EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA NO ÂMBITO DO TRIBUNAL DO JURI: CONFLITO APARENTE ENTRE O PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS E O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA

EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA NO ÂMBITO DO TRIBUNAL DO JURI: CONFLITO APARENTE ENTRE O PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS E O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA

28 de novembro de 2023 Off Por Cognitio Juris

EARLY EXECUTION OF THE SENTENCE IN THE CONTEXT OF THE JURY COURT: APPARENT CONFLICT BETWEEN THE PRINCIPLE OF SOVEREIGNTY OF VERDICTS AND THE PRINCIPLE OF THE PRESUMPTION OF INNOCENCE

Artigo submetido em 04 de outubro de 2023
Artigo aprovado em 17 de outubro de 2023
Artigo publicado em 28 de novembro de 2023

Cognitio Juris
Volume 13 – Número 50 – Novembro de 2023
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Anderson Bahnert [1]
Juliana Fioreze [2]

RESUMO

O Tribunal do Júri, dentro do sistema judicial, tem a competência exclusiva de julgar crimes dolosos contra a vida, independentemente de terem sido consumados ou tentados. Sua característica principal é o fato de ser composto por jurados leigos, representando a sociedade, retirando, assim, o poder de julgamento das mãos dos juízes togados. No entanto, a promulgação da Lei nº 13.964/2019, conhecida como “Pacote Anticrime”, introduziu mudanças significativas no Código de Processo Penal. Uma dessas mudanças, estabelecida no artigo 492, inciso I, alínea “e”, impõe ao juiz a obrigação de decretar a prisão automática do acusado em caso de condenação pelo júri com pena igual ou superior a 15 anos. Isso teve um impacto substancial no sistema de justiça criminal do país, pois colocou em rota de conflito dois dos principais Princípios do Tribunal do Júri, quais sejam: Soberania dos Vereditos e Presunção de Inocência. O presente artigo científico tem como objetivo explorar a questão da (in)constitucionalidade da execução antecipada da pena no Tribunal do Júri, em meio a debates intensos na doutrina e na jurisprudência. A análise se concentra principalmente na conformidade dessa medida com a Constituição Federal de 1988, na insegurança jurídica resultante da falta de consenso, no conflito entre o Princípio da Presunção de Inocência e o Princípio da Soberania dos Vereditos, e nas divergências em sua aplicação. A conclusão alcançada é que o Princípio da Soberania dos Vereditos não possui caráter absoluto e não prevalece sobre o Princípio da Presunção de Inocência. Portanto, ao aplicar o disposto no artigo 492, I, “e” do Código de Processo Penal, ocorrem diversas violações aos direitos fundamentais do acusado, evidenciando a inconstitucionalidade desse artigo.

Palavras-chave: tribunal do júri; princípio da presunção da inocência; princípio da soberania dos vereditos; execução antecipada da pena.

ABSTRACT

The Jury Court, within the judicial system, has the exclusive competence to judge intentional crimes against life, regardless of whether they have been completed or attempted. Its main characteristic is the fact that it is composed of lay jurors, representing society, thus removing the power of judgment from the hands of robed judges. However, the promulgation of Law No. 13,964/2019, known as the “Anti-Crime Package”, introduced significant changes to the Criminal Procedure Code. One of these changes, established in article 492, item I, paragraph “e”, imposes on the judge the obligation to order the automatic arrest of the accused in the event of conviction by the jury, with a sentence equal to or greater than 15 years. This had a substantial impact on the country’s criminal justice system, as it brought into conflict two of the main Principles of the jury trial, namely: Sovereignty of Verdicts and Presumption of Innocence. The present scientific article aims to explore the issue of the (un)constitutionality of the early execution of the sentence in the jury court, amid intense debates in doctrine and jurisdiction. The analysis focuses mainly on the compliance of this measure with the 1988 Federal Constitution, on the legal uncertainty resulting from the lack of consensus, on the conflict between the Principle of Presumption of Innocence and the Principle of Sovereignty of Verdicts, and on the divergences in their application. The conclusion reached is that the Principle of Sovereignty of Verdicts does not have an absolute character and does not prevail over the Principle of Presumption of Innocence. Therefore, when applying the provisions of article 492, I, “e” of the Code of Criminal Procedure, several violations of the fundamental rights of the accused occur, demonstrating the unconstitutionality of this article.

Key words: jury court; principle of presumption of innocence; principle of sovereignty of verdicts; early execution of the sentence.

1. JUSTIFICATIVA

O presente artigo é projeto de discussão desde promulgação do chamado “Pacote Anticrime”, em 2019, onde uma importante mudança ocorreu no artigo 492, inciso I, alínea “e” do Código de Processo Penal. O assunto se tornou ainda mais interessante quando em sala de aula, durante duas oportunidades, o professor da Matéria em questão, citou e explicou por duas vezes o assunto, exaltando a importância deste para com o processo penal, bem como, para com os princípios constitucionais que podem ser feridos.

A fundamentação para a realização deste trabalho reside na relevância vital de explorar o tema no contexto da advocacia criminal. Tal importância é evidenciada pela influência significativa que esse assunto exerce sobre o desenvolvimento dos processos penais, bem como, pelo seu impacto na sociedade em geral e, não menos importante, na vida dos indivíduos que enfrentam ou podem vir a enfrentar a perspectiva de serem condenados a penas superiores a 15 anos perante o Tribunal do Júri.

Importante mencionar, também, que com o advento da Lei 13.964/19, lei do “Pacote Anticrime”, inúmeros foram os debates dentro da área penal, em especial a execução antecipada da pena no âmbito do Tribunal do Júri, até porque, é um tema delicado, que trata da privação da liberdade de um ser humano. Logo, o presente artigo tem a função de discutir acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade dessa execução, observando dois princípios que acabam entrando em conflito, e, ao final, trazendo a importância de não os violar.

Desse modo, o objetivo primordial do presente trabalho é averiguar se a antecipação de pena no âmbito do Tribunal do Júri fere ou não o Princípio Constitucional da Presunção da Inocência. Para essa conclusão, será feito pesquisas com base em livros, artigos, aulas e vídeo aulas, bem como, debates a favor e contra a execução antecipada da pena no âmbito do Tribunal do Júri, trazendo a explicação dos dois lados, e, ao final, explicando de forma clara e cristalina a opinião do pesquisador.

2. ASPECTOS GERAIS E ORIGEM DO TRIBUNAL DO JURI

O Tribunal do Júri é uma instância do Poder Judiciário, composto por indivíduos comuns, que possuem a atribuição de julgar crimes dolosos contra a vida, conforme previstos no Código Penal Brasileiro em vigor, bem como, na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXVIII. Além do mais, ele não pode ser extinto, por se tratar de uma Cláusula Pétrea. A existência do Tribunal do Júri ressalta a importância da participação democrática e da busca pela justiça em nossa sociedade (BRASIL, 1988).

Walfredo Cunha Campos destaca que o Júri é importante para o desenvolvimento da consciência cívica. Ele incentiva o Júri a assumir o poder de decisão nos casos criminais, em vez de apenas criticar passivamente. Isso significa que o Júri precisa agir e tomar decisões ativas, em vez de ficar inerte, e acrescenta:

É o Tribunal do Júri a maior escola de civismo que pode existir no Brasil, porque conclama a busca de soluções para os nossos problemas (e a criminalidade exacerbada é dos maiores) pelo próprio povo, forçando-o a analisar, refletir e decidir, diretamente, sem intermediários eleitos – e depois esquecidos – a respeito daquilo que o aflige e o atormenta […] Tal instrumento pode ser então um instrumento eficaz de combate ao típico individualismo egoísta brasileiro. (CAMPOS, 2018, p.4)

As origens do Tribunal do Júri são um enigma histórico e diferentes autores têm opiniões divergentes a respeito. Contudo, é inquestionável que desde os tempos mais remotos e em sociedades primitivas, surgiram estruturas jurídicas que envolviam a participação popular em atos julgados como criminosos. Isso já refletia a busca incessante de justiça, com a participação da população.

