O FENÔMENO DA “DESSOCIALIZAÇÃO” COMO ATENUANTE SUPRALEGAL GENÉRICA DA PENA

O FENÔMENO DA “DESSOCIALIZAÇÃO” COMO ATENUANTE SUPRALEGAL GENÉRICA DA PENA

31 de maio de 2023 Off Por Cognitio Juris

THE PHENOMENON OF “DESOCIALIZATION” AS A GENERIC SUPRALEGAL MITIGATION OF PUNISHMENT

Artigo submetido em 13 de março de 2023
Artigo aprovado em 18 de março de 2023
Artigo publicado em 31 de maio de 2023

Cognitio Juris
Ano XIII – Número 46 – Maio de 2023
ISSN 2236-3009

Autor:
Rafael Paraguassu de Oliveira[1]

RESUMO: O artigo objetiva abordar questões imprescindíveis referente ao Fenômeno da “Dessocialização” Como Atenuante Supralegal Genérica da Pena, eis que a tese portuguesa da “Dessocialização” apesar de umbilicalmente ligada a finalidade da pena, assim dizendo, na Prevenção Especial Positiva com caraterística Ressocializadora, visando reintroduzir o condenado a sociedade, isto é, preparar o condenado o retorno ao convívio social, malgrado a “Dessocialização” parte da premissa que o indivíduo no sistema carcerário, além de não ressocializar, acaba “piorando” sua situação que era melhor antes da entrada no sistema, eis que o sujeito absorve a cultura carcerária por parte dos reclusos para garantir sua sobrevivência no sistema, alcunhado de “ressocialização às avessas”. A utilidade da “Dessocialização” é operar como atenuante supralegal genérica da pena (segunda fase da dosimetria da pena) com propósito de “diminuir” a pena ou deixar essa em seu patamar mínimo legal, e não como finalidade da execução de pena.

Palavras-Chave: Individualização da Pena – Teoria Geral da Pena – Fenômeno da “Dessocialização” – Atenuante Supralegal Genérica de Pena.

ABSTRACT: The article aims to address essential issues regarding the “Desocialization” Phenomenon as a Generic Supralegal Attenuating Penalty, that is, the Portuguese thesis of “Desocialization” despite being umbilically linked to the purpose of the sentence, so to speak, in Special Positive Prevention with a Resocializing characteristic, aiming at reintroduce the condemned to society, that is, prepare the condemned to return to social life, despite the “Desocialization” part of the premise that the individual in the prison system, in addition to not re-socializing, ends up “worsening” his situation that was better before entry in the system, behold, the subject absorbs the prison culture on the part of prisoners to guarantee their survival in the system, nicknamed “backward socialization”. The usefulness of “Desocialization” is to operate as a generic supralegal mitigation of the penalty (second phase of penalty dosimetry) with the purpose of “decreasing” the penalty or leaving it at its minimum legal level, and not as the purpose of executing the penalty.

Keywords: Individualization of Penalty – General Theory of Penalty – Phenomenon of “Desocialization” – Generic Supralegal Attenuating Penalty.

INTRODUÇÃO

A Bíblia Política logo no artigo 5º em direitos e garantias fundamentais elenca o princípio da individualização da pena, que determina que a aplicação da pena deve ajustar-se à situação de cada imputado, de acordo com o grau de reprovabilidade (censurabilidade) de sua conduta e as características pessoais de cada infrator.

Igualmente o Estado deve ter preocupação com as políticas públicas de encarceramento, assim definido como fundamento da pena, quer dizer é conjunto de regras básicas de organização, com a finalidade que Estado busca alcançar através do “ius puniendi” imposição e a aplicação de uma pena. De outro modo que a pena seja efetiva, malgrado, respeitando todos ditames constitucionais e infralegais, não obstante, sem a punição efetiva o sistema falharia.

Sucessivamente, as finalidades da pena, tanto na corrente absolutista, bem como na utilitarista, ambas adotadas no Brasil e denominada Eclética, trazem em seu bojo o caráter retributivo que seria o mau do injusto pratico retribuído com o mau da pena estatal, ao contrário o caráter ressocializador tem a intenção do retorno do indivíduo recluso ao convívio social.

