AS SOCIEDADES ANÔNIMAS NO DIREITO EMPRESARIAL BRASILEIRO: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DO CASE DA CHANEL S/A
28 de novembro de 2023LINKED COMPANIES IN BRAZILIAN BUSINESS LAW: CONSIDERATIONS FROM THE CASE OF CHANEL S/A
Artigo submetido em 26 de outubro de 2023
Artigo aprovado em 10 de outubro de 2023
Artigo publicado em 28 de novembro de 2023
Cognitio Juris Volume 13 – Número 50 – Novembro de 2023 ISSN 2236-3009 |
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RESUMO
O presente ensaio se propõe a refletir sobre as sociedades anônimas no ordenamento jurídico brasileiro, apresentando suas considerações a partir do case da empresa Chanel S/A. A escolha da empresa se deve ao fato de ser uma das marcas de luxo mais desejadas e consagradas no contexto internacional. O mercado da moda carece de atenção por parte do Direito brasileiro, vez que representa um volume de operações significativo no cenário global, com lojas instaladas no país. O contrato de sociedade é um negócio jurídico plurilateral, posto que duas ou mais pessoas reúnem-se com vontade convergente para a realização de um mesmo fim. Trata-se, portanto, de um contrato com duas ou mais partes, cujas prestações de cada uma enfeixam-se para a obtenção de objeto comum são estabelecidas obrigações recíprocas entre as partes. Sendo uma sociedade anônima, buscou-se compreender quais são os requisitos e as adequações necessárias para o funcionamento da Chanel S/A no Brasil. Para tal, o presente artigo encontra tanto na doutrina quanto na legislação pátrias os fundamentos e os conceitos pertinentes para a sua consecução. Dessa forma, além da pesquisa bibliográfica que se pretende fazer, o artigo estabelece como marcos legais, além do Código Civil de 2002, a Lei nº 6.404/76, também chamada de Lei das Sociedades Anônimas e a Instrução Normativa DREI nº 77 de 18/03/2020, que dispõe sobre os requisitos para instalação de sociedade estrangeira no país. Pretende-se, portanto, contribuir com o estudo do Direito Empresarial brasileiro, inserindo neste a temática relativa ao mercado da moda no bojo das discussões sobre as sociedades anônimas.
Palavras-chave: Chanel; Lei nº 6.404/76; Mercado da Moda; Sociedade Anônima.
ABSTRACT
This essay aims to reflect on public limited companies in the Brazilian legal system, presenting its considerations based on the case of the company Chanel S/A. The choice of the company is due to the fact that it is one of the most desired and established luxury brands in the international context. The fashion market needs attention from Brazilian law, as it represents a significant volume of operations on the global stage, with stores located in the country. The company contract is a plurilateral legal transaction, as two or more people come together with a convergent will to achieve the same purpose. It is, therefore, a contract with two or more parties, whose services are combined to obtain a common object and reciprocal obligations are established between the parties. Being a public limited company, we sought to understand the requirements and adjustments necessary for the operation of Chanel S/A in Brazil. To this end, this article finds the foundations and pertinent concepts for its achievement in both national doctrine and legislation. Thus, in addition to the bibliographical research that is intended, the article establishes as legal frameworks, in addition to the Civil Code of 2002, Law No. 6,404/76, also called the Corporation Law, and DREI Normative Instruction No. 77 of 18/ 03/2020, which provides for the requirements for establishing a foreign company in the country. The aim, therefore, is to contribute to the study of Brazilian Business Law, inserting the theme relating to the fashion market into the discussions on public limited companies.
Keywords: Chanel; Law No. 6,404/76; Fashion Market; Anonymous society.
INTRODUÇÃO
O Direito, enquanto área do saber humano, se situa entre as ciências sociais aplicadas (CNPQ, 2023), que tem a função precípua de organizar as relações entre as pessoas, os grupos, as empresas e o poder público, adequando-os às normas jurídicas do país, empenhado na resolução de conflitos e garantia de direitos (NADER, 2022). Por essa razão, deve o Direito acompanhar a evolução da sociedade e suas implicações, razão pela qual o presente artigo insere o mercado da moda no bojo das discussões sobre as sociedades anônimas no Direito Empresarial brasileiro.
O mercado da moda é um setor fundamental dentro do mercado global, que tem crescido exponencialmente, mesmo durante o período de pandemia de Covid-19. Tal fenômeno se deve, em boa medida, às mudanças nos estilos de vida, tendências de moda e aumento de renda disponível das pessoas em diversos países. As grandes marcas de luxo, como a Chanel, competem por uma fatia desse mercado, que também é influenciado por outras situações, como mudanças nas preferências dos consumidores, a evolução das tecnologias de produção, questões ambientais, tendências culturais e pressões regulatórias. Razão pela qual se evoca a inserção destas discussões na seara do Direito.
A escolha do objeto de pesquisa, a empresa Chanel S/A se deve ao fato dela ser uma marca de moda e luxo, de renome mundial, fundada em 1909 por Gabrielle “Coco” Chanel e que se mantém em mais de um século de história como uma marca famosa por sua elegância atemporal e estilo clássico na produção de vestuário, perfumes cosméticos e acessórios de alta qualidade.
Com base nisso, o presente trabalho se propõe a compreender a dinâmica das sociedades anônimas no âmbito do Direito Empresarial brasileiro tendo por base o case da Chanel S/A. O problema de pesquisa que se apresenta, portanto, é o seguinte: de que forma uma empresa estrangeira, de capital aberto, como a Chanel S/A pode se enquadrar no ordenamento jurídico brasileiro para manter lojas ou filiais no país?
Tem-se, portanto, como objetivos, compreender os conceitos e a legislação referentes às sociedades anônimas, além de verificar o desenvolvimento da marca Chanel e sua vinculação aos conceitos de elegância e sofisticação, bem como conhecer os requisitos impostos pela legislação brasileira para que empresas estrangeiras possam se instalar no país.
Para tal, o presente trabalho pretende cumprir seus objetivos através de pesquisa bibliográfica e documental, visitando autores da área do Direito Empresarial e analisando os dispositivos legais pertinentes, adotando como procedimento metodológico o método dialético. Desta forma, será possível verificar com mais rigor o objeto de estudo, ao permitir um choque das contradições envolvendo suas concepções já existentes, como asseveram Mezzaroba e Monteiro (2009). Utilizando-se como procedimento técnico pesquisa bibliográfica, essencial para a fundamentação das análises que o presente trabalho se propõe a estabelecer, bem como pesquisa documental, visto que a análise documental favorece a observação do processo de maturação ou de evolução de indivíduos, grupos, conceitos, conhecimentos, comportamentos, mentalidades, práticas, entre outros (CELLARD, 2008).
O trabalho elege os seguintes marcos teóricos: conceitos e legislação das sociedades anônimas, com especial atenção à Lei nº 6.404/76, Lei das Sociedades Anônimas, Código Civil e Instruções Normativas do Ministério da Economia com vistas à solicitação e autorização de empresas estrangeiras em território brasileiro.
A estrutura do trabalho corresponde aos objetivos elencados. São apresentados três capítulos, onde o primeiro trata dos conceitos e da legislação das sociedades anônimas; o segundo do desenvolvimento da empresa Chanel S/A e o terceiro aponta para os requisitos e adequações necessárias para as empresas estrangeiras se instalarem no Brasil. Dessa forma, pretende-se contribuir na seara do Direito Empresarial e Comercial.
