O ENSINO DO DIREITO PARA ALÉM DA AULA EXPOSITIVA

O ENSINO DO DIREITO PARA ALÉM DA AULA EXPOSITIVA

31 de julho de 2023 Off Por Cognitio Juris

LEGAL TEACHING BEYOND THE EXPOSITORY CLASS

Artigo submetido em 05 de julho de 2023
Artigo aprovado em 17 de julho de 2023
Artigo publicado em 31 de julho de 2023

Cognitio Juris
Ano XIII – Número 48 – Julho de 2023
ISSN 2236-3009

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Autor:
Geovanna Carvalho Parede [1]

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RESUMO: O presente artigo tem por finalidade, demonstrar que a educação igualitária prescinde da conscientização da heterogeneidade existente dentro de uma sala de aula e, que, portanto, pessoas diferentes demandam práticas de aula diferentes. Para tanto, apontamos como essencial ao exercício do ofício de professor o desenvolvimento de três competências: competência para identificar o que é essencial, competência para ensinar a ter coragem de voar e competência de ensinar a partir dos saberes dos alunos. Tais competências são essenciais para que o professor procure e, efetivamente encontre, formas alternativas de ensino que sejam oportunidades excelentes de aprendizado para cada aluno considerado em sua individualidade. Isto posto, esse artigo tem por fito apresentar ao leitor duas formas alternativas à aula expositiva: o ensino pela leitura e o ensino pela pesquisa.

PALAVRAS-CHAVES: Educação. Igualdade. Competências. Aulas alternativas.

ABSTRACT: The purpose of this article, is to demonstrate that the igualitary education comes from the classroom heterogeneity, and therefore, different people demand different practices. Because of that, is meeded to point out Three teachers competences. Competence to teach the courage to fly, the  competence to identify the essencial and the competence to teach from the knowledge of students. Those competences are essencial to able teachers to find alternative ways of teaching that allow students to learn properly considering its individuality. Therefore, this article has the goal to present two alternatives to expositive classes, the teach by reading and the teach by research.

KEY-WORDS: Education. Iguality. Competences. Alternative classes.

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Competências para Ensinar; 2.1 Competência para Identificar o que é Essencial; 2.2 Competência para Ensinar a Ter Coragem de Voar; 2.3 Competência de Ensinar a partir dos Saberes dos Alunos; 3 O Ensino Além da Aula Expositiva; 3.1 Ensinar pela Leitura; 3.2 Ensinar pela Pesquisa; 4 Conclusão; Referências.

1. INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988, no art. 6º, disposto no capítulo dos Direitos Sociais, instituiu que a educação é um direito social, trazendo-a para o mesmo patamar do direito à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao transporte, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados. Mas afinal, o que é um direito social?

Direitos sociais são direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico doméstico, isto é, de cada país. É a positivação, pelo Estado, dos direitos morais, intrínsecos do ser humano, que poderá constar de forma expressa, ou não, na legislação pátria; já direitos humanos, são aqueles que visam a proteção e o desenvolvimento das pessoas, nas esferas de sua vida, de suas liberdades, igualdades e justiça, que foram conquistados ao longo da história[2].  

Dito isso, é cediço que a educação caminha ao lado da igualdade, direito fundamental do ser humano.

Aristóteles sintetizou a igualdade como sendo: tratar os iguais de maneira igual, os desiguais de maneira desigual na medida de suas desigualdades. Nesse mesmo sentido, para o Direito, a igualdade não é compreendida como uma simples questão aritmética em que, para ser considerado igual, ambos os lados devem possuir os mesmos números de elementos[3].

O Estado, mediante sua atividade legislativa, cria e mantém uma igualdade legal, tal como restou elencado no art. 3º, IV da CF, ao prescrever como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação e, ainda, pelo princípio da isonomia, disposto no art. 5º, caput daCF, ao determinar que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

No entanto, somos uma sociedade constituída de pessoas que trazem diferenças entre si, em razão de cada contexto biopsicossocial (biológico, psicológico e sociológico) vivenciado pelo povo. Tais diferenças, podem gerar preconceitos e discriminação, sendo:

o preconceito é uma indisposição ou um julgamento prévio, negativo que se faz de pessoas estigmatizadas por estereótipos. Já a discriminação se refere a conduta, ativa ou omissa, que viola direitos das pessoas com base em critérios injustificados e injustos, tais como raça, gênero, idade, opção religiosa e outros[4].