 Diante desses aspectos, a doutrina faz críticas no sentido de que a pena não teria o condão de ressocializar o indivíduo, e sim, uma espécie de castigo estatal donde o recluso pagaria o crime praticado com o mau do cárcere. Veja, a teoria Agnóstica da Pena idealizada por Zaffaroni, vai ao encontro das críticas doutrinarias na direção de que a pena não possui nenhuma utilidade prática. Há uma descrença na pena, visto que essa não ressocializa, não previne, a única utilidade seria apenas para neutralizar o condenado e retirá-lo do convívio social.

 Dessa forma, o presente estudo tem por objetivo abordar questões sobre O Fenômeno da “Dessocialização” Como Atenuante Supralegal Genérica da Pena, uma vez que, a ideia é aplicabilidade desse fenômeno na segunda fase da dosimetria da pena, disposto como critério atenuante de pena.

Com o propósito de alcançar os objetivos, este artigo foi dividido em quatro seções: a primeira seção os Aspectos Constitucionais da Pena, em que foi levantado o princípios da individualização da pena e os demais princípios constitucionais, fundamentos e finalidade da pena; a segunda seção apresenta a Teoria Agnóstica da Pena trazendo críticas à ressocialização do indivíduo, a terceira seção aborda a “Dessocialização da Pena” apontando as falhas Estatais referente a ressocialização e a dificuldade do indivíduo sair do cárcere pior de que quando adentrou no sistema; e por fim, a quarta seção detalha o auge do artigo que é a Dessocialização como Atenuante Supralegal Genérica da Pena.

A escolha do tema justifica-se, pois de acordo com a Constituição Federal que é contundente com princípio da individualização da pena que por diversas vezes é violado por aqueles que deveriam protege-las o Estado. Além disso, ferindo os princípios cerne da dignidade da pessoa humana e transformando o indivíduo que adentra no sistema carcerário esse quando egressa distancia-se da ressocialização e “dissocializa”.

O trabalho proposto baseia-se em uma pesquisa de abordagem explicativa, por meio da coleta de fontes em pesquisa bibliográfica, a respeito da Teoria Geral da Pena e aplicação do fenômeno da “Dessocialização” usada como atenuante supralegal genérica na segunda fase da dosimetria da pena e não, por si só, como ciência criminológica que estuda o fenômeno criminal.

1 TEORIA GERAL DA PENA

  1. ASPECTOS CONSTITUCIONAIS DA PENA

O inciso XLVI da Constituição Federal prevê o princípio da individualização da pena, que determina que a aplicação da pena deve ajustar-se à situação de cada imputado, levando em consideração o grau de reprovabilidade (censurabilidade) de sua conduta e as características pessoais do infrator. Trata-se de princípio que busca fazer com que a pena cumpra sua dupla finalidade: prevenção e repressão.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

(…)

A doutrina nos lembra (MIRABETE, 2019, p. 298) referente a princípio da individualização da pena, nos lembra que:

“É norma constitucional,  no  Direito  Brasileiro,  que  ‘a  lei regulará a individualização da pena’ (art. 5, XLVI,  da CF).A individualização é uma das chamadas garantias criminais repressivas, constituindo postulado básico da justiça. Pode ser ela determinada no plano legislativo, quando se estabelecem e se discriminam as sanções cabíveis nas várias espécies delituosas (individualização in abstrato), no plano judicial, consagrada no emprego do prudente arbítrio e discrição do juiz, e no momento executório, processada no período de cumprimento da pena que se abrange medida judiciais e administrativas, ligadas ao regimento penitenciário, à suspensão da pena, ao livramento condicional etc.

Quanto ao momento judicial, deve ser a pena fixada inicialmente entre os limites mínimo e máximo estabelecidos para o ilícito penal. Nos termos do art. 59, o julgador, atendendo às circunstâncias judiciais, deve não só determinar a pena aplicável entre as cominadas alternativamente (reclusão ou detenção, reclusão ou multa, detenção ou multa) como também fixar, dentro dos limites legais, a quantidade da sanção (incisos I e II)”.

Seguindo com a explanação, a Constituição Federal prevê um rol não-exaustivo de penas que podem ser adotadas pelo legislador. São elas: a) a privação ou restrição de liberdade; b) a perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e e) suspensão ou interdição de direitos. Como se trata de um rol meramente exemplificativo, poderá a lei criar novos tipos de penalidade, desde que estas não estejam entre aquelas vedadas pelo art. 5º, XLVII, da CF/88, conforme vislumbraremos a seguir.