Apesar da incerteza em relação à origem exata do Tribunal do Júri, é consenso entre os doutrinadores que diferentes civilizações desempenharam um papel essencial na sua formação. Ao longo da história, uma variedade de métodos de julgamento foi adotada, e essas práticas tiveram um impacto significativo na estrutura dos Tribunais de Júri que conhecemos hoje em dia.

3. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS QUE ORIENTAM O FUNCIONAMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI

O Tribunal do Júri, conforme previsto na Constituição de 1988, não se limita apenas à competência, ele constitui um direito genuíno e uma garantia fundamental. Dentro de suas garantias, o Tribunal do Júri possui alguns princípios fundamentais que o regem. Os princípios desempenham um papel duplo, não apenas orientando os juízes, mas, também, estabelecendo limites para evitar decisões que contrariem as normas legais, contribuindo, assim, para garantir a estabilidade e a segurança jurídica.

Bandeira de Mello nos ensina que:

[…] Princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalização do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. […] Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que os sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada. (BANDEIRA DE MELLO 2015, p. 986-987).

Dentro dessa perspectiva, é fundamental entender que a falta de atenção aos princípios não resulta apenas em uma quebra de uma regra particular e de obrigatoriedade, mas sim, em uma transgressão a todo o sistema normativo.

A fim de aprofundar a compreensão sobre os princípios, é relevante destacar um conceito fundamental.

Segundo Reale:

Princípios são, pois verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos à dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições, que apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários. (REALE, 1986, p. 60).

Já no entendimento de Luís Roberto Barroso:

São o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. (BARROSO,1999, p. 147).

Portanto, percebe-se que os princípios se configuram como normas especiais, fundamentadas em avaliações de valor, que fundamentam o sistema jurídico e consideram a realidade concreta.

O Tribunal do Júri, de acordo com o estipulado no artigo 5º, inciso XXXVIII, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, opera sob a égide de 4 fundamentais Princípios, que são a Plenitude de Defesa, o Sigilo das Votações, a Soberania dos Veredictos e a Competência para o Julgamento dos Crimes Dolosos Contra a Vida.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

a) a plenitude de defesa;

b) o sigilo das votações;

c) a soberania dos veredictos;

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (BRASIL, 1988).

Cabe destacar que esses princípios estão claramente definidos no texto da Constituição, formando uma cláusula pétrea, que protege os direitos do acusado no âmbito do Tribunal do Júri. Isso implica que esses princípios são imutáveis, mesmo por meio da Emenda Constitucional.

Nesse sentido, Charley Teixeira Chaves se posiciona:

Como o Tribunal do Júri está alocado como direito e garantia individual, não pode ser suprimido nem por emenda constitucional, por se tratar de cláusula pétrea, parte constitucional intangível, conforme art. 60, §4º, inciso IV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (CHAVES, 2022, p. 39).

Logo, conclui-se que o Tribunal do Júri representa uma instituição de importância vital e intocável no cenário do sistema jurídico do Brasil.

3.1. PRINCÍPIO DA PLENITUDE DE DEFESA

A Plenitude de Defesa implica na garantia de que o cidadão terá acesso a uma defesa completa, abrangente e eficaz. Nesse sentido, a defesa pode fazer uso de todos os recursos e instrumentos disponíveis, desde que sejam legais e éticos, como parte fundamental do Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa. Insta salientar que no âmbito do Tribunal do Júri, a condução dos julgamentos é a carga dos jurados, não do juiz. Por conseguinte, o advogado que atua neste contexto precisa demonstrar uma atuação completamente irrepreensível, destacando de maneira cristalina seus argumentos.

Segundo Nucci:

[…] um defensor pode ser menos preparado para conduzir a defesa de um réu durante a instrução criminal que se desenvolve diante do juiz togado, mesmo porque este profissional pode suprir suas falhas, até mesmo para acolher teses que defluem das provas dos autos, mas que as partes não sustentaram em suas alegações, o que não ocorre no júri, cujos magistrados de fato são leigos e impossibilitados de agir da mesma forma. O juiz presidente não pode invadir a sede dos debates, pois estaria corrompendo sua imparcialidade perante o Conselho de Sentença, mesmo que fosse para beneficiar o réu, rompendo a igualdade entre as partes e afetando o contraditório, bem como o devido processo legal […]. A plenitude de defesa, como característica básica da instituição do júri, clama por uma defesa irretocável, seja porque o defensor tem preparo suficiente para estar na tribuna do júri, seja porque o réu pode utilizar o seu direito à autodefesa, ouvido em interrogatório e tendo sua tese devidamente levada em conta pelo juiz presidente, por ocasião da elaboração do questionário […]. (NUCCI, 1999, p. 281).

Ainda, conforme o ensino de Renato Brasileiro de Lima, destaca-se que o advogado de defesa não está limitado a uma atuação puramente técnica. Em outras palavras, é plenamente viável que o defensor também empregue argumentos de natureza extrajurídica, recorrendo à razões de cunho social, emocional, de política criminal, entre outros (CAMPOS apud LIMA, 2018. p. 7).

Diante disso, nota-se que a Plenitude de Defesa tem como objetivo assegurar uma defesa integral ao réu no contexto do Tribunal do Júri. Isso ocorre porque uma defesa deficiente pode resultar na restrição da liberdade do réu, devido à falta do exercício de uma defesa completamente eficaz. Este princípio reflete a intenção do legislador de consagrar o Tribunal do Júri como um direito individual do cidadão, uma vez que valoriza a qualidade da defesa do mesmo, com o propósito de garantir a plena proteção dos seus direitos.

3.2. PRINCÍPIO DO SIGILO DAS VOTAÇÕES

No que tange ao Princípio do Sigilo das Votações, além de vir elencado na Constituição Federal de 1988, também vem expressamente descrito no artigo 485, caput e §1º, do Código de Processo Penal.

Art. 485. Não havendo dúvida a ser esclarecida, o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça dirigir-se-ão à sala especial a fim de ser procedida a votação.

§ 1o Na falta de sala especial, o juiz presidente determinará que o público se retire, permanecendo somente as pessoas mencionadas no caput deste artigo. (BRASIL, 1941).

Nesse Princípio, é crucial destacar que ele se refere principalmente ao ato de votar em si, e não ao resultado das votações, que se tornará público após o pronunciamento da sentença de instruções ou absolvição.

Com o intuito de garantir a aplicação efetiva desse princípio, as deliberações do Conselho de Sentença acontecem em um recinto reservado, onde estão presentes o juiz presidente, o Ministério Público, o assistente de acusação, o querelante, o advogado de defesa, o escrivão e o oficial de justiça. Essa medida visa proteger os jurados de possíveis influências externas, como pressão social, que poderiam comprometer sua imparcialidade.