Em que pese os desvios do caminho oriundos de preconceitos e discriminações, é incontestável que a educação é um direito inegociável, que não pode ser suprimido ou esquecido; e mais, que a educação deve ser igual para todos.

Mas falar de uma educação igualitária não é homogeneizar os alunos, tratando-os e ensinando-os da mesma forma. Falar de uma educação igual, é considerar as diferenças que cada aluno traz consigo; é abordar o mesmo tema, de formas diferentes, para atingir o objetivo de ensinar cada aluno, em sua individualidade. E esse ensino igualitário deve estar presente, principalmente, nas faculdades e universidades, onde há maior heterogeneidade entre os alunos.

A sala de aula tradicional, em que encontramos um professor expositor e um aluno meramente ouvinte, está fadada ao fracasso. Dificilmente um professor conseguirá manter a atenção do aluno durante uma aula, ainda mais quando essa atenção está sendo disputada com o celular e a internet; é a mudança didática que vai proporcionar de fato a heterogeneidade[5].

Por tais apontamentos, esse artigo se propõe a analisar as competências necessárias do professor universitário, para verdadeiramente ensinar seus alunos e instigar neles, a vontade de aprender, apresentado ao leitor, formas de lecionar que sejam alternativas à aula expositiva.

Para tanto, em um primeiro momento, discorreremos sobre o que seriam e quais seriam, efetivamente, as competências para ensinar, valendo-nos dos conceitos apresentados por Phillipe Perrenoud, Rubem Alves e Paulo Freire. Em um segundo momento, apresentaremos formas alternativas de ensinar, que superem a aula expositiva, com exemplos práticos do ensino do Direito e que valorizem e prestigiem a heterogeneidade dos alunos.

2. COMPETÊNCIAS PARA ENSINAR

Ao buscar no dicionário o significado de competência, nos deparamos com as seguintes definições:

Capacidade decorrente de profundo conhecimento que alguém tem sobre um assunto: recorrer à competência de um especialista. Capacidade de fazer alguma coisa; aptidão. Dever ligado a um ofício, cargo, trabalho; atribuição, alçada. Conjunto de habilidades, saberes, conhecimentos: entrou na faculdade por competência própria.

Desta pesquisa, encontramos que o termo competência é usado, frequentemente, para designar inúmeros conceitos: capacidade, saber, habilidade, conjunto de habilidades, especificidades.

Isso nos leva a principal questão, o que é competência e como ser um professor competente?

Philippe Perrenoud[6], define competência como “uma capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos para enfrentar um tipo de situações”. Essa definição de competência compreende quatro outros aspectos, quais sejam:

O primeiro é que, diferentemente do que consta na definição do dicionário, as competências não são elas próprias habilidades, saberes, conhecimentos ou atitudes, mas mobilizam tais recursos para enfrentar determinada situação. Disto decorre o segundo aspecto: as competências somente podem ser mobilizadas, postas em práticas, diante de uma situação específica e concreta.

O terceiro aspecto é que a prática de determinada competência passa por operações mentais complexas, subentendidas por esquemas de pensamento, que permitem determinar, de maneira consciente, e realizar, uma ação relativamente adaptada à situação; o que nos leva a compreender que, diante de uma situação problema, cada professor, cada autor, terá uma forma lógica de raciocinar, de reagir e de superar a situação problema.E, finalmente, as competências elas se constroem com o estudo, com a formação profissional, mas, sobretudo, com a prática profissional.  

Posto isso e nos socorrendo dos ensinos de Rubem Alves, Paulo Freire e o próprio Philippe Perrenoud, apresentamos três competências, complementares entre si, para o ensino universitário:

2.1. COMPETÊNCIA PARA IDENTIFCAR O QUE É ESSENCIAL

Nos cursos de graduação em Direito, nós nos deparamos com professores que lecionam a mesma disciplina, isto é, a mesma matéria, todo novo período letivo, que pode variar de semestral para anual. São contratados para isso, seja porque possuem experiência ou porque possuem títulos, como o de Especialista, Mestre, Doutor etc. naquela área.