1. AS SOCIEDADES ANÔNIMAS: CONCEITOS E LEGISLAÇÃO
Por definição, a empresa pode ser compreendida como uma organização de trabalho e de capital, que tem como objetivo produzir ou fazer circular bem ou serviços. Nessa esteira, a empresa pode ser desenvolvida individualmente por uma pessoa física, bem como por pessoas jurídicas ou, ainda, por sociedades, quer tenham ou não personalidade jurídica (SACRAMONE, 2023).
Venosa e Rodrigues (2023) afirmam que existem interesses e tarefas que não são realizados somente por indivíduos, de forma isolada, mas que se constituem na soma dos esforços de duas ou mais pessoas, que se associam na busca por um objetivo comum. Dessa forma, em torno desse objetivo, surge um conjunto de pessoas ou um patrimônio específico, distinto dos membros que o compõem. Segundo os autores:
Assim como o ordenamento atribui capacidade à pessoa humana, reconhece também capacidade a esses organismos criados pela vontade de duas ou mais pessoas, buscando a consecução de um fim, por meio da criação da pessoa jurídica. Essa entidade nasce da celebração de um pacto denominado contrato de sociedade. O contrato de sociedade é um negócio jurídico plurilateral, posto que duas ou mais pessoas reúnem-se com vontade convergente para a realização de um mesmo fim; um contrato com duas ou mais partes, cujas prestações de cada uma enfeixam-se para a obtenção de objeto comum. Diversamente do que ocorre nos contratos bilaterais em geral, nos quais a prestação de cada parte realiza diretamente o interesse da outra, nos contratos de sociedade o interesse de cada um somente se realiza como consequência da atividade comum para a qual estão destinadas às prestações. Trata-se de um contrato de contribuição (VENOSA E RODRIGUES, 2023. p. 119).
Como se observa, a sociedade pressupõe uma atividade comum, cujos interesses individuais se alinham para satisfazê-la. As prestações a que os autores se referem encontra amparo no art. 981 do Código Civil, quando expressa que “celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados” (BRASIL, 2002).
A despeito da legislação, via de regra, o Código Civil, em seu art. 44, II, inclui as sociedades como pessoas jurídicas. Negrão (2021) leciona que a previsão do art. 981 do Diploma Civil traz no bojo do conceito de sociedade todos os elementos necessários à sua caracterização, como se observa:
a) contrato: por instrumento público ou particular, registrado (todas as sociedades personificadas) ou não levado a registro (sociedade em comum e em conta de participação);
b) pessoas: a expressão genérica serve para abranger todas as possibilidades legais, isto porque a sociedade em nome coletivo somente pode ser constituída por pessoas naturais (CC, art. 1.039); a sociedade subsidiária integral somente pode ser constituída por pessoa jurídica (LSA, art. 251); a sociedade em comandita simples deve ser necessariamente formada por pessoas naturais na qualidade de sócios comanditados (CC, art. 1.045) e por pessoas naturais ou jurídicas como sócios comanditários;
c) contribuição com bens e/ou serviços e partilha dos resultados: a contribuição pessoal é essencial à constituição da sociedade, bem como a partilha dos resultados, sob pena de configurar-se sociedade leonina.
A definição do objeto social – atividade empresarial ou atividade intelectual, científica, literária ou artística – distinguirá as sociedades em empresárias e não empresárias (NEGRÃO, 2021. p. 14).
Depreende-se, portanto, que, ao firmar contrato de sociedade, as pessoas se comprometem à contribuição de cada parte, o que pode se dar em bens ou em serviços e a partilhar os resultados, quer seja lucro ou perdas. Nesse sentido, o próprio Código Civil cuidou de determinar em seu art. 1.008 que a cláusula que excluir o sócio de participar dos lucros e das perdas é nula (BRASIL, 2002). Assim, “cada sócio toma parte nas perdas, na proporção de sua cota e, igualmente, recebe os lucros da empresa, na mesma medida. Quando o contrato ou estatutos ferem este princípio, diz-se que a sociedade é leonina” (NEGRÃO, 2021. p. 18).
Além disso, os sócios podem ser classificados ou divididos entre os assim chamados capitalistas e os de indústria, ou operários. De acordo com Venosa e Rodrigues (2023, p. 119), “os primeiros contribuindo com capital e os segundos, com serviços, obrigações de dar e fazer respectivamente”. Assim, qualquer que seja a natureza da prestação, bens ou serviços, os aportes formam um fundo comum, no qual é transferida a propriedade dos bens dos sócios para a sociedade.
Observa-se que os modelos de sociedade existentes, diferem em consequência do exercício da atividade econômica, sendo que, uma sociedade tida como empresária apresentará uma sociedade organizada e com finalidade empresarial. Já quando a sociedade é não empresária, a sua atividade é exercida, necessariamente, pelos sócios (CUNHA, 2014).
De modo semelhante, Fraporti et al. (2018) conceituam que a sociedade empresária é formada por sócios que têm por objetivo determinada atividade econômica organizada, quer seja à circulação ou a produção de bens ou serviços. De modo geral, este tipo de sociedade está relacionado com a produção e consecução de metas comuns. Por envolver uma atividade econômica organizada, não são os sócios que produzem diretamente os bens ou serviços, mas sim a própria empresa.
Os autores indicam que a maneira como as sociedades exercem a atividade econômica é o grande fator diferenciador entre sociedades empresárias e não empresárias, muito embora existam, também, outros fatores que as diferenciam, como se observa:
Uma sociedade empresária pode se diferenciar de uma sociedade não empresária pela maneira como a atividade econômica é exercida. Na primeira, ela é exercida pela empresa; na segunda, pelos sócios. Além disso, há diferença com relação ao órgão em que deve ser feito o registro da sociedade. Outra distinção muito importante diz respeito à falência. A sociedade empresária pode entrar em processo de falência, sendo que, nesse caso, o empreendedor tem a opção de abrir mão da sua recuperação. No entanto, a sociedade simples não pode sofrer falência, ou seja, os sócios não podem abrir mão da sua recuperação (FRAPORTI, et al. 2018. p. 72).
Pelo exposto, o elemento que caracteriza se uma atividade é empresária ou não empresária é tão somente a forma de exploração da atividade de quem trabalha, ou seja, a produção. Ao passo em que a sociedade não empresária corresponde às parcerias que podem ser formadas por profissionais prestadores de serviços para que os mesmos exerçam suas próprias atividades, na sociedade empresária, por sua vez, “o valor que é entregue ao cliente é um produto ou serviço produzido pela empresa, e não diretamente pelos seus sócios” (FRAPORTI, et al. 2018. p. 71).
No que tange especificamente às sociedades anônimas, Gonçalves e Perrotta (2019, p. 131), de forma sintetizada, afirmam que este grupo corresponde a “espécies de sociedades estatutárias, também chamadas de ‘institucionais’”. De acordo com o autor, essas sociedades se constituem através de um estatuto social e seu capital se divide em fracções, também chamadas de ações. Por essa razão, cada sócio que é titular de um número qualquer de ações é chamado de acionista e seu patrimônio pessoal não se mistura com o capital da sociedade, enquanto pessoa jurídica.
Sacramone (2023) destaca que no caso das sociedades anônimas, as responsabilidades dos sócios se limitam pelas obrigações sociais correspondentes ao valor das suas contribuições em ações. Tal lição encontra amparo no próprio Código Civil quando, ao tratar das sociedades anônimas, se limita a, em dois artigos (1.088 e 1.089) afirmar que:
Art. 1.088. Na sociedade anônima ou companhia, o capital divide-se em ações, obrigando-se cada sócio ou acionista somente pelo preço de emissão das ações que subscrever ou adquirir.