Friso que ao estabelecer que “a lei regulará a individualização da pena” (MORAES, 2019, p. 274-275), a bíblia política obrigou que a lei penal deverá considerar as características pessoais do infrator. No meio de podemos citar os antecedentes criminais, o fato de ser réu primário, entre outros.

Vai ao encontro, o STF considerou inconstitucional, por afronta ao princípio da individualização da pena, a vedação absoluta à progressão de regime trazida pela Lei 8.072/1990, que trata dos crimes hediondos. A supracitada lei estabelecia que a pena pelos crimes nela previstos seria integralmente cumprida em regime fechado, sendo vedada, assim, a progressão de regime. A Suprem Corte acolheu a tese que, ao não permitir que se considerem as particularidades de cada pessoa, sua capacidade de reintegração social e esforços de ressocialização, o dispositivo torna inócua a garantia constitucional e, portanto, é inválido (inconstitucional).

Com base nesse entendimento, a maior instância do poder judiciário Súmula Vinculante nº 26:

“Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo da avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.”

De forma rasteira, sem a intenção de esvaziar o tema, no próximo item, analisaremos os princípios que fundamentam a pena, e em seguida, estudaremos a legislação infraconstitucional, qual seja, Código Penal.

  1. PRINCÍPIOS NORTEADORES DA PENA

Concordante a ideologia majoritária (ZAFFARONI, 2011, p. 99), alguns princípios são norteadores da teoria geral da pena (MIR PUIG,, 2003, p. 49), adiante realizaremos uma rápida análise.

A princípio a Reserva legal ou legalidade estrita nos ensina que apenas a Lei (em sentido estrito) pode cominar penas: “Nulla poena sine lege” (DIAS, 2007, p. 46-47). Está previsto no art. 5°, XXXIX da Constituição e art. 1° do CP;

Comunga junto com princípio anterior a Anterioridade diz que a lei  prevê a pena para a conduta deve ser anterior à prática do crime: “Nulla poena sine praevia lege. Também está previsto no art. 5°, XXXIX da Constituição e art. 1° do CP, sendo, juntamente com o princípio da reserva legal, subprincípios do princípio da LEGALIDADE;

Adiante, a Intranscendência da pena essa deve ser cumprida somente pelo condenado, não podendo, de forma alguma mesmo com óbito do agente ser transferida aos seus familiares, salvo a obrigação de reparar o dano e o perdimento de bens, que podem ser cobrados dos sucessores até o limite do patrimônio transferido pelo condenado falecido. Alerto que a pena de multa, ainda que patrimonial, não pode ser cobrada aos sucessores.

Sugerindo a doutrina que Inevitabilidade ou inderrogabilidade da pena estando presentes os requisitos para a condenação, a pena não pode deixar de ser imposta e cumprida. Abrandado, por institutos como o sursis, acordo de não persecução penal- ANPP,o livramento condicional, entre outros.;

À frente o Princípio da humanidade ou humanização das penas enfatiza que a pena não pode desrespeitar os direitos fundamentais do indivíduo, violando sua integridade física ou moral, e também não pode ser de índole cruel, desumano ou degradante (art. 5°, XLIX e XLVII da Constituição);

Em seguida o Princípio da proporcionalidade vislumbra que a sanção aplicada pelo Estado deve ser proporcional à gravidade da infração cometida e também deve ser suficiente para promover a punição ao infrator e sua reeducação social;

Finalizando o Princípio da individualização da pena, já tratado na análise constitucional leciona que a pena deve ser aplicada de forma individualizada para cada infrator em cada caso específico. Os mestres (NUCCI, 2014, p. 29-35) leciona que a individualização se dá em três fases distintas:

a) cominação: O legislador deve prever um raio de atuação para o Juiz aplicar a pena no caso concreto, estabelecendo penas mínimas e máximas, de forma que o Juiz possa aplicar a quantidade de pena que achar conveniente no caso concreto;

b) aplicação: Saindo da esfera legislativa, passamos à esfera judicial, segunda etapa, que consiste na efetiva aplicação individualizada da pena, que será imposta conforme as circunstâncias do crime e os antecedentes do réu, de acordo com a margem estabelecida pelo legislador;

c) Na terceira fase teríamos a aplicabilidade do princípio na execução da pena (esfera administrativa), de forma que o cumprimento da pena, progressão de regime, concessão de benefícios devem ser analisados no caso concreto, e não abstratamente, pois entende-se que tratado de forma individual com o dito popular que “cada caso é um caso”, e não cabe ao legislador retirar do Juiz a capacidade de análise e agir da forma que melhor atenda aos interesses da coletividade.