Desse modo cada professor é levado a dar uma importância desmedida a sua disciplina, sem ter consciência do que é ensinado antes ou depois, do que foi assimilado pelo aluno e do que ainda carece de atenção. Ora, cada professor está preocupado em cumprir com o seu conteúdo programático, tal como fora contratado.

Face a problemática instada, Philippe Perrenoud[7] propõe que seria melhor, mais produtivo ao aluno se, todos os professores tivessem uma visão longitudinal dos objetivos do ensino, isto é, do que é essencial que o aluno aprenda em determinada disciplina, especialmente para que o professor possa exercer o senso crítico do que deve ser ensinado.

Aí é que reside uma das competências para ensinar: o professor deve ser capaz de identificar o que é essencial em sua disciplina e no curso, como um todo. O desafio, portanto, é ter o domínio da totalidade da formação universitária, cujo objetivo principal é contribuir para a construção das competências visadas ao final do ciclo ou da formação.

Dito isso, as Diretrizes Curriculares do Curso de Direito, editadas pelo Ministério da Educação (MEC)[8], define que o perfil profissional do aluno formado em Direito, tenha por base uma formação geral e humanística e que, este aluno, ao final do curso, seja capaz de analisar e articular conceitos e argumentos, interpretar e valorar os acontecimentos jurídicos-sociais, assumir uma postura reflexiva e que tenha uma visão crítica que fomente a capacidade de trabalho em equipe, favoreça a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica, qualificando para a vida profissional e desenvolvimento pessoal da cidadania.

E acrescenta que, para alcançar o perfil almejado ao profissional do Direito, o ensino jurídico deve incitar o desenvolvimento no aluno de determinadas habilitadas, quais sejam:

(a) leitura, compreensão e elaboração de textos e documentos; (b) interpretação e aplicação do Direito; (c) pesquisa e utilização da legislação, da jurisprudência, da doutrina e de outras fontes do Direito; (d) correta utilização da linguagem – com clareza, precisão e propriedade –, fluência verbal e escrita, com riqueza de vocabulário; (e) utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão crítica; (f) julgamento e tomada de decisões; e (g) domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.

De uma simples leitura destas Diretrizes, salta-se aos olhos que os cursos de Direito não têm por objetivo a assimilação, pelo aluno, de todas as normas, princípios, institutos, processos, regras e exceções, que permeiam cada disciplina destinada à formação profissional, quais sejam, Direito Administrativo, Direito Civil, Direito Comercial, Direito Constitucional, Direito Internacional, Direito Penal, Direito Processual, Direito do Trabalho e Direito Tributário.

O objetivo principal é construção do raciocínio lógico e crítico, é ensinar ao aluno a pesquisar e encontrar soluções, a tomar decisões e prever as consequências. Assim sendo, os conteúdos transmitidos pelo professor em sala de aula devem ser repensados para que a finalidade do curso seja efetivamente atingida.

2.2. COMPETÊNCIA PARA ENSINAR A TER CORAGEM DE VOAR

Das ponderações que permearam a primeira competência apresentada, qual seja, de que o professor deve ser capaz de identificar em sua disciplina o que é essencial à formação total do aluno, nos remete a ideia apresentada por Rubem Alves, de que as escolas devem ser asas e não gaiolas. Entendamos:

Em seu livro, Por uma educação romântica, Rubem Alves conversa com o leitor acerca das suas reflexões sobre o papel da escola e chega a compará-las com gaiolas e asas, trecho esse que merece o devido destaque:

Há escolas que são gaiolas. Há escolas que são asas. Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, seu dono pode levá-los para onde quiser. (…) Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o voo. Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são os pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.

É certo que Rubem Alves criticava os programas oficiais das escolas de educação básica[9], questionando se a educação de qualidade que tanto precisamos é àquela proposta pelo Ministério da Educação (MEC), como por exemplo, o ensino do dígrafo; afinal, alguém se lembra do que é um dígrafo?

