CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE E O CASO DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL NO BRASIL: OUTRA PERSPECTIVA

CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE E O CASO DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL NO BRASIL: OUTRA PERSPECTIVA

31 de julho de 2023 Off Por Cognitio Juris

CONVENTIONALITY CONTROL AND THE CASE OF THE CIVIL PRISON OF THE UNFAITHFUL TRUS-TEE IN BRAZIL: ANOTHER PERSPECTIVE

Artigo submetido em 15 de junho de 2023
Artigo aprovado em 11 de julho de 2023
Artigo publicado em 31 de julho de 2023

Cognitio Juris
Ano XIII – Número 48 – Julho de 2023
ISSN 2236-3009

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Autor:
Túlio Macedo Rosa e Silva[1]
Ruan Patrick Teixeira da Costa[2]

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Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. Controle de constitucionalidade; 3. Controle de convencionalidade; 4. Prisão do depositário infiel; 5. Considerações finais; Referências.

Resumo: O presente trabalho analisa o controle de convencionalidade no direito brasileiro, sob a ótica de um caso concreto, qual seja: a licitude/ilicitude da prisão do infiel depositário, alvo de intensos debates doutrinários e jurisprudenciais, mas que se chegou a uma tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH).Trata-se de uma pesquisa qualitativa com o uso de fonte bibliográfica, por meio da coleta de trabalhos acadêmicos, livros e análise de decisões da suprema corte brasileira a respeito da matéria.

Palavras-chave: controle de convencionalidade; infiel depositário; STF; CADH; Emenda 45/2004.

Abstract: The present work analyzes the control of conventionality in Brazilian law, from the perspective of a concrete case, namely: the lawfulness/unlawfulness of the imprisonment of the unfaithful trustee, the target of intense doctrinal and jurisprudential debates, but which reached a thesis signed by the Federal Supreme Court (STF), through the application of the American Convention on Human Rights (ACHR). It is a qualitative research with the use of a bibliographic source, through the collection of academic works, books and analysis of decisions of the supreme Brazilian court regarding the matter.

Keywords: conventionality control; unfaithful trustee; STF; CADH; Amendment 45/2004.

Considerações iniciais

No Brasil, assim como em outros países que possuem normas constitucionais escritas, como Portugal e França, vigora o princípio da Supremacia da Constituição nos termos que dispõe KELSEN (p. 155, 1998), ou seja, todas as normas que surgirem após o advento dela, sujeitam-se aos seus preceitos. Exemplo disso, é a vedação de leis que tenham como objetivo regulamentar as penas de morte, de caráter perpétuo ou cruéis, nos termos que prevê o Artigo 5º do texto constitucional, o qual dispõe sobre os direitos e garantias fundamentais, e de forma específica sobre direitos e deveres individuais e coletivos.

Na esteira do que dispõe VIEIRA (p. 39, 1999), o referido tema remonta ao direito estadunidense do século XIX, mas que se espalhou ao redor do mundo, em especial nos países que utilizam a constituição como norma suprema. São muitas as possibilidades de controle constitucional, porém, geralmente esse papel fica a cargo do poder judiciário, por meio de juízes (primeiro grau), desembargadores (segundo grau) e ministros (tribunais superiores), sempre com o intuito de eliminar do meio jurídico norma contrária ao que prevê o texto constitucional, isso pode ser exemplificado quando se busca criar norma contrária aos direitos humanos, entre elas, norma contrária ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, consumidor, direito a não ser torturado, entre outros.

Em paralelo à adequação das normas aos preceitos constitucionais, há no direito nacional o controle de convencionalidade, por meio do qual, além de adequar a legislação e as decisões judiciais ao que prevê a constituição, também deve ocorrer obediência aos tratados internacionais aos quais o Brasil é signatário, com isso, além do controle de constitucionalidade, direito doméstico devem seguir os parâmetros trazidos por norma internacional.                

Sobre a questão do controle convencional, tema importante a respeito do assunto é   ilicitude / licitude da prisão do infiel depositário, visto que o texto constitucional prevê a possibilidade na prisão do infiel depositário, ou seja, pessoa a quem a justiça confia um bem durante um processo, e, caso não cumpra essa incumbência responder por isso, visto que era cabível, inclusive a sua prisão. Ocorre que norma internacional, mais precisamente o Pacto de São José da Costa Rica, o qual foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro em 1992, não prevê a prisão do infiel depositário, mas tão somente para devedores de prestações alimentícias. Tal questão chegou ao STF, o qual firmou entendimento pela ilicitude da prisão do infiel depositário.   

Por fim, a respeito do referido trabalho, trata-se de uma pesquisa qualitativa com o uso de fonte bibliográfica, por meio da coleta de trabalhos acadêmicos e livros a respeito do assunto, mais precisamente sobre o controle de convencionalidade no direito brasileiro, tendo como exemplo de aplicação da não prisão do infiel depositário, em consonância ao que prevê norma internacional sobre o assunto.               

