O CONSENSUALISMO NA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO CIVIL: LIMITES E POSSIBILIDADES

O CONSENSUALISMO NA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO CIVIL: LIMITES E POSSIBILIDADES

31 de maio de 2023 Off Por Cognitio Juris

CONSENSUALISM IN ADMINISTRATIVE IMPROBITY AND THE CIVIL NON-PROSECUTION AGREEMENT: LIMITS AND POSSIBILITIES

Artigo submetido em 15 de março de 2023
Artigo aprovado em 21 de março de 2023
Artigo publicado em 31 de maio de 2023

Cognitio Juris
Ano XIII – Número 46 – Maio de 2023
ISSN 2236-3009

Autor:
Myrna Teixeira Mendoza[1]
Caroline Müller Bitencourt[2]

RESUMO: Trata-se de estudo realizado mediante pesquisa bibliográfica demonstrando o consensualismo na improbidade administrativa possuindo como marco o Acordo de Não Persecução Civil, descrevendo-o desde os seus requisitos, e demais elementos de sua contextualização, demonstrando-se sua compatibilidade com os princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público, perquerindo-se suas possibilidades e limites, perante os referidos paradigmas constantes na ordem jurídica vigente. No escopo da demonstração dos limites e possibilidades do Acordo de Não Persecução Civil perante os princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público, preliminarmente realizou-se uma síntese dos demais negócios jurídicos apontados como mecanismo de resolução de conflitos, permeando a improbidade administrativa, premente quando vigorava a vedação consubstanciada no art. 17, §1°, da Lei n° 8.429/1992, enfatizando, sempre, a referida avença. Destacando-se, a concretização do interesse público como marco a ser alcançado como objetivo do Acordo de Não Persecução Civil, constituindo-se, paralelamente, em possibilidades e limites, juntando-se um caso concreto de celebração de acordo, demonstrando não ser incompatível os mencionados princípios com o consensualismo.

Palavras-Chave: Consensualismo, Improbidade Administrativa, Acordo de Não Persecução Civil.

ABSTRACT: This is a study carried out through bibliographical research demonstrating consensualism in administrative improbity, having as a framework the Civil Non-Prosecution Agreement, describing it from its requirements, and other elements of its contextualization, demonstrating its compatibility with the principles of supremacy and unavailability of the public interest, investigating its possibilities and limits, given the aforementioned constant paradigms in the current legal order. In the scope of demonstrating the limits and possibilities of the Civil Non-Prosecution Agreement before the principles of supremacy and unavailability of the public interest, a preliminary summary was carried out of the other legal transactions identified as a conflict resolution mechanism, permeating administrative improbity, pressing when the prohibition consubstantiated in art. 17, paragraph 1, of Law No. 8.429/1992, always emphasizing said agreement. Standing out, the realization of the public interest as a milestone to be achieved as the objective of the Civil Non-Prosecution Agreement, constituting, at the same time, possibilities and limits, joining a concrete case of signing an agreement, demonstrating that the mentioned principles with consensualism.

Keywords: Consensualism, Administrative Improbity, Civil Non-Prosecution Agreement.

1       INTRODUÇÃO

O Acordo de Não Persecução Civil constitui-se no marco do consensualismo na seara da Improbidade Administrativa, contendo possibilidades e limites perante os princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público.

Realizar-se-á, para tanto, uma abordagem sobre as fontes normativas e o entendimento conceitual da improbidade administrativa perante a Lei nº 14.230/2021, alterando a Lei nº 8.429/1992- Lei de Improbidade Administrativa, e sua responsabilização. Declinando-se as modalidades de acordo na improbidade administrativa, enfatizando-se o Acordo de Não Persecução Civil, concluindo seus limites, e possibilidades, ante o primado da supremacia e indisponibilidade do interesse público.

Delinear-se-á, por oportuno, uma breve exposição do patrimonialismo como origem da improbidade administrativa no País, de forma a demonstrar-se e entender seu enraizamento na cultura brasileira como um todo e sua perseverança no contexto contemporâneo nacional.

A evolução normativa  da Constituição Federal de 1988 e demais leis infraconstitucionais, regulamentando a abrangência da Improbidade Administrativa, deixando a mesma de ser somente fruto do enriquecimento ilícito, passando a abranger os atos causadores de dano ao erário e aos princípios da Administração Pública. De fato, deixa-se de ter uma visão restritiva de ser ato ímprobo somente o enriquecimento ilícito, passando-se a antever o todo, desde como antedito, o dano ao erário até a violação aos princípios da Administração Pública.

Insta salientar que passar-se-á a esboçar, de forma didática, o Compromisso de Ajustamento de Conduta, o Acordo de Leniência e a Colaboração Premiada, enfatizando-se o Acordo de Não Persecução Civil, os quais possuem em comum a natureza de negócio jurídico, constituindo-se nuns expoentes da consensualidade no direito administrativo.

Com efeito, os referidos acordos foram formulados e utilizados mesmo perante as disposições do §1, do art. 17, da Lei n° 8.429/1992, vedando a transação no âmbito da improbidade administrativa.

O Acordo de Não Persecução Civil será enfatizado de forma mais detida, declinando-se desde os seus requisitos ao seu contexto como um todo, de forma a evidenciar a sua utilização na prática pelos Ministérios Públicos. Discorrendo-se desde suas cláusulas obrigatórias, até a discricionariedade relativa do Órgão Ministerial, ao qual, embora não obrigado a efetuar o Acordo de Não Persecução Civil, é vedado decisões arbitrárias.

Realizando-se, uma pesquisa bibliográfica, como antedito, demonstrando o consensualismo refletindo paulatinamente na improbidade administrativa, no qual o consenso decorre das inovações normativas do microssistema anticorrupção, possuindo como marco a Lei n° 13.964/2019, instituindo o Acordo de Não Persecução Civil, posteriormente regulamentado pela Lei n° 14.230/2021, alterando a Lei n° 8.429/1992

Nesse percurso, demonstrar-se-á não ser incompatível o Acordo de Não Persecução Civil com os princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público, premente quando os mesmos são realizados no caso concreto, estatuindo-se a aplicação do consenso na improbidade administrativa.

Concluindo-se pela possibilidade e limites do Acordo de Não Persecução Civil, mormente como destacado, perante os princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público, permeado das noções de abrangência e restrição do referido Acordo de Não Persecução Civil, na seara do interesse público.

2 O CONSENSUALISMO NA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO CIVIL: LIMITES E POSSIBILIDADES

2.1 A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E AS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS: NOVOS DESAFIOS A SUA APLICABILIDADE

Realizar-se-á uma abordagem sobre as fontes normativas e o entendimento conceitual da improbidade administrativa perante a Lei nº 14.230/2021, alterando a Lei nº 8.429/1992- Lei de Improbidade Administrativa, e sua responsabilização. Declinar-se-ão as modalidades de acordo na improbidade administrativa, enfatizando-se o Acordo de Não Persecução Civil, concluindo seus limites, e possibilidades, ante o primado da supremacia e indisponibilidade do interesse público.

Delinear-se-á, por oportuno, uma breve exposição do patrimonialismo como origem da improbidade administrativa no País, de forma a demonstrar-se e entender seu enraizamento na cultura brasileira como um todo e sua perseverança no contexto contemporâneo nacional.

No Brasil, remonta à época colonial a dificuldade em distinguir-se a alçada pública da privada, a princípio pelos detentores do poder, porém enraizou-se e desenvolveu-se de tal forma a encontrar-se campeando a cultura da improbidade administrativa arraigada na sociedade brasileira, mesmo a contemporânea, nos quais os favores, as transações espúrias, enriquecimento ilícito, e interesses privados, solapam o próprio interesse público de forma ilícita, em que pese os mecanismos de prevenção e repressão às condutas ímprobas, a exigir uma mudança de mentalidade da própria Administração Pública para coadunar suas ações aos princípios ético-morais, de forma a neutralizar no País as condutas voltadas a expropriar o patrimônio público e a difundir o famigerado “jeitinho brasileiro” ou “rouba, mas faz”, expressões tão presentes no vocabulário cotidiano do cidadão brasileiro.

Em suma, a improbidade somente será combatida de forma efetiva quando mudar-se a cultura brasileira, e a mentalidade dos gestores públicos, devendo pautarem-se os agentes públicos pela ética e boa-fé, com vistas a efetivar o princípio da moralidade pública.

Os doutrinadores, como Wallace Paiva Martins, assinalam a origem da improbidade administrativa repousando no patrimonialismo, numa verdadeira balbúrdia entre as esferas pública, e privada, persistente nos dias atuais, conforme emerge do declarado pelo referido autor, quando, ao referir-se à gênese, é passível de antever-se seu desenvolvimento como um tema perfeitamente atual, mormente considerando-se a mentalidade reinante na sociedade:

No Brasil, ele tem origem atávicas na colonização lusitana: a formação cultural da nação brasileira é fortemente influenciada pelo domínio doméstico e, como observou Sérgio Buarque de Holanda, “não era fácil aos detentores das posições públicas de responsabilidade, formados por tal ambiente, compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do privado e do público”. Esse caldo de cultural se enreda por diversos mecanismos de apropriação de vantagens públicas nas ligações perigosas entre os setores público e privado: o mercado del favor legal, a criação de dificuldades para venda de facilidades, a tendencia congênita ao desvio do poder e ao amesquinhamento da ética e da boa-fé, a falta de ou o menor grau de transparência agregada à atuação oculta do lobby, a facilitação do blanchiment de l’argent salle, as deficiências do sistema político-partidário com a captação de fondi neri para financiamento de campanhas eleitorais, a pluralização excessiva de cargos comissionados (sujeitos, em geral, ao aparelhamento ou se prestando à moeda de troca nas coalizões partidárias de ocasião), o nepotismo, a burocratização, a excessiva intervenção estatal, o clientelismo, o apadrinhamento, a percepção da posição pública como fonte de riqueza, a compreensão da res publicae como res nullius etc. O patrimonialismo deturpa o poder como fonte de favorecimento (pessoal ou alheio). (MARTINS JUNIOR, 2022, p. 327).

Raymundo Faro (2012), de igual forma, identifica a existência do patrimonialismo advindo de nossa colonização, na chegada das cortes portuguesas ao Brasil, no século XIX, transformando-se num padrão pelo qual se estruturaram a independência, o Império e a República do Brasil, tornando-se um marco na evolução do Estado de nosso País, ao longo dos tempos, estando o Poder Público dedicado aos seus próprios interesses, afastando-se da sociedade, porém convertendo-se em um bem em prol de si mesmo, dos dirigentes da nação, tudo no escopo de efetivar os interesses individuais, a utilização da máquina pública em proveito próprio, satisfazendo os interesses particulares, constituindo-se nos donos do Poder, derivado não somente do prestígio social, mas sobretudo por manipular recursos políticos e institucionais de modo a manter privilégios, inclusive os econômicos.

Sérgio Buarque de Holanda (2014), por seu turno, assegura, diante de tal contexto social,  marcado pelo patrimonialismo, “não era fácil aos detentores das posições públicas de responsabilidade, formados por tal ambiente, compreenderem a distinção fundamental entre os domínios do privado e do público” (HOLANDA, 2014, p. 175), asseverando que as escolhas dos indivíduos para exercerem a função pública ocorria de acordo com a confiança pessoal, suplantando as capacidades próprias, portanto só excepcionalmente no Brasil ocorreu um sistema administrativo com um quadro funcional puramente dedicado a interesses objetivos, pelo contrário, a imposição do predomínio constante das vontades particulares encontra-se em ciclos fechados, inacessíveis a uma ordem impessoal.

Wallace Paiva Martins Junior, em comentários a respeito da temática vertente, afirma imperar no Brasil uma cultura de improbidade administrativa assolando, como um verdadeiro flagelo, a urdidura social, advinda da correlação entre mau emprego do poder pelos agentes públicos e os interesses privados duvidosos, constituindo, assim, a atividade da função pública como um filão para obtenção e distribuição de rendas, favores e vantagens ilícitas, prescrevendo:

Um dos fatores que fomenta a cultura da improbidade administrativa é a difusão generalizada da má-fé (bilateral) nas relações públicas, não obstante a tutela preventiva e repressiva aos comportamentos ilícitos, as potencialidades decorrentes de maior grau de transparência e controlabilidade, e a (progressiva) independência dos órgãos controladores. Neste contexto, é indispensável gizar a necessidade de incidência bilateral do princípio da boa-fé nas relações entre Administração e administrados […] (MARTINS JUNIOR, 2022, p. 328).

A Constituição Federal de 1988, por seu turno, constitui-se num marco inovador da improbidade administrativa, inserindo sua tipificação nas disposições constitucionais voltadas à Administração Pública, prevendo-a no art. 37, em seu âmbito normativo. Entretanto, antes do advento da Carta da República de 1988, existiam disposições legais constitucionais e infraconstitucionais a respeito da improbidade administrativa, mormente aos atos lesivos à Fazenda Pública e de enriquecimento ilícito, consistentes: Decreto-Lei nº 3.240, de 8 de maio de 1941, prevendo o sequestro de bens dos praticantes de crimes contra o Erário; art. 141, § 31, dispondo sobre o sequestro e perdimento de bens quando da ocorrência do enriquecimento ilícito proveniente por influência ou com abuso de cargo ou função pública, dentre outros; Lei nº 3.164 de 1º de junho de 1957 – Lei Pitombo-Godói Ilha, preconizando o sequestro e a perda de bens em prol da Fazenda Pública em casos de abuso de cargo, função pública ou emprego, sem prejuízo da responsabilidade penal; Lei nº 3.502, de 21 de janeiro de 1958, disciplinando o sequestro e o perdimento de bens resultantes do enriquecimento ilícito por influência ou abuso de cargo ou função; Constituição de 1967 – art. 150, § 11, cuja enumeração passou a ser 153, § 11, decorrente de Emenda Constitucional, estabelecendo o perdimento de bens procedentes do enriquecimento ilícito no exercício de função pública; Ato Institucional 5, de 13 de janeiro de 1968, estatuindo o confisco de bens pelo Presidente da República, premente nos casos de enriquecimento ilícito; Ato Complementar nº 42/69 e Decreto – Lei 359, de 17 de dezembro de 1968, regulamentando o confisco; e, finalmente, a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, revogando as Leis nº 3.164/57 e 3.502/58, passando a disciplinar a improbidade administrativa, ampliando a incidência da tipologia a qual deixa de ser somente enriquecimento ilícito, passando a abranger os atos causadores de danos ao Erário e os que atentam contra os princípios da Administração Pública.

A evolução no direito positivo de constituições e normas infraconstitucionais pode ser coligida na decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, proferida na apreciação da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.236 Distrito Federal. A respeito da inovação constitucional de 1988, pronunciou-se:

Tratou-se de verdadeira evolução legislativa, pois o Decreto-Lei
Federal 3.240, de 8 de maio de 1941, previa somente o sequestro e a perda dos bens de autores de crimes que resultavam em prejuízo para a Fazenda Pública, desde que acarretassem locupletamento ilícito, e subsidiariamente, a reparação civil do dano e a incorporação ao patrimônio público de bens de aquisição ilegítima de pessoa que exercesse ou tivesse exercido função pública.
Por sua vez, a Constituição de 1946 estabeleceu a possibilidade de regulamentação legal sobre o sequestro e o perdimento de bens, no caso de enriquecimento ilícito, por influência ou com o abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica (art. 141, § 3º). A
respectiva regulamentação veio com a Lei 3.164/1957 (Lei Pitombo-Godói). Posteriormente, o Congresso Nacional editou a Lei 3.502/1958 (Lei Bilac Pinto), estabelecendo as providências para o combate ao enriquecimento ilícito. O AI 14/1969, ao conferir nova redação ao art. 150, § 11, da Constituição Federal de 1967, posteriormente renumerado para art. 153, § 11, pela EC 1/1969, da mesma maneira que a Constituição de 1946, estabeleceu a possibilidade de regulamentação legal sobre o confisco e sobre o perdimento de bens por danos causados ao Erário, ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício de cargo, função ou
emprego na Administração Pública direta ou indireta. (BRASIL. STF – Medida Cautelar ADI: 7.236 – Distrito Federal. Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 27/12/2022, p. 16-17).

No voto do Ministro Alexandre de Moraes, destaca-se a Carta da República como privilegiando o combate à improbidade administrativa, ressalvando em suas disposições que caberá à lei infraconstitucional a sua normatização, de forma a cumprir com um sancionamento mais rigoroso para os atos de improbidade que solapam o Estado Democrático de Direito:


A Constituição Federal de 1988 privilegiou o combate à improbidade administrativa para evitar que os agentes públicos atuem em detrimento
do Estado […] A corrupção é a negativa do Estado Constitucional, que tem por missão a manutenção da retidão e da honestidade na conduta dos negócios públicos, pois não só desvia recursos necessários para a efetiva e eficiente prestação dos serviços públicos, mas também corrói os pilares do Estado de Direito e contamina a necessária legitimidade dos detentores de cargos públicos, vital para a preservação da Democracia representativa […] (BRASIL. STF – Medida Cautelar ADI: 7.236 – Distrito Federal. Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 27/12/2022, p. 17).