O autor afirma que tais escolas são gaiolas, pois aprisionam a criatividade e a essência do aluno, controlando o seu saber, dentro daquilo que fora programado e imposto. Mas que, por outro lado, existem as escolas asas, que ensinam aos alunos aquilo que é essencial ao seu crescimento como pessoa, que ensinam aos alunos ferramentas para resolver os problemas do dia a dia[10].

Trazendo essas ideias para o ensino universitário, em especial para o ensino do Direito, também é possível que faculdades, universidade e professores sejam gaiolas. O ensino do Direito aprisiona seus alunos quando se restringem à exposição de leis e conceitos doutrinários; quando ensina o aluno a reproduzir o que determinado doutrinador fala; quando prepara o aluno para resolver provas, “decorando” a matéria.

A supervalorização das ciências, como as disciplinas do Direito Civil, Direito Penal, Direito do Trabalho etc., tornou a relação aluno e professor impessoal e padronizada, exaurindo o tempo e espaço para trabalhar aquilo que não consta do conteúdo programático[11].

Mas os professores, estes de maneira singular, por manterem o contato direto com os alunos, podem ser asas, podem encorajar o voo de seus alunos, usando o tempo e espaço preciosos que possuem, sim, este tempo relativamente curto dentro da sala de aula, para desenvolver as habilidades necessárias da atividade profissional do Direito.

Encorajar o voo destes alunos é ensinar a eles o raciocínio lógico e crítico, é ensinar a manter uma relação interpessoal seja com um cliente, superior ou subordinado, é ensinar a manter a calma diante de uma situação-problema e então procurar por soluções, é ensinar a ter empatia e respeito pelo problema do outro, afinal, o Direito trabalha com a solução de lides, é ensinar a ter ética e moral profissional e pessoal.

Ter essa competência é compreender que ensinar não é transferir conhecimento[12]. Como Rubem Alves afirmou: não é possível ensinar a voar. É preciso instigar no aluno a vontade de voar, isto é, instigar o desejo de aprender, de evoluir, como aluno, como profissional, mas como ser humano.

2.3. COMPETÊNCIA DE ENSINAR A PARTIR DOS SABERES DO ALUNO

O aluno quando chega no ensino superior já vivenciou, ao menos todas as fases da infância e da adolescência, percorrendo, no caminho escolar, o ensino fundamental ao médio. Assim, é inconteste que o aluno não é, ao ingressar em uma faculdade ou universidade, uma tábua rasa, uma mente vazia que compete ao professor construir e moldar do zero[13].

O ensino, portanto, se choca com as concepções dos alunos e de forma mais abrupta, o ensino do Direito se esbarra nos costumes, nos hábitos e nos ideais de certo e errado construídos pelo meio que aquele aluno esteve inserido.

Paulo Freire afirma que o ato de ensinar exige respeito aos saberes dos alunos, respeito este que vai além de acolher as opiniões e saberes que chegam até você, inclui o debater com o aluno a razão de ser de tais conhecimentos em relação ao conteúdo proposto[14]. Isto é, o professor deve ter a competência de aproveitar as experiências, as vivências dos alunos para ensinar o que estava programado.

No Direito isto se torna evidente quando associamos prática e teoria. É possível ensinar institutos do Direito do Trabalho, como jornada de trabalho, hora extra, intervalo intrajornada para descanso e refeição, a partir das experiências vivenciadas pelos próprios alunos, caso estes já estejam trabalhando; ou ensinar o contrato de adesão, inserido no Direito do Consumidor, por ser algo vivenciado, sem dúvida, por todos os alunos ao contratarem um plano de internet ou televisão.

Nesse sentido, cabe ao professor se preparar para conseguir associar a disciplina, cujo conteúdo programático deve ensinar, com a realidade concreta dos alunos.

Tratando-se de opiniões e conhecimentos formados, é importante esclarecer que, trabalhar a partir dos saberes dos alunos não é incentivar que o aluno participe, responda as perguntas, comente sobre a matéria, para logo o professor desmerecê-los ou apontar os erros nas falas.

