fruto do arbítrio humano, pois se funda na lei estabelecida, fundamentando-se na convenção. Para Perelman (2022) o estado de natureza é o estado da igualdade e liberdade, e o Estado Civil surge como pressuposto de regulação desta igualdade e liberdade. Esta passagem de um estado ao outro se dá por um contrato, por este motivo os jusnaturalistas também são conhecidos como contratualistas.
A história do jusnaturalismo, para Bobbio, ainda apresenta outra complexidade e traz à baila uma classificação em relação a este, vez que, em um primeiro momento, o jusnaturalismo como antigo-medieval, teoria do direito natural como norma objetiva é fruto de um racionalismo que concebe a verdade como adequação da razão humana à razão universal. Deste ponto de vista, justifica o seu desenvolvimento histórico, dentro da perspectiva tomista e, o jusnaturalismo moderno, seria exclusivamente uma teoria de direitos subjetivos de faculdades (Guerra Filho, 2021, p.658), por sua vez, é baseado em uma razão abstrata com um viés geométrico.
Para Reale (2022), o Jusnaturalismo é uma doutrina segundo a qual existe e pode ser conhecido um “direito natural” (ius naturale), ou seja, um sistema de normas de conduta intersubjetiva diverso do sistema constituído pelas normas fixadas pelo Estado.
Porém, Thomas Hobbes, traz um sentido de adaequatio ao jusnaturalismo em correspondência a um modelo de direito natural uma vez que, se fundava numa descrição que partia de um estado de natureza e culminava num Estado Civil e, em geral, as leis de natureza obrigam em foro interno e as leis positivas em foro externo (Monteiro, 2023, p.56):
As leis de natureza obrigam in foro interno, quer dizer, impõem o desejo de que sejam cumpridas; mas in foro externo, isto é, impondo um desejo de pô-las em prática, nem sempre obrigam. Pois aquele que fosse modesto e tratável, e cumprisse todas as suas promessas numa época e num lugar onde mais ninguém assim fizesse, tornar-se-ia presa fácil para os outros, e inevitavelmente provocaria sua própria ruína, contrariamente ao fundamento de todas as leis de natureza, que tendem para a preservação da natureza. Por outro lado aquele que, possuindo garantia suficiente de que os outros observarão para com ele as mesmas leis, mesmo assim não as observa, não procura a paz, mas a guerra, e consequentemente a destruição de sua natureza pela violência. Todas as leis que obrigam in foro interno podem ser violadas, não apenas por um fato contrário à lei, mas também por um fato conforme a ela, no caso de seu autor considerá-lo contrário. Pois embora neste caso sua ação seja conforme à lei, sua intenção é contrária à lei, o que constitui uma violação quando a obrigação é in foro interno.
Neste sentido, para Hobbes, as leis de natureza são imutáveis e eternas e as leis civis ou positivas, que podem sofrer mutações ao longo de sua existência.
4 JUSNATURALISTA OU JUSPOSITIVISTA
A polêmica que ainda gira em torno, quanto às características jusnaturalistas ou juspositivistas em Hobbes é debatida por alguns filósofos e comentadores deste, dentre os quais destaca-se Bobbio (2021) e Lebrum (2022) os quais defendem um Hobbes partidário do jusnaturalismo e, Alexy (2021) que defende o juspositivismo hobesiano, porém todos concordam ao final que quem legisla no Estado Civil é o soberano dos estados mundanos.
Bobbio (2021) defende em Hobbes a existência de um jusnaturalismo que não exclui o positivismo, cuja característica central é a contiguidade entre direito natural e civil, sendo o natural superior ao civil e o direito positivo depende do natural quanto à validade e não quanto ao conteúdo
Embora, para Bobbio (2021), o juspositivismo represente a negação do jusnaturalismo, pode-se afirmar que o direito natural antecede ou embasa o direito positivo vez que, ao se conhecer a passagem do jusnaturalismo medieval para o jusnaturalismo moderno, este também é considerado pelo mesmo a gênese do direito positivo.
Quanto a Lebrum (2022, p.146) o mesmo apresenta os argumentos que geralmente se colocam quando se trata de caracterizar Hobbes como um jusnaturalista, pois observa nas leis divinas de natureza os fundamentos da justiça vez que, as leis de natureza não são superadas com o advento das leis civis, mas sim, persistem na sociedade civil e desempenham um papel determinando o modelo de obrigações na sociedade civil não menos essencial que no Estado de Natureza.
Para tanto, Lebrum (2022) ao sustentar sua tese, cita muitas passagens das obras hobbesianas dentre outras, porém, traz à baila a passagem pela qual não restariam dúvidas sobre seu fundamento das leis civis nas leis divinas e naturais, ou seja, seu jusnaturalismo medieval. Neste sentido Hobbes afirma: “É certo que Deus é o soberano de todos os soberanos, portanto, quando fala a qualquer súdito deve ser obedecido, seja o que for que qualquer potentado terreno ordene em sentido contrário”.