Depreende-se, ainda, do destacado voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal constituir-se a inovação constitucional numa forma de punir severamente o agente público pela errônea utilização do cargo ou função em proveito próprio, causando prejuízo ao Erário:

Essa inovação constitucional de 1988, em permitir tratamentos
sancionatórios diferenciados entre os atos ilícitos em geral e os atos de improbidade administrativa, inclusive com a normatização em parágrafos
diversos, decorreu da necessidade de se punir mais severamente a ilegalidade qualificada, ou seja, a Constituição comandou ao Congresso Nacional a edição de lei que não punisse a mera ilegalidade, mas sim a conduta ilegal ou imoral do agente público voltada para a corrupção, e de todo aquele que o auxilie, no intuito de prevenir a corrosão da máquina burocrática do Estado e evitar o perigo de uma administração corrupta caracterizada pelo descrédito e pela ineficiência. A Constituição Federal, portanto, pretendeu punir mais severamente o agente público corrupto, que se utiliza do cargo ou de funções públicas para enriquecer ou causar prejuízo ao erário […] (BRASIL. STF – Medida Cautelar ADI: 7.236 – Distrito Federal. Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 27/12/2022, p. 18).

Na seara do direito internacional, emergiram convenções, como fontes do combate à improbidade administrativa, possuindo o Brasil como signatário: Convenção Interamericana contra Corrupção (CICC), empreendida pela Organização dos Estados Americanos (OEA), a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (CNUCC), e a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Estrangeiros e Transações Comerciais Internacionais, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE) (NEVES; OLIVEIRA, 2020).

A concepção de improbidade administrativa é proveniente do termo latino improbitate, significando imoralidade, desonestidade. Plácido e Silva (2005) prescreve que o vocábulo “ímprobo” se refere a todo indivíduo que “procede atentando contra os princípios ou as regras da lei, da moral e dos bons costumes, com propósitos maldosos ou desonestos. O ímprobo é privado de idoneidade e de boa fama” (PLÁCIDO E SILVA, 2005, p. 715).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro declina não ser tarefa fácil distinguir-se entre moralidade administrativa e probidade administrativa, significando ambas a mesma coisa, pertinente ao entendimento de honestidade na Administração Pública, e, via de consequência lógica, deve-se considerar ser insuficiente a legalidade formal, considerando-se imperativa a “observância de princípios éticos, de lealdade, de boa-fé, de regras que assegurem a boa administração e a disciplina interna na Administração Pública” (DI PIETRO, 2021, p. 981).

A administrativista em comento registra:

Comparando moralidade e probidade, pode-se afirmar que, como princípios, significam praticamente a mesma coisa, embora algumas leis façam referência às duas separadamente, do mesmo modo que há referência aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade como princípios diversos, quando este último é apenas um aspecto do primeiro. No entanto, quando se fala em improbidade como ato ilícito, como infração sancionada pelo ordenamento jurídico, deixa de haver sinonímia entre as expressões improbidade e imoralidade, porque aquela tem um sentido muito mais amplo e muito mais preciso, que abrange não só atos desonestos ou imorais, mas também e principalmente atos ilegais. Na lei de improbidade administrativa (Lei nº 8.429, de 2-6-92, a lesão à moralidade administrativa é apenas uma das inúmeras hipóteses de atos de improbidade previstos em lei […] (DI PIETRO, 2021, p. 982).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, continuando seu pensamento, distingue a legalidade em sentido estrito e a legalidade em sentido amplo, advertindo diferenciar-se a imoralidade dos atos de improbidade administrativa:

Concluindo, a legalidade estrita não se confunde com a moralidade e a honestidade, porque diz respeito ao cumprimento da lei; a legalidade em sentido amplo (o Direito) abrange a moralidade, a probidade e todos os demais princípios e valores consagrados pelo ordenamento jurídico; como princípios, os da moralidade e probidade se confundem; como infração, a improbidade é mais ampla do que a imoralidade, porque a lesão ao princípio da moralidade constitui uma das hipóteses de atos de improbidade definidos em lei. (DI PIETRO, 2021, p. 983).

A respeito da temática, Luzardo Faria profere possuir o princípio da moralidade relevância em decorrência de dois principais motivos:

[…] o primeiro é o de que, constituindo-se como ato final resultado de um processo administrativo, os acordos devem observar a moralidade assim como qualquer outra manifestação de vontade exteriorizada pela Administração; o segundo – e isso é o que realmente chama – é o fato de que os acordos firmados pela Administração Pública, via de regra, são produzidos em ambiente de desigualdade de poder e de assimetria de informações. (FARIA, 2022, p. 210).

A improbidade administrativa é considerada doutrinariamente como moral jurídica fundamentada nos princípios gerais de direito, devendo ser acatada por todos os indivíduos em suas relações com a Administração Pública, decorrendo da exigência de boa-fé vigorante no Estado de Direito, numa moral administrativa distinguida entre boa e má administração do Poder Público. Vale ressaltar dissentir a doutrina sobre a conceituação de improbidade administrativa, considerando-se a probidade ou como “subprincípio” da moralidade administrativa, ou positivando a mesma como princípio constitucional, constituindo-se a improbidade a sua violação: “A imoralidade acarreta improbidade, mas a recíproca não é verdadeira. Vale dizer: nem todo ato de improbidade significa violação ao princípio da moralidade” (ASSUMPÇÃO NEVES; REZENDE OLIVEIRA, 2022, p. 4), ocorrendo uma aproximação entre a improbidade administrativa e o princípio da juridicidade, decorrente da violação de qualquer princípio da Administração Pública, não restringindo-se ao da moralidade. Continuando, os autores em referência destacam:

Não obstante a amplitude de tipificação dos atos de improbidade, é preciso destacar que a improbidade não se confunde com a mera irregularidade ou ilegalidade, destituída de gravidade e do elemento subjetivo do respectivo infrator.

A improbidade é uma espécie de ilegalidade qualificada pela intenção (dolo) de violar a legislação e pela gravidade da lesão à ordem jurídica. Vale dizer: a tipificação da improbidade depende da demonstração da má-fé ou da desonestidade, não se limitando à mera ilegalidade, bem como da grave lesão aos bens tutelados pela Lei de Improbidade Administrativa. (NEVES, 2022, p. 4-5).

Improbidade administrativa, na acepção de Wallace Paiva Martins Júnior, constitui-se numa grave violação do dever de probidade, significando honestidade, demonstrando uma “inabilitação ética para o exercício de função pública ou para estabelecer relação com o poder público, substanciando-se pelo descumprimento de balizas como moralidade, boa-fé, honestidade, lealdade, fidelidade, vocação institucional. É o desvio da pauta ética da função estatal” (MARTINS JUNIOR, 2022, p. 325), não quedando-se nas meras irregularidades, requisitando o dolo como elemento subjetivo, devendo ser distinguida da corrupção, posto que a última é uma espécie daquela, na visão do autor.

O Supremo Tribunal Federal, julgando a matéria na Ação Originária 1833 AC- Acre 9993078-24.2013.1.00.0000, possuindo como relator o ministro Alexandre de Moraes, decidiu:

 AÇÃO ORIGINÁRIA. APELAÇÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. USO IRREGULAR DE VERBAS PÚBLICAS NA CÂMARA MUNICIPAL. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA NA PRÁTICA DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CARACTERIZADA. RAZOABILIDADE NA FIXAÇÃO DAS SANÇÕES LEGAIS. IMPOSSIBILIDADE DE SOLIDARIEDADE NA PENA DE MULTA EM FACE DO CRITÉRIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. […] 2. Atos de improbidade administrativa são aqueles que, possuindo natureza civil e devidamente tipificados em lei federal, ferem direta ou indiretamente os princípios constitucionais e legais da administração pública, independentemente de importarem enriquecimento ilícito ou de causarem prejuízo material ao erário; podendo ser praticados tanto por servidores públicos (improbidade própria), quanto por particular – pessoa física ou jurídica – que induzir, concorrer ou se beneficiar do ato (improbidade imprópria) (GN) […]. (BRASIL. STF – AO: 1833 AC – ACRE 9993078-24.2013.1.00.0000, Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 10/04/2018, Primeira Turma).

Com o advento do art. 1º da Lei nº 8.429/1992, alterado pela Lei nº 14.230/2021, são incluídos atos violadores da probidade na “organização do Estado e no exercício de suas funções como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social” (BRASIL, 2021, online), impondo novo conceito de improbidade administrativa.[3]

Asseveram, por seu turno, Daniel Amorim Assumpção Neves e Rafael Carvalho Rezende Oliveira (2022, p. 5): “A partir da Reforma da LIA, é possível conceituar a improbidade administrativa como o ato ilícito doloso, praticado por agente público ou terceiro, contra as entidades públicas e privadas, gestoras de recursos públicas, capaz de acarretar enriquecimento ilícito, lesão ao erário e violação aos princípios da Administração Pública”.

Por sua relevância, a doutrina considera o combate à improbidade como obrigatoriamente orgânico, sistemático e eficiente, no dizer de Wallace Paiva Martins Junior:

É uma política pública permanente e não uma bandeira partidária. Os mecanismos para preservação da moralidade nas relações do poder público, tão comprometidas pelo vício do patrimonialismo, devem ser os mais profícuos e efetivos, constitucional e juridicamente adequados, para que os resultados sejam satisfatórios no prélio contra a cultura da improbidade, tradicionalmente arraigada na estrutura das relações de poder. Não é ocioso resgatar o diagnóstico longevo da vocação de expropriação particular de recursos públicos. (MARTINS JUNIOR, 2022, p. 326).

A Lei nº 8.429/1992, modificada pela Lei nº 14.230/2021, preconiza a tipologia dos atos de improbidade administrativa, estatuindo: art. 9º, os que importam em enriquecimento ilícito; art. 10, os causadores de prejuízo ao Erário; art. 11, os atentatórios contra os princípios da Administração Pública. Destarte, o § 4º do art. 37, da Constituição Federal, por sua vez, insculpiu um sistema de responsabilização por ato de improbidade administrativa na seara do direito administrativo sancionador, delegando ao legislador infraconstitucional o disciplinamento normativo da matéria.

De fato, sem prejuízo do ressarcimento integral do dano patrimonial efetivo e das sanções penais comuns, de responsabilidades civis e administrativas, preconizadas em legislações próprias, reconhece-se a aplicação isolada ou cumulativa das sanções infligidas no art. 12, seus incisos e parágrafos, da Lei nº 8.429/1992, alterado pela Lei nº 14.230/2021, aplicadas consoante à gravidade do fato, preconizadas à tipologia dos atos de improbidade administrativa, constituindo-se no enriquecimento ilícito (art. 12, inciso I, da LIA), lesão ao erário (art. 12, inciso II, da LIA), violação aos princípios (art. 12, inciso III, da LIA)[4]. (ASSUMPÇÃO NEVES; REZENDE OLIVEIRA, 2022).

Destacam-se as seguintes modalidades sancionatórias no âmbito da Lei de Improbidade Administrativa alterada: perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos; pagamento de multa civil de 12 (doze) e 24 (vinte e quatro) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente; e proibição de contratar com o poder público, ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, preconizadas nas disposições do art. 12 da Lei nº 8.429/1992, alterada pela Lei nº 14.230/2021.

Constitui-se fato notório que um mesmo caso concreto pode suscitar a incidência de normas penais e administrativas, premente na improbidade administrativa, tratando-se da autonomia das instâncias, embora encontre-se mitigada por imperativos estruturados nos casos em que a instância penal reconheça a inexistência do fato ou negativa de sua autoria, porém essa mitigação não é ad infinitum, de molde a prejudicar a lógica constitucional da independência das instâncias. O art. 21, § 4, da Lei nº 8.429/1992[5], incluído pela Lei nº 14.230/2021, teve sua eficácia suspensa em data de 27 de dezembro de 2022, por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, proferida em Medida Cautelar, na ADI 77.36/Distrito Federal (BRASIL. STF – Medida Cautelar ADI: 7.236 – Distrito Federal. Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 27/12/2022).

Fábio Medina Osório, pronunciando-se a respeito da matéria, acentuou, em homenagem às disposições constitucionais do art. 37, § 4º, não ser possível um alcance abrangente do non bis in idem, com a mesma eficácia do versado na tutela das relações entre o direito penal e o direito administrativo sancionador, embora considere o autor em comento a necessidade de um abrandamento mediante a jurisprudência, assinalando:

O ponto fulcral nesse panorama, devo insistir, diz respeito ao tratamento dispensado pela Assembleia Constituinte de 1988 e posteriormente pelo legislador federal ao Direito Punitivo da improbidade, mesmo quando esta patologia adquira uma dimensão idêntica, do ponto de vista normativo, a outra infração catalogada como tal no ordenamento jurídico, seja em seara penal, seja em seara administrativa lato sensu. Este Direito Punitivo, pelos termos constitucionais e, logo, da legislação federal, é revestido de características singulares que o remetem à categoria do Direito Administrativo Sancionador, como tivemos oportunidade de mencionar. Isto equivale a dizer que os ilícitos decorrem de direta transgressão às normas de Direito Administrativo que presidem o setor público e as sanções estão associadas aos tipos como consequências jurídicas determinadas, traduzindo intervenção estatal nos direitos fundamentais dos acusados ou sentenciados.

Por haver recebido esse tratamento peculiar diretamente da própria Carta Constitucional e depois do legislador federal, o fenômeno da improbidade está submerso num contexto normativo diferenciado que o torna merecedor de importantes ressalvas feitas expressamente pelo Poder Constituinte e pelo Poder Legislativo Federal, no tocante às suas relações com outros ramos jurídicos, quando estes incidam sobre os mesmos fatos, desde a ótica constitucional. Mas isso não torna a improbidade inume ao princípio constitucional do non bis in idem, que igualmente encontra ressonância no devido processo legal substancial e na proporcionalidade. Mas ainda, à luz do princípio democrático e da livre conformação legislativa dos institutos, o non bis in idem foi configurado expressamente na Lei 8.429/92 (OSÓRIO, 2022, p. 366 e 368). 

Ressalvam-se, por oportuno, as digressões efetuadas no Primeiro Capítulo deste trabalho dissertativo, quando se enfatizou que a atuação consensual, gradativamente, incidiu sobre o direito sancionador, estabelecendo, assim, o consenso como alternativa ao viés puramente punitivo, possibilitando deveras a substituição de sanção por convenção.

2.2 APLICAÇÃO DA CONSENSUALIDADE NO TEMA DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: INCURSÕES TEÓRICAS E CRÍTICAS

Em relação aos acordos na improbidade administrativa, o art. 17, §1º, da Lei nº 8.429/1992, como já delineado, constituía-se em um obstáculo ao consenso, dispondo expressamente: “É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de improbidade administrativa”, gerando debates teóricos, entre aqueles que defendiam a impossibilidade de realização de transação nas ações de improbidade administrativa, fundamentado nessa disposição legal, e no princípio da indisponibilidade do interesse público (FARIA, 2022).

Nesse sentido, doutrinadores como Marcelo Dantas Rocha, Margareth Vetis Zaganelli, Wallace Paiva Martins Júnior, Marcelo Figueiredo e José Antônio Lisbôa Neiva, inobstante reconhecerem os benefícios da aplicação dos instrumentos consensuais de solução de conflitos em ações de improbidade, perfilhavam o entendimento de que, perante o contexto normativo, a natureza do interesse é irrenunciável, em decorrência do princípio da indisponibilidade do interesse público. As sanções são, ao ver desses doutrinadores, irrenunciáveis e indisponíveis, não admitindo transação, composição ou acordo, sob pena de nulidade, calcados no princípio da legalidade estrita, advinda da vedação da efetivação de acordos em ações de improbidade.

De fato, em termos de consensualidade na improbidade administrativa, antes da vigência da Lei nº 13.964/2019 – Lei Anticrime –, os administrativistas como Marino Pazaglinni Filho, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, eram desfavoráveis à celebração de acordos na improbidade administrativa, somente admitindo sua forma parcial, e em casos específicos, para obrigação de reparação do dano ou a prevenção de ato de improbidade, posicionando-se contrários à imposição de sanções preconizadas no art. 12 da Lei nº 8.429/1992, considerando-as como indisponíveis.