Primeiramente, sem o intuito de esgotar o tema, o conceito de pena que é uma das espécies de sanção penal que é o gênero, quer dizer que alcança: pena e medida de segurança e, esta e aquela se sujeita ao princípio da legalidade, devido processo legal entre outros.

De acordo com Rogério Sanches (CUNHA, 2019, p.395), pena seria uma espécie de resposta estatal no exercício do “ius puniendi” ao infrator/delinquente da norma incriminadora (crime ou contravenção), consistente na privação ou restrição de determinados bens jurídicos do agente.

Reza a melhor doutrina (MASSON, 2019, p. 614) que o fundamento da pena significa conjunto de regras básicas de organização, com a finalidade que Estado busca alcançar através do “ius puniendi” imposição e a aplicação de uma pena. Na doutrina são apontados diversos fundamentos: política estatal, psicossocial e ainda ético-individual (NUCCI, 2015, p.405), vejamos a seguir:

  1. Política Estatal, norteia-nos no sentido do qual o ordenamento jurídico (princípios e regras) sem uma política punitiva, qual seja, pena àquele deixaria de ser coercitivo, de outra forma, sem a punição efetiva ou potencial do infrator, o sistema falharia e deixaria de ser impositivo;
  2. Psicossocial, a pena daria a sociedade uma sensação de segurança e justiça na comunidade a qual o delito tivera ocorrido;
  3. Ético-individual, por haver uma punição efetiva, o próprio infrator teria a consciência da pena, e esse não teria sentimento de culpa.

Em desfecho, o fundamento em seus três substratos nos diz que deve haver punição – reforçar o ordenamento jurídico – ao infrator para que acondiciona na coletividade a sensação de justiça e não impunidade, e ainda, gere no infrator o a consciência do não cometimento do delito, adentremos abaixo, nas finalidades das penas, bem como suas escolas.

   1.3.1 FINALIDADE DAS PENAS

Conforme dito acima, há várias escolas que se debruçaram sobre o assunto, malgrado, antes de adentrarmos no tema de forma especifica, cumpre-nos falar o que seria a finalidade da pena, nada mais é que o propósito/objetivo da pena. Sem a intenção de esgotar o tema, eis que a doutrina traz diversas Escolas (ZAFFARONI, 2011, n.p.), trataremos das três principais escolas/correntes, a seguir:

Corrente Absolutista e Finalidade Retribuitva, os principais expoentes da teoria foram Kant e Hegel, a finalidade da pena, seria peremptoriamente punir, ou seja, a pena tem o objetivo de castigar e de retribuir o mal causado pelo infrator, a punição é um castigo e deve ser cumprida de forma integral, caso, não aconteça levaria o descrédito da norma, a mesma doutrina acima, aponta como critica.

Por entender que a pena para essa corrente não teria finalidade prática. Pune-se por punir, não vislumbra a ressocialização do infrator, nem a prevenção futura de novos crimes. Trata-se de um mero instrumento de vingança Estatal contra o criminoso. Entretanto, a doutrina afirma (ZAFFARONI, 2011, p. 552) que essa teoria teria sido o início do princípio da Proporcionalidade;

Corrente Utilitarista e Finalidade Preventiva, o fim da pena é a prevenção à prática de novos crimes. O Estado visa punir com a intenção que não sejam praticados novos crimes, isto é, a pena atua como instrumento de prevenção. Para essa corrente não importa o castigo, mas sim, a prevenção que possuí uma função social, e essa se teria um aspecto dúplice (MASSON, 2019, n.p.):