Logo em seguida, Bobbio (2021) apresenta traços de oposição em Hobbes com o jusnaturalismo medieval, que seria exclusivamente uma teoria de direitos subjetivos, de faculdades e apresenta o seu jusnaturalismo moderno, o qual é constituído de uma teoria do direito natural como norma objetiva e que, na realidade, entre um e outo, não existe qualquer fratura, existe antes de tudo, uma substancial continuidade.
Mas o problema não é o da obediência a Deus, e sim o de quando e o quê Deus disse, e isso só pode ser conhecido, pelos súditos que não receberam a revelação sobrenatural, através da razão natural, a qual os levou a obedecer, a fim de conseguir a paz e a justiça, à autoridade de seus diversos Estados, quer dizer, de seus legítimos soberanos (Hobbes, 2003, p.281).
Corroborando com esta assertiva, no intuito de defender a recepção jusnaturalista de Hobbes, argumenta-se que em sua terceira lei de natureza “que os homens cumpram os pactos que celebrarem e mais adiante que nesta lei reside a fonte e a origem da justiça” (Hobbes, 2003, p.123), seria a maior comprovação textual de que Hobbes observa nas leis naturais, portanto divinas e imutáveis, o fundamento da justiça e, esta ideia permitiu à recepção dos textos hobbesianos, classificando-o como um jusnaturalista.
Já os positivistas jurídicos acreditam que a recepção de Hobbes como juspositivista nasce do entendimento de que a Lei é um produto exclusivo do desejo do soberano qual pode estar figurado como uma assembleia ou um monarca, ou seja, a justiça se fundamenta pela letra da lei e não por uma lei de natureza. Neste sentido, assevera Alexy (2021), Hobbes é um positivista jurídico porque, não importa qual o assunto, tampouco quão injusta ela pareça, se ela foi ordenada pelo soberano, será efetivada como lei. Sua justificativa é no sentido de que, para classificar Hobbes como positivista é a própria crítica hobbesiana no que diz respeito ao modo como eram postuladas as doutrinas referentes ao direito.
Hobbes assume claramente uma posição sobre a natureza da Lei que tem sido tradicionalmente chamado positivista. Esta é uma posição positivista, porque a Lei é entendida como dependente da vontade do soberano. Não importa o conteúdo da Lei, não importa o quão injusta ela pareça, se for ordenado pelo soberano, então, e somente então ela é Lei (Alexy, 2021, p.107).
Para demonstrar, Alexy (2021, p.251) destaca que a tradição jusnaturalista medieval, citando uma passagem do Leviatã na qual Hobbes define a lei civil da seguinte maneira:
A lei civil é, para todo súdito, constituída por aquelas regras que o Estado lhe impõe, oralmente ou por escrito, ou por outro sinal suficiente de sua vontade, para usar como critério de distinção entre o bem e o mal, isto é, do que é contrário ou não é contrário à regra.
Nesta passagem, muitos acreditam que Hobbes não somente é um positivista, mas o primeiro a colocar este fundamento e desvinculá-lo definitivamente do direito divino. Neste sentido, Alexy (2021, p.199) observa que Hobbes “viria a colocar as bases do positivismo jurídico” e, nesta esteira, Hampton afirma, após a apresentação destes argumentos, que “é muito claro que Hobbes não endossa a visão da lei natural”. Porém, mais adiante, no mesmo capítulo, vemos que Hobbes não só endossa a lei natural como também a coloca como uma condição necessária para a existência da lei civil, conforme asseverou Alexy (2021) na passagem de Hobbes em Leviatã “A lei de natureza e a lei civil contêm-se uma à outra e são de idêntica extensão”.
4. A lei de natureza e a lei civil contêm-se uma à outra e são de idêntica extensão. Porque as leis de natureza, que consistem na eqüidade, na justiça, na gratidão e outras virtudes morais destas dependentes, na condição de simples natureza (conforme já disse, no final do capítulo 15) não são propriamente leis, mas qualidades que predispõem os homens para a paz e a obediência. Só depois de instituído o Estado elas efetivamente se tornam leis, nunca antes, pois passam então a ser ordens do Estado, portanto também leis civis, pois é o poder soberano que obriga os homens a obedecer-lhes. Porque para declarar, nas dissensões entre particulares, o que é eqüidade, o que é justiça e o que é virtude moral, e torná-las obrigatórias, são necessárias as ordenações do poder soberano, e punições estabelecidas para quem as infringir, ordenações essas que portanto fazem parte da lei civil.