Destarte, parte da doutrina desfavorável admitia a celebração de acordos na improbidade administrativa, ressaltando como escopo do art. 17, §1º, da Lei de Improbidade Administrativa, em sua redação original, a vedação de disposição da própria ação, mas deixando antever uma possibilidade de negociação consensual nos contextos precedentes à sua interposição, e alguns autores chegavam a reconhecer a possibilidade da realização de transação na tramitação da ação, quando referidos negócios jurídicos não possuíssem o mesmo objeto da ação principal, ou aplicação de sanções, restando, num segundo plano, as questões advindas da condenação.

Dentre os doutrinadores favoráveis ao consenso, quando da vigência do art. 17, §1º, da Lei de Improbidade Administrativa, encontram-se Francisco Zardo, Alice Voronoff, César Henrique Lima, citados por Renata Lane (2021), observando previsões no Código de Processo Civil e Lei nº 13.140/2015, possibilitando a autocomposição extrajudicial de matérias submetidas à Ação de Improbidade, como Acordos de Leniência, no intuito do ressarcimento ao Erário e abrandamento das sanções, fundamentados no microssistema coletivo anticorrupção.

Nesse desiderato, a predisposição entre os doutrinadores da matéria era em prol da consensualidade na improbidade administrativa, argumentando-se:

i) O interesse público buscado pelo direito administrativo sancionador não se resume à aplicação da pena, razão pela qual a realização de acordo não se chocaria com o princípio da indisponibilidade; ii) a vedação contida no art. 17, §1º, da Lei nº 8.429/1992 não mais se justificava contemporaneamente quando até o direito processual penal (no qual se espelhou tal legislação) já se abrira para as soluções concertadas de seus conflitos; iii) o recente fenômeno da consensualização do direito administrativo, que faz com que cada vez mais a Administração Pública conviva com instrumentos consensuais; iv) o art. 26 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro; v) a influência da Lei nº 12.846./2013 (Lei Anticorrupção), que versa sobre o acordo de leniência; vi) o art. 36, §4º, da Lei nº 13.140/2015; vii) o art. 5º, §6º, da Lei nº 7.347/85; viii) o princípio da proporcionalidade, que autorizaria a realização desses acordos em casos de atos de improbidade administrativa de menor potencial ofensivo; ix) os acordos devem ser aceitos por uma questão pragmática, de efetividade da tutela jurisdicional. (FARIA, 2022, p. 311).

Luzardo Faria (2022) expressa que nenhum dos argumentos retromencionados prospera até o advento da Lei nº 13.964/2019, em razão do art. 17, §1º, da Lei de Improbidade Administrativa vigente à época, vedando expressamente a realização de acordos na seara da improbidade administrativa, premente que o interesse público, além de representar a vontade do administrador, constitui-se em acepção jurídica suscetível de entendimento, mediante o ordenamento jurídico positivo, perfazendo o entendimento do legislador, considerando, como de interesse público, a vedação à realização de transação em ações de improbidade administrativa, estabelecida expressamente no dispositivo legal em apreciação.

Recepcionar a tese de vasta possibilidade de concretização, de transação, em ações de improbidade, na vigência da redação original do art. 17, §1º, da Lei de Improbidade Administrativa, corresponder-se-ia à violação do princípio da indisponibilidade, em virtude do dever imposto ao administrador público de observância ao direito positivo, no qual está estipulado o conteúdo jurídico do interesse público. 

Insta salientar que passar-se-á a esboçar, de forma didática, o Compromisso de Ajustamento de Conduta, o Acordo de Leniência e a Colaboração Premiada, enfatizando-se o Acordo de Não Persecução Civil, os quais possuem em comum a natureza de negócio jurídico, constituindo-se nuns expoentes da consensualidade no direito administrativo.

A conceituação de negócio jurídico é definida, por Miguel Reale (apud PEREIRA, 2020, p. 52), como sendo “espécie de ato jurídico que, além de se originar em um ato de vontade, implica em declaração expressa da vontade, instauradora de uma relação entre dois ou mais sujeitos tendo em vista um objetivo protegido pelo ordenamento jurídico”.

O Compromisso de Ajustamento de Conduta – Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), pese às divergências doutrinárias, trata-se de negócio jurídico transacional híbrido, na concepção de Ana Luiza Nery (2017), utilizado comumente no combate à improbidade administrativa.

 Constituindo-se o Termo de Ajustamento de Conduta numa solução extrajudicial de conflitos, eficaz à proteção dos direitos transindividuais, configurando-se em título executivo extrajudicial, numa legitimação disjuntiva pelo Ministério Público e demais legitimados, no escopo do compromitente cumprir as cláusulas do referido Termo, adequando sua conduta aos parâmetros legais, premente tratando-se de ilegalidade e irregularidades administrativas (LANE, 2021).

Diversos autores, durante a vigência da proibição do §1º, do art. 17, da Lei nº 8.429/1992, em sua redação original, defendiam o Termo de Ajustamento de Conduta preconizado no art. 5, §6º, da Lei de Ação Civil Pública, como mecanismo adequado a ser utilizado durante a tramitação das ações de improbidade, e outros não consideravam-no como transação propriamente dita, por isso seria aplicável a improbidade administrativa, portanto não se enquadrando na vedação do comentado artigo da Lei de Improbidade Administrativa. Entretanto, alguns doutrinadores posicionavam-se contrários, distinguindo as ações de improbidade administrativa das ações civis públicas, e reafirmando que a vontade do legislador era o de proibir qualquer espécie de negociação consensual no âmbito da improbidade administrativa.

Como enfatizado, em linhas anteriores, a Medida Provisória nº 703, de 18 de dezembro de 2015, revogou o §1º do art. 17 da Lei 8.429/1992, permitindo a celebração do consenso no cerne da improbidade administrativa, perdendo a vigência sem transformar-se em lei. O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), por sua vez, editou, em 26 de julho de 2017, a Resolução nº 179, a qual, no §2º, do seu art. 1º, viabilizava a utilização do Compromisso de Ajustamento de Conduta às hipóteses de improbidade administrativa, embora o ato tenha sido criticado como dúbio e inconstitucional, posto facultar a negociação consensual perante a proibição legal contida no mencionado §1º do art. 17 da Lei 8.429/1992.

Com o advento do Acordo de Não Persecução Civil, o Termo de Ajustamento de Conduta pode ser incorporado como mecanismo de adequação de condutas à juridicidade e à legalidade, porém o seu efeito sancionatório utilizado na Lei de Improbidade Administrativa, enquanto vigoravam as disposições do §1º, do art. 17, da Lei nº 8.429/1992, anteriormente ao Lei Anticrime, não mais subsiste, deixando de constituir-se no meio adequado à imposição sancionatória (LANE, 2021). 

Diogo de Araújo Lima e Luiz Manoel Gomes Junior preconizam sobre o tema:

Deflui-se, daí, que o termo de ajustamento de conduta é o instrumento adequado a veicular obrigações de fazer, não fazer, de dar (contemplando-se nessa a de pagar quantia certa). Trazendo essa perspectiva para o Acordo de Não Persecução Cível, parece inadequado cogitar do termo de ajustamento de conduta (na acepção técnica do instrumento jurídico) para estabelecer sanções como a suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública.  (LIMA; GOMES JUNIOR, 2022, p. 178)

O doutrinador Wallace Paiva Martins Junior traçou um paralelo comparativo entre o Acordo de Não Persecução Civil e o Compromisso de Ajustamento de Conduta, passando a expor:

  1. há uma maior margem de liberdade de negociação no acordo de não persecução civil, pois, sobre ele não incide a finalidade ontológica do compromisso de ajustamento de conduta e o consequente limite à indisponibilidade da obrigação principal; b) como a Lei de Improbidade Administrativa admite a imposição isolada, alternativa ou cumulativa de suas sanções, no acordo de não persecução civil há efetiva transação guiada pela opção pragmática de resultado, considerando vetores como eficiência, economicidade, proporcionalidade, celeridade; c) o objeto do compromisso de ajustamento é mais amplo, abrangendo todos interesses supraindividuais, enquanto o do acordo de não persecução civil é restrito à repressão da improbidade administrativa. O confronto entre o §2º do art. 1º da Resolução nº 179, do Conselho Nacional do Ministério Público, e o art. 17 da Lei nº 8.429/92 na redação dada pelas Leis nº 13.964/19 e nº 14.230/21, conduz à conclusão que a denominação compromisso de ajustamento de conduta por aquela empregada não prevalece em face da legislação superveniente, erradicando a inadequada apropriação do instituto para o ajuste por ela autorizado. (MARTINS JUNIOR, 2022, p. 333).

O Acordo de Leniência, previsto na Lei 12.846/2013 – Lei Anticorrupção, por seu turno, constitui-se em negócio jurídico, facultando, à autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública, celebrá-lo com as pessoas jurídicas, quando relevante ao esclarecimento de fatos e responsabilização dos envolvidos. Noutro ponto, o referido Acordo era utilizado no cerne da Ação de Improbidade Administrativa como negócio jurídico atípico, segundo assevera Fredie Didier e Daniela Santos Bonfim (2017), fundamentado no art. 190, do Código de Processo Civil.

O Acordo de Leniência deriva do Princípio da Consensualidade, considerado como eficiente no enfrentamento à corrupção e podendo ser utilizado, segundo alguns doutrinadores, na Improbidade Administrativa, como alternativa à litigiosidade e à imperatividade do Poder Público, servindo como meio de facilitação de coleta de provas nas investigações, no desiderato de diminuir o processo administrativo ou judicial, conferindo maior eficiência ou efetividade, no enfrentamento da corrupção, a qual permeia as inúmeras instâncias das Instituições do País.

Com o Instituto de Leniência, a Lei de Improbidade das Pessoas Jurídicas concretizou a consensualidade no âmbito da improbidade administrativa jurídica, porém a referida norma é silente a respeito da possibilidade de conferir efeitos transversais ao Acordo de Leniência, alcançando as pessoas físicas, debatendo-se o tema na doutrina, e dispondo-se que a referida vedação contraria a finalidade principal da leniência.

O Ministério Público Federal, na Nota Técnica nº 1/2017-5a CCR, posicionou-se a respeito da matéria em comento:

Todavia, a LAC, diversamente da LIA, tem foco na figura da pessoa jurídica (de direito privado), que passa a sofrer o influxo do direito administrativo sancionador, independentemente da adesão de um agente público ao ilícito (conquanto no mais das vezes isso ocorra), o que denota o seu caráter de complementariedade no microssistema. (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Nota Técnica nº 1/2017-5a CCR. Brasília, 2017).

Em que pese à Nota Técnica, supramencionada, os doutrinadores como Fernando da Fonseca Gajardoni, manifestavam-se anteriormente à revogação do §1º, do art. 17, da Lei nº 8.429/1992, da seguinte forma: 

Por considerar não haver diferença substancial entre os regimes sancionatórios (administrativo e civil) das Leis 8.429/1992 e 12.846/2013, absolutamente razoável sustentar, doravante, ser possível a celebração de acordo de leniência (ou de TAC) com a pessoa física ou jurídica investigada por improbidade administrativa, nos termos do art. 16 da Lei 12.846/2013. Não faz o mínimo sentido, tampouco abona a regra da isonomia (art. 5º, caput, da CF/1988), admitir que a pessoa jurídica praticante de atos apenados pela Lei 12.846/2013, que concomitantemente configurem improbidade administrativa, possa ser beneficiada pelo acordo de leniência, enquanto a pessoa física que pratique as mesmas condutas não. Essa interpretação se tornava ainda mais plausível se observado que a própria Lei 12.846/2013 (art. 17) já estende a possibilidade de celebração de acordo de leniência com a pessoa jurídica responsável pela prática de ilícitos previstos na Lei 8.666, de 21.06.1993 – que, concomitantemente, configuram improbidade administrativa na forma do art. art. 10 da Lei 8.429/1992 –, com vistas à isenção ou atenuação das sanções administrativas estabelecidas em seus arts. 86 a 88. (GAJARDONI, 2014, p. 258-259).

O Instrumento de Colaboração Premiada, por sua vez, trata-se de negócio jurídico bilateral, definido pelo Supremo Tribunal Federal como negócio jurídico processual com efeitos materiais, quando do julgamento do HC 127.483 PR. A propósito, no parecer da Procuradoria-Geral da República, nos autos do ARE 1.175.650/PR, julgado perante o Supremo Tribunal Federal, concluiu-se, no julgado retromencionado, ser o Acordo de Colaboração: “formado pela comunhão de vontades do acusado em colaborar, oferecendo informações sobre a investigação, e do acusador em conceder, nos limites da lei, tratamento especialmente protegido ao colaborador”.

Nesse diapasão, a Colaboração Premiada, na concepção de alguns administrativistas, poderia ser utilizada no âmbito das Ações de Improbidade Administrativa e Empresarial, embora não seja pacífica a referida utilização, contestada por Renata Lane (2021), dispondo que, na vigência da vedação à celebração de acordos na Lei de Improbidade Administrativa, a seu ver, era impossível utilizar-se da colaboração premiada no âmbito da improbidade administrativa:

O próprio sistema possibilitava a utilização de outros acordos para o domínio da improbidade administrativa (como o TAC com efeito sancionatório, acordo de leniência e a possibilidade de adesão das pessoas físicas envolvidas ao acordo de leniência celebrado pela pessoa jurídica), de modo que não era necessário e adequado importar o instituto da colaboração premiada para o domínio da improbidade. Com a vigência da atual redação, tampouco é possível a colaboração premiada como forma de solução consensual na LGIA. Devemos nos socorrer às outras modalidades de acordos típicas do direito administrativo sancionador, e não os acordos típicos do Direito Penal. (LANE, 2021, p. 233).

A remoção da vedação à composição na repressão dos atos de improbidade administrativa, por sua vez, operou-se com a edição da Lei nº 13.964/2019, modificando o §1º, do art. 17, da Lei de Improbidade Administrativa, por intermédio do seu art. 6º[6], acrescentando o § 10-A ao mencionado dispositivo legal, instituiu o Acordo de Não Persecução Civil, no âmbito da improbidade administrativa, tornando-se imprescindível a sua pactuação o efetivo e concreto alcance do interesse público.            

Doravante proceder-se-á a uma digressão do Acordo de Não Persecução Civil, contextualizando-o desde sua concepção até a aplicação das sanções, no âmbito das Leis nº 13. 964/2019 e nº 14.230/2021, no intento de chegar-se a um entendimento respeitante ao alcance e limites da referida avença perante os princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público.

2.3 ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO CIVIL, NO ÂMBITO DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA: DEBATES ACERCA DE SUA APLICABILIDADE COM O DIÁLOGO NECESSÁRIO ACERCA DA INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO

A consensualidade no cerne do direito administrativo demonstrou-se capaz de proteger bens jurídicos com mais eficiência e a menor importe aos cofres públicos, sancionando e prevenindo as condutas ilegais, constituindo-se em fomento do interesse público, dentre as diversas pactuações, destaca-se o Acordo de Não Persecução Civil, na seara do combate à improbidade administrativa.

De fato, a aparente antinomia entre a complexidade da sociedade contemporânea exigindo uma Justiça célere e efetiva e a vedação do multicitado art. 17, §1º, da Lei 8.429/1992, vedando o consenso, foi paulatinamente modificando-se, posto que o princípio da indisponibilidade do interesse público não se constituía em obstáculo à consensualidade da atuação administrativa, principalmente por tratar-se de uma ferramenta para concretização mais eficiente, legítima, do interesse público.

Diogo de Araújo Lima e Luiz Manoel Gomes Junior ressaltam a existência do princípio constitucional da consensualidade no direito brasileiro, como alicerçado nos princípios fundamentais constitucionais, preconizados no art. 1º da Constituição Federal de 1988, tais como cidadania, dignidade da pessoa humana e a livre iniciativa, sem olvidar o escopo fundamental da República Federativa do Brasil, constituindo-se na construção de uma sociedade livre, consolidado nas disposições do art. 3º, incisivo I, do texto constitucional, e, por fim, destacam os autores, o princípio concernente às relações internacionais da solução apaziguadoras dos conflitos, no art. 4º, inciso VII, da Carta Magna, concluindo:

Por esse viés de atuação administrativa constitucional, o princípio da indisponibilidade do interesse público não configurava nenhum óbice à consensualidade administrativa, que, em verdade, se projetava como mero instrumento de alcance do interesse público no caso concreto, com os benefícios da maior eficiência e da legitimidade da ação administrativa.

Assim, ao adotar os métodos consensuais, o administrador não estaria dispondo do interesse público, mas apenas o perseguindo por outro meio que não o ato administrativo unilateral e imperativo […] Trata-se de outra via para se chegar a um mesmo destino: o melhor resultado possível. (LIMA E GOMES JUNIOR, 2022, p. 143).