  1. Prevenção Geral, seria determinada à coletividade dispor-se ao controle da violência, e atua antes do crime, pode ser negativa ou positiva;
  • Prevenção Geral Negativa: alcunhada de Teoria da Coação Psicológica, criada por Feuerbach, (MIRABETTE, 2016, p. 258). Denota a intimidação coletiva, quer dizer, a pena tem a finalidade de intimidar/amedrontar os demais membros da sociedade, outrossim, a doutrina dá exemplo, os chicoteamentos e pena de morte em praça pública, direito penal do medo, temor e etc.
  • Prevenção Geral Positiva: a pena demonstra a força, vigência e autoridade da lei, Rogerio Sanches diz que (SANCHES, 2019, n.p.) “a ideia de que o bem (lei penal) vence o mal (crime).
  • Prevenção Especial, é determinado ao delinquente, atua após o crime (JAKOBS, 2015, p. 24/25), no mesmo sentido haveria um aspecto dúplice:
  • Prevenção Especial Negativa: coibir a reincidência do infrator para que ele não venha a cometer delitos futuramente.
  • Prevenção Especial Positiva: tem o caráter amplamente Ressocializador, visa reintroduzir o condenado a sociedade, isto é, preparar o condenado o retorno ao convívio social. Aqui adentra a teoria que vamos tratar no capitulo posterior, referente a “Dessocialização da Pena”.

3ª Corrente Eclética ou Mista, adotado pelo nosso Código Penal, que com simplicidade, une as últimas duas correntes, quer dizer, a pena objetiva a retribuição e a prevenção, verifiquemos o teor do art. 59 do Código Penal – CP:

“Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime (…)”.

2 TEORIA AGNÓSTICA DA PENA

Vislumbrado acima, as ideias a qual a pena teria funções caráter  retributivo e preventivo – geral e especial – de acordo com (ZAFFARONI,1991 , p. 270) seria uma ideia falsa, cabendo em verdade para objetivos escusos do poder Estatal. Diante de tais argumentos, o autor citado engloba a teoria agnóstica da pena e dá um norte sob construção teórica acerca de um modelo garantista (FERRAJOLI, 2002, p.39)  quanto à concepção da pena.

De forma ampla a teoria agnóstica da pena tem como fundamento tem simultaneidade entre os modelos ideais de estado de polícia e estado de direito (SANTOS, 2020, p. 437).

O estado de polícia seria uma espécie através do exercício do poder de forma vertical e imperioso (SANTOS, 2020, p. 438). Explico melhor, a resolução dos problemas para essa concepção é resolvida da forma clássica e usual, qual seja, pelas teorias absolutas e relativas idealizadas pela classe elitista que detém o poder.

O estado de direito, tem outra vertente, se constrói na ideia horizontal e democrático de poder. De outra forma, é resolvida pautada conflitos mediante as regras já preestabelecidas (Princípio da Legalidade e Anterioridade Penal), com enfoque garantista da pena – o garantismo é o meio termo, entre o poder punitivo Estatal e a liberdade do cidadão – , garantindo ao acusado a máxima limitação possível ao jus puniendi (estado de polícia).

Á vista disso, pena não é um conceito jurídico, mas sim um conceito político. E o direito encarrega-se de restringir o poder político, diminuindo as possibilidade punitivas no máximo possível, garantindo ao acusado direito de ser punido pelo estado, afastando todas as hipóteses de punições privadas (garantismo penal da pena), tendo em conta que cabe apenas ao Estado o “jus puniendi”.

Em síntese, de forma rasteira, sustenta que a pena não possui nenhuma utilidade prática. Há uma descrença na pena, visto que na visão do autor, essa não ressocializa, não previne, a única utilidade seria apenas para neutralizar o condenado e retirá-lo do convívio social.

3 DA DESSOCIALIZAÇÃO DA PENA

De acordo com que fora dito, no sistema Brasileiro adotamos a corrente Eclética ou Mista como finalidade de pena, ou seja, a pena objetiva a retribuição e a prevenção do indivíduo, na prevenção especial positiva, donde se encontra o critério ressocializador da pena, a intenção da ressocialização é reintroduzir o condenado a sociedade, isto é, preparar o condenado o retorno ao convívio social.