Walfredo Cunha Campos ensina que:

Os jurados decidem a causa através de votações secretas, não se identificando a maneira como votou cada cidadão-leigo. Visa tal princípio resguardar a tranquilidade e segurança dos membros do Conselho de Sentença para decidir o destino do acusado, sem medo de represálias, de quem quer que seja. Ressalte-se, ainda, que os jurados deliberam em sala especial (sala secreta), onde não haverá publicidade de suas votações, como prevê o art. 485, caput, do CPP. […] No caso do Júri, o interesse social recomenda que as votações sejam procedidas em local não aberto ao público em geral, para que os jurados não se submetam a pressões indevidas; com tal procedimento não se vislumbra qualquer prejuízo à licitude do julgamento, uma vez que a votação será sempre fiscalizada pelo magistrado, membro do Ministério Público e defensor. (CAMPOS, 2018, p. 7).

Se observa que os jurados votam por sua íntima convicção e são livres para concluir o que cada um entendeu dentro do Tribunal do Júri.

Segundo o entendimento de Nucci (NUCCI, 2022. P.10), essas previsões legais têm como objetivo garantir que os jurados possam formar suas verdades de maneira independente e expressar suas contribuições livremente, eliminando quaisquer influências que possam ser percebidas por esses julgadores leigos, como constrangedoras. O foco, aqui, é preservar tanto o processo de formação da decisão, quanto a sua manifestação pública.

Conclui-se, assim, que este é um princípio que busca proteger a paz de espírito e a segurança dos jurados, permitindo que eles determinem o destino do acusado, sem recebimento de retaliações.

3.3. PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS

O Princípio da Soberania dos Veredictos tem como finalidade garantir a real autoridade jurisdicional dos jurados, de modo que suas decisões sejam absolutas, não se tratando apenas de opiniões subjetivas à revisão por magistrados. Portanto, uma vez que o Conselho de Sentença tenha proferido a sua decisão, essa determinação não pode ser reexaminada.

Ricardo Vital de Almeida (ALMEIDA, 2005. P.57) leciona que o patrimônio da cidadania é garantia fundamental e a soberania plena dos vereditos do Júri está acima de qualquer pretensão justificada que possa interferir sua decisão.

Ainda, de acordo com Campos:

A decisão coletiva dos jurados, chamada de veredicto, não pode ser mudada em seu mérito por um tribunal formado por juízes técnicos (nem pelo órgão de cúpula do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal), mas apenas por outro Conselho de Sentença, quando o primeiro julgamento for manifestamente contrário às provas dos autos. E assim deve ser. Júri de verdade é aquele soberano, com poder de decidir sobre o destino do réu, sem censuras técnicas dos doutos do tribunal. (CAMPOS, 2018, p. 8)

Nucci também explica que:

Por isso, torna-se, ao mesmo tempo, uma questão simples e complexa analisar a soberania dos veredictos. É algo simples se levarmos em conta o óbvio: o veredito popular é a última palavra, não podendo ser contestada, quanto ao mérito, por qualquer Tribunal togado. É, entretanto, complexo, na medida em que se vê o desprezo à referida supremacia da vontade do povo em grande segmento da prática forense. (NUCCI, 2015, p. 31).

Em outras palavras, essa perspectiva é predominantemente no Tribunal do Júri, uma vez que esse sistema de julgamento vai além da interpretação fria e técnica das leis. Isso ocorre porque os jurados, ao emitirem seus votos, não estão limitados às evidências que surgem dos documentos do processo.

No entanto, essa supremacia não é inquestionável. Em situações em que a decisão do Conselho de Sentença for claramente em desacordo com as provas apresentadas nos autos, a parte tem a possibilidade de interpor um recurso em relação ao mérito, solicitando uma revisão judicial, como previsto no artigo 593, inciso III, diretiva ‘d’, do Código de Processo Penal. (BRASIL, 1941)

Sobre isso, Walfredo Cunha Campos:

Subsiste, no entanto, a possibilidade de se interpor o recurso de apelação das decisões do Júri proferidas ao arrepio da prova (art. 593, III, c, do CPP), bem como de se desconstituir a sentença condenatória transitada em julgado proferida pelo Tribunal Popular, através de revisão criminal (arts. 621 a 631 do CPP). É o que entende boa parte da doutrina e jurisprudência. De fato, nenhum órgão do Poder Judiciário pode passar incólume ao controle de suas decisões, quando teratológicas, inclusive o Júri. Como diz José Frederico Marques, o termo soberania não deve ter seu sentido buscado em esclarecimentos vagos de dicionários ou filosóficos de Direito Constitucional, mas sim na sua acepção técnico-processual, qual seja, da impossibilidade de um tribunal togado substituir ou alterar no mérito um veredicto popular. (CAMPOS, 2018, p. 8).

Portanto, pode-se concluir que, quando surgir algum problema relacionado ao mérito, a solução é agendar um novo julgamento. Por outro lado, se houver discordância em relação à questões que não estejam diretamente ligadas ao mérito da decisão, mas sim à condução do juiz, o Tribunal poderá fazer alterações, sem violar a soberania dos veredictos.

3.4. PRINCÍPIO DA COMPETENCIA PARA JULGAR CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA

Por fim, é importante ressaltar que a competência do Tribunal do Júri, conforme previsto no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “d” da Constituição, em conjunto com o artigo 74, caput e § 1º do Código de Processo Penal, seria abrangente para o julgamento de todos os crimes dolosos contra a vida.

Os crimes de Competência para o Tribunal do Juri estão elencados nos artigos 121 a 126 do Código Penal, quais sejam: homicídio doloso, seja ele simples, privilegiado ou qualificado; indução, instigação ou auxílio ao suicídio; e os crimes de infanticídio e aborto, independentemente de existirem na forma tentada ou consumada.

De acordo com a argumentação de Campos, não é viável limitar essa lista de crimes, excluindo alguns deles da competência do Júri, visto que esse conjunto de delitos representa o mínimo exigido pela Constituição Federal para ser julgado pelo Tribunal do Povo (CAMPOS, 2018, pág. 9).

Ainda, conforme apontado por Lima (LIMA, 2021), devido à restrição expressa da competência do Tribunal do Júri apenas aos crimes dolosos contra a vida, existem algumas infrações penais até mais graves, que não podem ser aplicadas ao julgamento popular. Isso inclui o latrocínio, por exemplo, que é um crime contra o patrimônio.

Entretanto, é crucial destacar que, embora a competência tenha sido atribuída para o julgamento de crimes dolosos contra a vida, a Constituição não limita essa competência apenas a esse tipo de delito.

Nas palavras de Aury Lopes Junior:

A competência do júri é assim muito bem definida no art. 74, § 1º, de forma taxativa e sem admitir analogias ou interpretação extensiva. Logo, não serão julgados no Tribunal do Júri os crimes de latrocínio, extorsão mediante sequestro e estupro com resultado morte, e demais crimes em que se produz o resultado morte, mas que não se inserem nos “crimes contra a vida”. Essa competência originária não impede que o Tribunal do Júri julgue esses delitos ou qualquer outro (tráfico de drogas, porte ilegal de arma, roubo, latrocínio etc.), desde que seja conexo com um crime doloso contra a vida. (LOPES JUNIOR, 2020, p. 959).

Sendo assim, entende-se que em situações de conflito de competência entre o Tribunal do Júri e a justiça comum, é importante notar que a competência do Júri prevalecerá, conforme estabelece o artigo 78, inciso I, do Código de Processo Penal. Além disso, quando há um conflito entre o Tribunal do Júri e a justiça especializada, a competência da justiça especializada terá precedência, conforme disposto no artigo 78, inciso IV, do Código de Processo Penal. (BRASIL, 1941).