O direito ao autorregramento, constituindo-se na liberdade fundamental de todo indivíduo regular juridicamente os seus interesses, a permitir a autonomia da vontade preponderar sobre a regulação estatal, somado ao princípio da eficiência, inserido constitucionalmente, corresponde a um reforço à imperatividade do consenso em todo o agir administrativo, positivando normas, dentre as quais a do Acordo de Não Persecução Civil, no desiderato de concretização do interesse público, numa mitigação da indisponibilidade.

O Acordo de Não Persecução Civil foi definido por doutrinadores diversos, de forma a compreendê-lo como a possibilidade de o Ministério Público interpor a ação decorrente do cometimento do fato ímprobo e formalizar negócio jurídico com o autor da improbidade administrativa, seja na fase investigatória, seja após a judicialização, no desiderato de aplicar sanções preconizadas na Lei de Improbidade Administrativa.

A 5ª Câmara de Coordenação e Revisão de Combate à Corrupção, do Ministério Público Federal, em sua Orientação nº 10, em razão da consideração à revogação do dispositivo vedando a transação, acordo ou conciliação nas ações civis públicas de improbidade administrativa, estabelecendo as disposições do § 10-A[7], Acordos de Não Persecução Civil, arguiu em seu art. 18 o a seguir declinado:

Art. 18 O ANPC caracteriza-se, uma vez apurada a configuração formal e material da prática da improbidade, pelo escopo de ajustar com o celebrante a imposição de sanções previstas em lei, assegurando-lhe como benefício a atenuação no sancionamento devido (com redução ou isenção de sanções), servindo como instrumento para prevenir, reprimir e dissuadir atos de improbidade, bem como, conforme o caso concreto, para assegurar o ressarcimento de danos e a cessação da prática da improbidade pelo celebrante, ensejando a extinção do processo judicial ou o seu não ajuizamento. (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2020).

Fernando da Fonseca Gajardoni (2021), por seu turno, conceituou os acordos em tema de improbidade administrativa, partindo diretamente do art. 17-B[8], caput, da Lei de Improbidade Administrativa, inserido pela Lei nº 14.230/2021, concebendo-os como avenças a serem celebradas entre o Ministério Público e investigado/acusado, pelo cometimento de improbidade administrativa, no escopo de, salvaguardando eventuais aplicações de algumas sanções, ser pactuada a recuperação do patrimônio público e/ou reversão das vantagens obtidas ilicitamente.

Ressalta-se, por oportuno, que, embora a Lei de Improbidade Administrativa encontre-se no mesmo plano da Lei de Improbidade das Pessoas Jurídicas, seus acordos não podem ser confundidos, posto que o Acordo de Leniência se constitui num instrumento colaborativo, e o Acordo de Não Persecução Civil é sancionatório.

A natureza jurídica do Acordo de Não Persecução Civil é de negócio jurídico, bilateral e comutativo, constituindo-se em pactuação sui generis, em virtude da restrita autonomia das partes celebrantes em negociar a avença, notadamente quando a proposição das sanções encontra-se condicionada ao grau máximo ou mínimo de gravidade do ato ímprobo, não admitindo-se liberalidades no ajuste, ou seja, restringindo a fase de negociação. 

Ronaldo Pinheiro de Queiroz argumenta:

[…] a relação entre as partes é vertical, por envolver direitos indisponíveis que acabam limitando a autonomia da vontade de ambos os celebrantes, pois a parte com posição dominante está adstrita aos limites legais para a negociação (ou seja, com poder decisório restrito) e a outra parte tem pouquíssimo espaço para “barganha”, pois a essência do direito material deve ser mantida. Esse modelo contratual desenha um desequilíbrio de forças entre as partes e não há nenhuma antijuridicidade nisso, pois as partes devem ajustar o interesse público às suas vontades (QUEIROZ, 2023, online).

O doutrinador Fábio Medina Osório, sobre a natureza jurídica do Acordo de Não Persecução Civil, enunciou:

Há duas perspectivas para essa espécie de acordo: uma natureza de termo de ajustamento de conduta, quando transcende a celebração de acordo penal e dele não depende; uma natureza de colaboração premiada, quando se vincula ao acordo penal e traduz uma colaboração premiada em ação de improbidade administrativa. Pode-se afirmar que há uma natureza mista no acordo de não persecução civil e que essa terminologia — ao adotar a expressão cível — reporta-se tanto ao inquérito civil quando ao processo civil, bem como a processos investigativos de modo geral. (OSÓRIO, 2021, online).

Pode-se afirmar existir uma natureza mista no Acordo de Não Persecução Civil, e que essa terminologia – ao adotar a expressão civil – reporta-se tanto ao inquérito civil, quanto ao processo civil, bem como a processos investigativos de modo geral.

A instituição jurídica do Acordo de Não Persecução Civil operou-se sem maiores estabelecimentos de conteúdo, rito e requisitos de validade, em razão do art. 17- A ter sido integralmente vetado pela Presidência da República, à época da promulgação da Lei nº 13.964/2019. O Congresso Nacional, por sua vez, não reviu o veto, decorrendo o fato do Acordo de Não Persecução Civil ter sido positivado desprovido de disciplinamento jurídico, originando questionamentos, resolvidos mediante regulamentações internas de Órgãos estaduais e federais do Ministério Público e da Administração Pública (FARIA, 2022).

Luzardo Faria asseverou com maestria:

Com efeito, a Lei 13.964/2019 deixou em aberto uma série de relevantes questões sobre a utilização prática do Acordo de Não Persecução Cível: quem pode propor o acordo? Se o Ministério Público for o proponente, há obrigatoriedade de participação do ente público lesado? Há algum momento processual adequado para a proposição de acordo? Quais são sanções podem negociadas e em que limite? Qual é o impacto do reconhecimento, através do Acordo de Não Persecução, da prática de um ato ímprobo para outras esferas de responsabilização? Quais devem ser os critérios para a realização do acordo? O acordo necessariamente precisa ser homologado em juízo para ter validade e eficácia? Há um direito subjetivo dos acusados a ao menos negociar a realização de um acordo? Se o Ministério Público realizar acordo com um réu em determinada ação de improbidade, tem o dever de negociar com os demais corréus? (FARIA, 2022, p. 324-325).

Os doutrinadores passaram a entender que restava ao Ministério Público e demais instituições públicas normatizarem o disciplinamento:

 Defendíamos que até o advento da necessária lei, em sentido estrito, a disciplinar o tema genérica e nacionalmente – exatamente o que faz, agora, o art. 17- B, da LIA (na redação da Lei 14.230/2021 –, o Conselho Nacional do Ministério Público (art. 130-A, § 2º, da CF), as Procuradorias de Justiça dos Estados  e as Câmaras de Coordenação e Revisão do MPF, no âmbito de suas atribuições, deveriam editar normas administrativas estabelecendo parâmetros mínimos para a celebração dos acordos no âmbito do MP (nacional e estadual). (GAJARDONI, 2021, p. 379).

Enquanto outros aludiam à aplicação das regras legais e infralegais disciplinadoras do regime jurídico do Compromisso de Ajustamento de Conduta – TAC, lastreados no artigo 5º, §6º, da Lei nº 7.347/1985, e a Resolução nº 179/17, do Conselho Nacional do Ministério Público, regulamentando a incidência do referido instituto jurídico à improbidade administrativa. Outro posicionamento doutrinário para o disciplinamento do Acordo de Não Persecução Civil seria a utilização do microssistema anticorrupção e a Teoria do Diálogo das Fontes, na procura de uma deliberação entre as fontes normativas possibilitadoras de uma aplicação potencializadora da efetividade e proteção do patrimônio público, chegando-se a sugerir as regras contidas no Pacote Anticrime, atribuídas ao Acordo de Não Persecução Penal (LIMA; GOMES JUNIOR, 2022).

A Teoria do Diálogo das Fontes é explicada por Cláudia Nunes Marques, ao abordar o direito do consumidor:

Erik Jayme, em seu Curso Geral de Haia de 1995, ensinava que, em face do atual ‘pluralismo pós moderno’ de um direito com fontes legislativas plúrimas, ressurge a necessidade de coordenação entre as leis no mesmo ordenamento (…). O uso da expressão do mestre, ‘diálogo das fontes’, é uma tentativa de expressar a necessidade de uma aplicação coerente das leis de direito privado, coexistentes no sistema. É a denominada ‘coerência derivada ou restaurada’ (cohérence dérivée ou restaurée), que em um momento posterior à descodificação, à tópica e à microrrecodificação, procura uma eficiência não só hierárquica, mas funcional do sistema plural e complexo de nosso direito contemporâneo, a evitar a ‘antinomia’, a ‘incompatibilidade’ ou a ‘não coerência’” (MARQUES; BENJAMIN; BESSA, 2009, p. 90).

Os Ministérios Públicos Estaduais trataram de regulamentar os Termos de Ajustamento de Conduta em processos ou procedimentos concernentes à improbidade administrativa, recorrendo à edição de resoluções nos seus âmbitos internos, anteriormente à vigência da Lei nº 13.964/2019, destacando-se a Resolução nº 002 de 28 de março de 2017, do Conselho Superior do Ministério Público do Estado do Amapá – autorizando a seus membros celebrarem Termos de Intenção de Acordo com pessoas físicas, investigadas ou processadas por atos de improbidade administrativa. De igual sorte, o Conselho Superior do Ministério Público do Estado do Pará, editou a Resolução nº 001, de 15 de maio de 2015, prescrevendo o procedimento de pactuação de acordos na improbidade administrativa, implicando na utilização de sanções preconizadas à tipologia dos atos ímprobos, previstos na Lei nº 8.429/1992 e atos definidos na Lei nº 12.846/2013, executados em desfavor da Administração Pública (PEREIRA, 2020).

Com efeito, preliminarmente à Lei nº 13.964/2019, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) autorizou seus membros a pactuarem Termo de Ajustamento de Conduta em matéria de improbidade administrativa, sem prejuízo do ressarcimento ao Erário e da aplicação de sanções preconizadas na referida lei, em consonância com a conduta ou ato ímprobo perpetrado, gerando uma polêmica sobre a sua constitucionalidade, perante a vigência da proibição explícita de pactuação de acordos na improbidade administrativa consagrado no § 1º do art. 17 da Lei de Improbidade Administrativa.

No interregno entre a edição da Lei nº 13.964/2019, introduzindo o Acordo de Não Persecução Civil, e o seu disciplinamento pela Lei nº 14.230/2021, alterando a Lei de Improbidade Administrativa, então vigente, como já antedito, os Ministérios Públicos diversos passaram a discipliná-lo, mediante notas técnicas e resoluções, as quais norteavam a atuação de seus membros e estipulavam a abrangência do referido acordo.

A Nota Técnica nº 02/2020, do Ministério Público de São Paulo, designa:

Diante da ausência de regulamentação do ANPC na LIA, o Ministério Público brasileiro deverá observar as normas gerais previstas na Resolução 179/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (art. 130-A, §2º, da CF), que poderão ser complementadas pelos Ministérios Públicos dos Estados e da União. Subsistindo a lacuna e considerando a natureza difusa dos bens tutelados pela LIA (patrimônio público e moralidade administrativa), faz-se necessária a aplicação, em caráter complementar, de outras normas que integram o microssistema de tutela coletiva, com destaque para as seguintes Leis: 7.347/1985 (Lei da Ação Pública), 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) e 12.846/2013 (Lei Anticorrupção Empresarial). (Ministério Público do Estado de São Paulo, 2020, p. 05).

Em relação ao Acordo de Não Persecução Civil, a Resolução nº 1.193/2020 – CPJ do Ministério Público do Estado de São Paulo, formulou orientação, a ser seguida pelos membros daquela Instituição, sobre o conteúdo da avença, especificando no seu art. 5º os requisitos necessários quando da sua celebração, dentre outros a identificação do pactuante, agente público ou terceiro;  descrição da conduta ilícita, com todas as circunstância; quantificação e extensão do dano e dos acréscimos ilícitos; dever da reparação daquele; previsão de aplicação de duas ou mais medidas sancionatórias nas hipóteses de ato ímprobo preconizado no art. 9º ou umamais medidas sancionatórias em caso de configuração dos ilícitos de improbidade previstos nos arts. 10 e 11, ressalvando-se que, nas hipóteses de atos de improbidade administrativa a exigir colaboração do investigado, deverão ser utilizadas uma ou mais medidas sancionatórias.[9].

O Ministério Público Federal, por sua vez, proferiu cláusulas obrigatórias do Acordo de Não Persecução Civil, no seu art. 26[10] da Orientação nº 10, da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão Combate à Corrupção, dentre outras a descrição nítida, objetiva e determinada da conduta ímproba cometida; o prazo de vigência do acordo; as garantias reais ou fidejussórias necessárias para assegurar o cumprimento do acordo; o modo de fiscalização e hipóteses de rescisão.

Anteriormente à vigência da Lei nº 14.230/2021, criou-se um debate no âmbito dos Ministério Públicos, referente à viabilidade de se impor aos agentes dos atos ímprobos, na esfera do Acordo de Não Persecução Civil, das sanções da perda da função pública e suspensão dos direitos políticos preconizados no art. 37, § 4º, da Constituição Federal, porquanto o art. 20, da Lei nº 8.429/1992, estabelecia que a referida suspensão somente poderia ocorrer com o trânsito em julgado da sentença condenatória, observando-se o devido processo legal.

O Ministério Público do Estado de São Paulo, após a publicação
da Resolução nº 1193/2020 – CPJ, que regulamentou o Acordo de Não Persecução Cível no âmbito daquela instituição, expediu a Nota Técnica nº 02/2020 – PGJ – CAOPP, subsidiando os membros para a celebração da avença, preconizando os critérios para aplicação das sanções:

O art. 15 do texto constitucional indicou expressamente o ato de
“improbidade administrativa” (inciso V) entre as hipóteses de suspensão dos direitos políticos (privação temporária). No particular, atente-se que a norma sub analise não exige a condenação definitiva pela prática do ato de improbidade administrativa, mas sim e tão somente a prática do ilícito, diferentemente da hipótese de suspensão relacionada à prática de infração penal, esta sim condicionada ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória (inciso III). […]

Nessa ordem de ideias, é imperioso concluir que a simples prática do ato de improbidade administrativa, quando confessada pelo agente, autoriza a aplicação consensual da sanção de suspensão de direitos políticos por meio da celebração de um ANPC, quer seja na fase extrajudicial, quer seja na fase judicial. […]

Noutro giro, sobreleva notar que o pactuante, ao confessar a prática do ato de improbidade administrativa, aceita voluntariamente a aplicação da sanção de suspensão dos direitos políticos, tudo mediante a supervisão e orientação de seu advogado (art. 9º, § 1º, da Resolução 1.193/2020-CPJ).13 Não há de se cogitar, na hipótese, em renúncia dos direitos políticos. Tem-se, isso sim, mera aceitação voluntária da aplicação de sanção de matriz constitucional, com a consequente restrição temporária ao exercício de direito fundamental. Sendo assim, com a celebração do ANPC, o investigado/réu opta, na verdade, por aceitar uma restrição temporária ao exercício dos seus direitos políticos, como consequência da aplicação de sanção prevista tanto na Constituição Federal (art. 15, V, c.c o art. 37, § 4º), quanto na LIA (artigo 12). […]

A Nota Técnica nº 02/2020 – PGJ – CAOPP, do Estado de São Paulo, referindo-se a sanções na improbidade administrativa, preceitua, de forma contundente:

Nos termos do vetado artigo 17-A, § 1º, que havia sido inserido na LIA pela Lei Anticrime, “em qualquer caso, a celebração do acordo levará em conta a personalidade do agente, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do ato de improbidade, bem como as vantagens, para o interesse público, na rápida solução do caso”. A despeito do veto integral ao artigo 17-A, tais critérios podem ser utilizados pelo Membro do Ministério Público na celebração do ANPC.

Por outro lado, também podem ser aproveitados os critérios previstos no artigo 12, caput, e parágrafo único, da LIA, segundo os quais, na aplicação das sanções aos autores de ato de improbidade administrativa, deverá ser considerada a gravidade da conduta, a extensão do dano causado e o proveito patrimonial obtido pelo agente. Mas, não é só isso. No ponto, a lei disse menos do que queria, afinal, esses dois últimos elementos valorativos (extensão do dano e proveito patrimonial) sequer estão presentes nas hipóteses de atos de improbidade que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11).

Cite-se, ainda, o artigo 5º, § 2º, da Resolução 1993/2020 -CPJ, que assim dispõe: “a definição das sanções e seus patamares deverá ser orientada pela natureza e gravidade do ato, o proveito auferido pelo agente, o dano causado, a importância da colaboração, bem como a repercussão e reprovabilidade social da conduta”. […] (MINISTÉRIO PÚBLICO DE SÃO PAULO, 2020).