Art. 1.089. A sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-lhe, nos casos omissos, as disposições deste Código (BRASIL, 2002).
Como se nota, o diploma legal não regulou a sociedade anônima, resumindo-se apenas a confirmar o conceito expresso na lei especial, a assim chamada Lei das S/A, Lei nº 6.404/76, que será tratada na sequência, se mantendo como norma supletiva à referida lei.
Campinho (2023, p. 08), ao estabelecer a distinção entre a sociedade anônima e a sociedade em comandita por ações destaca que:
A sociedade por ações constitui forma societária gênero a que integram duas espécies: a sociedade anônima ou companhia e a sociedade em comandita por ações. Têm em comum o traço de que os direitos dos sócios encontram-se consubstanciados e organizados em conjuntos padronizados denominados ações, cujos números e eventuais classes são fixados no estatuto social, sem identificação dos respectivos titulares. Como elemento essencial de distinção dos tipos societários, emerge a forma de responsabilidade dos sócios. A primeira revela-se como sociedade de responsabilidade limitada, na qual todos os sócios ou acionistas respondem limitadamente ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. A segunda classifica-se como sociedade de responsabilidade mista, apresentando dupla categoria de sócios: os simples acionistas, cuja responsabilidade se limita a integralizar o preço das ações que adquirirem ou subscreverem, e os acionistas diretores, que respondem pessoal, subsidiária, solidária e ilimitadamente pelas obrigações da sociedade.
Como se observa, a principal característica das sociedades anônimas é que o capital financeiro deste tipo de empresa é dividido por ações, as quais são detidas pelos acionistas que, nos termos do Código Civil, devem ser sempre duas ou mais pessoas e, nos termos do art. 1º da Lei nº 6.404/76: “a companhia ou sociedade anônima terá o capital dividido em ações, e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas” (BRASIL, 1976).
Almeida (2018, p. 205) leciona que:
A sociedade anônima constitui no campo das sociedades comerciais um extra ordinário esforço do jurista na democratização do capital. Dividido este em frações (as ações), fez-se mais acessível, permitindo fossem angariadas as pequenas economias, possibilitando a movimentação de grandes somas, com a participação efetiva de vasta camada da população. Ademais disso, entre possibilitar a negociação das ações, mobilizando vultosas somas no mercado de capitais, restringe a responsabilidade dos acionistas, privando-os de riscos que, normalmente, afugentam os investidores.
Do exposto pelo autor, três elementos merecem atenção e que possibilitam que as sociedades anônimas tenham a relevância mencionada. Em primeiro lugar, as sociedades anônimas, por serem propriedade de diversos sócios, têm que manter a transparência como característica ou valor fundamental. As informações precisam estar disponíveis e acessíveis, tendo em consideração que as atividades dessas empresas, em geral, interessam a uma gama de partes interessadas, chamadas stakeholders e, ao mesmo tempo, o impacto dessas empresas na sociedade é, como bem mencionado, muito grande. Além disso, outro aspecto que merece relevo é o que Almeida (2018) trata por “democratização do capital”, haja vista que qualquer pessoa pode investir nas sociedades anônimas, elas conduzem sobremaneira a sociedade para uma maior participação tanto no capital quanto nos resultados. Por fim, também merece atenção o fato de tais empresas serem responsáveis pelo desenvolvimento econômico, uma vez que têm a capacidade de agregar em si recursos de diferentes fontes para seus investimentos, podem propiciar maior progresso econômico.
1.1 A Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 – Lei das S/A
Preliminarmente, importa observar que, ao tratar da Lei das Sociedades Anônimas, Lei nº 6.404/76, não se pretende aqui analisar individualmente cada artigo do dispositivo legal em tela, mas, tão somente, evidenciar os princípios gerais nele assinalados no que concerne a este tipo de sociedade e que se fazem pertinentes para a presente pesquisa.
Ao apresentar o contexto histórico como um determinante para a edição da lei em comento, Campinho (2023, p. 08) afirma que o Governo Federal, naquele período, passou a utilizar-se do instrumento tributário, especialmente a partir de 1964, para “direcionar a poupança privada para o mercado de capitais. Foi instituído, pelo Conselho Monetário Nacional, um sistema de incentivos fiscais para fins de democratização do capital”.
Dessa forma, nos anos seguintes, de modo especial na década de 1970 o fomento ao mercado de ações foi intensificado, como se observa:
O estímulo ao crescimento do mercado acionário intensificou-se em 1970, atingindo seu apogeu no primeiro semestre do ano de 1971, com o conhecido boom das bolsas de valores, a partir do qual inúmeros investidores perderam suas economias, em decorrência da generalizada febre especulativa, marcada pela intensa elevação dos preços e das transações com ações, seguida por um longo período de queda das cotações e do volume dos negócios (CAMPINHO, 2023. p. 09).
Diante disso, marcada por um novo cenário da economia nacional, resultado dos crescentes processos de urbanização e industrialização no Brasil, aliados ao desenvolvimento tecnológico, também emergente e, por conseguinte, na necessidade de se implementar projetos de escala sempre maiores, emergiu, de modo paralelo, a necessidade de reformar a legislação das sociedades anônimas, especialmente com vistas a desenvolver o mercado primário de ações e incentivar de todo modo a poupança privada (CAMPINHO, 2023).
Assim, a edição da Lei nº 6.404, em 15 de dezembro de 1976, que passou a dispor exclusivamente sobre as sociedades por ações, criou “uma estrutura jurídica indispensável ao fortalecimento do mercado de capitais de risco no país. Mercado esse, na visão de seus arautos, imprescindível à sobrevivência e ao desenvolvimento da atividade privada” (CAMPINHO, 2023. p. 09).
A nova lei das sociedades anônimas, portanto, disciplinou de forma mais rígida as companhias, instrumentalizando os procedimentos formais para a realização de quase todos os seus atos constitutivos (VENOSA E RODRIGUES, 2023). Ao mesmo tempo, a lei também visava estimular a poupança popular, direcionando-a para o segmento empresarial. Assim, o arcabouço jurídico foi dotado de uma sistemática que permitiu “assegurar aos acionistas minoritários o respeito a regras definidas e equitativas, suficientes à segurança de seus investimentos, sem, todavia, imobilizar a iniciativa empresarial” (CAMPINHO, 2023. p. 09).
Autores como Silva et al. (2012, p. 08), por ocasião dos 35 anos da referida lei, àquele tempo, exaltam a objetividade e a clareza do dispositivo quando afirmam que:
A Lei de Sociedades Anônimas está fadada a esse mesmo reconhecimento – nada, nela, provoca a necessidade de alentadas explicações, de complexas interpretações ou demonstrações de erudição complicada, que nada mais fazem se não turvar as águas, na pretensão de torná-las mais profundas. A lei tem a leveza diáfana da verdade e a virtude da clareza. Assim foi concebida, discutida e promulgada. E assim tem sido como instrumento de regência de um dos eixos centrais do direito comercial – há já trinta e cinco anos.
De fato, a própria Lei nº 6.404/76 apresenta um conjunto de preceitos que são, em si, princípios que regem as sociedades anônimas. Da rápida análise da Lei das Sociedades Anônimas é possível inferir algumas características que diferem esse tipo de sociedade das demais.