1. Breves notas sobre o controle de constitucionalidade

De acordo com VIEIRA (p. 39, 1999), o tema foi introduzido no mundo jurídico no início do século XIX, por meio da construção jurisprudencial da Corte Suprema americana, sendo que a partir do século XX ganhou maior expansão ao redor do mundo. Constitui a verificação da adequação de um ato jurídico (particularmente da lei) à Constituição, ou seja, deriva da concepção de que o texto constitucional é a lei fundamental de um ordenamento jurídico.

Seguindo essa linha, PEREIRA (p. 02, 2006) aduz que a criação de um fenômeno de regulamentação jurídica da política, representado pela Constituição escrita, trouxe consequências inéditas para a Teoria do direito e do Estado, entre os principais está a consagração mundial dos sistemas jurisdicionais de controle de constitucionalidade.

VIEIRA (p. 39, 1999) e AMARAL JÚNIOR (p. 527, 2022), de forma semelhante, aduzem que o sistema de controle de constitucionalidade surgiu no início do século XIX (1803) no direito estadunidense, por meio da construção jurisprudencial da Corte Suprema, e que ganhou maior força no século XX, e que, no Brasil, foi trazido para debate pelo célebre político e jurista por Rui Barbosa.

Nessa mesma linha, Silva (p. 14, 1998), aduz que: “o princípio da supremacia requer que todas as situações jurídicas se conformem com os princípios e preceitos da Constituição”. A referida afirmativa pode ser verificada nos diversos instrumentos manejados junto ao poder judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de ações que visam discutir a constitucionalidade de determinada norma (leis complementares, leis ordinárias, decretos, entre outros), seja por ações declaratórias de constitucionalidades, seja por ações diretas de inconstitucionalidades.   

KELSEN (p. 155, 1998) também contribui para o assunto em análise, ao dispor que a Constituição, em seu sentido material, representa o escalão de Direito positivo mais elevado, isto é, a norma positiva por meio da qual é regulada a produção das normas jurídicas gerais, ou seja, há a existência de uma superior (a constituição), que regula a produção de outras normas, logo, nenhum texto normativo poderá ser contrário a ela, sob pena de ser considerado inconstitucional, e, portanto, deverá ser excluído do mundo jurídico. 

Para MENDES (pp. 3 e 4, 1990), o conceito de Constituição parece preservar um núcleo permanente, em razão de um princípio supremo que determina de forma integral o ordenamento estatal e a essência da comunidade que é constituída por esse ordenamento, demonstrando mais uma vez a força normativa que emana da norma suprema, o que determina que as demais devem seguir os seus preceitos.  

Para BUZANELLO (p. 30, 1997), o tema da constitucionalidade e da inconstitucionalidade aponta para um conceito relacional que se estabelece entre uma norma constitucional e outra que não é, haja vista serem incompatíveis, seja do ponto de vista formal ou materialmente. O referido autor chega ao consenso, no qual a constitucionalidade das normas estaria resolvida por força da aplicação do princípio da supremacia da Constituição, ou seja, a validade do ato depende de sua adequação à norma hierárquica superior. 

O controle em análise pode ser exercido sob as mais variadas modalidades. Para BUZANELLO (pp. 31 e 32, 1997) e VIEIRA (pp. 43 e 44, 1999), quanto ao momento em que ocorre o controle, há que se distinguir entre controle preventivo, ou seja, aquele que ocorre antes de ato legislativo ingresse no mundo e controle repressivo, quando o ato normativo já é um ato perfeito, pleno de eficácia jurídica, porém, caso seja identificado que ele está em desacordo com o regramento superior, poderá ser excluído do mundo jurídico, algo que ocorre, por exemplo, com leis estaduais que regulam temas de competência da União.

Nesse sentido, julgado do Supremo Tribunal Federal a respeito do assunto, no qual foi levado em consideração que uma lei do Estado do Amazonas estava em desacordo com o texto constitucional por ferir o princípio da competitividade e da igualdade presentes no artigo 37, inciso II, da atual Constituição brasileira, ou seja, não poderá mais existir no mundo jurídico, veja-se:        

EMENTA: CONSTITUCIONAL. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE PRECEITO NORMATIVO ESTADUAL. COEXISTÊNCIA DE PROCESSOS DE FISCALIZAÇÃO ABSTRATA NO STF E EM CORTE ESTADUAL. TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO DO TRIBUNAL ESTADUAL, AFIRMANDO A INCONSTITUCIONALIDADE, POR OFENSA A NORMA DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO REPRODUZIDA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EFICÁCIA LIMITADA DA DECISÃO, QUE NÃO COMPROMETE O EXERCÍCIO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. LEI ESTADUAL 2.778/2002 DO ESTADO DO AMAZONAS. LIMITAÇÃO DE ACESSO A CARGO ESTADUAL. RESTRIÇÃO DE COMPETITIVIDADE INCOMPATÍVEL COM A CONSTITUIÇÃO

1. Coexistindo ações diretas de inconstitucionalidade de um mesmo preceito normativo estadual, a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça somente prejudicará a que está em curso perante o STF se for pela procedência e desde que a inconstitucionalidade seja por incompatibilidade com dispositivo constitucional estadual tipicamente estadual (= sem similar na Constituição Federal).