O professor, ao trabalhar a partir das representações e experiências dos alunos, exerce seu ofício com empatia, pois coloca-se no lugar do aluno, relembrando que outrora também não possuía o conhecimento de hoje possuí[15]

Enfim, essa competência para o professor é essencialmente didática. É instrumento para que o professor compreenda como o aluno pensa e por que pensa daquela forma; e é através destas conclusões que será possível para o professor se conectar com o aluno, trazendo-o para próximo dos objetivos propostos pela disciplina ministrada

3. O ENSINO ALÉM DA AULA EXPOSITIVA

A sala de aula, e de modo mais evidente, a sala de aula de uma faculdade ou universidade é composta por uma diversidade de alunos: uns trabalham, outros só estudam; uns se formaram em escolas públicas, outros em escolas privadas; para uns é a primeira graduação, para outros a segunda, a terceira; uns são mais jovens que outros etc. Uma coisa é fato: a sala de aula formada por grupos homogêneos é irreal, pois, certamente será composta por pessoas diferentes entre si, por incontáveis aspectos que interferem, direta ou indiretamente, na sua forma de aprendizagem.

Portanto, podemos concluir que cada aluno tem o seu nível de desenvolvimento, os seus interesses e vontades, os seus recursos disponíveis para estudo e as suas formas de aprender. Posto isso, é inconteste que uma situação padrão de ensino será, excepcionalmente, boa para todos[16].

Para que cada aluno progrida e atinja os objetivos visados em determinado curso ou, de forma mais específica, em determinada disciplina, é preciso que eles sejam colocados em situações de aprendizados ótimas para eles[17]. O papel do professor é romper com o ensino padronizado, romper com um curso composto por aulas 100% expositivas.

Tendo isso em vista, propomos a seguir, duas formas alternativas à aula expositiva, quais sejam, o ensino pela leitura e o ensino por projetos que, apesar de serem exemplificadas no ensino do Direito, podem ser aplicadas à quaisquer outros cursos.

3.1. ENSINAR PELA LEITURA

“A literatura é porta para variados mundos que nascem das várias leituras que dela se fazem. Os mundos que ela cria não se desfazem na última página do livro (…). Permanecem no leitor, incorporados como vivência, marcos da história de leitura de cada um.[18]Marisa Lajolo sabiamente expressou o papel da literatura em nossas vidas. É através da leitura que nos transportamos para outros mundos. É através da literatura que imaginamos o inimaginável.

A literatura tem esse papel. Tudo aquilo que lemos nos marca de alguma forma e é por esta razão que apresentamos a leitura como uma forma alternativa para ensinar.

Consciente da importância da literatura e leitura para a construção de valores essenciais ao ser humano, Gabriel Chalita reuniu em seu livro Pedagogia do Amor, 11 histórias da literatura clássicas, relacionando, cada uma dessas histórias à uma virtude, à um valor que desejava ensinar, tal como o próprio autor relata no trecho:  

Várias são as formas de reconduzir o barco da História na direção mais eficaz do sucesso da aventura humana. Uma delas é lançando um olhar mais atento às grandes histórias, de modo a aprender seus ensinamentos com maior competência. Neste livro, a proposta é justamente apontar caminhos que tornem essa viagem mais segura, fazendo das histórias um elo permanente e inquebrável entre a razão e a emoção, determinando o equilíbrio necessário às realizações da vida[19].

O autor se valeu de histórias e contos como As mil e uma noites para falar sobre a importância do amor e da paciência no ofício de ensinar, a história grega Hércules para falar da importância do trabalho e a história infantil O patinho feio para ensinar sobre o respeito.

Trazendo para o ensino do Direito, em especial, Direito do Trabalho, o professor pode propor aos seus alunos a leitura do livro Germinal[20] de Émile Zola, enredo do qual proporcionará ao aluno, o contato e a vivência, pela imaginação, das condições de vida e trabalho concernentes ao período da Revolução Industrial.