O Ministério Público do Estado do Ceará, na Nota Técnica 001/2020, estabeleceu não poder constar, no Acordo de Não Persecução Cível na improbidade administrativa, a perda do cargo e a suspensão dos direitos políticos, em face de constituírem-se em uma restrição dos direitos políticos ativos e passivos, enquanto a inelegibilidade é um impedimento da capacidade eleitoral passiva prevista na Constituição Federal:

Destarte, não se revela possível, à luz da Constituição Federal e da Lei nº
8.429/92, a previsão do compromisso de suspensão dos direitos políticos, tendo-se em vista o dever de voto previsto na Carta Magna, ressalvados os casos de voto facultativo. Pontue-se que se não for cumprido pelo compromissário o dever de voto, a Justiça Eleitoral poderia multar o eleitor. Não somente isso, o afastamento da capacidade eleitoral passiva nessa condição é igualmente questionável, uma vez que a Lei de Improbidade Administrativa exige o trânsito em julgado da sentença condenatória para efetivação da suspensão dos direitos políticos (art. 20 da Lei nº 8429/92).

A suspensão dos direitos políticos não pode ser, portanto, avençada no acordo
de não persecução cível.

Outro compromisso que pode ser discutido entre o Ministério Público e o
sujeito ativo da ação de improbidade administrativa, diz respeito a renúncia ao direito de candidatar-se, por determinado período. Em Minas Gerais, a resolução prevê, como uma das condições possíveis de serem acordadas, a renúncia ao direito de candidatar-se a cargos públicos eletivos, por determinado período. Em Alagoas, a Resolução do Ministério Público local estabelece a renúncia ao direito de candidatar-se a cargos públicos eletivos, pelo período de 3 (três) a 8 (oito) anos. Na Paraíba, há idêntica previsão. Sobre a legalidade de tais ajustes, discorremos adiante. (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ, 2020).

 Malgrado o entendimento supradeclinado, o Ministério Público Federal pactuou Acordo de Não Persecução Cível contendo cláusulas de suspensão dos direitos políticos. Noutra senda, as Resoluções dos Ministérios Públicos de Minas Gerais e Alagoas assentiam, com a renúncia voluntária, do agente ao exercício da função pública e, mesmo, de renúncia ao direito de candidatar-se, por um determinado período, a cargos eletivos.

Nesse patamar, a ausência de disciplinamento positivado do Acordo de Não Persecução Civil, derivada dos vetos às disposições do art. 6º, da Lei nº 13.964/2019, suscitou um verdadeiro debate no âmbito dos Ministérios Públicos diversos.

Com o advento da Lei nº 14.230/2021, o Acordo de Não Persecução Civil ganhou regras concernentes a sua utilização, passando a ser dotado de regulamentação, possuindo natureza jurídica de negócio jurídico de direito material bifronte, conforme já esboçado em linhas anteriores.

  Wallace Paiva Martins Junior, enfatizando a edição da Lei 14.230/2021, a qual alterou significativamente a Lei nº 8.429/1992, estabelecendo regulamentação do Acordo de Não Persecução Civil, expressa:

Seguiu-se em 25 de outubro de 2021 a edição da Lei nº 14.230 que alterou substancialmente a Lei nº 8.429/92. No particular, além de revogar o §1º do art. 17 adicionou ao texto o art. 17-B, com nova disciplina do acordo de não persecução civil. Em comparação ao art. 17-A da Lei nº 8.429/92 introduzido pela Lei nº 13.964/19, o art. 17-B inserido pela Lei nº 14.230/21 supre a carência fornece alguns parâmetros e requisitos para a composição, porém, não articula suas finalidades ou cláusulas essenciais e obrigatórias, o que demandará esforços para construção de normas do Ministério Público visando à disciplina uniforme, previsível, objetiva, impessoal e transparente, que atenta segurança jurídica, legalidade, interesse público e isonomia. (MARTINS JUNIOR, 2022, p. 331).

Em razão das diversas resoluções e notas técnicas dos Ministérios Públicos Estaduais, estabelecendo normatização ao Acordo de Não Persecução Civil, por vezes contraditórios no cerne da mesma temática, doutrinadores consideram a necessidade do Conselho Nacional do Ministério Público expedir ato normativo regulamentando o art. 17-B, da Lei nº 8.429/1992, disciplinando as normas preconizadas na lei, dissipando a profusão dos referidos atos normativos dos diversos Parquet da esfera estadual, originando uma insegurança jurídica. Releva anotar que o poder regulamentador do Conselho Nacional do Ministério Público trata-se de ato normativo primário por ocasião de regulamentação dos preceitos constitucionais, ou derivadona oportunidade quando expede atos normativos já disciplinados na legislação, possibilitando a aplicação nos casos concretos.

O Acordo de Não Persecução Civil não consiste em alternativa simplista ou arbitrária, exigindo a concretização do interesse público, surgindo como uma possibilidade de punição, contudo, evidenciando seu caráter consensual, encontrando-se em consonância com a Constituição Federal de 1988, mormente o art. 37, §4º, delegando ao legislador infraconstitucional a forma, e o modo, de punição dos atos de improbidade administrativa, constituindo-se o consenso numa das opções viáveis (PINHEIRO; ZIESEMER, 2022). 

A confissão constitui o marco inicial condicionador à pactuação do Acordo de Não Persecução Civil, porém ao pretenso celebrante é vedado omitir esquemas de corrupção dos participantes, agentes públicos, ou indivíduos privados, sob pena de não efetivação da eficiência procurada no combate à improbidade administrativa, decorrendo, portanto, duas espécies de acordo: I) de mera reprimenda; II) de colaboração, pressupondo reprimenda. Em continuação ao pensamento exposto:

O pressuposto da composição é a sua vantajosidade objetivamente constatada. O acordo deve se apresentar como o meio mais proveitoso ao interesse público que o ajuizamento da ação civil de responsabilidade por ato de improbidade administrativa ou seu prosseguimento, sopesando, entre outros fatores, a possibilidade de duração razoável do processo, a efetividade das sanções aplicáveis e a maior abrangência de responsabilização de agentes públicos, de terceiros envolvidos no ilícito ou que dele tenham auferido vantagem indevida de qualquer natureza. A responsabilidade pela composição é severa, pois a sua possibilidade desloca o juízo de proporcionalidade de reação ao ilícito do juiz para o legitimado ativo da ação civil. […] (MARTINS JÚNIOR, 2022, p. 334).

            Prosseguindo o referido autor, em suas considerações sobre o Acordo de Não Persecução Civil:

Qualquer composição não poderá se distanciar de sua utilidade para o interesse público, devendo considerar relevantes aspectos como natureza, gravidade e efeito da infração, antecedentes e grau de responsabilidade e de reprovação da conduta e do agente, conquanto as respectivas sanções sejam cumulativas ou não. A composição é útil para viabilizar a punição célere do culpado e, se o caso, obrigatoriamente desvendar as ligações perigosas nas tenebrosas transações entre agentes dos setores público e privado – que, geralmente, ficava à mercê de alguém com elevado espírito cívico ou de pentito, ainda que fossem partícipes, beneficiários, coautores, ou parentes, amigos, subordinados etc. Ela aprimora a luta contra a corrupção e o patrimonialismo, o malbaratamento do erário, os desmandos, e é um expediente sancionador e punitivo. (MARTINS JÚNIOR, 2022, p. 334).

Fernando da Fonseca Gajardoni, por sua vez, enfatiza duas espécies de acordo em matéria de improbidade administrativa:

  1. acordo de não persecução civil, celebrado antes da propositura da ação de improbidade administrativa, geralmente no curso do inquérito civil ou outro procedimento investigativo (art. 17- B, caput, da LIA); e
  2. transação/reconhecimento, celebrado no curso da ação ou do cumprimento de sentença (art. 17-B §4º).

Se é possível ser celebrar o acordo em improbidade até na fase de cumprimento de sentença, possível que ele também o seja na fase recursal ou, mesmo, após o trânsito em julgado da sentença que condenou o agente à prática de improbidade. (GAJARDONI, 2021, p. 380). 

Anteriormente às disposições da Lei nº 14.230/2021, subsistiam incertezas sobre o momento certo de celebração do Acordo de Não Persecução Civil, porém o art. 17- B, §4º, da Lei de Improbidade Administrativa, prevê que ele poderá ser pactuado desde a investigação, passando pela tramitação da ação, até o momento posterior à condenação e, mesmo, ao trânsito em julgado, significando que, para a finalidade de pactuação do acordo, emerge da redação da legislação vigente, que, em termos de ensejo de realização do instituto em comento, são irrelevantes as dúvidas a respeito da conduta imputada ao réu, ou a certeza da prática do ato de improbidade administrativa: “O grau de cognição a respeito dos fatos, além do tempo dispendido até a celebração do acordo, se são irrelevantes para a admissão de sua celebração, certamente devem ser considerados na determinação de seus termos” (ASSUMPÇÃO NEVES; REZENDE OLIVEIRA, 2022, p. 102 ).

No Acordo de Não Persecução Civil, como concretização do interesse público, é vedada a negociação sobre a parcela reparatória do reclamo, devendo garantir o integral ressarcimento do dano, e a devolução à pessoa jurídica lesada da vantagem injustificada angariada, mesmo que proveniente de agentes privados, posicionando-se os doutrinadores pela não admissão do acordo quando o réu não tiver condições patrimoniais para ressarcir o dano efetuado (ASSUMPÇÃO NEVES; REZENDE OLIVEIRA, 2022).

O doutrinador Fernando da Fonseca Garjardoni diverge de outros  doutrinadores sobre a imperatividade de não efetivação da avença quando inviável o ressarcimento do dano e a devolução à pessoa jurídica lesada:

Do acordo deve necessariamente resultar: a) o integral ressarcimento do dano; b) a reversão à pessoa jurídica lesada da vantagem indevida obtida, ainda que oriunda de agentes privados. Não resultando a convenção é nula.

Evidentemente, só há de se falar nessa imperiosidade – que guarda, aliás, correspondência com o art. 18, caput, da LIA – nos casos e, que haja enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário. Quando ele não tenha ocorrido, ou mesmo nas hipóteses do art. 11 da Lei 8.429/1992 (violação dos princípios da administração), não há de cogitar do não cabimento do acordo porque inexiste prejuízo a reparar ou vantagem indevida a reverter. (GAJARDONI, 2021, p. 384).

Conforme já ressaltado, ocorrendo danos ao Erário, é obrigatório o estabelecimento, como cláusulas do acordo, do seu ressarcimento agregado à imposição de uma ou mais sanções, premente o referido ressarcimento não se constituir em sanção. De igual forma, a perda dos bens adquiridos de forma ilegal é imperiosa na avença com simultaneidade de aplicação de uma ou mais sanções.

O art. 17-B, inciso I e II, o §3º, da referida norma, estabelecia como necessária na fixação do dano, a ser ressarcido, a oitiva do Tribunal de Contas competente, no prazo de 90 dias, entretanto o aludido dispositivo legal teve sua eficácia suspensa por decisão do Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, em decisão exarada na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.236 Distrito Federal, fundamentando:

Ao assim dispor, a norma aparenta condicionar o exercício da atividade-fim do Ministério Público à atuação da Corte de Contas, transmudando-a em uma espécie de ato complexo apto a interferir indevidamente na autonomia funcional constitucionalmente assegurada ao órgão ministerial.

Eventual desrespeito à plena autonomia do Ministério Público, em análise sumária, consiste em inconstitucionalidade perante a independência funcional consagrada nos artigos 127 e 128 da Constituição Federal. (BRASIL. STF – Medida Cautelar ADI: 7.236 – Distrito Federal. Relator: Min. ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 27/12/2022, p. 22).

O Acordo de Não Persecução Civil não se trata de um direito subjetivo do investigado ou réu, mas uma faculdade ínsita ao Ministério Público, podendo ser celebrado conforme a conjuntura do caso concreto, com responsabilidade na escolha da melhor solução, a concretização do interesse público, dentre as opções de promover arquivamento da investigação, propor ação de improbidade ou de pactuar a referida avença, mediante discricionariedade não pactuada com recusa meramente desmotivada ou mesmo arbitrária, possuindo o Parquet legitimidade exclusiva nos moldes do art. 17- B, da Lei nº 14.230/2021, e detentor da proposição da ação de improbidade.

A Lei nº, 14.230/2021 atribuiu ao Ministério Público a legitimidade exclusiva para propor o Acordo de Não Persecução Cível, contudo foi silente em questões delicadas referente à consensualidade na matéria sancionatória, como o direito subjetivo do acusado à pactuação de acordos, e eventual dever do Ministério Público em ofertar o instrumento para réus “em situações semelhantes quando já houver celebrado a avença com outro caso e as repercussões da celebração do acordo de não persecução cível nas outras esferas de responsabilização” (FARIA, 2022, p. 326).

O art. 17-B, da Lei nº 8.429/1992, inserido pela Lei nº 14.230/2021, traz como formalidades cumulativas:

O §1º do art. 17-B exige cumulativamente (a) a oitiva do ente federativo lesado, em momento anterior ou posterior à propositura da ação (inciso I), (b) a aprovação, no prazo de até 60 (sessenta) dias, pelo órgão do Ministério Público competente para apreciar as promoções de arquivamento de inquéritos civis, se anterior ao ajuizamento da ação (inciso II), e (C) a homologação judicial, independentemente de o acordo ocorrer antes ou depois do ajuizamento da ação de improbidade administrativa. (MARTINS JUNIOR, 2022, p. 338).

 Fernando da Fonseca Gajardoni, a respeito da imperatividade da oitiva da pessoa jurídica de direito público lesada, como condicionante da celebração do Acordo de Não Persecução Civil, atém-se às questões patrimoniais concernentes à pactuação, e não sobre o âmbito sancionatório, não podendo esboçar oposição por julgar insuficientes as reprimendas pactuadas pelo Órgão Ministerial:

Acaso o ente federado não tenha participado extrajudicialmente da celebração do acordo – o que deve ser evitado pelo MP –; ou se porventura o acordo for homologado sem sua participação, na forma da condicionante do art. 17-B, §1º, I, da LIA; o acordo poderá ser eventualmente anulado na forma do art. 966, §4º, do CPC (ação anulatória). Ou poderá o ente lesado, sem prejuízo da preservação da validade do acordo nos aspectos sancionatórios (pas de nullité sans grief), propor ação de reparação de dano ou ação civil pública contra o agente ímprobo, a fim de buscar a reparação integral pelo prejuízo sofrido. (GAJARDONI, 2021, p. 386).

O Acordo de Não Persecução Civil deverá ser encaminhado, juntamente com o inquérito civil ou procedimento preparatório, ao Conselho Superior do Ministério Público, o qual poderá: homologar a promoção de arquivamento; rejeitar o ato jurídico celebrado; devolver os autos ao promotor natural, em caso de se considerarem impróprios ou desproporcionais às cláusulas condicionais do acordo, para reformulação; determinar a realização de diligências suplementares ou adequações (LIMA; GOMES JUNIOR, 2022).

A homologação judicial do acordo será peticionada nos autos perante o juiz competente para homologação, destacando-se que durante a tramitação da ação deverá ser deduzida nos próprios autos, já na fase recursal caberá o relator a devida decisão homologatória e, operado o trânsito em julgado da sentença condenatória, será submetida a avença ao juízo do cumprimento de sentença.

O juiz, ao receber o pedido de homologação, em caso de dano a reparar, intimará a pessoa de direito público lesada, podendo rejeitar o acordo conforme pactuado, devolvendo-o para as partes requerentes – Ministério Público e as demais partes – no escopo de efetuarem ajustes, devolvendo-o a nova apreciação pelo juízo. Da homologação do acordo, poderá eventualmente ser impetrado recurso pela pessoa de direito público lesada. O recurso em espécie a ser manejado, tratando-se de pedido de homologação efetuado em procedimento de jurisdição voluntária, será a apelação, já nos casos de ter sido formulado pedido de homologação de forma incidentalmente na ação de improbidade, caberá o agravo de instrumento (GAJARDONI, 2021).

As sanções são preconizadas, no Acordo de Não Persecução Civil, consoante às circunstâncias do caso concreto. Os autores Diogo de Araújo Lima e Luiz Manoel Gomes Junior asseveram que a imposição decorre do princípio da indisponibilidade do interesse público e da indisponibilidade mitigada da ação coletiva, não cabendo ao Ministério Público argumentando a discricionariedade de isentar plenamente o autor do ato de improbidade de medidas punitivas. Os autores em comento destacam sanções de índole patrimonial, sobre as quais alegam inexistir questionamentos, de outro grupo sancionatório funcional ou pessoal, como perda da função pública, renúncia ao mandato eletivo, suspensão de direitos políticos, dentre outros, prelecionando:

Relativamente ao primeiro grupo de sanções, parece não remanescer maiores dúvidas ou discussões quanto ao seu cabimento, pelas razões já expostas no início deste item.