Corroborando com esta assertiva, Monteiro (2023) traz à baila a recepção mais recente de Hobbes, pontuando que as leituras de Alexy (2021) não são equivocadas, mas certamente parciais e, apresenta dois motivos. Em primeiro lugar, pontua que, talvez seja apressado ler Hobbes com as lentes do século XIX e classificá-lo conforme as divisões jurídicas estabelecidas por nossos contemporâneos. Em segundo, faz uma observação em relação a esta polêmica no sentido de que, a partir de uma homologia estrutural baseada na antilogia de Antifonte, uma de suas fontes antigas, pode-se compreender porque Hobbes comporta as duas posições e como é inútil discutir qual lei é superior.
5 JUSNATURALISTA HOBBESIANA
O estado de natureza humana acometidos pelas paixões e desejos, leva o ser humano a almejar ou a querer possuir o que não tem. Esta obsessão em possuir o que não lhe pertence, manifestada de forma quase sempre individualista ou por sedição em relação às disputas incessantes pelo poder político, fez surgir a necessidade de se elaborar uma lei que regulasse e/ou proibisse a escalada de violência praticada pelo ser humano em relação de sua própria espécie, como aponta Hobbes em suas obras Leviatã e Behemoth (Perelman, 2022).
O ponto de partida de Hobbes se deu pela descrição da condição natural do ser humano e as inferências que fez em relação às paixões humanas demonstradas em relação à vida social cotidiana, onde se observou que, as paixões são idênticas para todos os seres humanos independendo de sua singularidade e, o desejo, o medo e a esperança, são paixões comuns a todos. O que diferenciaria cada um entre si são seus objetivos ou objetos das paixões, como as coisas desejadas e temidas, dentre outras (Reale, 2022).
Neste sentido, a visão do filósofo Thomas Hobbes, que de forma ímpar defendeu uma lei civil como controle difuso das iniquidades humanas, utilizando para tanto, um preceito ou regra geral estabelecido pela própria razão humana que é a lei natural, traz uma compreensão jusnaturalista da lei civil. Para Hobbes, a lei civil e a lei natural não são diferentes espécies, mas diferentes partes da lei, uma das quais é escrita e se chama civil, e a outra não é escrita e se chama natural, porém o direito de natureza, ou a liberdade natural do homem, pode ser limitado e restringido pela lei civil (Reale, 2022).
Portanto a lei de natureza faz parte da lei civil, em todos os Estados do mundo. E também, reciprocamente, a lei civil faz parte dos ditames da natureza. Porque a justiça, quer dizer, o cumprimento dos pactos e dar a cada um o que é seu, é um ditame da lei de natureza. E os súditos de um Estado fizeram a promessa de obedecer à lei civil (quer a tenham feito uns aos outros, como quando se reúnem para escolher um representante comum, quer com o próprio representante um por um quando, subjugados pela espada, prometem obediência em troca da garantia da vida), e em conseqüência a obediência à lei civil também faz parte da lei de natureza. A lei civil e a lei natural não são diferentes espécies, mas diferentes partes da lei, uma das quais é escrita e se chama civil, e a outra não é escrita e se chama natural. Mas o direito de natureza, isto é, a liberdade natural do, homem, pode ser limitado e restringido pela lei civil; mais, a finalidade das leis não é outra senão essa restrição, sem a qual não será possível haver paz. E a lei não foi trazida ao mundo para nada mais senão para limitar a liberdade natural dos indivíduos, de maneira tal que eles sejam impedidos de causar dano uns aos outros, e em vez disso se ajudem e unam contra o inimigo comum.
A Lei Civil, portanto faz parte da lei de natureza como se pode observar nas passagens, abordadas nos capítulos XIV e XV na obra Leviatã, principalmente nas três primeiras regras, as quais prelecionam que cada ser humano deve procurar a paz, sendo possível que só gere uma situação que não é capaz de garantir a melhor forma a vida e, o mesmo se defenda utilizando todos os meios disponíveis que o direito abarca (Reale, 2022).
Suas controvérsias teriam que ser mediadas por um árbitro/juiz. Apesar de Hobbes pertencer à tradição jusnaturalista, o mesmo é considerado também um precursor do positivismo jurídico. Neste sentido assevera Reale (2022, p.41):
Hobbes adota a doutrina do direito natural não par limitar o poder civil […], mas para reforçá-lo. Usa meios jusnaturalistas […] para alcançar objetivos positivistas. A mesma ideia pode ser expressa de outra forma, dizendo que Hobbes é um jusnaturalista, ao partir, e um positivista ao chegar.
O direito de todo ser humano sobre as coisas, deste modo, foi regulado por um contrato, cumprindo-o com justiça, servindo como fundamento à lei civil (Ross, 2020, p.90):
Considerado isto, defino a lei civil da seguinte maneira: A lei civil é, para todo súdito, constituída por aquelas regras que o Estado lhe impõe, oralmente ou por escrito, ou por outro sinal suficiente de sua vontade, para usar como critério de distinção entre o bem e o mal; isto é, do que é contrário ou não é contrário à regra.