Outro exemplo para o ensino do Direito do Trabalho, é o conto O Jovem Rei[21], uma das oito histórias que compõe o livro Histórias de Fadas de Oscar Wilde. Pela leitura e estudo deste conto, será proporcionado ao leitor, isto é, ao aluno, uma conscientização da exploração do trabalho humano pelo capital, podendo, inclusive, levar ao debate quanto a necessidade de regulamentação das relações de trabalho.

O professor pode, portanto, se valer de histórias, contos, músicas, peças teatrais, poemas, posts, propagandas, enfim, tudo aquilo que compreende a literatura, para ensinar ao aluno os objetivos pretendidos de determinada temática ou disciplina.

3.2. ENSINAR PELA PESQUISA

Não há ensino sem pesquisa. O professor deve constantemente pesquisar, buscar, procurar e encontrar o que há de novo na matéria de seu ofício e para o próprio exercício do ofício.

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade[22].

A pesquisa, tão crucial para o desenvolvimento e atualização do professor também pode ser empregada como um meio de ensino, onde o professor se retira da posição de expositor e passar a trabalhar em conjunto com os alunos.  

É preciso que o docente tenha em mente que um projeto de pesquisa só se desenvolve se os alunos aceitarem a proposta, pois é uma atividade que demanda a autonomia e a participação direta dos alunos. O professor então, deve ser capaz de suscitar uma paixão desinteressada pelo saber, pela teoria, sem tentar justificá-la aos alunos.[23]

Uma forma de inserir a pesquisa como ferramenta para o ensino além da aula expositiva é trazer para dentro da sala de aula os projetos de trabalho, propostos por Fernando Hernández no livro Transgressão e mudança na educação.

Projetos de trabalho, tal como apresenta o autor, é uma das formas de reorganização do currículo escolar, em que se objetiva uma apresentação transdisciplinar do conhecimento, que atualmente é apresentado de maneira fragmentada, que afasta os saberes dos problemas que os alunos vivem e necessitam responder em suas vidas[24].

Dito isso, são características de um projeto de trabalho a definição de um tema ou de um problema que será o ponto de partida do projeto. Temos então o início do processo de pesquisa, a seleção das fontes de informação e a definição dos critérios de ordenação e interpretação destas mesmas fontes. Iniciada a parte prática, espera-se que os alunos apresentem novas dúvidas e perguntas, estabelecendo relação deste tema com outros problemas. É importe que todo o processo de elaboração de conhecimento que foi seguido, seja registrado, para que ao fim, o professor recapitule com seus alunos, o que foi aprendido, avaliando se os objetivos pretendidos foram alcançados[25].

É claro que Fernando Hernández propôs o projeto de trabalho para um currículo escolar transdisciplinar, onde inúmeras temáticas poderiam ser estudas em conjunto. Mas, deixando de lado os apontamentos quanto a necessidade de reorganização curricular e, considerando a atual organização dos cursos de graduação de Direito, por disciplinas, com a devida licença, podemos aplicar as suas ideias de ensino por projetos de trabalho para uma determinada matéria.

No Direito do Trabalho, o tema de um projeto de trabalho poderia ser o reconhecimento ou não do vínculo empregatício dos motoristas da Uber com a plataforma digital. É um assunto atual, que permeia a realidade dos alunos e incita o debate.

As fontes de pesquisa a serem selecionadas poderiam ser legislação atual, a legislação comparada, doutrina e artigos, julgamentos sobre a temática, entrevistas com os próprios motoristas e com a sociedade e análise de projetos de leis, definindo, em conjunto com os alunos, o método de estudo e interpretação.

Notem quanto material o alunado teria acesso. Quantas informações e conhecimentos chegariam até eles e que, sem dúvida, seriam restritos em uma aula expositiva.

Seguindo com o projeto de trabalho, os alunos apresentariam dúvidas relacionadas com o problema principal, tais como, formas de controle de jornada, o pagamento de salários fixo ou por comissões, cálculo e forma do recolhimento de contribuição previdenciária, o pagamento de impostos provenientes das relações de trabalho, formas e limites do exercício do poder potestativo do empregador e a privacidade do motorista etc.