2. Havendo declaração de inconstitucionalidade de preceito normativo estadual pelo Tribunal de Justiça com base em norma constitucional estadual que constitua reprodução (obrigatória ou não) de dispositivo da Constituição Federal, subsiste a jurisdição do STF para o controle abstrato tendo por parâmetro de confronto o dispositivo da Constituição Federal reproduzido.

3. São inconstitucionais os artigos 3º, § 1º, 5º, § 4º, e a expressão “ e Graduação em Curso de Administração Pública mantido por Instituição Pública de Ensino Superior, credenciada no Estado de Amazonas”, inserida no caput do artigo 3º da Lei Ordinária 2.778/2002 do Estado do Amazonas, por ofensa ao princípio constitucional de igualdade no acesso a cargos públicos (art. 37, II), além de criar ilegítimas distinções entre brasileiros, o que é vedado pela Constituição Federal (art. 19, III).

4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente

(AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE nº 3.659 AMAZONAS. RELATOR: MIN. ALEXANDRE DE MORAES. Plenário. Julgado em 13/12/2018)

Ainda sobre o assunto, na esteira dos entendimentos de EL HORR (p. 29, 2018) tem sido admitida a possibilidade de um controle de constitucionalidade prévio de propostas de emenda. Nesse sentido, julgado do STF a respeito da matéria em discussão, mais precisamente o Mandado de Segurança nº 32033, de relatoria de Ministro Gilmar Mendes, no qual a Suprema Corte admite que o controle jurisdicional de constitucionalidade preventivo de projetos de lei, mas em caráter excepcional, com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de lei ou emenda constitucional incompatíveis com disposições constitucionais que disciplinam o processo legislativo, portanto, ainda que se trate da modificação do texto constitucional, existe a possibilidade de controle, para que ela não ingresse no ordenamento jurídico.

Ementa: CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTROLE PREVENTIVO DE CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DE PROJETO DE LEI. INVIABILIDADE. 1. Não se admite, no sistema brasileiro, o controle jurisdicional de constitucionalidade material de projetos de lei (controle preventivo de normas em curso de formação). O que a jurisprudência do STF tem admitido, como exceção, é “a legitimidade do parlamentar – e somente do parlamentar – para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de lei ou emenda constitucional incompatíveis com disposições constitucionais que disciplinam o processo legislativo” (MS 24.667, Pleno, Min. Carlos Velloso, DJ de 23.04.04). Nessas excepcionais situações, em que o vício de inconstitucionalidade está diretamente relacionado a aspectos formais e procedimentais da atuação legislativa, a impetração de segurança é admissível, segundo a jurisprudência do STF, porque visa a corrigir vício já efetivamente concretizado no próprio curso do processo de formação da norma, antes mesmo e independentemente de sua final aprovação ou não. 2. Sendo inadmissível o controle preventivo da constitucionalidade material das normas em curso de formação, não cabe atribuir a parlamentar, a quem a Constituição nega habilitação para provocar o controle abstrato repressivo, a prerrogativa, sob todos os aspectos mais abrangente e mais eficiente, de provocar esse mesmo controle antecipadamente, por via de mandado de segurança. 3. A prematura intervenção do Judiciário em domínio jurídico e político de formação dos atos normativos em curso no Parlamento, além de universalizar um sistema de controle preventivo não admitido pela Constituição, subtrairia dos outros Poderes da República, sem justificação plausível, a prerrogativa constitucional que detém de debater e aperfeiçoar os projetos, inclusive para sanar seus eventuais vícios de inconstitucionalidade. Quanto mais evidente e grotesca possa ser a inconstitucionalidade material de projetos de leis, menos ainda se deverá duvidar do exercício responsável do papel do Legislativo, de negar-lhe aprovação, e do Executivo, de apor-lhe veto, se for o caso. Partir da suposição contrária significaria menosprezar a seriedade e o senso de responsabilidade desses dois Poderes do Estado. E se, eventualmente, um projeto assim se transformar em lei, sempre haverá a possibilidade de provocar o controle repressivo pelo Judiciário, para negar-lhe validade, retirando-a do ordenamento jurídico. 4. Mandado de segurança indeferido.