A ligação entre o ser humano, Sociedade, Lei, Política e o Direito é sem dúvida, delineada de forma brilhante por Thomas Hobbes, sendo o conceito de lei civil hobbesiano um ponto crucial para relação entre a política e o Direito (Ross, 2020, p. 91). Em Hobbes, a ideia do justo fornece, de certa forma, a legitimidade para o exercício do poder soberano e/ou político como também a compreensão do Direito, tornando possível a conexão entre os mesmos.
1. Em todos os Estados o legislador é unicamente o soberano, seja este um homem, como numa monarquia, ou uma assembléia, como numa democracia ou numa aristocracia. Porque o legislador é aquele que faz a lei. (…) 4. A lei de natureza e a lei civil contêm-se uma à outra e são de idêntica extensão. Porque as leis de natureza, que consistem na eqüidade, na justiça, na gratidão e outras virtudes morais destas dependentes, na condição de simples natureza (conforme já disse, no final do capítulo 15) não são propriamente leis, mas qualidades que predispõem os homens para a paz e a obediência. Só depois de instituído o Estado elas efetivamente se tornam leis, nunca antes, pois passam então a ser ordens do Estado, portanto também leis civis, pois é o poder soberano que obriga os homens a obedecer-lhes.
A visão de Hobbes sobre as leis naturais e Leis Civis, tendo como foco o conceito desta última para as relações entre Estado e súditos e entre eles próprios, é de suma importância para se compreender a “natureza humana” e a concepção de “estado de natureza”. A natureza humana é influenciada pelas paixões e por consequência, a convivência do ser humano em relação a seus semelhantes e a vida em comunidade, portanto, deve obedecer aos comandos ditados pelas leis naturais e, para se alcançar a paz e/ou mantê-la, se faz necessário o regramento legislativo, via Leis Civis (Sarmento, 2022).
Para Hobbes, a natureza do homem possui três causas principais de discórdia, a competição, a desconfiança e a glória. A competição leva os homens a atacar os outros tendo em vista o lucro e usam a violência para se tornarem senhores das pessoas, mulheres, filhos e rebanhos dos outros homens. A desconfiança leva o homem a buscar a segurança para defendê-los. A glória busca a reputação com base em pouca coisa, que segundo Hobbes pode vir como “uma palavra, um sorriso, uma diferença de opinião e/ou qualquer outro sinal de desprezo, quer seja diretamente dirigido a suas pessoas, quer indiretamente a seus parentes, seus amigos, sua nação, sua profissão ou seu nome” (Ross, 2020, p.46). Neste sentido, a competição é inevitável, assim como a desconfiança.
Este argumento, sobre a natureza do homem, surge em Hobbes após uma análise das condições objetivas nas quais, a primeira é no sentido de que os homens estão em condições de igualdade independentemente de suas vontades. No estado de natureza, as paixões inerentes aos mesmos os colocam em igualdade de fato, enquanto iguais por natureza, tornando os homens capazes de causar um ao outro o maior dos males, que é a morte violenta. Numa segunda condição objetiva, as paixões e os desejos por mais de um indivíduo leva a escassez dos bens, pois estes podem desejar possuir a mesma coisa que o outro e a igualdade entre os mesmos faz surgir esta esperança que é de realizar seu próprio objetivo, fazendo surgir um estado de desconfiança recíproca, levando à condição de guerra de todos contra todos (Lafer, 2021).
Esta motivação do homem pelas paixões e desejos é agravada pelo fato de que a natureza os colocou em tais condições de dominação pelos sentimentos que lhes predispõem mais para a insociabilidade do que para a sociedade (Sarmento, 2022, p.34) e, esta dominação em que os homens buscam precedência e superioridade sobre seus semelhantes, conduz inexoravelmente ao conflito.
Neste sentido, este incessante desejo de poder cada vez maior que o homem busca é definido como o conjunto dos meios empregados para se obter vantagens futuras ou imediatas, o que também é definido por Hobbes. O poder distingue-se em duas espécies: o poder natural que depende de faculdades eminentes do corpo e do espírito e o poder instrumental que consiste em meios como a riqueza, reputação e amizades os quais também são capazes de acrescer o poder natural. Neste sentido, assevera Hobbes (Sarmento, 2022, p.33):
O poder de um homem (universalmente considerado) consiste nos meios de que presentemente dispõe para obter qualquer visível bem futuro. Pode ser original ou instrumental. O poder natural é a eminência das faculdades do corpo ou do espírito; extraordinária força, beleza, prudência, capacidade, eloqüência, liberalidade ou nobreza. Os poderes instrumentais são os que se adquirem mediante os anteriores ou pelo acaso, e constituem meios e instrumentos para adquirir mais: como a riqueza, a reputação, os amigos, e os secretos desígnios de Deus a que os homens chamam boa sorte. Porque a natureza do poder é neste ponto idêntica à da fama, dado que cresce à medida que progride; ou à do movimento dos corpos pesados, que quanto mais longe vão mais rapidamente se movem.