4. ESTRUTURA E COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI

A partir da reforma promovida pela Lei nº 11.689/2008, o Tribunal do Júri passou a ser claramente estabelecido por um procedimento especial, dividido em duas fases distintas, conhecidas como judicium accusationes e judicium causae. (BRASIL, 1988).

Conforme afirmado por Campos (CAMPOS, 2018, p. 52), a etapa inicial, conhecida como acusações judiciais (juízo ou formação da acusação), tem como objetivo avaliar a presença de evidências sólidas e consistentes, produzidas em julgamento, que indiquem que o réu cometeu um ato que seja típico, ilícito, culpável e passível de punição, a fim de autorizar o seu julgamento pelo Tribunal do Júri.

Este processo tem início com a apresentação de uma denúncia pelo representante do Ministério Público, seguida pela sua coleta, a citação do acusado e a condução da fase de produção de provas. No que se refere à produção de provas, tanto a acusação quanto a defesa têm o direito de arrolar no máximo 8 (oito) testemunhas, conforme estipulado no artigo 406, §2º e 3º, do Código de Processo Penal, da seguinte forma:

Art. 406. O juiz, ao receber a denúncia ou a queixa, ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.

§ 2º A acusação deverá arrolar testemunhas, até o máximo de 8 (oito), na denúncia ou na queixa.

§ 3º Na resposta, o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo que interesse a sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, até o máximo de 8 (oito), qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. (BRASIL, 1941).

Na sequência, após a produção de provas, o juiz tomará uma das disposições previstas no artigo 415 do Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:

I – provada a inexistência do fato;

II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato;

III – o fato não constituir infração penal;

IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. (BRASIL, 1941)

Se a decisão for de pronúncia, o processo avançará para a segunda fase do procedimento especial.

De acordo com Nucci, a decisão de pronúncia nada mais é que:

Uma decisão interlocutória mista, que julga admissível a acusação, remetendo o caso à apreciação do Tribunal do Júri. Trata-se de decisão de natureza mista, pois encerra a fase de formação de culpa, inaugurando a fase de preparação do plenário, que levará ao julgamento de mérito’’ (NUCCI, 2020, p. 475).

A judicium causae é composta por duas fases distintas: a primeira é uma etapa preparatória para o julgamento, enquanto a segunda é a própria sessão de julgamento.

Segundo Aury Lopes Junior:

A segunda fase do rito se inicia com a confirmação da pronúncia e vai até a decisão proferida no julgamento realizado no plenário do Tribunal do Júri. Na nova morfologia do procedimento do júri, a segunda fase ficou reduzida, praticamente, ao plenário. Antes dele, há um único momento procedimental relevante, que é a possibilidade de as partes arrolarem as testemunhas de plenário. (LOPES JUNIOR, 2020, p. 960).

Logo, nesse momento, as partes podem indicar até 5 (cinco) testemunhas para deporem perante o Conselho de Sentença.

O plenário é presidido pelo juiz togado e inclui o representante do Ministério Público, o advogado de defesa, o acusado, as testemunhas, os auxiliares da Justiça e os jurados, que também são chamados de juízes de fato.

Os jurados, que representam membros comuns da sociedade, desempenharão o papel de examinar as evidências e, ao final, deverão votar de acordo com sua consciência e as normas da Justiça. É crucial que sejam imparciais em relação ao caso, uma vez que suas decisões são soberanas.

Nesse sentido, Campos explica:

Como determinam os arts. 462 a 465 do CPP, no dia e hora designados para a sessão do Júri, o juiz presidente verificará se a urna contém as cédulas dos 25 jurados sorteados e mandará que o escrivão proceda à chamada dos jurados presentes; se comparecerem pelo menos 15 deles (quórum mínimo), os trabalhos serão iniciados. Serão computados, para compor o número legal, os jurados excluídos por impedimento ou suspeição. Embora a lei (art. 463, § 2º, do CPP) não seja expressa a respeito, igualmente serão contados para estabelecer-se o número legal os jurados excluídos por serem isentos ou por terem sido dispensados. Se não tiverem comparecido 15 jurados, proceder-se-á ao sorteio de tantos suplentes quantos necessários e designar-se-á nova data para a sessão do Júri (CAMPOS, 2018, p. 209).

Após todas as diligências, a sessão é aberta, e as partes são anunciadas. Em seguida, o juiz orienta os jurados sobre as situações de impedimento, incompatibilidade ou suspeita, reforçando a importância da imparcialidade no julgamento. Depois dessa orientação, ocorre o sorteio dos jurados. Nesse momento, tanto a defesa quanto o Ministério Público têm o direito de recusar jurados, sem apresentar justificativas.

Segundo Torres (TORRES, 2008, p. 329), o direito de recusa se aplica ao réu, e ele terá o direito de realizar três recusas, mesmo que tenha vários defensores. Se vários réus foram representados por um único defensor, esse defensor terá o direito de realizar três recusas por cada réu, multiplicando-se esse número pelo total de réus representados. O mesmo princípio aplica-se à acusação, cujo direito de recusa será sempre determinado pelo número de acusados, evitando, assim, qualquer desigualdade não autorizada pela lei.

Passando aos jurados, esses serão 7, e vão compor o Conselho de Sentença, cabendo a estes a responsabilidade de examinar a causa de forma imparcial.

Campos explica que:

O jurado está, então, sob duas influências: uma interna, íntima, só sua, que é a da sua própria consciência (que aponta como deve ser seu julgamento) e outra, dos ditames sociais, externa, dos outros. Não se pode desprezar a moralidade de sua comunidade, como se não vivesse nela, para se encasular apenas na sua consciência; nem tampouco esquecer-se de si próprio para seguir, sem pensar nem sentir, como autômato teleguiado, uma voz externa e anônima que diz o que é justiça. O veredicto que se pretende deve ser então a indecifrável alquimia entre a noção de justiça do jurado como pessoa e a da sociedade em que ele está inserido. (CAMPOS, 2018, p. 245).

Após o juramento, os jurados recebem uma cópia da decisão de pronúncia e do relatório do processo, com tempo para lê-los. Em seguida, começa a fase instrutória, na qual são recolhidos os depoimentos das vítimas, testemunhas de acusação e defesa, bem como, é realizado o interrogatório do acusado. (BRASIL, 1941).

Após a conclusão da fase instrutória, inicia-se a etapa dos debates orais. Nessa, o representante do Ministério Público tem o direito de falar primeiro e fazer a fase de acusação, observando os limites estabelecidos na decisão de pronúncia. Ele dispõe de um período de uma hora e meia para apresentar seus argumentos. Em seguida, a palavra é passada à defesa, que tem o mesmo tempo, uma hora e meia, para apresentar seus argumentos de forma oral. Caso haja necessidade, tanto a acusação quanto a defesa podem solicitar uma réplica e uma tréplica, respectivamente, cada uma com duração de uma hora, para responder às alegações apresentadas pela outra parte. (BRASIL, 1941)

Seguindo aos debates, o juiz formulará as questões, que são perguntas específicas relacionadas ao caso em julgamento. Essas questões serão respondidas pelo Conselho de Sentença, composto pelos jurados que participam do julgamento. As regras para a formulação e resposta dos quesitos estão previstas nos artigos 482 e 483 do Código de Processo Penal. (BRASIL, 1941)

Art. 482. O Conselho de Sentença será questionado sobre matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido.

Parágrafo único. Os quesitos serão redigidos em proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão. Na sua elaboração, o presidente levará em conta os termos da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, do interrogatório e das alegações das partes.