(MS 32033, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Relator(a) p/ Acórdão: Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 20/06/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-033 DIVULG 17-02-2014 PUBLIC 18-02-2014 RTJ VOL-00227-01 PP-00330)

Quanto ao órgão que exerce o controle, de acordo com BUZANELLO (pp. 31 e 32, 1997) há que se distinguir entre controle político, exercido por órgãos que não pertencem ao Poder Judiciário, como é o caso do Poder Legislativo, quando deixa de propor de termina lei, pois seu assunto é vedado pela constituição, como a instituição da pena de morte. Em contrapartida, controle jurisdicional, é aquele exercido por órgãos integrados ao Poder Judiciário e pode ser difuso, permite ao magistrado ou órgão colegiado analisar, no caso concreto, analisar a compatibilidade de uma lei ou ato normativo perante a Constituição ou concentrado, limita-se ao Supremo Tribunal Federal (STF) quando a norma paradigma é a Constituição Federal e aos Tribunais de Justiça Estaduais, quando a norma paradigma é a Constituição Estadual.

No Brasil, na esteira do que dispõe BUZANELLO (p. 31, 1997) o controle político de constitucionalidade das leis e dos atos normativos pelo Congresso Nacional se faz mediante duas formas: uma preventiva e outra suspensiva. No controle prévio de admissibilidade e constitucionalidade dos projetos de leis e das medidas provisórias, por meio do controle prévio de leis inconstitucionais, quanto à sua existência e validade. Já na modalidade suspensiva, há o intuito de sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa (art. 49, V, CF), por meio do veto legislativo, consubstanciado num decreto legislativo que declare a inconstitucionalidade do ato impugnado.

O controle de constitucionalidade é uma das questões-chave da moderna constitucionalidade, visto que pelo princípio da supremacia da Constituição, toda e qualquer norma que ingresse no ordenamento jurídico deve se adequar aos preceitos constitucionais, sob pena de ser excluída do mundo jurídico, por não se adequar aos preceitos constitucionais.   

2. Considerações a respeito do controle de convencionalidade

A Emenda Constitucional 45/2004, também conhecida no mundo jurídico, como reforma do Judiciário trouxe várias mudanças para o sistema justiça brasileiro, entre elas, a possibilidade de os tratados internacionais de direitos humanos caso aprovados por meio de  um quórum qualificado (três quintos) passam a ser considerados no mesmo plano normativo das emendas constitucionais, desde que ratificados pelo país e em vigor no plano internacional, conforme previsão do artigo 5º, § 3º da Constituição Federal.  

Segundo o entendimento de GUERRA (pp. 472 e 473, 2018), um documento internacional importante é a Convenção de Viena, de 1969, a qual versa sobre o direito dos tratados, trata-se de um acordo internacional celebrado por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos qualquer que seja a sua designação específica. Por fim, quando um Estado nacional ratifica um tratado internacional de direitos humanos, ele se vincula ele, e, fica a seu cargo garantir mecanismos no plano interno que estejam em consonância com as normas internacionais, as quais passam a fazer parte do ordenamento jurídico interno do referido Estado.

No que diz respeito à importância dos tratados internacionais, uma grande mudança ocorre no Brasil por meio do § 3º, do artigo 5º, da Constituição Federal, e, de acordo com MAZZUOLI (p. 114, 2009), a partir do momento em que os referidos regramentos ganham o patamar de norma constitucional, apreende-se que não há apenas o tradicional controle de constitucionalidade (a adequação de uma lei ao texto constitucional), há também um controle à produção normativa doméstica em, qual seja, o controle de convencionalidade das leis, ou seja, a compatibilização da produção normativa doméstica com os tratados de direitos humanos ratificados pelo governo e em vigor no país.     

Por meio desse parâmetro normativo, as leis locais, além do controle em relação ao texto constitucional, precisam se adequar aos tratados internacionais que o Brasil tenha incluído em seu plano interno, o que corrobora com o entendimento de MAZZUOLI (p. 128, 2009), o qual dispõe que não basta a norma infraconstitucional ser compatível com a Constituição e incompatível com um tratado ratificado pelo Brasil (seja de direitos humanos, que pode ter a mesma hierarquia do texto constitucional, seja um tratado comum, cujo status é de norma supralegal), pois, nesse caso, operar-se-á de imediato a terminação da validade da norma, embora ela continue vigente, por não ter sido expressamente revogada por outro diploma existente no direito interno.

MAGALHÃES (p. 104, 2016) acrescenta ponto de vista interessante, o Poder Judiciário está obrigado a exercer o controle de convencionalidade de uma produção normativa interna, que pode ser a própria Constituição, com o intuito de garantir o efeito útil do tratado, o que pode até resultar na declaração de inefetividade da norma interna, caso ela seja contrária ao que prevê normativa internacional sobre assunto, o que pode ocorrer, por exemplo, caso o país torne válida emenda constitucional contrária a um regramento de tratado de direitos humanos, como a Convenção de Nova Iorque, a qual trata sobre pessoa com deficiência.