Já no primeiro artigo do diploma legal fica expresso que a sociedade anônima terá seu capital dividido por ações (BRASIL, 1976). O que implica considerar que estas ações pertencem em diferentes quantidades aos respectivos sócios que, em seu tempo, são os responsáveis pelo provimento dos recursos necessários para estruturar e organizar a sociedade anônima, sejam eles financeiros, mobiliários ou até mesmo imobiliários (SILVA et al, 2012; ALMEIDA, 2018; MUNHOZ, 2013).
Chagas (2023, p. 156) destaca que:
A sociedade anônima é capitalista porque não possui feição personalística, de modo que a entrada de estranhos no quadro social independe da anuência dos demais sócios, uma vez que cada sócio participa do quadro societário em razão do valor que investiu na companhia.
Dessa forma, os acionistas ou sócios, têm sua responsabilidade limita à quantia e ao valor das ações que possuem. As ações adquiridas por estes determinam a extensão de sua responsabilidade e, como já mencionado, não ocorre a personalização do patrimônio, mas, sim, a separação do capital, na medida em que o patrimônio de um sócio ou acionista não se confunde com o patrimônio da sociedade anônima, de modo que, em caso de falência, por exemplo, o acionista responde apenas pelas suas ações, resguardando-se o seu patrimônio (CHAGAS, 2023; MUNHOZ, 2013; CAMPINHO, 2023).
A esse respeito, Chagas (2023, p. 156), em rápido comentário à Lei das Sociedades Anônimas assevera que:
A sociedade anônima, por expressa determinação legal (art. 3º, da Lei n. 6.404/76), sempre adotará a forma de denominação como nome empresarial. A razão da vedação ao emprego da firma social — modalidade que identifica no nome empresarial os sócios — é de que a companhia é marcada pelo anonimato dos acionistas, já que não se estrutura em razão destes, mas sim do capital por eles investido. Por isso, os sócios ocupam uma posição secundária, no anonimato. Além disso, nenhum dos sócios responde pessoalmente pelas obrigações societárias, mas apenas pelo valor das suas ações. Daí injustificável a divulgação do seu nome na designação da companhia, ainda mais porque nela o trânsito dos acionistas é a regra, mudando o quadro societário na proporção em que a titularidade de suas ações é transmitida.
Como se observa do exposto, o relevante para esse tipo de sociedade é apenas a efetiva contribuição dos acionistas para a formação do capital social. Não devem ser considerados, por exemplo, aspectos relacionados às qualidades individuais de cada acionista. Por essa razão, as ações da companhia ou da sociedade são livremente negociadas no mercado, “não podendo haver qualquer óbice à entrada de um terceiro estranho ao quadro social” (GONÇALVES E PERROTTA, 2019. p. 132).
Ainda em relação à forma de denominação, há que se considerar que a Lei nº 6.404/76 expressa em seu art. 3º que “a sociedade será designada por denominação acompanhada das expressões “companhia” ou “sociedade anônima”, expressas por extenso ou abreviadamente, mas vedada a utilização da primeira ao final” (BRASIL, 1976). Nesse sentido, o diploma legal determina que “as sociedades anônimas deverão adotar como nome empresarial uma denominação, que necessariamente designará o objeto social desenvolvido pela empresa” (GONÇALVES E PERROTTA, 2019. p. 133). Ademais, o artigo em questão determina que a denominação deve ser acompanhada da expressão “sociedade anônima” ou “companhia”, expressas por extenso ou abreviadamente (“S.A.” ou “Cia.”). O termo “sociedade anônima” pode ser usado no início, meio ou fim da denominação, como restou evidente. No entanto, a expressão “companhia” não pode ser usada no fim da denominação, para que não se confunda com o nome empresarial das demais sociedades contratuais que podem usar essa partícula no final (MUNHOZ, 2013; ALMEIDA, 2018; FRAPORTI et al. 2018; SACRAMONE, 2023).
Outro aspecto que merece atenção, também disciplinado na Lei das Sociedades Anônimas é a possibilidade de negociar livremente as ações. Nesse sentido, a Lei expressa em seus artigos 4º e 4ºA que:
Art. 4o Para os efeitos desta Lei, a companhia é aberta ou fechada conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários.
[…] Art. 4o-A. Na companhia aberta, os titulares de, no mínimo, 10% (dez por cento) das ações em circulação no mercado poderão requerer aos administradores da companhia que convoquem assembleia especial dos acionistas titulares de ações em circulação no mercado, para deliberar sobre a realização de nova avaliação pelo mesmo ou por outro critério, para efeito de determinação do valor de avaliação da companhia, referido no § 4o do art. 4o
[…] § 4o Caberá à Comissão de Valores Mobiliários disciplinar o disposto no art. 4o e neste artigo, e fixar prazos para a eficácia desta revisão (BRASIL, 1976).
A despeito do texto legal, as companhias consideradas abertas, sempre que precisarem de recursos para expansão, produção ou até mesmo para custear projetos de inovação, podem fazer a emissão de títulos, que serão negociados no mercado de capitais, como ações. A esse respeito, Chagas (2023) aponta que apenas as companhias que têm registro junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), enquanto autarquia federal especial, vinculada ao Ministério da Economia, que cumpre a função de agência reguladora, podem ter seus valores negociados no mercado. De acordo com o autor:
A exigência decorre da evidente captação de dinheiro junto a investidores do mercado, os quais aplicam suas reservas em ações e outros títulos mobiliários, cujo lastro e garantia de solvabilidade não têm como aferir. A CVM, por outro lado, ao autorizar a negociação de títulos na Bolsa, tem condição de averiguar a capacidade econômico-financeira da companhia, buscando visualizar a viabilidade futura da liquidação do título no mercado, dando maior segurança às operações e aos investidores. (CHAGAS, 2023. p. 157).
Como se observa, pelo fato de captar seus recursos sem discriminar o potencial do investidor, como já mencionado, as companhias abertas se submetem a determinadas regras específicas, disciplinadas na Lei, carecendo de autorização governamental para que seja constituída junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Ao mesmo tempo, essas companhias também são fiscalizadas por órgãos especiais durante o seu funcionamento. A esse respeito, a doutrina aponta que “o Estado colima jurisdição administrativa sobre as sociedades abertas, considerando-as instituição de interesse público relevante” (VENOSA E RODRIGUES, 2023. p. 201).
Essa tutela estatal busca proteger, sobretudo, os pequenos investidores, que aportam seus recursos da poupança com a perspectiva de obter bons resultados a partir de um baixo investimento. De modo paralelo, também tem o fulcro de viabilizar e assegurar “o correto funcionamento do mercado acionário no geral e de tutelar o público independentemente de seu potencial investidor” (VENOSA E RODRIGUES, 2023. p. 201).
Em sentido oposto, a companhia fechada, cujos valores mobiliários não se submetem à negociação no mercado, nos termos da Lei, é formada por capital oriundo dos próprios sócios, não sendo suas ações ofertadas ao público em geral. Em razão de não captar recursos junto ao mercado de capitais, “as companhias fechadas não sofrem tutela estrita; seus interesses são regulados no âmbito interno de sua organização e seu funcionamento é menos complexo em relação às abertas” (VENOSA E RODRIGUES, 2023 p. 201).
Outro aspecto que merece destaque, nesse sentido, é a finalidade das sociedades anônimas que, nos termos da Lei nº 6.404/76 pressupõe, necessariamente, atividade empresarial e lucrativa, não se incluindo atividades prestadas com caráter intelectual ou aquelas prestadas em forma de cooperativa.