Em outras palavras, para que o indivíduo volte ao contexto social, esse deverá cumprir sua pena no sistema carcerário, conforme a lei de execução penal-LEP, lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, após o trânsito em julgado. Ao adentrar ao sistema, o interno tem que se adaptar a várias regras, não aquelas imposta pelo o Estado, mas sim, as impostas pelos próprios internos. Isto é, quando o indivíduo no entra sistema carcerário, além de não ressocializar, acaba “piorando” sua situação antes mesmo com a entrada no sistema, eis que o sujeito absorve a cultura carcerária por parte dos reclusos para garantir sua sobrevivência no sistema, alcunhado de “ressocialização às avessas”.

A falácia trazida pela LEP em relação ao interno do sistema carcerário recentemente o próprio Supremo Tribunal Federal-STF, na ADPF 347, reconheceu o “Estado de Coisas Inconstitucional” do sistema penitenciário brasileiro. Em linhas gerais admite-se que o Estado não respeita princípios fundamentais (dignidade da pessoa humana e etc.) e ainda, não há proteção efetiva por parte do Estado aos internos.

Facilmente percebido pela superlotação carcerária, a segregação de grupos em situação de vulnerabilidade social, não objetiva a ressocialização do indivíduo, mas sim, continua a segregá-los, é sabido que a prisão, em vez de regenerar e ressocializar o indivíduo, o piora “dessocializa”, e depois de desvirtuar, corromper. A prisão é, por si só mesma, se torna uma fábrica da reincidência.

Conforme os ensinamentos (RODRIGUES, 2002), a ciência criminológica tem provado que a pena de prisão produz efeitos de dessocialização no condenado e dificulta o regresso do mesmo à comunidade. Diferentemente do que se pensa, o primeiro objetivo da pena deverá ser o de impedir a dessocialização do recluso e não da ressocialização como se imagina.

Sintetizando, o Estado além de não garantira ressocialização do interno, vai além, ainda permite que o sujeito “dessocialize”. De outra maneira, ao ser introduzido o indivíduo no sistema carcerário, ao final da execução penal, sairá desse corrompido e com graduação na escola do crime, em consequência, o egresso retornará ao convívio social pior comparado com sua chegada no sistema. Assim sendo, o Estado promovendo a não dessocialização do recluso é primordial essencial para alcançar a finalidade de ressocialização.

4 DESSOCIALIZAÇÃO COMO ATENUANTE SUPRALEGAL GENÉRICA DA PENA

De modo rasteiro, o sistema trifásico ou Hungria de fixação de pena (cálculo da pena) quer dizer, dividido em três fases, quais sejam: 1ª Pena base (art.59 do CP), 2ª Circunstâncias Atenuantes (art. 65 do CP) e Agravantes (art. 61,62 do CP) e na 3ª Causas de Aumento e de Diminuição. Não é o intuito desse debate discutir a 1ª e a 3ª fase da dosimetria da pena, o proposito é discutir a 2ª fase as circunstâncias Atenuantes de pena.

Explicando melhor, são circunstâncias legais, que agravam ou atenuam a pena fixada inicialmente (pena-base). São consideradas “genéricas” por estarem previstas na parte geral do Código Penal. Acham-se, conquanto, atenuantes específicas, com previsão em determinados tipos penais, exemplificando, o art. 398 do CTB – Código de Trânsito Brasileiro.

Alerto-lhes que as agravantes genéricas estão elencadas nos arts. 61 a 62 do CP, e SÃO UM ROL TAXATIVO (lista fechada).

Agora as atenuantes genéricas (benéficas ao réu) tem previsão no art. 65 do CP, e são um ROL MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO (lista aberta) de acordo com o art. 66 do CP, isto é, podem ser utilizadas outras circunstâncias não previstas naquela lista. Vejamos:

“Art. 65 – São circunstâncias que sempre atenuam a pena:  I – ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença; […] III – ter o agente: e) cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou. […].

Adiante o legislador,  o artigo 66 do Código Penal se refere às circunstâncias atenuantes chamadas de inominadas, adiante:

“Art. 66. A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.”

A doutrina é bem enfática (CARVALHO, 2020, p. 239-241) no sentido que a norma nos permite concluir que as circunstâncias atenuantes previstas no artigo 65 do Código Penal, são exemplificativas, em decorrência disso, abrem margem ao julgador reconhecer atenuantes não previstas em lei, desde que se mostrem relevantes.