Um exemplo prático seria, sob a alegação de interesse público, emenda constitucional regulasse que as forças armadas, poderiam vedar o ingresso de pessoas com deficiência em todos os seus cargos públicos ligados a ela, algo que chegaria a todos os órgãos do poder judiciário, em especial STF.

Por conta disso, todos os Estados signatários de tratados internacionais são obrigados a realizar o controle de convencionalidade das leis internas, ou seja, a norma doméstica precisa se adequar ao que está previsto no plano internacional, visto que o Estado nacional corroborou para isso.

Nessa linha, SILVA (p. 82, 2018) traz o exemplo do Sistema Interamericano de Defesa dos Direitos Humanos, por meio do qual, todos os tribunais dos Estados que o integram, ao exercerem sua jurisdição doméstica, estão obrigados, de acordo com a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a realizarem o controle de convencionalidade das leis, portanto, ainda que se trate de uma norma de caráter constitucional, caso ela seja contrária a algum tratado internacional, não mais poderá ser aplicada.

O parâmetro mencionado acima, corrobora com o teor do artigo 2º da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a qual dispõe que cabe ao Estado Nacional adotar medidas garantam o inteiro teor do referido tratado, a respeito do assunto, julgado da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em que o Estado peruano foi, assim como qualquer outra que faça parte da convenção, deve fazer o controle convencional, e, afastar qualquer norma que implique em violação aos direitos previstos no referido regramento internacional e desenvolver práticas que garantam a sua plena aplicação, veja-se:

A Corte indicou que o artigo 2 da Convenção contempla o dever geral dos Estados-Partes de adaptar seu direito interno às suas disposições para garantir os direitos nela consagrados. Este dever implica a adoção de medidas em dois aspectos: de um lado, a supressão de normas e práticas de qualquer natureza que impliquem uma violação das garantias previstas na Convenção; por outro lado, a emissão de regulamentos e o desenvolvimento de práticas conducentes à efetiva observância das referidas garantias. Precisamente, no que diz respeito à adoção de tais medidas, esta Corte reconheceu que todas as autoridades de um Estado-Parte da Convenção têm a obrigação de exercer o controle de convencionalidade, de modo que a interpretação e aplicação do direito nacional seja compatível com o direito internacional e com as obrigações do Estado em matéria de direitos humanos. [Corte IDH. Caso Federação Nacional de Trabalhadores Marítimos e Portuários (FEMAPOR) vs. Peru. Exceções preliminares, mérito e reparações. Sentença de 1º-2-2022. Tradução livre.  

Outro caso importante julgado pela Corte Internacional se deu por conta das violações aos direitos humanos ocorridas no contexto da Guerrilha do Araguaia, mais precisamente o Caso Gomes Lund. O Poder Judiciário interno dos Estados signatários, está obrigado, sob a égide da CIDH a cumprir a referida norma internacional, veja-se:

Este Tribunal estabeleceu em sua jurisprudência que é consciente de que as autoridades internas estão sujeitas ao império da lei e, por esse motivo, estão obrigadas a aplicar as disposições vigentes no ordenamento jurídico. No entanto, quando um Estado é Parte de um tratado internacional, como a Convenção Americana, todos os seus órgãos, inclusive seus juízes, também estão submetidos àquele, o que os obriga a zelar para que os efeitos das disposições da Convenção não se vejam enfraquecidos pela aplicação de normas contrárias a seu objeto e finalidade, e que desde o início carecem de efeitos jurídicos. O Poder Judiciário, nesse sentido, está internacionalmente obrigado a exercer um “controle de convencionalidade” ex officio entre as normas internas e a Convenção Americana, evidentemente no marco de suas respectivas competências e das regulamentações processuais correspondentes. Nessa tarefa, o Poder Judiciário deve levar em conta não somente o tratado, mas também a interpretação que a ele conferiu a Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana. [Corte IDH. Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil. Exceções preliminares, mérito, reparações e custas. Sentença de 24-11-2010.]      

Outra situação em que ocorreu o controle convencional no ordenamento jurídico brasileiro ocorreu no caso da prisão ou não depositário infiel, visto que, existe previsão constitucional para a referida prisão, nos termos do artigo 5º, inciso LXVII, no entanto o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Interamericana de Direitos Humanos) dispõe em seu artigo 7º, n. 7, que: “ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”. Em virtude dessa previsão, a questão chegou até o Supremo Tribunal Federal, o que culminou com a edição da Súmula Vinculante nº 25: “é ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”.