A esse respeito, o dispositivo legal em comento dispõe em seu artigo 2º que toda atividade econômica é válida, conquanto não seja contrária “à lei, à ordem pública e aos bons costumes” (BRASIL, 1976). Ademais, o parágrafo 2º deste mesmo artigo determina que o estatuto da companhia deverá definir com exatidão, de modo preciso e completo, qual será o objeto da sociedade anônima.
Mamede (2022, p. 304) leciona que:
A sociedade por ações demanda um patrimônio econômico que viabilize a realização de seu objeto social: bens materiais (coisas imóveis e móveis) e imateriais (direitos pessoais patrimoniais com expressividade econômica). Esse patrimônio forma-se a partir do investimento dos sócios, constituindo o capital social que, de resto, deverá constar do estatuto social e, ademais, orientar a escrituração contábil da companhia.
Assim, o patrimônio de uma sociedade anônima poderá ter três tipos diferentes de ações: ordinárias, preferenciais e de fruição, observada a natureza dos direitos ou vantagens que as ações conferem aos seus titulares, nos termos do Art. 14 da Lei das sociedades anônimas (MAMEDE, 2022).
Por fim, o artigo 109 da Lei nº 6.404/76 prevê que nem o estatuto social e nem a assembleia-geral poderão privar os acionistas de alguns direitos previstos aos acionistas quando estes adquirem ações de uma sociedade anônima. Dentre os direitos, de forma explícita, o texto reconhece alguns, como:
- Exercer a fiscalização na gestão da sociedade anônima;
- Participar nos lucros e resultados da empresa;
- Participar na divisão de bens, caso a companhia seja liquidada e/ou vendida;
- Ter preferência na compra de outras ações ou valores mobiliários da sociedade, tais como as debêntures;
- Votar nas assembleias-gerais, a depender do tipo de ação da qual seja titular;
- Negociar suas ações;
- Retirar-se da sociedade
A despeito dos direitos e das obrigações dos sócios a doutrina leciona que:
Os direitos e obrigações dos sócios principiam com a assinatura do contrato (artigo 1.001 do Código Civil); com a assinatura, friso, e não apenas com o registro. Com o registro principia a personalidade jurídica da sociedade, mas as partes já estão obrigadas entre si quando firmam o instrumento de contrato. Cuida-se, porém, de uma regra geral. É lícito às partes ajustarem outra data para que passe a ser efetivo o negócio plurilateral – o contrato de sociedade e suas cláusulas –, embora não me pareça que esse termo de eficácia possa ser posterior ao registro (MAMEDE, 2022. p. 91).
Almeida (2018) leciona acerca de três espécies de direitos: essenciais, especiais e gerais. Nas definições do autor, os direitos essenciais incluem: 1) participação nos lucros sociais; 2) participação do acervo da companhia, na hipótese de sua liquidação; 3) fiscalização da gestão dos negócios sociais; 4) preferência para subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição; 5) retirada da sociedade nos casos previstos em lei.
Os direitos especiais, por sua vez, são reservados exclusivamente aos acionistas que são titulares de determinadas espécies de ações, como, por exemplo, as ações preferenciais – aquelas que asseguram a seus titulares prioridade na distribuição, por exemplo, de dividendos, no reembolso do capital, com prêmio ou sem ele, ou na acumulação das vantagens anteriormente enumeradas. De acordo com o autor, “o direito de voto, que não se insere entre os direitos essenciais, também pode ser conceituado como direito especial, por isso que atributo, em princípio, do titular de ação ordinária” (ALMEIDA, 2018. p. 295).
Os assim chamados direitos gerais, também denominados coletivos ou sociais, são, na definição do autor, aqueles direitos que estão diretamente relacionados com a própria “existência da sociedade, direitos esses que o acionista exerce como membro da sociedade, ou em decorrência da lei ou dos estatutos, em comum com os outros acionistas, no interesse social” (ALMEIDA, 2018. p. 295).
Em relação ao término das obrigações sociais, a doutrina pátria leciona o que se segue:
As obrigações sociais terminam quando, liquidada a sociedade, se extinguirem as responsabilidades sociais (artigo 1.001). Friso que a extinção não ocorre apenas com a liquidação da sociedade, ainda que tenha havido baixa no registro. Terminam quando extinguem-se as responsabilidades sociais, ou seja, as responsabilidades dos sócios em relação à sociedade, certo haver relações jurídicas (obrigações subsidiárias à sociedade) que perduram à extinção da pessoa jurídica, em conformidade com o tipo societário, com a legislação de regência (nomeadamente as fiscais, trabalhistas e consumeristas) e com as circunstâncias de cada caso. Como se não bastasse, há um amplo leque de obrigações pós-executórias, a exemplo do dever de sigilo ou segredo (MAMEDE, 2022. p. 91).
Ou seja, enquanto houver obrigações subsidiárias à sociedade, mantêm-se as obrigações sociais. Mesmo com a extinção da pessoa jurídica – da sociedade – decorrem ainda obrigações posteriores, pós-executórias, que também ensejam a responsabilidade dos sócios, em alguma medida.
Pelo exposto, a Lei nº 6.404/76, ao disciplinar as sociedades anônimas e, de modo paralelo as sociedades em comandita por ações e os institutos de dissolução, liquidação e extinção da companhia; transformação, incorporação, fusão e cisão; sociedades coligadas, controladoras e controladas; grupos de sociedades; consórcios, inseriu uma gama de inovações no ordenamento jurídico brasileiro e, de modo especial, no Direito Comercial. Apesar do caráter inovador inaugurado pelo dispositivo legal em comento, as novas realidades econômicas contemporâneas ensejam sua permanente adaptação, atualização e eventuais ajustes, refletindo a evolução das práticas societárias, nas assim chamadas minirreformas (SILVA, et al. 2012).
2 O MERCADO DA MODA: O CASE DA CHANEL S/A
Estabelecidas estas definições acerca das sociedades anônimas e sua compreensão a partir da lei específica, importa para a presente pesquisa lançar um olhar sobre uma sociedade anônima (S/A) específica, a empresa Chanel S/A, em uma área pouco explorada pelo Direito brasileiro: o mercado da moda e, por essa razão, algumas considerações iniciais neste item se fazem pertinentes.
Cavalieri Filho (2019) traz importante lição ao afirmar que o Direito é uma ciência que se fundamenta no social e, por essa razão, se destina à sociedade. Com fulcro nas palavras do autor, é preciso romper com as barreiras tradicionais de se fomentar pesquisas acadêmicas apenas no Direito Civil e no Direito Penal, por exemplo, e possibilitar, de fato, que o Direito enquanto área das ciências sociais aplicadas seja capaz de evoluir e acompanhar as transformações presentes na sociedade contemporânea. Ou, como afirma Nader (2022, p. 01):
Em sua constante mutação, a fim de acompanhar a marcha da história e conectar-se aos avanços da ciência, o Direito pátrio, entretanto, por vários de seus institutos, requer adequação à modernidade, desafiando, além da classe política e, em primeiro plano, a comunidade de juristas, a quem compete oferecer ao legislador os modelos alternativos de leis. É este, em linhas gerais, o quadro que se apresenta aos iniciantes no aprendizado da Ciência Jurídica.