Percebam quantos temas poderiam ser abordados em um único projeto de trabalho e, para cada um destes temas, os próprios alunos seriam responsáveis por buscar, nas fontes de pesquisas pré-determinadas, as possíveis soluções, situações estas que proporcionariam o contato do aluno com a matéria programada.

Por esta razão e por valorizar a autonomia e participação do aluno em seu ensino, é que apresentar os projetos de trabalho como uma forma alternativa ao ensino do Direito pelas aulas expositivas.

            4. CONCLUSÃO

A educação foi consagrada em nossa Constituição Federal, como um direito social, isto é, um direito humano que fora incorporado em nosso ordenamento jurídico. Dito isso, é incontestável que a educação igualitária é um direito inegociável, que não pode ser suprimido ou esquecido.

Mas, garantir uma educação a todos, é garantir uma educação igualitária para todos.

Para tanto, é preciso considerar que os alunos, os destinatários da educação, não são iguais entre si. Isto posto, uma educação igualitária é aquela que considera as diferenças que cada aluno traz consigo, abordando o tema proposto, a disciplina cursada, de formas diferentes, para atingir o objetivo de ensinar cada aluno, em sua individualidade.

Com o objetivo de fazer valer esta forma de ensino igualitário nas faculdades e universidades, onde há maior heterogeneidade entre os alunos, o professor deve desenvolver três competências:

Primeiro, o professor deve ser capaz de identificar o que é essencial em sua disciplina para atingir os objetivos pretendidos ao final do curso. Essa primeira, nos leva a segunda competência: o professor deve ser capaz de instigar no aluno o desejo de aprender, de evoluir, ensinando-o os saberes que libertam, como o raciocínio lógico, a ética e a pesquisa.

Finalmente, o professor deve ter a competência de ensinar a partir dos saberes dos alunos, conhecendo as vivências, realidades e construções de conhecimento de cada aluno que compõe a sua sala de aula, compreendo o porquê pensam como pensam e trabalhando, os objetivos pretendidos da disciplina, a partir destes saberes.

Colocando em prática essas competências, o professor terá a sensibilidade de constatar que os seus alunos não são iguais e que o mero emprego da aula expositiva como ferramenta de ensino, não proporcionará a todos uma oportunidade de aprendizado.

Dito isso, para que cada aluno progrida e atinja os objetivos essenciais pretendidos em cada disciplina e no curso como um todo, é preciso que o professor empregue outras formas de ensinar, tais como o ensino pela leitura e o ensino pela pesquisa.

Pela leitura, somos transportados para outros mundos e realidades, que nos marcam mesmo após o fim da história.Da mesma forma que foi exemplificado no item 3.1, é através da leitura que o aluno poderá ter contato com saberes difíceis de imaginar, compreender ou assimilar por uma simples exposição. Assim, o professor pode fazer uso da literatura, incluindo aí, mas não se restringindo a histórias, contos, músicas, peças teatrais, poemas, posts e propagandas, para ensinar ao aluno os objetivos pretendidos de determinada temática ou disciplina.

A segunda alternativa apresentada neste artigo é o emprego de projetos de trabalho dentro das próprias disciplinas ministradas pelos professores. Pela pesquisa, o professor instiga no aluno o desejo genuíno de aprender. Ainda, é pela pesquisa e debate de um tema central que o aluno terá contato com diversos outros temas, possibilitando assim, o estudo e debate dos objetivos visados em uma disciplina.  

É claro que além destas soluções apresentadas ao leitor, existem diversos outros meios e formas de ensino que podem ser utilizadas como uma alternativa à aula expositiva, como o emprego das tecnologias, a análise por conteúdo audiovisual, como filmes e músicas, o ensino pela prática etc., competindo ao professor buscar e encontrar aquilo que funcione com os seus alunos.

REFERÊNCIAS:

ALVES, Rubem. Por Uma Educação Romântica. 8ª Edição. São Paulo: Papirus Editora, 2009.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo – Os conceitos Fundamentais. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555596700. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555596700/. Acesso em: 12 jun. 2023.

CHALITA, Gabriel. Pedagogia da Amizade. Bullying: o sofrimento das vítimas e dos agressores.São Paulo: Editora Gente, 2008.