Art. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre:

I – a materialidade do fato;

II – a autoria ou participação;

III – se o acusado deve ser absolvido;

IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa;

V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação: (BRASIL, 1941).

Após a leitura pública dos quesitos, todos os participantes, incluindo os jurados, o juiz, o representante do Ministério Público, a defesa e os serventuários da Justiça, se dirigem à uma sala secreta. Nesse local, os jurados realizam uma votação, por meio de cédulas, contendo as palavras “sim” e “não”. Com base no resultado da votação do Conselho de Sentença, o juiz togado formulará uma sentença, que poderá ser condenatória, absolutória ou desclassificatória, e a proferirá publicamente para todos os presentes no plenário. (BRASIL, 1941).

5. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA

No âmbito do atual Ordenamento Constitucional, a execução provisória da pena tem sido objeto de extensos debates, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, ao longo das últimas décadas. Essa questão permanece sem uma resolução consensual, uma vez que existem divergências significativas em relação à sua aplicação.

Antes das alterações introduzidas pela Lei nº 13.964/19, o texto legal referente ao tema estabelecia que, em caso de notificação, após a observância de todas as formalidades legais, o juiz oficial responsável pela prolação da sentença ordenava que o acusado se recolhesse à prisão em que já se encontrava, caso apresentasse os requisitos da prisão preventiva. Nesse sentido, observa-se que se respeitava os princípios impostos pela Constituição Federal. (AMB, 2019)

Contudo, com a implementação do Pacote Anticrime pelo Congresso Nacional, que promoveu significativas alterações no Código de Processo Penal, o artigo 492 passou a estabelecer a seguinte disposição em seu inciso I, alínea “e”:

Art. 492. […] I – […] e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos. (BRASIL, 2019).

Fica evidente que foi permitido o início da execução da pena imposta pelo Tribunal do Júri quando a pena for igual ou superior a 15 anos, sem a necessidade de aguardar o trânsito em julgado da sentença condenatória ou de qualquer medida cautelar que justifique a aplicação da privação de liberdade. Assim, essa alteração deu origem à intensos debates sobre sua conformidade com a Constituição ou não.

Segundo Kurkowski (KURKOWSKI, 2020), essa alteração promovida por essa legislação reacendeu a polêmica sobre a execução provisória da pena, mas agora no contexto dos crimes dolosos contra a vida, gerando diferentes posicionamentos na doutrina.

Insta salientar que, além de reacender debates polêmicos entre doutrinadores, essa alteração ainda colocou em rota de colisão dois Princípios Fundamentais do Tribunal do Júri, quais sejam, o da Presunção da Inocência e o da Soberania dos Veredictos.

Aqueles que se opõem à execução provisória no Tribunal do Júri argumentam que a referida disposição legal viola a presunção de inocência, uma vez que trata o réu como culpado e executa sua pena de forma antecipada. Já parte da doutrina entende que a soberania dos veredictos, que protege a capacidade decisória dos jurados, igualmente demanda o cumprimento imediato da sua decisão, razão pela qual há de se admitir a execução provisória de decisão condenatória proferida pelo Júri.

6. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA x A SOBERANIA DOS VEREDITOS

O Princípio da Soberania dos Veredictos, estabelecido na Constituição Federal no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea ‘c’, garante que as decisões proferidas pelo Tribunal do Júri em relação ao mérito não estão sujeitas à revisão. Este princípio significa que um juiz togado não pode substituir os jurados ao proferir uma decisão de mérito, e, mesmo em caso de apelação, os julgadores de instância revisora não possuem a autoridade para modificar essas decisões.

Porém, há uma grande discordância entre vários Juristas Brasileiros. Conforme argumentado por Guilherme de Souza Nucci (NUCCI, 2020), a coexistência entre a Soberania dos Veredictos e o direito ao duplo grau de jurisdição é viável. Logo, vale destacar que a autoridade dos veredictos dos jurados não é inquestionável ao ponto de impossibilitar a apresentação de recursos contra as decisões emitidas durante as sessões do Tribunal do Júri.

No mesmo sentido, Renato Brasileiro ensina:

A soberania dos veredictos, não obstante a sua extração constitucional, ostenta valor meramente relativo, pois as decisões emanadas do Conselho de Sentença não se revestem de intangibilidade. Assim, embora a competência do Júri esteja definida na Carta Magna, isso não significa dizer que esse órgão especial da Justiça Comum seja dotado de um poder incontrastável e ilimitado. (LIMA, 2020, p. 1445).

Ainda, segundo Lauro Lens de Mello:

Logo, é inviável a aplicação pura e simples de um princípio ou regra, sem discussões, sem adequá-lo ao caso concreto, como se fosse uma verdade absoluta, uma vez que nos termos supra não há que se falar in claris cessat interpretatio, nem tampouco verba clara non admittunt interpretationem, neque voluntas conjecturam. Em razão disso, discute-se o alcance do princípio da soberania dos veredictos juntamente com outros que podem ser aplicados no caso concreto, ou seja, a eventual ofensa ao princípio da ampla defesa, duplo grau de jurisdição, celeridade processual e inafastabilidade do controle jurisdicional. (MELLO, 2016, p. 127).

Dessa maneira, compreende-se que, se não houver concordância com o veredicto, a defesa pode questionar a análise do recurso, de forma que não envolva a consideração do mérito da decisão do Conselho de Sentença, isto é, não pode resultar na absolvição ou condenação do réu. Em vez disso, seu propósito é apenas anular a decisão, o que levará a um novo julgamento em uma sessão posterior do júri.

Fernando Capez apresenta uma alternativa em relação à Soberania dos Veredictos, sugerindo que, em conformidade com o Princípio fundamental da Busca pela Verdade e em consideração ao Princípio da Plenitude da Defesa, é possível permitir uma revisão do mérito do caso por meio da revisão criminal (CAPEZ, 2020, p. 652).

O Jurista Aury Lopes Junior (LOPES JUNIOR, 2020) também detém dessa corrente, e afirma que se o STF já considerou a execução antecipada após uma decisão de segundo grau como inconstitucional, torna-se ainda mais evidente que a execução antecipada após uma decisão de primeiro grau, como a do Tribunal do Júri, é igualmente inconstitucional. Isso ocorre porque o Tribunal do Júri faz parte do primeiro grau de jurisdição, tornando essa prática ainda mais problemática.

Assim, entende-se que, se alguém entrar com uma ação buscando a revisão de uma condenação pelo Júri que já tenha se tornado definitiva, e essa revisão reconhecer a inocência do condenado, ele pode ser absolvido sem a necessidade de um novo julgamento, ao contrário do que acontece no julgamento de um recurso de apelação.

Em outro sentido, juristas que sustentam a constitucionalidade da execução antecipada da pena em condenações que resultem em penas privativas de liberdade de 15 anos ou mais, alegam que a decisão dos jurados é soberana, e, uma vez que não há revisão dos fatos e provas em instâncias superiores, a imediata execução da pena é considerada adequada.

Wendell Lopes Barbosa de Souza (SOUZA, 2020, p. 288) afirma que a execução imediata da pena em tais casos não violaria o Princípio da Presunção de Inocência, já que a responsabilidade penal do réu foi firmemente estabelecida pelo Tribunal Popular, destacando, assim, a prevalência da soberania dos veredictos sobre a presunção de inocência.