Já sobre o segundo grupo de sanções, recai intenso debate doutrinário. Para uma primeira linha (PEREIRA, 2020, p. 80), revela-se incabível a aplicação de sanções funcionais por ausência de respaldo legal e constitucional (arts. 15, V, c/c 37, §4º, ambos da CRFB 88), além da necessidade de decisão judicial transitada em julgado, conforme exigência do art. 20 da Lei n º 8.429/1992 (PRADO, 2020), o que as retiraria do espaço de consensualidade pertinente ao Acordo de Não Persecução Cível. Nessa ótica, anda que o investigado com os termos da avença, ela seria inexequível, porque alheia à esfera de disponibilidade das partes.

Em sentido diametralmente oposto, há quem compreenda possível a incidência desse grupo de sanções, por envolver diretamente o âmago da solução negociada do conflito mediante postura voluntária do investigado e as eventuais objeções decorreriam da solução diretamente judicial. Sustenta-se que solução consensual é uma das vertentes do devido processo legal (BASTOS, 2021, p. 104-105; ANDRADE, 2020; GAJARDONI, 2021). (LIMA; GOMES JUNIOR, 2022, p. 210-211).

Os doutrinadores, retromencionados na citação acima, em prol da incidência do grupo de sanções funcionais ou pessoais aduzem inexistir coação à fixação sancionatória quando se parte da premissa do Acordo de Não Persecução Civil constituir-se uma livre negociação, e o agente ímprobo aquiesce as restrições impostas na pactuação, tais como a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos, sob pena de disseminação da impunidade se limitar a convenção ao mero ressarcimento dos cofres públicos e à perda dos bens e valores auferidos ilicitamente, ou seja, as sanções de caráter patrimonial.

Diogo de Araújo Lima e Luiz Manoel Gomes Júnior, lecionando sobre a temática, argumentam:

O art. 15 da Constituição Federal estabelece quais são as causas de perda de suspensão dos direitos políticos. E em seu inciso IV prevê que uma das hipóteses ocorre nos casos de “improbidade administrativa, nos termos do art. 37, §4º” (BRASIL, 1988). Note-se que o constituinte não condicionou a aplicação da sanção ao trânsito em julgado da decisão condenatória. E ainda fez alusão ao art. 37, §4º, da Constituição, que diz caber ao legislador definir a forma e gradação da aplicação das sanções de improbidade administrativa. Vem o legislador e estabelece, no “Pacote Anticrime”, a possibilidade de celebração de acordo em matéria de improbidade administrativa, sem estipular nenhuma limitação. Para não deixar dúvidas, advém a recente Lei nº 14.230/2021, que, pelas tantas alterações que fez, vem sendo chamada de reforma na Lei de Improbidade Administrativa […] e, novamente, não estabelece qualquer limite em termos de sanções no Acordo de Não Persecução Cível.

A conclusão, então, é de que se a intenção fosse retirar esse grupo de sanções da esfera de negociação das partes, o legislador o teria feito em ao menos uma das duas mais recentes oportunidades que teve para fazê-lo. Se não o fez, é porque contemplou tacitamente a hipótese […] (LIMA; GOMES JUNIOR, 2022, p. 211-212).

Fernando da Fonseca Gajardoni advoga que todas as sanções preconizadas no art. 12, incisos I, II e III, da Lei de Improbidade Administrativa, podem ser atribuídas no Acordo de Não Persecução Civil, cabendo ao Ministério Público e aos demais celebrantes, fundamentados na proporcionalidade e razoabilidade, realizar as escolhas dentro do seu padrão de liberdade, conforme a peculiaridade do caso concreto, asseverando:

Todas as sanções mesmo!

Não vemos óbice algum para que sejam convencionadas sanções de inelegibilidade, perda de cargo público ou suspensão dos direitos políticos, mesmo havendo previsão legal e constitucional de que elas só se dariam com o trânsito em julgado de sentença condenatória. Observe-se que os arts. 20, da Lei 8.429/92, e art. 15, são aplicáveis enquanto é imposto ao investigado/acusado a sanção de inelegibilidade, perda do cargo ou suspensão dos direitos político (solução adjudicada do conflito), e não quando ele, voluntariamente, aceita tais sanções como consequência do acordo (solução negociada do conflito).

Por essa razão, inclusive, não se aplica aos acordos a ressalva do art. 12, §1º, da LIA (1ª parte). Se há aceitação do agente público, ele pode perder cargo/função pública atualmente ocupada.  (GAJARDONI, 2021, p. 392).

Em que pese o posicionamento acima descrito, a liberalidade para negociação no Acordo de Não Persecução Civil não é total, posto não se poder negociar isenção sancionatória nas hipóteses de inelegibilidade preconizadas na Lei Complementar nº 135/2010, vedando-se, inclusive, a celebração da referida avença nos casos em que a conduta ímproba engloba as previsões de inelegibilidade nos termos da alínea “L”, inciso I, da Lei Complementar nº 64/90, premente se o agente ímprobo já registrar condenação de suspensão dos direitos políticos importando lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito.

Wallace Paiva Martins Junior, perquirindo a temática para não ocorrer um esvaziamento das referidas causas de inelegibilidade, expõe sobre a existência de possibilidades, ou não, de realizar-se o Acordo de Não Persecução Civil em matéria eleitoral, porém o Pacote Anticrime permitiu que os atos de improbidade administrativa poderiam ser objeto de avença, inclusivamente sem alterar ou revogar dispositivo da Lei Complementar nº 64/1990, estatuindo a inelegibilidade resultante de condenação judicial por atos de improbidade administrativa considerados de extrema gravidade, em que ocorra lesão ao Erário e enriquecimento ilícito. A Lei nº 13.964/2019 é, na compreensão do autor, um diploma ordinário, sem eficácia suficiente para revogar a Lei Complementar nº 64/1990, embora possa ser fixada consensualmente a sanção de suspensão dos direitos políticos do pactuante:

Normas foram editadas estabelecendo a inadmissibilidade de acordo não persecução civil se a conduta ímproba se subsumir à inelegibilidade prevista no art. 1º, I, l, da Lei Complementar nº 64/90. E com razão: não é ilícito em caso subsumível à Lei Ficha Limpa afastar a celebração de generoso acordo, excludente da perspectiva de incidência da inelegibilidade prevista nessa lei por não inserir no ajuste a suspensão de direitos políticos. Destarte, ou se admite a composição como bastante para gerar a inelegibilidade contendo a suspensão de direitos políticos ou se descarta a composição seja por não ser hábil geratriz da inelegibilidade seja por excluir de seu bojo a suspensão de direitos políticos e frustrar a incidência de um sensível preceito normativo que, pela inelegibilidade, alija da arena eleitoral, quem não preenche as condições objetivas para tanto. Da efetiva aplicabilidade da Lei da Improbidade Administrativa depende a exequibilidade da Lei Ficha Limpa. Sendo o caso subsumível à Lei Complementar nº 64/90 por conter a nota de enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário, a convenção deverá prever obrigatoriamente a suspensão dos direitos políticos em seu objeto e, sendo inviável esse título para justificar a inelegibilidade, outra solução não resta senão o ajuizamento da ação, estimado o acordo como incompatível com o interesse público a composição por esvaziar a incidência da Lei Ficha Limpa (MARTINS JUNIOR, 2022, p. 342-345).

Discordando do posicionamento supradescrito, encontram-se Diogo de Araújo Lima e Luiz Manoel Gomes Junior, estabelecendo que a orientação restritiva inviabilizaria a solução negociada, a qual pode ser a melhor mesmo nos casos de inelegibilidade preconizadas no art. 1º, inciso I, alínea L, consoante a circunstâncias que envolvem o caso concreto, por duas razões principais:

 A primeira é que a Lei de improbidade Administrativa não estabeleceu qualquer restrição material quanto às sanções que podem ser objeto do Acordo de Não Persecução Cível, de modo que não será uma norma geral e anterior que poderá fazê-lo. Sempre oportuno lembrar que inexiste hierarquia entre lei ordinária e lei complementar, afinal ambas retiram seu fundamento de validade diretamente da Constituição Federal. Existe apenas campos materialmente distintos de atuação.

Considerando que a Lei nº 8.429/1992 não estabeleceu nenhum limite material para a celebração do Acordo de Não Persecução Cível, “[…] imperioso concluir que o acordo poderá alcançar toda e qualquer modalidade de improbidade administrativa, inclusive aquela que importar enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio público.

A segunda razão é que, a persistir a interpretação mais restritiva à celebração do acordo, disso poderá resultar o esvaziamento da própria solução negociada, pensada pelo legislador quando do “Pacote Anticrime” e redesenhada a partir da novel Lei nº 14.230/2021. (LIMA; GOMES JUNIOR, 2022, p. 215-216.

O Acordo de Não Persecução Civil permite a celebração de cláusulas de natureza processual: previsão de renúncia ao direito de recorrer; de custeio das provas periciais; admissão de provas emprestadas, dentre outros. A avença pode estipular sanções processuais atípicas não positivadas em lei, tais como afastar-se por determinado período de atividade profissional econômica ensejadora do ato ímprobo praticado; não comparecer em determinados locais ou manter contato com determinadas pessoas, entre outros sancionamentos.

Após a homologação da avença civil, passa-se a surtir seus efeitos com a consumação das sanções de caráter político-administrativo, enquanto, em relação as sanções pecuniárias, a doutrina é silente que deva ser concedido um prazo para seu cumprimento, mormente a reparação do Erário e retorno das vantagens ilícitas, em prol da pessoa jurídica de direito público lesada.

Em caso de descumprimento do Acordo de Não Persecução Civil, não é lícito buscar-se no âmbito judicial o agravamento das consequências do ato ímprobo, as quais já devem constar de antemão na pactuação anteriormente descumprida, ou seja, já devem constar no próprio título como incidências de novas sanções, ampliação de multas, “e não serem objeto de cognição judicial derivada da continuidade de um incabível ajuizamento ou prosseguimento da ação civil de improbidade para apurar fatos que já foram transacionados” (GAJARDONI, 2021, p. 394).

Ocorrendo descumprimento da avença, o investigado ou processado encontra-se impedido de celebrar novo acordo pelo prazo de cinco anos, contado do conhecimento pelo Ministério Público da frustração de sua execução. Torna-se imperioso que o Parquet denuncie em juízo o descumprimento por parte do beneficiário, para que seja rescindido em caso de já homologado, ou providenciando a instauração de uma investigação para encetar as providências cabíveis à espécie, caso tenha sido pactuado em inquérito civil. (MARTINS JUNIOR, 2022).

Em apertada síntese, as características do Acordo de Não Persecução Civil decorrem das normas específicas integrativas, constituindo-se: I) Fator impeditivo dos prazos prescricionais – uma vez celebrado o acordo, concretiza-se a interrupção da prescrição da ação de improbidade administrativa. II) o Acordo de Não Persecução Civil como negócio jurídico voluntário e a correlata proibição de imposição judicial – trata-se de negócio jurídico de natureza extraprocessual ou judicial, submetendo-se sua existência, validade e eficácia dos negócios jurídicos em geral pelo Código Civil, não constituindo-se em condição preliminar obrigatória para ajuizamento de ação de improbidade, ou mesmo considerado um direito subjetivo do investigado/réu, e de forma alguma poderá ser imposto pela via judicial, sendo vedado ao Judiciário adentrar no mérito da decisão dos legitimados em pactuar ou não o acordo, somente persistindo a possibilidade de apreciar sua legalidade (PINHEIRO; ZIESEMER, 2022).

Compreendendo ainda: III) possibilidade de celebração com todos ou apenas alguns dos responsáveis/beneficiários do ato de improbidade administrativa – premente a inexistência de litisconsórcio necessário entre o agente público e terceiros favorecidos com o ato ímprobo; IV) legitimidade para celebração do Acordo de Não Persecução Civil – é de exclusividade do Ministério Público a legitimidade para a celebração do acordo, porém é imprescindível a oitiva prévia do ente federativo lesado, o qual poderá concordar ou opor-se, salientando-se que, em qualquer dos casos, caberá ao Poder Judiciário homologar as condições pactuadas; V) conteúdo mínimo, limites e potencialidade expansiva do Acordo de Não Persecução Civil – nas escolhas das sanções, objeto do acordo, deverá ser considerada a personalidade do agente, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do ato de improbidade, ponderando-se, à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, as vantagens para o interesse público, significando encontrar uma reprimenda eficaz para prevenção e/ou repressão das condutas ímprobas, ajustando-se, assim, obrigações e condições compatíveis com o ato de improbidade perpetrado (PINHEIRO; ZIESEMER, 2022).

O Acordo de Não Persecução Civil não se constitui em abrandamento da indisponibilidade do interesse público, mas de compleição de sua aplicação prática com as vicissitudes do caso em concreto, prelecionando Wallace Paiva Martins Junior:

O órgão acusador ou controlador não poderá se mover por capricho nem por desídia e tampouco ingenuidade senão por um prognóstico na hipótese em cena balizada pela perspectiva punitiva oferecida pela legislação e pela potencialidade de resultados à luz do tratamento jurisdicional aplicado (ou aplicável) e, sobretudo, da realidade e da eficácia de uma política adequada de responsabilização por atos de improbidade administrativa.  O seu móvel é o interesse público primário (tutela da probidade) e não o interesse público secundário (aquisição de receitas, cumprimento quantitativo de metas). (MARTINS JUNIOR, 2021, p. 335).

Com efeito, a formação do Acordo de Não Persecução Civil deverá ser adstrita ao interesse público, perseguindo seu alcance, e sofrendo limitações em decorrência do mesmo, considerando aspectos como “natureza, gravidade e efeitos da infração, antecedentes e grau de responsabilidade e de reprovação da conduta e do agente, conquanto as respectivas sanções sejam cumulativas ou não” (MARTINS JUNIOR, 2021, p. 335).

O acordo em questão, considerando-se o interesse público, não pode restringir-se ao ressarcimento do dano, posto constituir-se esse em consequência do ato ímprobo, por possuir como objeto as sanções legais, configurando-se danos ao erário, deverá preceituar o ressarcimento incorporado a uma ou mais sanções, preconizadas no art. 12 da Lei de improbidade, inadmitindo-se uma composição celebrada com o exclusivo objeto de reparação do dano, asseverando-se que a composição não poderá alterar a tipificação legal do ato ou excluir integralmente as sanções legais preconizadas (MARTINS JUNIOR, 2021).

A contemporização da reprimenda ao ilícito deve considerar sempre o alcance do interesse público com sua pactuação e, por outro lado, a razoabilidade para o investigado/réu como punição, ressalvando-se, em que pese os debates doutrinários, não se constituir-se em direito subjetivo do investigado/réu pela realização do ato ímprobo, tampouco não se trata de uma prerrogativa autoritária do Ministério Público, a qual deverá ser empregada de forma responsável, fundamentada nos princípios de eficiência, proporcionalidade, impessoalidade, imparcialidade, guiando-se sempre, na escolha da alternativa, no caso concreto, como a melhor solução para o interesse público específico.

Nas convenções do Acordo de Persecução Civil, como em regra, a todas de direito público, é primordial destacar a ausência de desconsideração do interesse público e de sua indisponibilidade. Persistindo a indisponibilidade do referido interesse público, embora considerando sua mitigação (MARTINS JUNIOR, 2021).

Como antedito, na segunda parte desta pesquisa, os princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público, deixaram de ser considerados como obstáculos intransponíveis à realização de acordos com a Administração Pública, sofrendo ambos uma “reconstrução” ou “releitura”, mitigando-se a concepção de que a Administração Pública somente poderia atuar de forma unilateral e impositiva, passando a um diálogo com o consensualismo, do qual se derivou o agir concertado, sem que se retirem as prerrogativas do Estado, voltadas a perfazer o interesse público.

Nessa linha de intelecção, o alcance e os limites do Acordo de Não Persecução Civil, constituem-se no próprio interesse público, mormente o primário, e os princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público, possuindo como matriz a sua concretude, não comungando com sua disponibilidade aleatória, primordialmente quando formado por interesses coletivos primários, dotados de supremacia sobre os interesses privados.

Vale relembrar os ensinamentos de Luzardo Faria a respeito do princípio da indisponibilidade do interesse público, premente seu conteúdo jurídico, representado no dever inarredável da Administração Pública de empenhar-se totalmente em prol da satisfação do interesse público juridicamente definido, inexistindo ato administrativo válido destinado à realização de outro escopo que não coincida com o interesse público, sob pena de invalidade:

Por isso, mais do servir como justificativa para impedir o atendimento de interesses individuais pela Administração Pública, o princípio da indisponibilidade exige do agente público uma profunda análise acerca de todo o contexto fático e jurídico envolvido no caso concreto, a fim de identificar a finalidade legal que deve ser perseguida naquela situação. Muitas vezes, não será o interesse próprio do Estado, mas, sim, exatamente o interesse de um particular. É o princípio da indisponibilidade que impõe à Administração o dever de satisfazer tal interesse, mesmo talvez sendo contrário aos interesses pessoais. (FARIA, 2022, p. 332).