Emerge, portanto, a urgência em “identificar o Direito, no universo das criações humanas, situando-o como ordem social” (NADER, 2022) e analisar o mercado da moda a partir do Direito, vez que a indústria da moda representa um segmento tradicional e expressivo para a economia mundial, consolidado como o segmento com o maior faturamento global no e-commerce B2C – direto ao consumidor. As vendas do setor atingem a marca de 525 bilhões de dólares (US$) por ano, com um crescimento médio de 11,4% ao ano. A expectativa de faturamento para 2025 chega a US$ 1 trilhão (NASCIMENTO, 2021).
Por definição, a “moda é o estilo ou estilos mais populares em um determinado momento ou época” (FRINGS, 2012. p. 60). Em sentido semelhante, Svendsen (2010) destaca que o cotidiano, atualmente, se tornou cada vez mais comercializado. Há um número cada vez mais crescente de mercadorias em circulação e cada vez mais as pessoas estão tentando satisfazer as suas necessidades e desejos através de mercadorias e serviços. Razão pela qual se impõe ao Direito acompanhar essa dimensão humana, enquanto ciência que se fundamenta no social, como já mencionado (CAVALIERI FILHO, 2019).
2.1 Chanel S/A: histórico da marca
Rothman (2014, p. 14) afirma que “no mundo dos negócios, as roupas são a armadura que ajudam a passar uma mensagem de força”. A história da marca Chanel S/A se confunde com a história da sua própria fundadora, Coco Chanel, posto que todas as inovações inseridas pela estilista surgiram de vivências que a própria Coco teve em seus romances, suas experiências e seus próprios interesses pessoais. Como uma armadura que passa a mensagem de força, suas peças autorais até hoje são objeto de desejo e a cada temporada seguem ganhando reedições de marcas contemporâneas (BOTT, 2007).
Para além dos limites da moda, Coco Chanel representou muito mais do que uma estilista por criar um estilo único, acreditando que a simplicidade das formas e a liberdade dos movimentos no vestuário, por exemplo, seriam a expressão máxima da mulher do século XX (BOTT, 2007).
Gabrielle Bonheur Chanel nasceu em Paris, em 1833. Filha de pais humildes, sua mãe era doméstica e o pai, feirante, nasceu em um lar com muitos irmãos. Ainda pequena, por ocasião da morte da sua mãe, vítima da tuberculose, seu pai a matriculou em um colégio interno, juntamente com sua irmã. Em 1903, com 20 anos de idade, saiu do colégio interno e começou a procurar emprego. Os primeiros empreendimentos, ainda que sem sucesso, foram na dança e no teatro. Em 1910, Gabrielle conhece o milionário Arthur Capel, com quem se casou. Ele foi o responsável pela concretização do sonho de Chanel: abrir sua própria loja de chapéus. Dessa forma, seus chapéus fizeram grande sucesso em Paris e logo passou a frequentar a alta sociedade. No entanto, meses depois do casamento, seu marido, Capel, sofre um acidente de carro e vem a falecer. Chanel, então, abre uma casa de costura. Considerada uma das estilistas mais famosas do mundo, ela contribuiu significativamente para a definição da silhueta feminina, característica marcante dos anos 20, capturando a essência da emancipação feminina. (LOBO et al. 2014; BOTT, 2007).
A grande preocupação de Coco Chanel em suas peças era a elegância e para conseguir isso, trabalhava com cores básicas, como preto, branco e creme. Foi ela quem desenhou o primeiro vestido totalmente preto, hoje conhecido como “pretinho básico”, bem como o corte de cabelo reto e rente ao queixo, que até hoje leva seu sobrenome, conhecido como “o tradicional corte Chanel”. Em 5 de maio de 1921 a estilista lança sua marca de perfume mais famosa, o Chanel número 5, que leva esse número junto ao nome por três motivos: ser considerado o número da sorte de Gabrielle, ter sido o quinto aroma produzido que a agradou e ter sido lançado no dia 5. Este produto se tornou mundialmente conhecido a partir da declaração de Marilyn Monroe, que afirmava dormir coberta somente com duas gotas do perfume (LOBO et al. 2014; BOTT, 2007).
“Coco Chanel faleceu no Hotel Ritz (Paris) em 1971, onde viveu por muitos anos. Hoje, a marca leva a assinatura de Karl Lagerfeld, que a assumiu em 1983” (LOBO et al. 2014. p. 56).
Frings (2012, p. 17) afirma que:
Gabrielle Chanel, também conhecida como Coco, estava na vanguarda da moda francesa após a I Guerra Mundial. Chanel popularizou o estilo “Garçon”, ou menino, com suéteres e vestidos de jérsei, e foi a primeira designer a fazer calças de alta moda para as mulheres.
Há que se destacar que na França, o termo “alta costura” é patenteado e só pode ser utilizado por empresas que obedeçam aos critérios estabelecidos pela Chambre de commerce et d’industrie de Paris (Câmara do Comércio e da Indústria de Paris). Todas as regras que definem e reconhecem as casas de moda como sendo “alta-costura” foram oficializadas em 1945 e vem sendo atualizadas desde então (FISCHER, 2010). A autora acrescenta que:
Para se tornar um membro da Chambre Syndicale de la Haute Couture (Câmara Sindical da Alta-costura) e para ser autorizado a utilizar o termo “alta-costura” em sua marca, propaganda ou qualquer outro meio de comunicação, a casa de moda interessada deve seguir três normas básicas: possuir um ateliê̂ em Paris que empregue no mínimo 15 pessoas em tempo integral; apresentar uma coleção de pelo menos 35 peças (incluindo roupas para o dia e para a noite) à imprensa de Paris; e oferecer um serviço individualizado para os clientes, com roupas feitas sob medida (FISCHER, 2010. p. 111).
Como se observa, a marca Chanel se consolidou como referência mundial em luxo e suas peças, seja no vestuário, perfumes ou acessórios, exercem forte influência na sociedade, de modo especial, a sociedade de consumo.
Parisotto (2011, p. 70) afirma que:
A Chanel é conhecida pela maioria por ser uma marca de luxo que remete a elegância e à sofisticação, portanto se torna favorável ao consumo […] por ser forte e única. A compra da bolsa Chanel pode ter diferentes motivos: dependendo de cada consumidor, suas características simbólicas são as responsáveis pelo seu consumo, mesmo não sendo a mais visível justificativa. Assim, paga-se não somente pelo produto em si, mas pelo que ele representa, por sua carga simbólica perante a sociedade,
Em sentido semelhante, Barthes (2005) complementa esse raciocínio ao observar que os produtos de luxo assumem papeis de objetos mediadores de uma identidade perante a sociedade. O produto em si não tem um significado próprio, para que tenha alguma relevância e seja considerado um símbolo de destaque ou distinção perante outros semelhantes é preciso que sejam atribuídas a ele não somente características físicas, mas, sobretudo, que se agregue uma imagem de marca forte.
Como mencionado anteriormente, a marca Chanel se confunde com a própria personagem Coco Chanel. No entanto, consolidada enquanto marca, a Chanel S/A é uma sociedade anônima francesa. Coincidentemente, as iniciais S/A (Sociétè Anonyme no francês) coincidem com as iniciais brasileiras. Diante disso, a empresa tem um conselho de administração e acionistas que detém ações da empresa. Entretanto, o comprometimento dos acionistas é limitado ao porte de suas participações.
Entre os meses de junho de 2020 e dezembro de 2021, mesmo no período de pandemia da Covid-19, os preços da bolsa Chanel Classic Flap Jumbo subiram 52%, segundo dados do The RealReal, um dos maiores e-commerces de segunda mão de luxo do mundo (FORBES, 2022).