Já olhando as disposições do STF, desde do surgimento das discordâncias, em decisões anteriores, como os casos do HC 118.770 e HC 140.779, foi adotada a tese do HC 126.292, que resultou em uma mudança na jurisprudência da mais alta Corte. Nesse novo entendimento, ficou estabelecido que a execução provisória de penas é constitucional. O Ministro Luís Roberto Barroso, em 2017, argumentou que a soberania do veredicto popular deve prevalecer, uma vez que as instâncias superiores não reformariam a decisão, no máximo, determinariam um novo julgamento. Entretanto, essa interpretação estabelecida no HC 126.292 foi revista durante o julgamento das ADCs 43, 44 e 54 em 2020. (BRASIL, 2017)

Importante mencionar que o Ministro Gilmar Mendes discordou do relator, proferindo um voto no sentido de que a execução antecipada da pena, mesmo nas condenações do Tribunal do Júri, é inconstitucional. Sua posição estava alinhada com a jurisprudência adotada pela Corte após o julgamento das ADCs 43, 44 e 54.

Abaixo se observa sua tese:

A Constituição Federal, levando em conta a presunção de inocência (art. 5º, inciso LV), e a Convenção Americana de Direitos Humanos, em razão do direito de recurso do condenado, vedam a execução imediata das condenações proferidas por Tribunal do Júri, mas a prisão preventiva do condenado pode ser decretada motivadamente, nos termos do art. 312 do CPP, pelo Juiz Presidente a partir dos fatos e fundamentos assentados pelos Jurados. (BRASIL, 2019).

Com o mesmo pensamento do Ministro Barroso, Renato Brasileiro de Lima (LIMA, 2020) afirma que quando o Conselho de Sentença decide pela condenação do acusado, é imperativo que sua determinação seja prontamente posta em prática. Essa necessidade decorre principalmente da soberania da decisão do Júri.

Ao ponto de vista da Constituição Federal, essa estabelece que é necessário aguardar o trânsito em julgado de uma sentença condenatória para considerar o réu como culpado. Portanto, não é adequado afastar a presunção de inocência sob o pretexto do Princípio da Soberania dos Vereditos. Mesmo que a decisão do Tribunal Popular seja soberana, isso não impede a interposição de um recurso de apelação contra ela.

Junqueira analisa o texto constitucional da seguinte forma:

Cabe salientar que a soberania dos vereditos (art. 5º, XXXVIII, c da CF) não implica reconhecimento antecipado da culpabilidade, mas apenas significa (I) a vinculação do juiz presidente, (II) a limitação do reexame pelo Tribunal, daquelas teses que a lei definiu como de competência funcional do conselho de sentença (art. 483 do CPP).

Assim, a soberania dos vereditos não impede a reapreciação da decisão dos jurados, mas apenas a sua modificação direta (substituição) pelo Tribunal – que pode proceder ao juízo de cassação (novo julgamento) quando a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos (art. 593, §3º do CPP). Portanto, a soberania dos vereditos jamais poderia significar “trânsito em julgado parcial”, notadamente porque a instituição do júri representa direito individual (art. 5º, XXXVIII da CF); portanto, nunca pode incidir contra o acusado, sob pena de absoluta subversão do sentido de proteção individual da constituição. (JUNQUEIRA, 2021, p.92).

Portanto, o Princípio da Soberania dos Vereditos não deveria de forma alguma enfraquecer a aplicação do Princípio da Presunção de Inocência, pois ambos detêm a mesma posição hierárquica na Constituição. É imperativo que os princípios constitucionais sejam harmonizados e não utilizados de maneira a anular uns aos outros. Isso é ainda mais crucial devido à significância constitucional e histórica do Princípio da Presunção de Inocência, que possui o status de direito fundamental e é considerado uma cláusula pétrea.

7. INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 492, I, ALÍNEA e DO CPP

De acordo com a nova regra introduzida pela lei 13.964/2019, um réu condenado por crime doloso contra a vida, mesmo que tenha passado por todo o processo em liberdade, deve ser preso no plenário do Tribunal do Júri quando sua pena for igual ou superior a 15 anos de reclusão. Isso implica o início imediato do cumprimento da pena antes do trânsito em julgado, criando, assim, uma nova modalidade de execução penal. (BRASIL, 2019)

Na atualidade, a comunidade jurídica teve a oportunidade de observar diversos questionamentos em andamento no Supremo Tribunal Federal durante o julgamento das ADCs 43, 44 e 54. Nessa ocasião, a Suprema Corte avaliou a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que estabelece:

Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (BRASIL, 1941).

O “Pacote Anticrime” alterou a disposição do art. 283, prevendo que:

Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado. (BRASIL, 2019).

É evidente que a alteração do artigo preservou o significado da norma, mas reestruturou a redação para torná-la mais compreensível. Isso reforça a ideia de que, salvo nos casos de prisão preventiva, ninguém pode ser detido sem que haja uma decisão definitiva do tribunal.

Aury Lopes Junior nesse sentido, cita:

Perceba-se que não há margens para interpretações. Soa até mesmo repetitivo. Contudo, nota-se que aquela celeuma se deu no âmbito de discussão da possibilidade de execução da pena a partir da condenação de segunda instância. Ou seja, o conflito de teses se relacionava sobre a admissão de prisão após a condenação em segunda instância ou após o trânsito em julgado. (LOPES JUNIOR,2020, p.05).

O mesmo autor ainda fala que a possibilidade de antecipação da pena introduz uma nova maneira de autorizar a execução da pena antes que a sentença tenha transitado em julgado, o que entra em conflito com as disposições constitucionais e contradiz a nova norma específica do próprio Código de Processo Penal. Além disso, a capacidade de antecipar a execução da pena entra em conflito com o Princípio da Presunção da Inocência, uma vez que este estabelece, de forma inequívoca, que o réu só pode ser considerado culpado e começar a cumprir a pena após o trânsito em julgado. (LOPES JUNIOR,2020, p.15)

Rodrigo Faucz Pereira Silva também argumenta:

Sendo assim, o princípio do duplo grau de jurisdição assume papel fundamental na ordem jurídica, não podendo ser mitigado, principalmente, por lei infraconstitucional ordinária. Perceba-se que, ao prever o início da execução da pena imediatamente a partir de decisão do Tribunal do Júri, o duplo grau resta enfraquecido, vez que sujeita o condenado ao cumprimento de uma pena, mesmo havendo possibilidade de que o julgamento seja anulado ou a sentença reformada. (SILVA, 2017, p.120).

Portanto, apesar de a redação ser passível de interpretações variadas, a interpretação constitucional deve ser no sentido de não permitir a execução antecipada da pena quando houver a alegação, durante a sessão em plenário, de qualquer questão que possa ser objeto de apelação. Isso significa que se a defesa registrar em ata a ocorrência de alguma nulidade durante o julgamento, o juiz-presidente deve permitir que o acusado recorra em liberdade. Isso ocorre porque existe a possibilidade de que a instância superior anule a sessão. (LOPES JUNIOR, 2020)

Observando o artigo, importante abordar que já no terceiro parágrafo, se permite que o juiz-presidente suspenda a execução imediata da pena caso surja uma questão substancial que, ao ser decidida pelo tribunal responsável pelo julgamento, tenha uma chance razoável de levar à revisão da condenação. (BRASIL, 1941).

Por outro lado, o quarto parágrafo reforça a ideia da execução imediata da pena, uma vez que elimina o efeito suspensivo de apelações interpostas contra decisões condenatórias do Júri quando as penas forem iguais ou superiores a 15 anos. (BRASIL, 1941).

Em outras palavras, quando um acusado é condenado a uma pena igual ou superior a 15 anos, ele será imediatamente preso para cumprir sua pena, e qualquer recurso contra a sentença não terá o poder de suspender a execução da pena.