O desejo de poder em uma situação na qual todos são iguais na capacidade de se prejudicarem mutuamente, pela insuficiência ou escassez de bens para satisfazer as necessidades de cada um, onde todos têm o direito natural a tudo, estes vivem em um estado de guerra, sendo o estado de natureza um estado de guerra iminente (Ross, 2020).
Com isto se torna manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens. Pois a guerra não consiste apenas na batalha, ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida. Portanto a noção de tempo deve ser levada em conta quanto à natureza da guerra, do mesmo modo que quanto à natureza do clima. Porque tal como a natureza do mau tempo não consiste em dois ou três chuviscos, mas numa tendência para chover que dura vários dias seguidos, assim também a natureza da guerra não consiste na luta real, mas na conhecida disposição para tal, durante todo o tempo em que não há garantia do contrário. Todo o tempo restante é de paz (Ross, 2020).
Nesta esteira, é manifesto que o homem vivendo sem um poder em comum capaz de manter uma boa relação entre os mesmos, com base no respeito mútuo, vivem em condição de guerra, uma guerra de todos os homens contra todos os homens, não consistindo apenas em uma batalha ou no ato de lutar, “mas no lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida”. Assim, Hobbes descreve as consequências do desaparecimento da autoridade do Estado caracterizada pela guerra civil, descrevendo-a como “guerra de cada um contra seu vizinho”. (Lafer, 2021, p.147).
A distribuição dos materiais dessa nutrição é a constituição do meu, do leu e do seu. Isto é, numa palavra, da propriedade. E em todas as espécies de Estado é da competência do poder soberano. Porque onde não há Estado conforme já se mostrou, há uma guerra perpétua de cada homem contra seu vizinho, na qual portanto cada coisa é de quem a apanha e conserva pela força, o que não é propriedade nem comunidade, mas incerteza. O que é a tal ponto evidente que até Cícero (um apaixonado defensor da liberdade), numa arenga pública, atribuiu toda propriedade às leis civis: Se as leis civis, disse ele, alguma vez forem abandonadas, ou negligentemente conservadas (para não dizer oprimidas), não haverá nada mais que alguém possa estar certo de receber de seus antepassados, ou deixar a seus filhos. E também: Suprimi as leis civis, e ninguém mais saberá o que é seu e o que é dos outros. Visto portanto que a introdução da propriedade é um efeito do Estado, que nada pode fazer a não ser por intermédio da pessoa que o representa, ela só pode ser um ato do soberano, e consiste em leis que só podem ser feitas por quem tiver o poder soberano.
6 VISÃO POSITIVISTA EM HOBBES
Para Hobbes, o Estado tem por finalidade a promoção da segurança e de seus cidadãos uma vez que, a busca quase que incessante pelo poder atrai guerras e revoltas, colocando o homem em constante estado preventivo, o que leva o mesmo a procurar segurança e viver em contínuas disputas. Deste modo, para exercer o direito fundamental à vida o mesmo se vale de qualquer coisa para garanti-la. Esta insegurança generalizada acometeria o homem quando no estado de natureza (Barcellos, 2022).
O estado de natureza, para o filósofo, é marcado pela constante insegurança, uma vez que o mesmo só está na posse de algo na medida em que tem a capacidade mantê-lo e este, seria o motivo para que os homens pactuem para a formação do Estado o qual teria a função básica de promover segurança. Apesar da permanência da natureza humana no seio do Estado Civil, haja vista que o homem é o mesmo e não se modifica com a entrada na sociedade política, graças à união das forças dos indivíduos pela vontade do soberano, é possível fazer cumprir as leis que antes estavam submetidas a regulação interna de cada um (Pinheiro, 2022).
4. A lei de natureza e a lei civil contêm-se uma à outra e são de idêntica extensão. Porque as leis de natureza, que consistem na eqüidade, na justiça, na gratidão e outras virtudes morais destas dependentes, na condição de simples natureza (conforme já disse, no final do capítulo 15) não são propriamente leis, mas qualidades que predispõem os homens para a paz e a obediência. Só depois de instituído o Estado elas efetivamente se tornam leis, nunca antes, pois passam então a ser ordens do Estado, portanto também leis civis, pois é o poder soberano que obriga os homens a obedecer-lhes. Porque para declarar, nas dissensões entre particulares, o que é eqüidade, o que é justiça e o que é virtude moral, e torná-las obrigatórias, são necessárias as ordenações do poder soberano, e punições estabelecidas para quem as infringir, ordenações essas que portanto fazem parte da lei civil. Portanto a lei de natureza faz parte da lei civil, em todos os Estados do mundo. E também, reciprocamente, a lei civil faz parte dos ditames da natureza. Porque a justiça, quer dizer, o cumprimento dos pactos e dar a cada um o que é seu, é um ditame da lei de natureza (Hobbes, 2003, p.91).