A valorização fez esse artigo icônico, lançado há mais de 50 anos, se transformar em uma opção de investimento, ao lado de outras marcas e artigos que também mantiveram o seu apelo cultural ao longo dos anos. Negociada na plataforma RealReal por US$ 4,6 mil (R$ 23,4 mil) em junho de 2021, a bolsa passou a valer US$ 7 mil (R$ 35 mil) em dezembro. A valorização no mercado secundário, inclusive, superou o avanço visto no mercado primário, de 41%. Lá, os valores estimados de venda passaram de US$ 6,7 mil (R$ 34 mil) para US$ 9,5 mil (R$ 48 mil) (FORBES, 2022).
Peças consideradas clássicas, como a bolsa Chanel Flap, por exemplo, podem ser consideradas como um investimento de alta liquidez, uma vez que se torna mais fácil vendê-la ou negociá-la. As bolsas Chanel são produzidas com uma variedade de couros de alta qualidade, incluindo a pele de cordeiro lisa e o couro caviar, como se observa:
Leva-se de 4 a 5 anos para cada artesão aprender a dominar perfeitamente as técnicas necessárias para a fabricação. A bolsa icônica Chanel demanda mais de 180 operações de fabricação, como muitos gestos por minuto. Selecionar a pele requer um controle muito rígido, cada peça deve estar perfeita. Em seguida, o corte de cada pedaço do corpo da bolsa é feito de acordo com um modelo, seguindo os padrões. Os pontos de corte devem seguir os moldes de uma pele exótica ou os padrões de um tweed. As partes do corpo da bolsa são então “preparadas para baixo”, acolchoadas usando uma agulha e, então, montadas. Primeiro, de forma plana e de dentro para fora, como uma peça de Ready-to-Wear, a bolsa vai sendo formada pouco a pouco. O corpo e a base são unidos com a técnica de “bolsa em bolsa”: uma primeira bolsa é montada para constituir o interior e, em seguida, uma segunda é feita para o exterior, cada uma feita à mão. O artesão, então, pode virar as bolsas de dentro para fora. Os retoques finais exigem vários manuseios delicados antes de passar pelo controle final e o ritual de embrulho (CHANEL NEWS, 2015).
A arte manual aplicada na criação e fabricação dos produtos Chanel é o grande diferencial da empresa: cada peça é única e exclusiva. A despeito da bolsa icônica, enquanto peça clássica remonta a história da própria Gabrielle Chanel, ou, Coco. Inspirada por seu espírito inovador, libertador e moderno, Gabrille criou uma bolsa que seria utilizada por ela mesma para libertar as suas mãos:
Ainda hoje, o design clássico ainda segue as primeiras repartições definidas por Gabrielle: uma corrente entrelaçada com uma fita de couro que permite ser carregada no ombro, matêlasse inspirado no universo equestre que Gabrielle Chanel tanto amava, couro vermelho-escuro que relembra a cor do uniforme que Gabrielle tinha que usar no orfanato Aubazine e o fecho regular chamado “Mademoiselle”. Toda coleção, Karl Lagerfeld transforma a bolsa icônica: materiais diferentes, fechos transformados em bijoux e acolchoado chevron enriquecem a família de bolsas Chanel. A bolsa icônica é parte de uma herança que é transmitida de mãe para filha. Como Chanel costumava dizer: “Moda se torna fora de moda, estilo, nunca” (CHANEL NEWS, 2015)
Como se observa, a individualidade e exclusividade das peças, como referido inicialmente, partem das vivências pessoais da própria estilista. No caso dessa bolsa específica, a cor que remete ao uniforme do orfanato, ou colégio interno, em que ficou após a morte da mãe, como também mencionado anteriormente.
São essas características que agregam valor à marca Chanel S/A e a fazem figurar entre as 10 empresas mais valiosas do mundo, na quarta posição, segundo dados da Brand Finance (SUNO, 2022), como ilustra a Figura 01.
Figura 01 _ Marcas de luxo mais valiosas do mundo da Brand Finance
01. Porsche – US$ 33,7 bilhões 02. Louis Vuitton – US$ 23,4 bilhões 03. Gucci – US$ 18,0 bilhões 04. Chanel – US$ 15,2 bilhões 05. Hermès – US$ 13,5 bilhões 06. Cartier – US$ 12,4 bilhões 07. Dior – US$ 9,0 bilhões 08. Rolex – US$ 8,4 bilhões 09. Ferrari – US$ 8,0 bilhões 10. Estée Lauder – US$ 7,9 bilhões |
Como se observa, o mercado da moda domina a lista das 10 marcas de luxo mais valiosas do mundo. A Chanel S/A, por exemplo, figura à frente da Ferrari, com quase o dobro do seu valor, o que demonstra que os princípios de inovação e excelência, inseridos por Coco Chanel perduram após um século de história.
3 ADEQUAÇÃO À LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Sendo a Chanel S/A uma sociedade anônima com sede em Paris, na França, alguns requisitos e adequações se fazem necessários para que a empresa possa se instalar no Brasil.
Nesse sentido, Mamede (2022) esclarece que os procedimentos, assim como os requisitos para autorização de sociedades nacionais e estrangeiras são distintos, como se observa:
Essa distinção é constitucional, não ofendendo a Emenda 6/1995, já que não se apega à origem do capital social. É nacional a sociedade organizada respeitando a legislação brasileira, sendo registrada no Brasil e mantendo aqui a sede de sua administração (artigo 1.126 do Código Civil). Em casos excepcionais, regra-se a origem geográfica do capital (nacional ou estrangeiro) ou a nacionalidade de seus sócios (MAMEDE, 2022. p. 51).
Negrão (2021, p. 15) complementa essa definição afirmando que as sociedades são classificadas em nacionais ou estrangeiras, distinguindo-se tão somente pelos critérios de organização e sede. Segundo o autor, as sociedades nacionais “são organizadas de conformidade com a lei brasileira e têm no Brasil a sede de sua administração. A contrário sensu, todas as que não atendem a esses requisitos são estrangeiras”.
O Código Civil, em seu art. 1.134 leciona que:
Art. 1.134. A sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira (BRASIL, 2002).
Diante disso, em julho de 2020 o Ministério da Economia publicou um manual que estabelece as normas e os procedimentos que devem ser observados nos pedidos de autorização para nacionalização ou instalação de filial, agência, sucursal ou estabelecimento no País por sociedade empresária estrangeira. De acordo com o referido manual, “o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) deverá instruir e examinar os processos de autorização para nacionalização ou instalação de filial, agência, sucursal ou estabelecimento no País por sociedade estrangeira” (BRASIL, 2020a).
Em sua apresentação, o manual do Ministério da Economia destaca que:
Além de orientar as sociedades estrangeiras visando à prática uniforme dos pedidos de autorização, no âmbito do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI), a observância do disposto neste Manual facilitará a compreensão dos requisitos exigidos pelo Código Civil e pela Instrução Normativa DREI nº 77, de 18 de março de 2020, reduzindo assim o prazo do processo de autorização pelo Poder Executivo, evitando exigências e diminuindo custos decorrentes de retrabalho (BRASIL, 2020a).