Outra alternativa que se encontra para evitar a execução provisória da pena está prevista no §5º do artigo 492 do Código de Processo Penal (CPP). De acordo com esse dispositivo legal, o tribunal que receber o recurso de apelação tem a prerrogativa de conceder o efeito suspensivo a esse recurso, desde que ele não seja meramente protelatório e apresente uma questão substancial capaz de resultar em: Absolvição do acusado; Anulação da sentença proferida; Realização de um novo julgamento; Redução da pena para um patamar inferior a 15 (quinze) anos de reclusão. (BRASIL, 1941).

Isso significa que o tribunal pode determinar que o recurso de apelação suspenda os efeitos da sentença condenatória, permitindo que o acusado não seja preso imediatamente. No entanto, essa decisão fica a critério do tribunal, que avaliará se o recurso preenche os requisitos estabelecidos no §5º do artigo 492 do CPP.

O pedido de efeito suspensivo do recurso pode ser formulado de diferentes maneiras. Pode ser incluído no corpo das próprias razões recursais, ser um incidente na apelação ou, ainda, ser feito por meio de uma petição direcionada ao relator do processo. Independentemente da forma escolhida, é necessário que o pedido seja devidamente instruído com a cópia da sentença, as razões e contrarrazões de apelação, comprovação da tempestividade e todas as peças necessárias para demonstrar a chance de sucesso do recurso perante o tribunal. (BRASIL, 1941).

Para Aury Lopes Junior (LOPES JUNIOR, 2020, p.1336), o problema potencial com a concessão de efeito suspensivo pelo tribunal ao receber o recurso de apelação é o tempo que pode transcorrer enquanto o réu permanece preso, desde o término da sessão do júri até a apreciação do pedido pelo tribunal. Essa situação pode resultar em uma prisão que é considerada desnecessária e injustificada por um período de várias semanas.

Em resumo, é importante destacar que a prisão mencionada não se refere à uma prisão cautelar, mas sim à uma prisão destinada ao cumprimento da pena antes do trânsito em julgado e, mesmo antes que o caso seja apreciado por uma instância superior. Nesse cenário, entende-se que a condenação em primeira instância é suficiente para a execução provisória da pena, o que torna inconstitucional o artigo estudado. Além de que há varias divergências dentro dele que abrem brechas para entendimento contrário ao inciso I, alínea ‘e’ do supracitado.

8. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O REXT 1.235.340: UM RECURSO EM ANDAMENTO

O Supremo Tribunal Federal (STF) está, atualmente, avaliando um tema crucial que diz respeito à execução antecipada da pena no Brasil. Este é conhecido como Recurso Extraordinário (REXT) nº 1.235.340.

Em 2021, em votação para tratar do assunto, o voto do Ministro Luís Roberto Barroso no Recurso Extraordinário (REXT) nº 1.235.340, relator da matéria, apoiou a execução antecipada da pena. Em seu voto, o Ministro iniciou enfatizando o valor do bem jurídico protegido pelo Direito Penal no contexto do Tribunal do Júri, que é o direito à vida. Ele destacou a necessidade de proteger esse bem jurídico e argumentou que a alínea ‘e’ contribui para essa proteção, ao permitir a execução antecipada da pena em certos casos. (BRASIL, 2021).

O relator observou que, nos casos julgados pelo Tribunal do Júri, os recursos do Tribunal de Justiça são limitados devido à soberania dos veredictos. Portanto, o tribunal de segunda instância não pode anular facilmente as decisões do Júri, a menos que haja uma clara injustiça evidente com base nas provas apresentadas. Em situações especiais, o tribunal pode ordenar um novo julgamento se a decisão do Júri for clara às evidências do caso. O relator avançou em sua argumentação, enfatizando que a probabilidade de sucesso em recursos nos casos sob a jurisdição do Tribunal do Júri é extremamente reduzida, ou, nas palavras do relator, representa uma alteração das decisões que é praticamente insignificante. (BRASIL, 2021).

Barroso ressaltou que a presunção de inocência é um princípio que pode ser adaptado e aplicado de forma flexível. No âmbito do Tribunal do Júri, ele enfatizou que a presunção de inocência é menos relevante, devido ao interesse constitucional na efetividade da lei penal, especialmente na proteção dos bens jurídicos que ela visa resguardar, com ênfase especial na proteção do bem jurídico vida. O Relator foi ainda mais longe em seu voto, defendendo a eliminação do requisito de um tempo mínimo de pena (15 anos) como condição para a execução provisória da pena. Ele propôs que o cumprimento imediato da pena deveria ser aplicado a todas as condenações proferidas pelo Conselho de Sentença, independentemente da duração da pena. (BRASIL, 2021).

O Ministro Dias Toffoli, à época acompanhou o voto do relator, embora a sua argumentação tenha se baseada em considerações políticas. Ele justificou a execução provisória da pena com base em casos graves em que os acusados foram condenados a longas penas e, mesmo assim, puderam recorrer à liberdade. (BRASIL, 2021).

Indo na contramão, o Ministro Gilmar Mendes votou pela inconstitucionalidade da execução provisória da pena quando o relatório é proferido pelo Conselho de Sentença no Tribunal do Júri. Ele argumentou que, apesar da garantia da soberania dos veredictos, o princípio do duplo grau de jurisdição não é eliminado, uma vez que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH) garante o direito de recurso aos acusados no processo penal. Ele considera inaceitável a execução provisória da pena em primeira instância, ou seja, antes que haja uma revisão pelo tribunal de segunda instância, mesmo nos casos de competência do Tribunal do Júri. Para ele, a execução antecipada da pena, antes que a decisão se torne definitiva, representa uma violação direta do Princípio da Presunção de Inocência. (BRASIL, 2021).

O Ministro ainda ressaltou que, em um Estado Democrático de Direito, o Processo Penal desempenha funções fundamentais e tem bases sólidas. Ele enfatizou que a imposição de uma sanção penal só deverá ocorrer após a entrega de uma cláusula definitiva, garantindo total respeito às regras do devido processo penal. O Processo Penal é visto como um mecanismo limitador e um instrumento de contenção do poder punitivo estatal. Nessa perspectiva, a execução antecipada da pena, antes do trânsito em julgado, não está em conformidade com essa visão, pois não respeita os princípios e garantias do Processo Penal. (BRASIL, 2021).

A questão ainda permanece em aberto para debate, pois o Ministro Ricardo Lewandowski solicitou uma pausa no processo, para uma análise mais aprofundada.

O julgamento do REXT nº 1.235.340/SC ocorreu novamente, bem recentemente, e ainda não foi concluído, permanecendo temporariamente suspenso neste momento.

9. STF: MAIORIA APOIA EXECUÇÃO DA PENA APÓS CONDENAÇÃO POR JÚRI EM RECENTE VOTAÇÃO

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal concordou em autorizar que os réus em processos criminais condenados por júri popular, cumpram suas penas após a decisão dos jurados.

A discussão sobre a possibilidade de execução da pena imediatamente após a publicação do Júri Popular faz parte de um recurso com repercussão geral reconhecida. Isso significa que uma decisão tomada neste caso, deverá ser seguida obrigatoriamente por todos os tribunais do país. (CANÁRIO, 2023)

O Supremo Tribunal está analisando um recurso que envolve um caso de feminicídio ocorrido em Santa Catarina. No julgamento desse caso, um homem foi condenado a uma pena de mais de 26 anos de prisão pelo Júri e lhe foi negado o direito de recorrer em liberdade.