Nesta linha de raciocínio, Beccaria quando assevera que “os primeiros homens até então em estado selvagem, foram forçados a se agrupar” (BECCARIA, 2023, p. 17) constituindo assim algumas sociedades onde as leis foram as condições que reuniram os mesmos. Portanto, “somente a necessidade obriga os homens a ceder uma parcela de sua liberdade; disso advém que cada qual apenas concorda em pôr no seu depósito comum a menor porção possível dela”.
Neste sentido, a “soma dessas porções de liberdade sacrificadas ao bem geral constituiu a soberania na nação; e o encarregado pelas leis como depositário dessas liberdades e dos trabalhos da administração foi proclamado o soberano do povo” (Beccaria, 2023, p. 18), sendo este o seu legítimo depositário e administrador. No entanto, com as disputas incessantes pelo poder político, sobreveio a Guerra civil entre os partidários do parlamento e os monarquistas, tão temida por Hobbes. A Inglaterra vivia em meio a disputas de poder, poder este político que iam de encontro ao Estado delineado por Hobbes, pois o clero, papistas e tantas seitas protestantes independentes difundiam discursos religiosos à época, em contraponto à autoridade do Soberano, levando o povo a questionar tal autoridade.
Com tudo, o filósofo, ao se debruçar na história, acaba por detectar quais as causas que levaram a Inglaterra à guerra civil, identificando um poder vindo da manipulação da fé e da religião como também dos aristocratas descontentes com a monarquia e o próprio povo. Neste sentido, Hobbes aponta que o contrato seria a forma mais adequada para a promoção de segurança, porque este viria a regular as ações humanas. A legitimação do Estado como garantidor e curador das relações humanas se faz necessária vez que, o contrato hobbesiano entre todos os homens em favor de um Estado soberano é a sua lei, é o caminho para a paz (Pinheiro, 2022).
Este contrato não é entre o homem e o Estado e sim entre todos os homens com todos os homens em favor do Estado. Hobbes ao traçar um paralelo entre concepção da natureza humana, a concepção de estado de natureza por ele delineada e a necessidade de se criar uma Lei Civil estatal, objetivou a mantença da paz e regular as ações e demandas entre os seres humanos em relação ao cotidiano sofrido por estes, o eterno receio do retorno ao estado de natureza, uma alusão ao mito de Sísifo, os quais apresentam distúrbios legais (Ostrensky, 2022).
7 CONTRATO COMO GARANTIA DE PAZ SOCIAL
O surgimento do Estado como sociedade política ou civil, baseado em um modelo jusnaturalista, foi construído com base na grande dicotomia “estado ou sociedade de natureza/estado ou sociedade civil” (Barcellos, 2022, p.71) e o ponto de partida surgiu da análise da origem e do fundamento do Estado político, como o estado de natureza. Entre este estado de natureza e o estado político nota-se uma relação de justaposição.
Porém, ao se problematizar a história em torno do direito natural que situa Hobbes entre os jusnaturalistas do século XVII, é possível afirmar que Hobbes pertence á historia do direito natural, como assevera Lafer (2021, p.101) mais adiante:
Thomas Hobbes pertence, de fato, à história do direito natural: não existe nenhum tratamento da história do pensamento jurídico e político que não mencione e examine sua filosofia como uma das expressões mais típicas da corrente jusnaturalista. Por outro lado, Hobbes pertence, de direito, à história do positivismo jurídico: sua concepção da lei e do Estado é uma antecipação, verdadeiramente surpreendente, das teorias positivistas do século passado, nas quais culmina a tendência antijusnaturalista […] quando se fala […] de Austin, costuma-se recordar que ele teve um precursor (isolado) em Hobbes. Jusnaturalismo e positivismo são duas correntes antitéticas, em perene polêmica: uma representa a negação da outra. […] se […] têm razão os positivistas, não terá chegado a hora de rever o esquema tradicional das histórias do direito natural para delas retirar o nome de Thomas Hobbes?
Esta teoria racional do Estado como sociedade política ou civil, deduzida de uma teoria geral do homem leva a crer que o estado de natureza é, sem dúvida, um estado de concepção primária onde os indivíduos são singulares e associados em torno da família, por exemplo. Seus elementos constitutivos, indivíduos e seus grupos familiares são livres e iguais, caracterizando o estado de natureza como o estado onde reina a liberdade e a igualdade (Pinheiro, 2022).