As atenuante inominada (que não possui previsão legal) impõe ao magistrado que a reconheça, sendo essa relevante, não importando se anterior ou posterior ao crime, pois necessário revelar tão somente a existência de um grau menor de culpabilidade do agente.

Para não cometer injustiças (ZAFFARONI) traz consigo a ideia de Coculpabilidade/Vulnerabilidade que é uma ideia parecida com a “Dessocialização” da pena, entretanto, na didática do direito criminal e não como ciência criminológica, vejamos:

“Nesses termos creio que já se pode então vislumbrar o que vem a ser a chamada teoria da coculpabilidade. Trata-se da responsabilidade conjunta do Estado sobre os atos praticados por seus cidadãos, mormente quando estes sofreram menosprezo em seus direitos fundamentais por parte de um Estado omisso no campo social. E assim sendo, nada mais justo que repartir com o agente infrator da lei parte da pena a ele imposta pelo próprio Estado, assumindo sua parcela de responsabilidade e, por consequência, diminuindo o quantum da pena aplicada ao autor do delito”.

Partindo dessa premissa, as causas atenuantes (rol exemplificativo) supralegais são aquelas que não tem previsão em lei, porém não há óbice para serem reconhecidas pelos juízes sentenciantes, nesse trabalho o intento é justamente usar o fenômeno da Dessocialização como Atenuante Supralegal de pena aplicado na segunda fase da dosimetria da pena, visto que esse fenômeno e utilizado na criminologia e não no direito criminal em si.

CONCLUSÃO

Demonstremos por meio deste artigo que não há a falar no fenômeno da “Dessocialização” apenas como ciência criminológica, eis que essa tese transcende a criminologia, e pode ser aplicada perfeitamente na ciência criminal como Atenuante Genérica Supralegal de Pena, especificamente na segunda fase da dosimetria da pena, podendo em tese, a pena do indivíduo em abstrato ser reduzido e ou permanecer no patamar mínimo.

As críticas doutrinárias, alusivo à ressocialização em que a pena não possui nenhuma utilidade na prática. Eis que a pena não ressocializa, não previne, e ainda corrompe o recluso, e a única serventia seria apenas para neutralizar o condenado e retirá-lo do convívio social, os segregando mais ainda em face da situação de vulnerabilidade social. Ao invés regenerar e ressocializar o indivíduo, o piora “dessocializa”.

De maneira idêntica, ao ingressar no sistema carcerário, seja em decorrência de uma prisão preventiva ou ao final da execução penal, dentro do sistema para sobrevivência o interno irá se adequar as regras informais do sistema, e lá sairá ainda mais corrompido e com certa sagacidade no crime que ele não teria antes, em consequência, o egresso retornará ao convívio social pior de quando chegara comparado no sistema. Assim sendo, seria dever do Estado em não promover, incentivar a “dessocialização” do recluso é de suma importância para alcançar a finalidade tão sonhada na teoria à ressocialização.

Conforme, ora tratado, o Código Penal que as circunstâncias atenuantes previstas no artigo 65 são meros exemplos, donde queremos chegar é que o artigo deu margem ao aplicador do direito reconhecer atenuantes não previstas nas normas, isto é, não há impedimento algum para o uso do fenômeno da “dessocialização” como atenuante supralegal de pena.

Vai ao encontro da tese, a teoria da coculpabilidade/vulnerabilidade engendrada por Zaffaroni com o foco na ciência criminal, no ponto em que, o propósito é compartilhar com o Estado a responsabilidade do indivíduo que comete um delito em determinadas circunstâncias, de modo que o agente tenha sua culpabilidade/reprimenda diminuída.

Sintetizando, as causas atenuantes supralegais que é exemplificativas, são aquelas que não tem previsão legal, apesar disso não há obstáculo para serem reconhecidas e aplicadas pelos magistrados, nesse artigo demonstramos que o fenômeno da Dessocialização como Atenuante Supralegal de pena – pode ser usado na ciência criminal e não só na criminológica – , aplicado na segunda fase da dosimetria da pena para diminuição da pena ou a manutenção da pena base em abstrato do réu.

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[1] Advogado Criminalista inscrito na OAB-DF (42.936) com 10 anos de experiências, especialista em Direito Penal e Processo Penal, Advocacia Criminal e Direitos da mulher e a advocacia feminista e com alguns artigos publicados.