Nos documentos em análise, o réu, após o término de seu relacionamento com a vítima, alegando a intenção de obter a guarda da filha menor do casal, invadiu a residência em que ela se encontrava, forçando a entrada pela porta principal. Utilizando sua notável força física, transferiu a vítima até o sofá da sala e, empregando uma arma branca, desferiu quatro golpes, resultando em seu falecimento. (MPSC, 2023)

O juiz do caso baseou sua decisão no Princípio Constitucional da Soberania dos Veredictos. Não obstante, o pedido foi concedido com autorização do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para aguardar o julgamento dos recursos em liberdade. Por outro lado, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) interpôs o referido recurso, sustentando a previsão da execução imediata da sentença proferida pelo Júri.

O caso ocorreu virtualmente, sendo o Ministro Luis Roberto Barroso o relator. Ele votou a favor da possibilidade de iniciar o cumprimento da pena após a decisão do Júri, independentemente do tamanho da pena aplicada. Sua posição recebeu o apoio de outros quatro ministros: Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, André Mendonça e o Ministro Edson Fachin, que, com seu voto, formou maioria para a constitucionalidade da execução da pena. (VIVAS, 2023)

No seu voto, Barroso esclarece que as decisões do Júri só podem ser anuladas pela segunda instância em casos de “indícios fortes de nulidade do processo ou de condenações manifestamente contrárias aos autos”, o que são situações superficiais. Além disso, sublinha que “a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri permite a execução imediata das sentenças impostas pelo corpo de jurados, independentemente da extensão da pena aplicada”. (VIVAS, 2023).

Dias Toffoli, por sua vez, argumenta que a publicação deve ser realizada facilmente nos casos de crimes julgados pelo Tribunal do Júri, destacando a elevada importância constitucional desse Órgão do Judiciário, especialmente quando se considera a soberania dos veredictos. Já Moraes sustentou que, ao negar a possibilidade de execução provisória da pena em condenações oriundas do Tribunal do Júri, estaríamos, na prática, desconsiderando a proteção constitucional da soberania dos veredictos. (VIVAS, 2023)

Em posicionamento contrário, três ministros, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e a presidente Rosa Weber, divergem da posição majoritária e entendem que não é viável iniciar o cumprimento da pena após a instruções pelo Júri. No entanto, concordam que a prisão preventiva poderá ser aplicada após a decisão do Júri, desde que sejam atendidos os requisitos estabelecidos pela legislação.

Gilmar Mendes argumenta que a execução imediata da pena é inconstitucional, uma vez que contraria a presunção de inocência, um princípio fundamental que estipula que ninguém pode ser considerado culpado antes do término completo do processo. Ele destaca que a Constituição estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, e para Gilmar, o significado deste trecho constitucional é muito claro. (CANÁRIO, 2023)

Gilmar Mendes recebeu o apoio dos ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber em sua argumentação.

Na visão de Lewandowski, pode ser compreensível que alguns juízes desejem flexibilizar essa importante garantia dos cidadãos, possivelmente na tentativa ingênua de contribuir para a redução do número crescente de homicídios dolosos que afetam nossa sociedade. A ministra Rosa Weber, ao adiantar o seu voto, destacou que o Princípio da Presunção de Inocência impede a execução provisória da pena, mesmo nos casos julgados pelo Júri. Ela argumentou que a soberania dos veredictos não modifica a jurisdição constitucional de executar provisoriamente qualquer pena logo após a notificação de primeira instância. Em sua compreensão, o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição da República, estabelece, de forma inequívoca, a proibição da execução provisória de penas, e essa proibição não é alterada pela soberania dos veredictos. (VIVAS, 2023)

 Até o momento, os ministros Kassio Nunes Marques e Luiz Fux ainda não proferiram seus votos. É importante mencionar que Cristiano Zanin Martins, que assumiu recentemente como ministro, não deve participar da votação, uma vez que ocupou a cadeira de Lewandowski, que já emitiu seu voto. (CANÁRIO, 2023)

É relevante explicar que após os seis ministros se posicionarem a favor da execução imediata das condenações pelo Júri, o Ministro Gilmar Mendes, apesar de ter sido vencido nesse aspecto, solicita o destaque do processo do Plenário Virtual. Ele fez uso da prerrogativa prevista no artigo 21-B, parágrafo 3º, do Regimento Interno da Corte, o que resultará na transferência do processo para julgamento presencial. Esse procedimento implica a publicação de uma nova pauta, com a retomada do julgamento e a coleta de votos dos ministros de forma presencial. Entretanto, cabe à Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministra Rosa Weber, a responsabilidade de agendar o processo para ser discutido no Plenário presencial. (MPSC, 2023)

É evidente que a execução antecipada da pena nos casos julgados pelo Tribunal do Júri está ganhando terreno em direção a uma possível constitucionalidade. Isso fica claro pelo fato de que a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal parece concordar com essa abordagem. No entanto, é importante ressaltar que a questão ainda está em discussão e sujeita à mudanças, pois aguarda-se o julgamento presencial e a decisão final do Tribunal. Portanto, esse assunto continua sendo um tema em constante evolução dentro do sistema jurídico brasileiro.

10. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei 13.964 de 2019 originou-se de uma proposta de reforma legislativa que visava aprimorar o sistema jurídico penal brasileiro, trazendo mudanças significativas nas áreas do Direito Penal, Processo Penal e Execução Penal. Desde o início, o projeto carregava consigo um apelo popular e uma abordagem bem punitiva. A justificativa para a propagação desse projeto de lei repousava na concepção convencional de que tornar as leis penais mais rígidas é uma abordagem eficaz para combater a criminalidade.

No entanto, o projeto sofreu inúmeras modificações durante sua tramitação no Congresso Nacional e foi aprovado com alterações substanciais em relação ao texto original. Essas mudanças promoveram significativas alterações na legislação penal e processual penal brasileira. A lei resultante desse processo legislativo gerou intensos debates na comunidade jurídica, devido à abrangência das reformas efetuadas no Direito Penal e Processual Penal do país. Além disso, diversos pontos controversos surgiram, entre os quais se destaca a alteração do artigo 492, inciso I, alínea “e”, que é o tema central deste artigo.

A despeito do propósito primordial da Lei 13.964/19, que visa à diminuição da criminalidade, é absolutamente crucial que essa busca pela segurança não comprometa os direitos e garantias estabelecidos na Constituição. O Estado, ao exercer seu poder de punir (jus puniendi), deve submeter-se estritamente às normas constitucionais e respeitar os direitos fundamentais dos cidadãos. Tais direitos fundamentais representam um avanço indiscutível na evolução da civilização e da democracia.

Qualquer esforço para enfraquecer o direito à presunção de inocência representa um retrocesso significativo em termos civilizatórios e direitos humanos, ainda mais quando se fala em prisão automática em primeiro grau. Este direito já se consolidou como um princípio firmemente estabelecido ao longo da história, resultado de uma evolução na compreensão e proteção dos direitos individuais contra possíveis abusos ou arbitrariedades cometidos pelo Estado. Portanto, é imperativo que a busca pela segurança pública e o combate à criminalidade não comprometam, de maneira alguma, esse princípio fundamental.

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[1] Discente do Curso de Direito da Faculdade Educacional de Medianeira – UDC Medianeira. E-mail: ander_bahnert@hotmail.com

[2] Professora Mestre do Curso de Direito da Faculdade Educacional de Medianeira – UDC Medianeira.  E-mail: juliana.fioreze@udc.edu.br