Nesse sentido, alguns precedentes do próprio STF a respeito da matéria em discussão, nos quais a Suprema Corte Brasileira reconheceu a relevância dos tratados internacionais no plano interno, e que, apesar da previsão constitucional da prisão do infiel depositário, o Pacto de São José da Costa Rica prevaleceu, e, em seu conteúdo a única possibilidade de prisão por dívidas se dá pelo inadimplemento de obrigações de caráter alimentar, sendo essa a única possibilidade de prisão civil aplicada no país atualmente, veja-se:           

O Plenário desta Corte, no julgamento conjunto dos HC 87.585 e HC 92.566, relator o ministro Marco Aurélio, e dos RE 466.343 e RE 349.703, relatores os ministros Cezar Peluso e Carlos Britto, sessão de 3-12-2008, fixou o entendimento de que a circunstância de o Brasil haver subscrito o Pacto de São José da Costa Rica conduziu à inexistência de balizas visando à eficácia do que previsto no art. 5º, LXVII, da CF/1988, restando, assim, derrogadas as normas estritamente legais definidoras da custódia do depositário infiel.

[RE 716.101, rel. min. Luiz Fux, dec. monocrática, j. 31-10-2012, DJE 220 de 8-11-2012.]

A matéria em julgamento neste habeas corpus envolve a temática da (in)admissibilidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro no período posterior ao ingresso do Pacto de São José da Costa Rica no direito nacional. 2. Há o caráter especial do PIDCP (art. 11) e da CADH — Pacto de São José da Costa Rica (art. 7º, 7), ratificados, sem reserva, pelo Brasil, no ano de 1992. A esses diplomas internacionais sobre direitos humanos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da CF/1988, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. 3. Na atualidade a única hipótese de prisão civil, no Direito brasileiro, é a do devedor de alimentos. O art. 5º, § 2º, da Carta Magna expressamente estabeleceu que os direitos e garantias expressos no caput do mesmo dispositivo não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O Pacto de São José da Costa Rica, entendido como um tratado internacional em matéria de direitos humanos, expressamente, só admite, no seu bojo, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e, consequentemente, não admite mais a possibilidade de prisão civil do depositário infiel. 4. Habeas corpus concedido.
[HC 95.967, rel. min. Ellen Gracie, 2ª T, j. 11-11-2008, DJE 227 de 28-11-2008.]

Outro julgado importante da Suprema Corte sobre aplicação de tratados internacionais no plano interno se deu no caso da inadmissibilidade da pronúncia (nos processos de crimes julgados pelo tribunal do júri) com base no princípio do in dubio pro societate (em caso de dúvida, o promotor de justiça deve oferecer a denúncia, decidindo, assim, a favor da sociedade), visto que o artigo 8º, n.2, da Convenção Interamericana de Direitos Humanos dispõe que: Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Por conta disso, decidiu o STF pela impronúncia, em virtude da existência de dúvida sobre a participação do acusado no crime, eis o julgado:     

Estado de dúvida e inadmissibilidade da pronúncia com base no princípio in dubio pro societate

Dúvida e impronúncia: diante de um estado de dúvida, em que há uma preponderância de provas no sentido da não participação dos acusados nas agressões e alguns elementos incriminatórios de menor força probatória, impõe-se a impronúncia dos imputados, o que não impede a reabertura do processo em caso de provas novas (art. 414, parágrafo único, CPP). Primazia da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF e art. 8.2, CADH).

[STF. ARE 1.067.392, rel. min. Gilmar Mendes, j. 26-3-2019, 2ª T, DJE de 2-7-2020].  

Por fim, mais um julgado do STF, em que a Corte brasileira segue o que dispõe a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, mais precisamente o artigo 8, 2.b, visto que é direito do acusado a comunicação prévia e pormenorizada dos termos acusação, a ausência desse procedimento pode levar ao trancamento da ação penal, veja-se:

Denúncia genérica e trancamento de processo penal Habeas Corpus.

Direito penal e processual penal. Denúncia genérica. Responsabilidade penal objetiva. Inépcia. Acusação não descreve, de forma minimamente satisfatória, os elementos do tipo penal que imputa ao paciente. Narrativa manifestamente precária no que diz respeito à necessária individualização da conduta do paciente para que se possa verificar sua autoria e, consequentemente, a devida subsunção de seu comportamento ao mencionado tipo penal em termos objetivos e subjetivos. Respeito ao contraditório e ao direito à comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada (art. 8.2.b, CADH). Ordem concedida para trancar o processo penal.

[STF. HC 182.458 AgR, rel. min. Edson Fachin, red. do ac. min. Gilmar Mendes, j. 27-9-2021, 2ª T, DJE de 8-11-2021.]     

O controle convencional é um tema importante na seara jurídica. Em países com o Brasil, o qual é signatário da CIDH ele já foi aplicado em diversas situações, muito em razão de graves violações de direitos inerentes ao ser humano, como a liberdade e a vida, o que demonstra que não há apenas controle da produção legislativa em relação ao texto constitucional, mas também em relação aos tratados internacionais, em que o Estado brasileiro incluiu em seu plano interno, sendo que um dos atores de grande relevância é o Poder Judiciário, assim como também atua no controle de constitucionalidade.