            O aludido autor complementa sua exposição, discorrendo que a indisponibilidade trata-se de princípio com correlação da noção de legalidade administrativa, derivando-se do ordenamento jurídico, desde a Constituição Federal e leis infraconstitucionais, atribuindo à Administração Pública os deveres vinculantes, portanto qualquer violação significa um descumprimento do princípio da legalidade, e mesmo da indisponibilidade:

O princípio da indisponibilidade do interesse público, portanto, funciona como uma amarra à atividade administrativa. Trata-se da outra face da moeda composta pelo princípio da supremacia. É ele que justifica (teoricamente) as prerrogativas exorbitantes que a legislação confere à Administração Pública ao condicionar o seu manejo à satisfação do interesse público.

A indisponibilidade, portanto, muito mais do que simplesmente dizer o óbvio (como criticam alguns autores), possui importante função de direcionamento da atividade jurídico-administrativa. É a indisponibilidade do interesse público a resposta, existente no próprio regime jurídico-administrativo, para frear os excessos indesejáveis que a Administração poderia vir a cometer caso lhe fossem outorgadas apenas prerrogativas. (FARIA, 2022, p. 333).

Com o fito de realização do interesse público, não se pode desconsiderar, na pactuação do Acordo de Não Persecução Civil, os princípios da supremacia e do interesse público, em que pese suas mitigações, posto silente que o consenso possibilita o agir administrativo mais eficiente e transparente, sem retirar totalmente do Estado suas prerrogativas, não se constituindo a utilização dos mesmos como exclusão ao consenso, devendo, no âmbito da pactuação em concreto, serem ponderados, para incidirem  de forma harmônica, sempre possuindo como objeto o comentado interesse público.

O Acordo de Não Persecução Civil, como já declinado em linhas volvidas, tem o mérito de concretizar o interesse público, mormente numa sociedade assoberbada de processos judiciais e procedimentos extrajudiciais, os quais, por sua morosidade, levavam a uma impunidade dos agentes ímprobos, não sendo o deslinde do caso em concreto, devido à longa tramitação das ações e procedimentos de improbidade, contemporâneo aos anseios da sociedade brasileira.

Sobreleva-se, ainda, a pactuação das cláusulas da avença não poder ser realizada com liberalidade, por parte do Ministério Público, o qual se encontra adstrito ao próprio interesse público social primário, sendo obstado, perante um caso específico, atribuírem-se sancionamentos a um agente ímprobo e deixar outro sem atribuições de sanções, encontrando-se ambos em situações circunstanciais semelhantes.

Por oportuno, ressalte-se constituir-se numa limitação ao Acordo de Não Persecução Civil a vedação a sua transmutação em mercantilismo, privilegiando os que possuem maior poder aquisitivo à reparação do dano aos cofres públicos, fomentando as avenças de forma aleatória, numa banalização da referida pactuação, posto afastar-se do objetivo máximo, qual seja, o combate à improbidade administrativa, com restauração da moralidade pública.

A doutrina e a jurisprudência estão em construção a respeito do Acordo de Não Persecução Civil, mormente com a edição da Lei nº 14.230/2021, contendo seu disciplinamento legal, e certamente serão produzidos entendimentos mais aprofundados sobre os limites e alcance do mencionado instrumento, perante os princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público, os quais, como cediço, e exaustivamente exposto, não obstaculizam a consensualidade na esfera da improbidade administrativa, posto não vedar a pactuação de acordos, premente o Acordo de Não Persecução Civil, o qual agora largamente disciplinados pela Lei nº. 13.964/2019, e Lei 8.429/1992, alterada pela Lei nº 14.230/2021, ambas deixando nítido, em definitivo, a possibilidade de transação na improbidade administrativa.

Numa demonstração da possibilidade do consenso na improbidade administrativa, mesmo perante os princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público, encontra-se a legislação vigente, supradeclinada, e, por outro lado, os diversos Acordos de Não Persecução Civil, pactuados pelos Ministérios Públicos dos Estados e Federal, nessa etapa, efetivar-se-ão comentários a um acordo específico, em anexo a partir da página 119.

O Ministério Público do Estado de São Paulo – MPSP, mediante a Promotora de Justiça do Patrimônio Público e Social de São Pedro – SP, utilizando-se de sua legitimidade, firmou um Acordo de Não Persecução Cível com Rafael Bastos Cury, possuindo como anuente o Município de São Pedro, apresentando como objeto lesão ao Erário, em razão do exercício pelo compromissário da função de médico em locais diversos, e com horários incompatíveis ao período em que deveria estar prestando serviço ao referido município.

Configurando a conduta do compromissário no ato de improbidade administrativa, preconizado no art. 10, da Lei 8.429/1992, e verificando ser vantajoso o acordo a recomposição do interesse público lesado, resolveram formular o Acordo de Não Persecução Civil, estatuindo como cláusula primeira o objeto já descrito, atendendo ao pressuposto a confissão do compromissário.

No acordo supramencionado, restam positivadas, na cláusula segunda, as reais vantagens da solução consensual extrajudicial, apresentando-se como um instrumento apto a tutelar o interesse público, a proteção do patrimônio público e social, e a moralidade administrativa, em decorrência do ressarcimento integral dos prejuízos ao Erário do Município de São Pedro.

Foi estipulada como a cláusula terceira a concordância do ente federativo lesado. Da assunção de responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa, como antedito confessada a infração ímproba, pelo compromissário Rafael Bastos Cury, anuiu o mesmo ao fato de que uma eventual não homologação do Acordo de Não Persecução Civil não incidiria em nulidade a respeito das provas carreadas no inquérito civil – cláusula quarta.

A importância da cláusula quinta está na demonstração do ressarcimento integral dos danos patrimoniais, mediante restituição ao Município de São Pedro, no valor de R$ 129.303, 32 (cento e vinte e nove mil, trezentos e três reais e trinta e dois centavos), embora devidamente parcelado. Outro fator que chama atenção é a cláusula sexta, dispondo da sanção aplicada, qual seja, a suspensão temporária dos direitos políticos pelo período de 36 (trinta e seis) meses, relacionado ao período do parcelamento da importância tangente ao ressarcimento do dano causado aos cofres públicos municipais, a serem descontadas as parcelas da remuneração percebida pelo compromissário.

A cláusula oitava preceitua as consequências em caso de descumprimento do Acordo de Não Persecução Civil, reportando-se ao vencimento antecipado de todas as obrigações, protesto de dívidas e demais medidas legais cabíveis, facultando-se ao Ministério Público promover a execução do título, fixando, inclusive, multa cominatória.

As demais cláusulas referem-se à eficácia do Acordo de Não Persecução Civil e eleição do foro.

Realizadas as observações em linhas anteriores, forçoso convir demonstrado que o princípio da supremacia do interesse público sofreu mitigação, ao possibilitar a pactuação da avença entre um ente federado Municipal e um particular, mediante consenso. Ressalta-se, por oportuno, não se constituir o princípio da indisponibilidade do interesse público em obstáculo ao referido acordo, posto que o mesmo visava à efetivação do interesse público, com pleno ressarcimento ao Erário do Município de São Pedro, além de concretizá-lo por via de imposição de sanção de suspensão temporária dos direitos políticos.

Em síntese, a consensualidade espraiou-se na Administração Pública brasileira como forma de solução aos conflitos, e desburocratização da Justiça sobrecarregada de processos, conferindo-lhe uma eficiência ao entabular diversos acordos, com ênfase ao Acordo de Não Persecução Civil, o qual veio ao encontro das necessidades da sociedade, numa nítida comprovação de não constituir-se em óbice a sua efetivação perante os primados da supremacia do interesse público e a indisponibilidade do próprio interesse, mormente a concretização do interesse público de forma mais consistente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O fenômeno da consensualidade, por seu turno, espalha-se pela esfera da improbidade administrativa e, via de consequência, o consenso paulatinamente passa a permear o microssistema processual civil da tutela da probidade na Administração Pública. Não se pode esquecer que o art. 17, §1º, da Lei nº 8.429/1992, justificava-se somente quando era impensável uma negociação com agentes ímprobos, no domínio da improbidade administrativa.

A primeira normatização de consensualização na esfera da improbidade administrativa foi a Medida Provisória 705/2015, revogando a vedação do multicitado art. 17, §1º, da Lei nº 8.429/1992, na sua redação original, a qual não chegou a ser transformada em lei. Outro marco consensual foi a Resolução nº 179/2017, do Conselho Nacional do Ministério Público, autorizando a seus membros a celebração de compromisso de ajustamento de conduta na seara da improbidade administrativa.

Insta salientar que em decorrência do patrimonialismo vigente no Brasil mormente a colonização portuguesa, fomentou uma cultura de improbidade administrativa no meio da sociedade brasileira, assolando, como um verdadeiro flagelo, o Brasil, enraizando-se na cultura brasileira. Com a Constituição de 1988, inovou-se prevendo-se uma forma de punição severa ao agente público pela errônea utilização do cargo ou função, causando prejuízo ao Erário. Realmente, a partir da Lei nº 14.230/2021, a concepção de improbidade administrativa parte do ato ímprobo doloso, praticado por agente público ou, em conluio deste, com terceiro, em desfavor de entidades privadas e públicas, tipificando o enriquecimento ilícito a lesão ao Erário e à violação aos princípios da Administração Pública. 

Em relação aos acordos na improbidade administrativa, a vedação do citado art. 17, §1º, da Lei nº 8.429/1992, era considerado como imutável, em decorrência do princípio da indisponibilidade do interesse público, não admitindo transação, composição, sob pena de nulidade, somente admitindo a celebração de acordos extrajudiciais, prevendo somente a possibilidade de transação na tramitação da ação quando os negócios jurídicos não possuíssem o mesmo objeto da ação principal.

Inobstante a premissa acima destacada, uma corrente doutrinária antevia uma possibilidade de autocomposição extrajudicial, com a utilização dos termos de ajustamento de conduta, acordos de leniência e colaboração premiada, incidindo no âmbito na improbidade administrativa.

A remoção da vedação à composição operou-se com a edição da Lei nº 13.964/2019, modificando o §1º, do art. 17, da Lei de Improbidade Administrativa, acrescentando o § 10-A ao mencionado dispositivo legal, instituindo o Acordo de Não Persecução Civil, no âmbito da improbidade administrativa, tornando-se imprescindível a sua pactuação o efetivo e concreto alcance do interesse público. Entretanto, somente posteriormente, o mencionado acordo foi disciplinado pela Lei nº 14.230/2021. O Acordo de Não Persecução Civil pode ser compreendido como uma possibilidade, ou faculdade, de o Ministério Público de interpor ação decorrente do cometimento do fato ímprobo, e formalizar negócio jurídico com o autor da improbidade administrativa, seja na fase investigatória, seja após a judicialização, no desiderato de aplicar sanções preconizadas na Lei de Improbidade Administrativa.

Entre a edição da Lei nº 13.964/2019, introduzindo o Acordo de Não Persecução Civil, e o seu disciplinamento pela Lei nº 14.230/2021, alterando a Lei de Improbidade Administrativa, então vigente, os Ministérios Públicos diversos passaram a discipliná-lo, mediante notas técnicas e resoluções, as quais norteavam a atuação de seus membros e estipulavam a abrangência do referido acordo.

O Acordo de Não Persecução Civil possui peculiaridades, dentre as quais o pressuposto da confissão do autor ímprobo, o ressarcimento ao Erário como obrigatório nos casos de dano, constituindo-se em uma faculdade, e não em direito subjetivo do investigado ou réu. O Ministério Público, por sua vez, é o legitimado para propor a referida avença, devendo ser ouvido o ente federado lesado, passando sua homologação pelo crivo do Conselho Superior do Ministério Público e do magistrado, não se podendo negociar isenção sancionatória nas hipóteses de inelegibilidade, porém pode-se pactuar a suspensão de direitos políticos.

No caso de descumprimento do acordo, o investigado ou processado encontra-se impedido de celebrar outro, no prazo de cinco anos, cabendo ao Ministério Público a denunciação ao juízo do referido descumprimento ou providenciando a instauração de uma investigação para a tomada de providências cabíveis à espécie.

O Acordo de Não Persecução Civil não se constitui em abrandamento da indisponibilidade do interesse público, tratando-se de compleição de sua aplicação prática com as vicissitudes do caso em concreto. O órgão acusador deverá ser congruente e despido de arbítrio ou ingenuidade, não podendo de forma alguma pactuar levado somente pelos interesses particulares.

O acordo em questão, considerando-se o interesse público, não pode restringir-se ao ressarcimento do dano, posto constituir-se esse em consequência do ato ímprobo, por possuir como objeto as sanções legais, configurando-se danos ao Erário, deverá preceituar o ressarcimento incorporado a uma ou mais sanções, preconizadas no art. 12 da Lei de improbidade.

Nessa perspectiva, chega-se à conclusão, após uma acurada pesquisa, de que o alcance e os limites do Acordo de Não Persecução Civil constituem-se no próprio interesse público, mormente o primário, e os princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público, possuindo como matriz a sua concretude, não comungando com sua disponibilidade aleatória, primordialmente quando formado por interesses coletivos primários, dotados de supremacia sobre os interesses privados.

O Acordo de Não Persecução Civil tem o mérito de concretizar o interesse público, mormente numa sociedade assoberbada de processos judiciais e procedimentos extrajudiciais, os quais, por sua morosidade, levavam a uma impunidade dos agentes ímprobos, não sendo o deslinde do caso em concreto, devido à longa tramitação das ações e procedimentos de improbidade, contemporâneo aos anseios da sociedade brasileira.

A pactuação das cláusulas da avença não poder ser realizada com liberalidade, por parte do Ministério Público, o qual se encontra adstrito ao próprio interesse público social primário, sendo vedado, perante um caso específico, atribuírem-se sancionamentos a um agente ímprobo e deixar outro sem atribuições de sanções, encontrando-se ambos em situações circunstanciais semelhantes.

Alfim, podemos asseverar existirem limitações à pactuação do Acordo de Não Persecução Civil, dentre as quais a vedação da sua transmutação em mercantilismo, privilegiando os que possuem maior poder aquisitivo à reparação do dano aos cofres públicos, fomentando as avenças de forma aleatória, numa banalização da referida pactuação, posto afastar-se do objetivo máximo, qual seja, o combate à improbidade administrativa, com restauração da moralidade pública.

Em face do exemplo apresentado neste trabalho, cumpre anotar que a supremacia do interesse público sofreu mitigação, facultando a pactuação da avença entre um ente público federado e um particular, mediante o consenso. Por seu turno, o princípio da indisponibilidade não se afigurou como obstáculo à referida avença, em decorrência do fato de que a mesma visava, sobretudo, à materialização do interesse público.

CONCLUSÃO

O interesse público é concebido como contraposto ao interesse privado, constituindo-se no interesse do conjunto social, portanto não se confunde com a somatória dos interesses individuais. A doutrina, em parte, preconiza pela não aplicação do interesse público, em razão de sua indeterminação, já outros advogam que, embora inicialmente abstrato, é possível chegar-se a uma determinação, sem grandes dificuldades, premente partindo-se do que não é interesse público, complementando o conceito pela situação posta no caso em concreto.

A distinção entre interesse público primário e secundário foi difundida na doutrina pátria. A primeira classificação trata de interesse geral, da coletividade, da sociedade, enquanto a segunda alude aos interesses próprios do Estado, devendo prevalecer sempre, quando colidentes, o interesse primário. E o Estado somente poderá efetivar os interesses secundários quando coincidirem os mesmos com o interesse público.

O Estado Social e Democrático de Direito constitui-se no palco do surgimento do princípio da supremacia do interesse público, prevalecendo o mesmo sobre o privado. O referido princípio é consagrado pelas normas de direito público, somente, por via reflexa, protege o interesse individual, é proveniente do âmbito legislativo, vinculando a autoridade administrativa na sua atuação.

Os direitos fundamentais, por seu turno, constituem o cerne do interesse público, porém não exaurem seu conteúdo, existindo outros direitos subjetivos e interesses legítimos que o integram. Nesses termos, ocorrendo colisão dos direitos fundamentais de determinados indivíduos, ou grupos sociais, com os demais elementos integradores do interesse público, resolve-se o conflito utilizando-se a ponderação, podendo efetivar-se uma restrição pontual do direito fundamental, de forma a viabilizar o interesse da coletividade, incidindo os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Parte da doutrina vem criticando o princípio da supremacia do interesse público, não reconhecendo sua previsão constitucional e infraconstitucional, propugnando por sua “desconstrução”, considerando-o como autoritário, fomentador de regimes totalitários, eliminador da condição de ser humano como sujeito de direitos. Outra parte apregoa a sua reconstrução ou releitura de molde a ajustar-se à realidade social contemporânea, criticando veementemente a pretensão de sua desconstrução, arguindo-a como no mínimo equivocada. Numa posição intermediária, pode-se propugnar por uma revisão dos pressupostos teóricos do princípio da supremacia do interesse público. Na divisão entre interesse público primário – considerado a razão de ser do Estado, e o interesse público secundário – interesse da pessoa jurídica de direito público, inclusive ressalvando-se que este último jamais gozará de supremacia em relação aos interesses particulares.