A passagem deste estado de natureza ao Estado Civil não ocorre pela força das coisas, mas através de convenções ou atos voluntários, deliberados pelos indivíduos os quais almejam sair do estado de natureza para o Estado Civil, um corpo artificial. Seu princípio de legitimação em sociedade política neste caso é o consenso, independentemente de qualquer sociedade familiar ou patronal. Esta imagem é pura construção do intelecto, ou seja, a imagem de um Estado que nasce do consenso recíproco de indivíduos singulares, originalmente livres e iguais (Ostrensky, 2022).
Para Hobbes o Estado por instituição surge da concordância de homens entre si os quais submetem-se a um homem, ou a uma assembleia de homens, voluntariamente, com a esperança de serem protegidos por ele contra todos os outros (Barcellos, 2022, p.61). Esta seria a perspectiva juspositivista hobbesiana vez que, o bem e o mal não são mais definidos pelas leis divinas ou leis de foro íntimo, são constituídas pelas regras oralmente impostas ou por escrito, pela letra da lei civil.
8 O CONTRATO E O CONTEXTO POLÍTICO
Tendo em vista o contexto político à época, Hobbes presenciou parte importante da revolução inglesa, quando em um clima de caos e incerteza estava estabelecida a guerra civil numa tentativa de combater Monarquia e estabelecer o poder do chefe do Parlamento, na pessoa de Oliver Cromwell. Na esteira da filosofia hobbesiana, existe uma preocupação pela preservação da vida do homem, preservação esta que se dá por bases racionais que serão apoiadas por um contrato social (Ostrensky, 2022).
Para Hobbes, antes do estabelecimento de uma vida em sociedade de fato ou de uma sociedade constituída por um soberano, o homem vivia em um estado de natureza, onde o medo e a solidão imperam e, neste estado em que vivia, o homem gozava de liberdade irrestrita, porém vivia assombrado pelo medo da morte e da invasão. De acordo com Hobbes, no capítulo X da obra Leviatã, o poder consiste nos meios que o homem dispõe para obtenção de qualquer bem visível. São várias as formas de poder o poder natural leva em consideração as faculdades do corpo como força, beleza, prudência, capacidade, eloquência, liberdade ou nobreza e, para o autor são facilitadores para criação de vínculos interpessoais (Pinheiro, 2022).
Quanto ao poder instrumental, é aquele que pode ser adquirido em decorrência dos poderes naturais ou pelo acaso. Citando Hobbes ainda no capítulo X, “qualquer qualidade que torna um homem amado ou temido por muitos é poder, porque constituem um meio para adquirir ajuda e o serviço de muitos”. (Lafer, 2021, p.33).
Em se tratando de um estado de caos e incerteza, apesar do homem dispor de uma igualdade natural das faculdades entre si, na realidade, o homem pressupõe a submissão de outro e, este poder não pode existir sem uma consideração hierárquica entre estes. Neste sentido, o estado de natureza é um espaço de guerra de todos contra todos, constituído pelo medo, pois todos almejam suas próprias garantias e gozam de uma liberdade ilimitada. Para Hobbes, a liberdade se define como a simples ausência de impedimento externo para realização de uma ação e é neste sentido que o estado de natureza se apresenta como uma hipótese racional central, já que é nele que a natureza humana manifesta-se em sua plenitude (Ostrensky, 2022).
A liberdade irrestrita do estado de natureza é a principal força de manutenção da guerra, vez que, através do exercício dela, não há espaço e nem corpo que não possa ser invadido ou morto. Por este motivo, há necessidade de uma renúncia de uma parcela de sua liberdade original para que haja garantia de direitos básicos e respeito mútuo que se dará através de um contrato. Porque, o estado de natureza hobbesiano aparece como o lugar por excelência da guerra. A guerra por sua vez é alimentada pela igualdade dos homens o que predispõe a guerra de todos contra todos, não apenas porque é preciso proteger-se e garantir os bens já conquistados, mas também porque os homens têm igual o desejo de poder e glória (Barcellos, 2022, p.145).
Portanto, o medo pela opressão mostra a necessidade de uma associação entre os homens com transmissão de poderes para que haja a paz. Assim, assevera Hobbes, no capítulo X da obra Leviatã, o maior dos poderes é aquele composto pelos poderes de vários homens unidos numa só pessoa com consentimento natural ou civil, que tem como escopo o uso de todos os seus poderes na dependência de sua vontade e, isto é o caso do poder de um Estado (Pinheiro, 2022, p.33). A razão não se sobrepõe às paixões em Hobbes e sim ao medo pela opressão, na qual a razão opera como um instrumento para a realização das mesmas, trazendo para o homem à segurança que ele almeja, através deste contrato social.