3. A prisão do depositário infiel e o controle de convencionalidade

O Código de Processo Civil dispõe sobre a figura do fiel depositário, mais precisamente nos artigos 159 a 161, o qual se trata de um indivíduo a quem a justiça confia um bem durante um processo, fica sob sua responsabilidade zelar pela conservação de determinado bem, sob pena de prisão, caso não o faça. Assim o era antes da entrada em vigor no plano interno da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), a qual dispõe que ´punica possiblidade de prisão civil se dá pela não prestação de alimentos.          

No que diz respeito à prisão por dívidas do devedor de alimentos sempre foi pacífica em nosso ordenamento e tal regra é considerada cláusula pétrea da Constituição, tendo em vista o melhor interesse dos menores de idade (crianças e adolescentes) ou outras pessoas vulneráveis com idosos em situação de pauperização.

No entanto, a previsão da prisão do depositário infiel sempre foi um assunto questionado quanto à sua constitucionalidade (embora estivesse presente no artigo 5º da Constituição de 1988), principalmente no campo doutrinário, o que ganhou maior relevância após a assinatura do Pacto de San Jose da Costa Rica, o qual admite apenas a prisão do inadimplente de prestações alimentícias. O referido documento internacional passou a vigorar no país, a partir de 25 de setembro de 1992, por meio do Decreto nº 678/1992, momento em que foi ratificado pelo Congresso Nacional, após o início da vigência da Constituição Federal (5 de outubro de 1988).

O Brasil aceitou as disposições constantes no referido Tratado Internacional, existindo assim, a contrariedade entre o dispositivo da Constituição Federal, que admite a prisão do depositário infiel (mais precisamente o artigo 5º, inciso LXVII), e a do Pacto de San Jose, que a veda tal possibilidade. Sobre esse assunto, em 22 de novembro de 2006, o Ministro Gilmar Mendes, durante o importe julgamento de recurso extraordinário sobre a matéria em discussão (RE 466343/SP), firmou entendimento pela inconstitucionalidade da prisão do devedor em alienação fiduciária, algo que contribuiu posteriormente para a construção jurisprudencial, que culminou na criação da Súmula Vinculante nº 25, a qual dispõe ser ilícita a prisão do depositário infiel, em consonância com o que dispõe o Pacto de São José da Costa:

(…) diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na CF/1988, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante. Nesse sentido, é possível concluir que, diante da supremacia da CF/1988 sobre os atos normativos internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (art. 5º, LXVII) não foi revogada (…), mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria (…). Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada. (…) Enfim, desde a adesão do Brasil, no ano de 1992, ao PIDCP (art. 11) e à CADH — Pacto de São José da Costa Rica (art. 7º, 7), não há base legal para aplicação da parte final do art. 5º, LXVII, da CF/1988, ou seja, para a prisão civil do depositário infiel.
[RE 466.343, rel. min. Cezar Peluso, voto do min. Gilmar Mendes, P, j. 3-12-2008, DJE 104 de 5-6-2009, Tema 60.]

Súmula Vinculante 25: É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito.

Artigo 7, n7:   Direito à Liberdade Pessoal. Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.

Ainda na esteira do assunto em discussão, a Suprema Corte brasileira vem entendo pela inconstitucionalidade não apenas de parte do artigo 5º do texto constitucional, mas também de legislações que tratam sobre o assunto, como ocorreu com a lei nº 8.866 de 1994, a qual permitia a prisão do infiel depositário em relação aos débitos com a Fazenda Nacional. O plenário do STF acompanhou o Ministro Gilmar Mendes, no sentido de que a lei em questão viola o direito à liberdade e à ampla defesa. A norma em questão também estaria em dissonância com o que prevê o artigo 7, n.7 do Pacto de São José da Costa Rica, bem como a Súmula Vinculante nº 25. Veja-se a emenda do julgamento em questão:

Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Medida Provisória 427, de 11.02.1994, reeditada pela Medida Provisória 449, de 17.03.1994, convertida na Lei 8.866, de 11.04.1994. Depositário infiel de valor pertencente à Fazenda Pública. 3. Inconstitucionalidade. Matéria pacificada no julgamento do RE 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso. 4. Ação de depósito fiscal. Pagamento apenas em dinheiro. Violação aos princípios da proporcionalidade, do devido processo legal e do contraditório e da ampla defesa 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência da ministra Cármen Lúcia, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, julgar procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade da Lei 8.866 de 11 de abril de 1994, nos termos do voto do Relator          

(AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.055 DISTRITO FEDERAL RELATOR: MIN. GILMAR MENDES. Julgado em 15/12/2016)