Como se depreende, o documento pretende, além de facilitar a compreensão dos requisitos para autorizações de sociedades estrangeiras, também garantir celeridade e desburocratizar o processo. De forma sintetizada, o documento é bem explicativo e ilustrativo, esclarecendo o disposto tanto pelo Código Civil quanto pela Instrução Normativa DREI nº 77, também de 2020.
Esta Instrução, por seu turno, é bem mais minuciosa e detalha todos os procedimentos para que a sociedade estrangeira possa ingressar no Brasil. Em seu art. 1º, já deixa expresso que “a sociedade empresária estrangeira que desejar estabelecer filial, sucursal, agência ou estabelecimento no Brasil deverá solicitar autorização de funcionamento ao Governo Federal” (BRASIL, 2020b).
No parágrafo 1º deste art. 1º, a Instrução deixa claro que os processos sobre pedidos de autorização de qualquer sociedade estrangeira serão examinados e decididos pelo DREI após apresentação da documentação exigida no parágrafo 2º deste mesmo artigo. Ao passo que o parágrafo 3º determina que a solicitação deve ser apresentada descrevendo quais exatamente serão “as atividades que a sociedade pretenda exercer e o destaque do capital, em moeda brasileira, destinado às operações no País” (BRASIL, 2020b). O parágrafo 4º restringe a realização de ações que são vedadas às sociedades estrangeiras, permitindo somente o exercício daquelas que dependam da aprovação do governo federal, nas condições autorizadas. O último parágrafo deste artigo trata do nome empresarial que, deve ser o nome de origem, podendo ser acrescido das expressões “do Brasil” ou “para o Brasil” e a sociedade ficará sujeita às leis e aos tribunais brasileiros quanto aos atos ou operações que praticar no território brasileiro (BRASIL 2020b).
O art. 2º exige a permanência de um representante da sociedade no país, ao passo que o art. 3º determina o arquivamento por parte da sociedade de uma série de documentos na Junta Comercial da unidade federativa em que será instalada e o 4º artigo exige que as publicações obrigatórias no país de origem sejam reproduzidas no Diário Oficial da União, dos Estados ou do Distrito Federal, sob pena de cassação da autorização (BRASIL, 2020b).
O artigo 5º expressa que as alterações no contrato ou estatuto da sociedade dependem de aprovação do governo brasileiro para que produza efeitos, enquanto o art. 6º vislumbra a possibilidade de nacionalização da sociedade, instalando sua sede no país, mediante uma série de documentos a serem apresentados para apreciação, vez que esse procedimento também depende de autorização (BRASIL, 2020b).
De modo semelhante ao disposto no art. 4º, em relação ao arquivamento da autorização na Junta Comercial respectiva, o art. 7º traz a mesma determinação para o procedimento de nacionalização (BRASIL, 2020b).
O artigo 8º trata da originalidade dos documentos a que a Instrução se refere, bem como das traduções. O art. 9º garante um prazo de 60 dias para corrigir eventual ausência de formalidade requerida. Ao passo que o art. 10º revoga as Instruções Normativas do DREI anteriores a esta e o último art., 11º, determina a vigência a partir do mês de abril de 2020 (BRASIL, 2020b)
Pelo exposto, resta evidente que as sociedades estrangeiras que pretendem se instalar no Brasil dependem de autorização e se sujeitam às regras apresentadas. Tal pressuposto, certamente, visa tutelar os interesses brasileiros e, por consequência, resguardar direitos de brasileiros e de residentes que se relacionem com companhias estrangeiras.
Portanto, pode-se concluir que o registro da marca Chanel no Brasil foi realizado de forma regular e conforme a legislação vigente à época. A marca é um elemento essencial para a identificação e a diferenciação dos produtos e serviços oferecidos por uma empresa, bem como para a proteção dos direitos de propriedade intelectual. A marca Chanel é reconhecida mundialmente pela qualidade, elegância e sofisticação de seus produtos, sendo um símbolo de prestígio e exclusividade. Assim, o registro da marca no Brasil confere à empresa o direito de uso exclusivo da mesma em todo o território nacional, bem como a possibilidade de impedir o uso indevido por terceiros que possam causar confusão, engano ou diluição da marca.
Evidente, que caso o registro fosse realizado atualmente, o procedimento a ser seguido deveria ser o estabelecido na Instrução Normativa DREI nº 77, de 18 de março de 2020, todavia, mesmo que à época essa não estava em vigo, ainda assim, foi devidamente observando ao artigo 1.134 do Código Civil, já transcrito.
A normativa DREI nº 77, de 18 de março de 2020, alterou as regras de publicidade dos atos societários das sociedades anônimas, permitindo que elas utilizem meios eletrônicos para divulgar suas informações. Essa medida visa facilitar o acesso dos interessados e reduzir os custos das empresas. A Chanel S/A é uma sociedade anônima que se enquadra nessa normativa, pois atua no ramo de moda e cosméticos. Além de publicar seus atos societários em sites de jornais de grande circulação ou em portais de informação na internet, a Chanel S/A também deve cumprir o que determina o artigo 1.134 do Código Civil, que estabelece que as sociedades anônimas devem ter sede no lugar onde funcionarem as respectivas administrações. Assim, a Chanel S/A deve observar essas disposições legais para regularizar sua situação perante os órgãos competentes e o público em geral.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sociedade anônima é um instituto importante dentro do Direito Empresarial brasileiro, capaz de atrair capitais e congregar técnicas e pessoas na consecução de um objetivo comum. O desenvolvimento econômico exponenciado no Brasil se deve, em boa medida aos significativos empreendimentos que caracterizam o atual estágio de consolidação das sociedades anônimas atualmente.
Restou evidente que a Lei nº 6.404/76 representa a regulação, a organização e o funcionamento das sociedades anônimas no Brasil, de modo a garantir a transparência, a segurança e a governança corporativa nessas empresas. Sua importância reside no fato de estabelecer normas claras e rigorosas para a gestão das sociedades, protegendo os investidores, promovendo a igualdade de tratamento entre os acionistas e permitindo que o mercado funcione de forma mais eficiente. São fatores essenciais para criar um ambiente favorável para a captação de recursos e para o desenvolvimento de novos empreendimentos, o que é fundamental para o crescimento econômico do país.
A Chanel S/A, enquanto sociedade anônima francesa, segue os padrões das sociedades brasileiras, tendo capital aberto, bem como um conselho de administração e acionistas, cujas responsabilidades se limitam ao valor de suas participações nas ações da empresa. Para manter suas filiais no Brasil, a empresa segue as leis e os regulamentos dispostos, especialmente os requisitos elencados na Instrução DREI nº 77/20.
Por fim, ressalta-se que, ao Direito, cumpre estar atento às constantes transformações evidenciadas na sociedade. Por essa razão o presente trabalho inseriu a Chanel S/A, uma empresa do mercado da moda de luxo conhecida mundialmente pelos conceitos de elegância e sofisticação, no cerne da discussão sobre as sociedades anônimas brasileiras. Há que se fomentar e se consolidar a cultura empresarial estabelecendo princípios éticos e de responsabilidade social, que devem ser respeitados pelas empresas, com vistas a fortalecer a confiança dos investidores, dos consumidores e da sociedade em geral nas empresas que operam no mercado de capitais.
REFERÊNCIAS
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[1] Graduanda em Direito pela Faculdade Serra do Carmo – FASEC. E-mail: almeidavit16@gmail.com.
[2] Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Especialista em Direito das Obbrigações pela UNESP. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Rio Preto. Professor da Faculdade Serra do Carmo – FASEC. E-mail: leonavaqui@gmail.com.