CHALITA, Gabriel. Pedagogia do Amor: a contribuição das histórias universais para a formação de valores das novas gerações. 18ª Edição. São Paulo: Editora Gente, 2003.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. 74ª Edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2022.

HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Tradução de Jussara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: Artmed, 1998.

LAJOLO, Marisa. Literatura: leitores e leitura. São Paulo: Moderna, 2001.

PERRENOUD, Philippe. Dez Novas Competências Para Ensinar; tradução de Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.  

SILVA, Evani Zambom Marque da; CASTRO, Lídia Rosalina Folgueira. Psicologia Judiciária para Concursos da Magistratura. São Pauli: Edipro, 2019.

WILDE, Oscar. Histórias de Fadas; tradução de Barbara Helidora. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019. ZOLA, Émile. Germinal; tradução, adaptação e apêndice de Silvana Salerno. 2ª Edição. São Paulo: Seguinte, 2016.


[1] Mestranda em Direito pela PUC-SP. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela FGV-SP. Advogada trabalhista e previdenciária.

[2] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo – Os conceitos Fundamentais. São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555596700. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555596700/. Acesso em: 12 jun. 2023, pp. 200 e 202.

[3] SILVA, Evani Zambom Marque da; CASTRO, Lídia Rosalina Folgueira. Psicologia Judiciária para Concursos da Magistratura. São Pauli: Edipro, 2019, p. 33

[4] SILVA, Evani Zambom Marque da; CASTRO, Lídia Rosalina Folgueira. Psicologia Judiciária para Concursos da Magistratura. São Pauli: Edipro, 2019, p. 34 e 35.

[5] CHALITA, Gabriel. Pedagogia da Amizade. Bullying: o sofrimento das vítimas e dos agressores.São Paulo: Editora Gente, 2008, p. 191.

[6] PERRENOUD, Philippe. Dez Novas Competências Para Ensinar; tradução de Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000, p. 15.

[7] PERRENOUD, Philippe. Dez Novas Competências Para Ensinar; tradução de Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000, p. 46.

[8] Diretrizes. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/dir_dire.pdf Acesso aos: 14 de jun. 2023.

[9] ALVES, Rubem. Por Uma Educação Romântica. 8ª Edição. São Paulo: Papirus Editora, 2009, p. 31.

[10] ALVES, Rubem. Por Uma Educação Romântica. 8ª Edição. São Paulo: Papirus Editora, 2009, p. 32.

[11] CHALITA, Gabriel. Pedagogia da Amizade. Bullying: o sofrimento das vítimas e dos agressores.São Paulo: Editora Gente, 2008, p. 190.

[12] FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. 74ª Edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2022, p. 47.

[13] PERRENOUD, Philippe. Dez Novas Competências Para Ensinar; tradução de Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000, p. 28.

[14] FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. 74ª Edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2022, p. 31

[15] PERRENOUD, Philippe. Dez Novas Competências Para Ensinar; tradução de Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000, p. 29

[16] PERRENOUD, Philippe. Dez Novas Competências Para Ensinar; tradução de Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000, p. 55

[17] PERRENOUD, Philippe. Dez Novas Competências Para Ensinar; tradução de Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000, p. 55.

[18] LAJOLO, Marisa. Literatura: leitores e leitura. São Paulo: Moderna, 2001, pp. 44/45

[19] CHALITA, Gabriel. Pedagogia do Amor: a contribuição das histórias universais para a formação de valores das novas gerações. 18ª Edição. São Paulo: Editora Gente, 2003, p. 12.

[20] ZOLA, Émile. Germinal; tradução, adaptação e apêndice de Silvana Salerno. 2ª Edição. São Paulo: Seguinte, 2016.

[21] WILDE, Oscar. Histórias de Fadas; tradução de Barbara Helidora. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019, posição 780 a 1003.

[22] FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. 74ª Edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2022, pp. 30/31.

[23] PERRENOUD, Philippe. Dez Novas Competências Para Ensinar; tradução de Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000, p. 38.

[24] HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Tradução de Jussara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: Artmed, 1998, p. 61.

[25] HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Tradução de Jussara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: Artmed, 1998, p. 81.