Em que pese exista hoje entendimento firmado no STF a respeito da não prisão do infiel depositário, há entendimentos que são contrários, a exemplo do entendimento de FELICIANO (p. 66, 2009), o qual reconhece a possibilidade de prisão do infiel depositário, economicamente capaz, claro, sem prejuízo das teses de ilegitimidade da prisão civil nos casos de equiparação legal, como na alienação fiduciária em garantia e nas cédulas hipotecária, tendo em vista que, em situações como as execuções trabalhistas, as quais versam sobre verba alimentar

O afastamento completo da possibilidade de prisão poderá ter um feito nocivo, no que diz respeito ao cumprimento das obrigações, para o referido autor, a generalidade da vedação da prisão do infiel depositário infiel é algo que poderia ser melhor tratado pelo judiciário, mais precisamente, estabelecer distinções entre as várias modalidades de encarceramento do depositário infiel.    

Ainda na esteira dos entendimentos de FELICIANO (p. 78, 2009), a possibilidade de privação de liberdade do depositário judicial infiel, que seja economicamente capaz, prevista pelo texto constitucional (artigo 5º, LXVII, CRFB), não se resume à mera “prisão civil por dívidas”, mas está relacionada à defesa da autoridade pública e da dignidade do Poder Judiciário, algo que não estaria vedado pelo Pacto de San José da Costa Rica.

Outro ponto que merece destaque está relacionado a um possível prejuízo para a efetividade das execuções trabalhistas, mais precisamente uma possível supressão da competência penal da justiça do trabalho, o que para FELICIANO (p. 78, 2009) seria em razão da eliminação da prisão civil de depositários judiciais infiéis, logo, não restaria mais qualquer hipótese possível de constrangimento à liberdade de devedores trabalhistas, os quais de forma torpe resistem ao cumprimento de obrigações, muitas relacionadas a crédito trabalhista, uma verba de caráter alimentar, o que esvazia a atuação dos magistrados no âmbito da justiça do trabalho.

Considerações finais

O presente trabalho buscou elaborar estudo a respeito do controle de convencionalidade no Brasil, mais precisamente sobre a questão da prisão do depositário infiel, apesar de existir entendimento pacificado no Judiciário nacional, em especial no STF.  No entanto, não se pode esquecer da existência de críticas, principalmente as relacionadas à efetividade da aplicação da satisfação de obrigações, já que a suprema corte entendeu que em qualquer legislação ou norma constitucional que disponha sobre a prisão do infiel depositário não poderá ser aplicada, visto que contaria norma de direito internacional, mais precisamente a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), a qual dispõe que somente haverá prisão civil no caso não pagamento de prestações alimentícias.

Antes de tudo, não se pode esquecer que o Brasil adota o princípio da supremacia da constitucional, ou seja, qualquer norma que ingresse no mundo jurídico terá que obedecer aos parâmetros previstos na Constituição, caso isso não ocorra, a norma será considerada inconstitucional, e, em muitos casos, fica a cargo do Poder Judiciário declarar a inconstitucionalidade de determinada lei.

Somado ao controle de constitucionalidade, mais recentemente passou a ser adotado pelo direito nacional o controle de convencionalidade das leis, por meio do qual, as normas domésticas devem obedecer aos regramentos de tratados internacionais que o Brasil seja signatário, e por conta disso, até mesmo normas constitucionais podem deixar de ser aplicadas por conta disso, como ocorreu no caso da prisão do infiel depositário, a qual, apesar de ser prevista pelo texto constitucional, foi afastada por estar em desconformidade com o Pacto de São da Costa Rica, o qual prevê apenas a possibilidade de prisão do devedor de prestações alimentícias, no âmbito do direito de família.

Por fim, as mudanças pelas quais passa o direito brasileiro decorrem também da maior importância relativa às normas internacionais, as quais regem as relações entre os Estados, trazendo parâmetros universais como dignidade humana e direito de ir e vir, e que precisam ser aplicadas perante o direito doméstico pelos países que escolhem aderir a esses regramentos internacionais, e, caso haja descumprimento no plano interno, caberá ao Poder Judiciário e demais poderes do Estado zelar pela sua integral aplicação.

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[1] Doutor e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor Adjunto da Escola de Direito da Universidade do Estado do Amazonas. Juiz do trabalho. E-mail: tuliomasi@hotmail.com. Orcid:  https://orcid.org/0000-0001-5004-2637. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6808991461851262

[2] Mestrando em Direito Ambiental pelo PPGDA da Universidade do Estado do Amazonas. Analista Jurídico da Defensoria Pública do Estado do Amazonas. Professor Auxiliar da Universidade do Estado do Amazonas. Bacharel em direito pela Universidade Federal do Pará. E-mail: ruan.teixeiraadv@gmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1891-3639. Lattes:  http://lattes.cnpq.br/5918316459107517