Destarte, o princípio da supremacia do interesse público afigura-se absolutamente compatível com os fundamentos do Estado Democrático de Direito, interligado aos direitos fundamentais, mormente o princípio da dignidade humana, perfazendo sua primazia por traduzir um interesse da coletividade. No tangente à consensualidade, aplica-se com precisão o reconhecimento teórico da releitura do mencionado princípio sob a égide democrática da Constituição vigente.

         Em relação ao princípio da indisponibilidade, reside o mesmo como contrapeso ao autoritarismo, principalmente por impor sujeições à Administração Pública, posto não serem  somente facultadas prerrogativas ao Poder Público. Encontrando-se implícito o referido princípio na Carta da República, correlacionando-se com a percepção da legalidade administrativa, derivando do ordenamento jurídico, possuindo a função, como antedito, de contrapeso exercida sobre a supremacia do interesse público, vinculando a atuação administrativa, voltando-a para as finalidades públicas, impedindo que sejam as prerrogativas administrativas aplicadas em fins diversos do interesse público.

A solução consensual dos conflitos, atualmente, não apenas constitui-se um meio viável, traduzindo-se em primordial ao Poder Público, para realizar suas incumbências, porém a liberdade de realização de acordos no âmbito da Administração, ao contrário dos particulares, possui limitações à vontade normativa, dando cumprimento ao classificado por lei como de interesse público.

Parte da doutrina considera o princípio da indisponibilidade do interesse público como proibição à celebração de acordos na Administração Pública. Outra parcela doutrinária, de forma equivocada, repudia o princípio da indisponibilidade do interesse público, considerando-o conservador, restringindo a pactuação de avenças, provenientes da não normatização e precisão conceitual, devendo o mesmo ser mitigado ou abandonado.

Os entendimentos supraexpostos partem de proposições equivocadas do que seja interesse público. Portanto, fundado no ordenamento jurídico brasileiro, o princípio, ao permitir os acordos, encontra-se concretizando o próprio interesse público, o qual é formado do interesse coletivo primário, daí a não incidência de obstáculo às celebrações consensuais.

O princípio da indisponibilidade do interesse público não pode ser considerado como obstáculo à realização de acordos com a Administração Pública, a consensualização trata-se de uma realidade no direito administrativo, partindo-se de um contexto de redemocratização pós 1988, reclamando uma releitura dos institutos ao abrigo da Carta da República. Enquanto a maioria da doutrina assegura que o princípio da indisponibilidade outorga algumas restrições à utilização procedimento transacional por parte da Administração Pública, sem, no entanto, erradicá-lo completamente.

Em síntese, a repressão aos atos considerados ímprobos, desonestos e corruptos, pela Lei de Improbidade Administrativa, faz com que a mesma resguarde, em primeira e última instância, o próprio interesse público.

Antes do advento da Lei nº 13.964/2019, conhecida por Lei Anticrime, positivando o Acordo de Não Persecução Cível, doutrinariamente já se defendia a possibilidade de pactuação pelo Poder Público, desde que resguardado o interesse público, evitando-se os litígios desarrazoados atravancadores da atuação administrativa.

O fenômeno da consensualidade, por seu turno, espalha-se pela esfera da improbidade administrativa e, via de consequência, o consenso paulatinamente passa a permear o microssistema processual civil da tutela da probidade na Administração Pública. Não se pode esquecer que o art. 17, §1º, da Lei nº 8.429/1992, justificava-se somente quando era impensável uma negociação com agentes ímprobos, no domínio da improbidade administrativa.

A primeira normatização de consensualização na esfera da improbidade administrativa foi a Medida Provisória 705/2015, revogando a vedação do multicitado art. 17, §1º, da Lei nº 8.429/1992, na sua redação original, a qual não chegou a ser transformada em lei. Outro marco consensual foi a Resolução nº 179/2017, do Conselho Nacional do Ministério Público, autorizando a seus membros a celebração de compromisso de ajustamento de conduta na seara da improbidade administrativa.

O extenso percurso pelo qual o interesse público, consubstanciado no princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e a indisponibilidade do interesse público, percorreu doutrinariamente e legislativamente, até a concepção atual da sua releitura e mitigação, demonstra o alcance de um anseio de realidade social mais complexa, por meios consensuais mais resolutivos, céleres, capazes de não somente efetivar seus objetivos, mas conferir ao próprio interesse público maior dimensão e objetividade, concernente a sua defesa mais adequada na contemporaneidade.

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[1] Licenciada em História e bacharela em Direito pela Universidade Federal do Acre (UFAC). Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Acre, titular da 1ª Promotoria Especializada de Defesa do Patrimônio Público e Fiscalização das Fundações e Entidades de Interesse Social. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC).

[2] Doutora em Direito (2012). Mestre em Direito (2009). Especialista em Direito Público (2007). Atualmente é professora da Universidade de Santa Cruz do Sul, vinculada ao PPGD em Direito -Mestrado e Doutorado-UNISC, onde ministra as disciplinas “Teoria do Direito” (mestrado) e “Controle Social e Administrativo de Políticas Públicas” (doutorado). Professora da graduação e pós-graduação lato sensu da Universidade de Santa Cruz do Sul. Tem experiência na área de Direito Público, com ênfase em Direito Constitucional e Processo Constitucional, Hermenêutica Jurídica e Teoria do Direito. Chefe do Departamento de Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul. Membro da Rede Docente Eurolatinoamericana de Direito Administrativo. Membro da Rede de Direito Administrativo Social. Presidente do Comitê de Direitos Humanos da Universidade de Santa Cruz do Sul. Coordenadora do Grupo de pesquisa”Controle social e administrativo de políticas públicas e serviço público”, vinculado ao CNPQ Integrante do Grupo de pesquisa “Núcleo de pesquisa de desenvolvimento humano” da PUC/PR. Advogada.

[3] Lei nº 8.429/1992, alterada pela Lei nº 14.230/2021: “Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei”.

[4] Lei nº 8.429/1992, alterada pela Lei nº 14.230/2021.  Art. 12: Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: I – na hipótese do art. 9º desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 14 (catorze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 14 (catorze) anos; II – na hipótese do art. 10 desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 12 (doze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 (doze) anos; III – na hipótese do art. 11 desta Lei, pagamento de multa civil de até 24 (vinte e quatro) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 4 (quatro) anos;      

[5]Lei nº 8.429/1992[5], alterada pela Lei nº 14.230/2021: Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta lei independe: § 4º A absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata esta Lei, havendo comunicação com todos os fundamentos de absolvição previstos no art. 386 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).

[6] Lei nº 13.964/2019- Art. 6º: A Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 17. […] § 1º As ações de que trata este artigo admitem a celebração de acordo de não persecução cível, nos termos desta Lei. […] § 10-A. Havendo a possibilidade de solução consensual, poderão as partes requerer ao juiz a interrupção do prazo para a contestação, por prazo não superior a 90 (noventa) dias.

[7] Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.

§ 1º As ações de que trata este artigo admitem a celebração de acordo de não persecução cível, nos termos desta lei. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019).

(…)

§ 10 A. Havendo a possibilidade de solução consensual, poderão as partes requerer ao juiz a interrupção do prazo para a contestação, por prazo não superior a 90 (noventa) dias. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019).

[8] Lei nº 8.429/1992, alterada pela Lei nº 14.230/2021: “Art. 17-B. O Ministério Público poderá, conforme as circunstâncias do caso concreto, celebrar acordo de não persecução civil, desde que dele advenham, ao menos, os seguintes resultados: I – o integral ressarcimento do dano; II – a reversão à pessoa jurídica lesada da vantagem indevida obtida, ainda que oriunda de agentes privados. § 1º A celebração do acordo a que se refere o caputdeste artigo dependerá, cumulativamente: I – da oitiva do ente federativo lesado, em momento anterior ou posterior à propositura da ação; II – de aprovação, no prazo de até 60 (sessenta) dias, pelo órgão do Ministério Público competente para apreciar as promoções de arquivamento de inquéritos civis, se anterior ao ajuizamento da ação; III – de homologação judicial, independentemente de o acordo ocorrer antes ou depois do ajuizamento da ação de improbidade administrativa. § 2º Em qualquer caso, a celebração do acordo a que se refere o caput deste artigo considerará a personalidade do agente, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do ato de improbidade, bem como as vantagens, para o interesse público, da rápida solução do caso. § 3º Para fins de apuração do valor do dano a ser ressarcido, deverá ser realizada a oitiva do Tribunal de Contas competente, que se manifestará, com indicação dos parâmetros utilizados, no prazo de 90 (noventa) dias. § 4º O acordo a que se refere o caputdeste artigo poderá ser celebrado no curso da investigação de apuração do ilícito, no curso da ação de improbidade ou no momento da execução da sentença condenatória. § 5º As negociações para a celebração do acordo a que se refere o caput deste artigo ocorrerão entre o Ministério Público, de um lado, e, de outro, o investigado ou demandado e o seu defensor. § 6º O acordo a que se refere o caput deste artigo poderá contemplar a adoção de mecanismos e procedimentos internos de integridade, de auditoria e de incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica, se for o caso, bem como de outras medidas em favor do interesse público e de boas práticas administrativas. § 7º Em caso de descumprimento do acordo a que se refere o caputdeste artigo, o investigado ou o demandado ficará impedido de celebrar novo acordo pelo prazo de 5 (cinco) anos, contado do conhecimento pelo Ministério Público do efetivo descumprimento.”

[9] Resolução 1.193/2020 CPJ MPSP:

 Art. 5º – O instrumento que formalizar o acordo deverá conter obrigatoriamente os seguintes
itens, inseridos separadamente: I – Identificação do pactuante agente público ou terceiro que, não sendo agente público, induziu ou concorreu para a prática do ato ou dele se beneficiou direta ou indiretamente;
II – Descrição da conduta ilícita, com todas as suas circunstâncias, em especial suas condições
de tempo e local; III – Subsunção da conduta ilícita imputada à específica previsão legal de modalidade de ato de improbidade administrativa; IV – Quantificação e extensão do dano e dos valores acrescidos ilicitamente, quando houver; V – Assunção por parte do pactuante da responsabilidade pelo ato ilícito praticado; VI – Compromisso, quando for o caso, de colaborar amplamente com as investigações, promovendo a identificação de outros agentes, partícipes, beneficiários, localização de bens e valores e produção de outras provas, durante o curso do inquérito civil ou do processo judicial; VII – Dever de reparação integral do dano atualizado monetariamente, acrescido de juros legais e perdimento de bens e valores acrescidos ilicitamente; VIII – Previsão de aplicação de: a) duas ou mais medidas sancionatórias na hipótese de ato previsto no art. 9º ou uma ou mais medidas na hipótese de atos elencados nos arts. 10 e 11 da Lei nº 8.429/1992, em investigação ou processo que não exija colaboração do investigado, observados os limites máximos e mínimos legais, sem prejuízo do disposto no inciso anterior; b) uma ou mais medidas sancionatórias nas hipóteses de atos de improbidade administrativa, em investigação ou processo que exija colaboração do investigado, observados os limites máximos e mínimos legais, sem prejuízo do disposto no inciso anterior. IX – Estipulação de cláusula específica de aplicação de multa diária ou outra espécie de cominação que se mostre adequada e suficiente para o caso de descumprimento das obrigações assumidas; X – Previsão de que a eventual resolução, perda de efeito ou rescisão do acordo, por responsabilidade do compromissário, não implicará a invalidação da prova por ele fornecida ou dela derivada, sendo vedada a subscrição de novo acordo pelo prazo de 05 (cinco) anos, contados do conhecimento, pelo Ministério Público, do efetivo descumprimento;  XI – Especificação, se for o caso, de tantos bens quanto bastem para a garantia do cumprimento das obrigações assumidas, os quais permanecerão indisponíveis; e XII – Advertência de que a eficácia do acordo extrajudicial estará condicionada a sua homologação pelo Conselho Superior do Ministério Público, no prazo de até 60 (sessenta) dias e, na sequência, pelo órgão jurisdicional; § 1º. Na hipótese de acordo parcial ou preliminar, esta circunstância deverá constar expressamente do título respectivo. § 2º. A definição das sanções e seus patamares deverá ser orientada pela natureza e gravidade do ato, o proveito auferido pelo agente, o dano causado, a importância da colaboração, bem como a repercussão e reprovabilidade social da conduta. § 3º. O ressarcimento do dano e o perdimento de bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio não poderão ser objeto de composição sobre seu montante, mas tão-somente sobre a forma, prazo e modo de cumprimento da obrigação. § 4º. O descumprimento do acordo, ainda que parcial, acarretará o vencimento antecipado das obrigações em sua totalidade, competindo ao órgão do Ministério Público, no prazo de sessenta dias, promover a execução do título, inclusive da cláusula cominatória prevista no inciso IX. § 5º. Nas ações por improbidade administrativa promovidas pelos demais legitimados, nas quais se pleitear a homologação de acordo judicial em desconformidade com o disposto na presente Resolução, o membro do Ministério Público que atuar como fiscal da ordem jurídica deverá manifestar-se fundamentadamente contra esta pretensão e, se for o caso, adotar as medidas processuais cabíveis na hipótese. XIII – Obrigação de adoção de mecanismos e procedimentos internos de integridade, de auditoria e de incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica, se for o caso, bem como de outras medidas em favor do interesse público e de boas práticas administrativas. XIV – Oitiva do ente federativo lesado, se o caso, não se exigindo, contudo, sua aquiescência como requisito de validade ou eficácia do acordo.

[10] Orientação nº 10 da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão Combate à Corrupção do MPF:

Art. 26 – São cláusulas necessárias no ANPC, observada a fase extrajudicial ou judicial em que está sendo celebrado: I – a indicação das partes celebrantes e seus respectivos representantes; II – a descrição clara, objetiva e determinada da conduta ímproba praticada, abrangida pelo acordo; III – os critérios objetivos de qualificação da lesividade à probidade, como bem jurídico metaindividual protegido; IV – a forma de restauração da juridicidade ou legalidade (sem sentido amplo), com detalhamento das obrigações, deveres, sujeições e ônus assumidos pelo celebrante, conforme o caso; V – a explicitação dos pressupostos da responsabilidade patrimonial, quais sejam, ação ou omissão ilícita, nexo de causalidade, e dano material efetivo, conforme o caso; VI – a explicitação dos pressupostos do dano moral difuso ou coletivo, quais sejam, ação ou omissão ilícita, nexo de causalidade e bens metaindividuais afetados, conforme o caso; VII – os critérios objetivos de cálculo ou mensuração dos danos, conforme o caso; VIII – a previsão do não reconhecimento da quitação total do dever de indenização decorrente dos prejuízos patrimoniais causados ao Erário pelos atos ilícitos, conforme o caso; IX – a descrição da forma de participação ou envolvimento da parte celebrante na prática da improbidade administrativa; X – a descrição da forma de participação ou envolvimento de outras pessoas (físicas e/ou jurídicas) na prática de improbidade administrativa, a título de colaboração substancial; XI – o rol de elementos de prova sobre a improbidade que o celebrante possui e disponibilizará em regime de cooperação, a título de colaboração substancial; XII – a descrição das obrigações de dar, fazer e não fazer do celebrante; XIII – a descrição dos benefícios legais, com caráter sancionatório, no domínio da improbidade administrativa ( Lei nº 8.429/1992 e Lei nº 12.846/2013); XIV – a forma de execução do acordo, incluindo a forma de execução das sanções impostas, de forma consensual; XV – o prazo de vigência do acordo; XVI – o modo de fiscalização do cumprimento do acordo; XVII – as hipóteses de rescisão e de extinção do acordo; XVIII – o estabelecimento de multa cominatória, atendendo a critérios de suficiência e compatibilidade com as obrigações, ajustando-se um prazo razoável para o cumprimento do comando, em valor adequado, necessário e proporcional à sua finalidade coercitiva, para a hipótese de descumprimento doloso do acordo pelo celebrante; XIX – as garantias reais ou fidejussórias adequadas e suficientes para assegurar o cumprimento das obrigações pecuniárias decorrentes do acordo.  XX – o foro judicial competente para dirimir controvérsias sobre o acordo, conforme o caso; XXI – o reconhecimento do acordo como título executivo extrajudicial, na forma da LACP e do CPC, conforme o caso.