Para Hobbes, esta transferência mútua de direitos é o que será chamado de contrato e, abdicar de boa parte da liberdade para garantir a segurança através do estado é assinatura do homem no contrato social. Esta transferência da parcela de poderes para um corpo social é no que se fundamenta um Estado e, este Estado deve ser soberano, em assembleia ou na mão de um único homem e este, para Hobbes, seria o único modo capaz de retirar o homem do estado de guerra. O poder soberano é este Estado, poder este dado pelo povo, porém pode-se notar uma discordância com as monarquias da época em que Hobbes vivia, posto que naquele período se defendia que o poder soberano dado ao governante era concedido pelas mãos divinas (Ostrensky, 2022).
O Estado para Hobbes é o poder comum que une todos os homens em respeito mútuo, porém há que se ressaltar que, nem só de pacto vive o Leviatã, como explicitou-se nesta teoria contratualista, os pactos sem espadas não servem de nada. Neste sentido, o medo retorna para o cotidiano do homem agora como o medo para a manutenção da paz, pois o estado enquanto poder absoluto pode acabar com a guerra como também pode acabar com qualquer tentativa de destruição de sua soberania (seja um homem seja um grupo de homens). Para esse contrato não pode haver renúncia, quanto menos subversão e sim pelo respeito às leis civis pactuadas pelos indivíduos e o Estado (Barcellos, 2022).
CONCLUSÃO
Verifica-se que a justiça hobbesiana está diretamente ligada com a noção de pacto e obediência à lei, lei está que nada mais é do que a ordem daquele que tem o direito de mando sobre os outros, ou seja, o soberano. A concepção da existência de uma lei natural superior, como tanto se discutiu em clássicos como Antígona, em Hobbes nada mais é do que ditames da razão, não sendo leis obrigatórias, portanto, não sendo pecado transgredi-las, até o surgimento de uma ordem imperativa daquele que tem o poder para tanto.
As Lex naturalis em Hobbes, são um conjunto de regras pertencentes à própria natureza humana, são inatas ao homem, e guiam-no na direção de obter a paz e a auto-preservação, já as leis civis são ordens do soberano, as quais cada homem quando da pactuação pelo Estado, se submeteu livremente e racionalmente, atitude esta procedida, em decorrência da obediência às leis naturais supracitadas.
Este homem artificial, o Estado, com poder e força superior aos demais homens, governará a sociedade impondo um conjunto de leis positivas, fundamentadas na lei natural, surgindo-se assim, com o conjunto destas leis positivas, o que atualmente conhecemos por direito positivo. Neste sentido, somente com o estrito cumprimento deste direito positivo imposto pelo estado, é que toda a coletividade de indivíduos cumprirão os ditames da lei natural e conseguirão alcançar individualmente sua finalidade natural como homem.
Assim, verifica-se que o brilhantismo do conceito hobbesiano de justiça está em sua tentativa de união entre lei natural e lei positiva, utilizando-se do direito natural para se justificar a necessidade de um Estado, e o surgimento de um sistema jurídico de leis positivas obrigatórias.
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. ed.5. Editora Malheiros. São Paulo, 2021.
BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, Racionalidade e Atividade Jurisdicional. ed.4. Editora Renovar. Rio de Janeiro, 2022.
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. ed.10. Editora Rideel. São Paulo, 2023.
BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. ed.9. Editora Campus. Rio de Janeiro, 2021.
HOBBES, Thomas. O LEVIATÃ ou matéria, forma e poder de uma República eclesiástica e civil. Trad. João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/hdh_thomas_hobbes_leviatan.pdf. Acesso em 18 Dezembro de 2024.
GUERRA FILHO, Santiago Willis. Teoria da Ciência Jurídica. ed.6. Editora Saraiva. São Paulo, 2021.
LAFER, Celso. Hobbes visto por Bobbio.Revista Brasileira de Filosofia. São Paulo, v.34, n° 164, 2021, pp.243-247.
LEBRUM, Gerard. O que é poder. ed.21. Editora Brasiliense. São Paulo, 2022.
MONTEIRO, João Paulo. A ideologia do Leviatã hobbesiano. ed.1. Editora Atlas. São Paulo, 2023.
OSTRENSKY, Eunice. As Revoluções do poder. ed.5. Editora Alamed. São Paulo, 2022.
PERELMAN, Chaïm. Ética e Direito. ed.7. Editora Martins Fontes. São Paulo, 2022.
PINHEIRO, Homero. Temas e Textos Interdisciplinares. ed.9. Editora Aula. Rio de Janeiro, 2022.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. ed.26. Editora Saraiva. São Paulo, 2022.
ROSS, Alf. Direito e Justiça. ed.6. Editora Edipro. Bauru, 2020.
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. ed.5. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2022.
[1] Militar da Reserva, Professor Doutorando em Filosofia do Direito, Advogado Especialista em Direito Processual Civil, Direito Administrativo, Direito da Pessoa com Deficiência e Concurso Público, Escritor e Palestrante. E-mail: ricardonfernandes@hotmail.com