ABUSO SEXUAL EM ÂMBITO INTRAFAMILIAR
30 de dezembro de 2024SEXUAL ABUSE WITHIN THE FAMILY
Artigo submetido em 11 de dezembro de 2024
Artigo aprovado em 23 de dezembro de 2024
Artigo publicado em 30 de dezembro de 2024
Cognitio Juris Volume 14 – Número 57 – Dezembro de 2024 ISSN 2236-3009 |
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RESUMO: O seguinte trabalho aborda o tema abuso sexual em ambiente intrafamiliar, analisando-o sob a perspectiva da Constituição, da Convenção sobre os Direitos da Criança, o Código Penal e do Estatuto da Criança e do Adolescente. O objetivo principal é compreender as causas, efeitos e peculiaridades desse crime, identificando suas consequências para as vítimas e para a sociedade, além de propor medidas de prevenção e enfrentamento. A pesquisa utiliza uma abordagem qualitativa, baseada em pesquisa bibliográfica e análise de legislação, doutrina e outros artigos de pesquisa. Os resultados destacam que o abuso sexual intrafamiliar é frequentemente marcado por relações de poder, afetividade e dependência, o que dificulta sua denúncia e combate. O estudo evidencia a necessidade de promover educação preventiva e incentivar a atuação integrada da família, sociedade e Estado para criar ambientes seguros para crianças e adolescentes. Além de apontar o fato de que apesar dos avanços legislativos, a persistência desse crime exige estratégias mais eficazes para romper o silêncio e proteger os direitos dos jovens e infantes.
Palavras-chave: Abuso; Violência sexual; Criança e adolescente; Ambiente intrafamiliar.
ABSTRACT:
The following work addresses the topic of sexual abuse in an intra-family environment, analyzing it from the perspective of the Constituion, the Convention on the Rights of the Child, the Penal Code and the Statute of Children and Adolescents. The main objective is to understand the causes, effects and peculiarities of this crime, identifying its consequences for victims and society, in addition to proposing prevention and coping measures. The research uses a qualitative approach, based on a bibliographical review and analysis of legislation, doctrine and other research articles. The results highlight that intrafamily sexual abuse is often marked by relationships of power, affection and dependence, which makes it difficult to report and combat. The study highlights the need to promote preventive education and encourage integrated action by family, society and the State to create safe environments for children and adolescents. In addition to pointing out the fact that despite legislative advances, the persistence of this crime requires more effective strategies to break the silence and protect the rights of young people and children.
KEYWORDS : Abuse. Sexual violence. Children and adolescents. Intra-family enviroment.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo analisar o abuso sexual intrafamiliar sob a ótica do Código Penal e do Estatuto da Criança e do Adolescente, destacando as peculiaridades que envolvem esses casos, bem como as consequências para as vítimas e para a sociedade.
A abordagem busca compreender as causas e efeitos desse fenômeno, bem como propor medidas de prevenção e enfrentamento, enfatizando a importância do papel da família, da sociedade e do Estado na construção de um ambiente seguro para as futuras gerações.
O abuso sexual no âmbito intrafamiliar constitui uma das formas mais graves de violação dos direitos humanos, representando um desafio complexo para a sociedade e o sistema jurídico visto que é um problema que na maioria dos casos se inicia no próprio domicílio da vítima e apesar dos avanços legislativos e das campanhas de conscientização, essa prática criminosa permanece como uma realidade silenciosa, marcada por relações de poder e afetividade que dificultam a denúncia e a responsabilização dos agressores.
2 DOS DIREITOS DA CRIANÇA:
Em meados da década de 1980, período transitório entre regimes políticos brasileiros em prol do estabelecimento do regime democrático, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 também disciplinou um conjunto de direitos para proteção da criança e do adolescente (PIRES, 2022).
O seu artigo 227 consubstanciou o dever da família, da sociedade e do Estado em assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem um conjunto de direitos fundamentais nos termos seguintes:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).
Em âmbito internacional, houve preocupação semelhante em tutelar direitos para proteção das crianças, para tanto, em 1989, foi elaborada pela ONU a Convenção sobre os Direitos da Criança. O referido tratado foi promulgado pelo Brasil por meio do Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990 (BRASIL, 1990; DE FIGUEIREDO, 2023).
A respectiva convenção asseverou que a proteção dos direitos inerentes à condição infanto juvenil deve ser tutelada sem diferenças de qualquer natureza, notadamente oriundas de sexo, cor, idioma, crença, raça, política, origem nacional ou social, econômica ou outra condição qualquer (BRASIL, 1990; DE FIGUEIREDO, 2023)
Portanto, no plano internacional, reconheceu-se que a criança é um ser humano que precisa proteção distinta materializada por um conjunto de direitos específicos a possibilitar o adequado desenvolvimento de sua personalidade de modo pleno e harmonioso (BRASIL, 1990; DE FIGUEIREDO, 2023).
Como forma de concretizar no plano interno legislativo brasileiro as determinações constitucionais, foi promulgada a Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990, denominada de Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), cujo conteúdo veio a dispor de uma gama de direitos para proteção integral das crianças e dos adolescentes (BRASIL, 1990; DE FIGUEIREDO, 2023).
Assim como determinado na Constituição Federal da República, o artigo 4º do ECA pontuou ser dever da família, da comunidade, da sociedade e do poder público garantir às crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, os direitos à vida, à alimentação, ao esporte, ao lazer, à educação, à saúde, à cultura, ao respeito, à convivência familiar e comunitária, à liberdade à profissionalização e à dignidade (BRASIL, 1990).
Bem como ressaltou que nenhuma criança ou adolescente deverá ser objeto de qualquer forma de exploração, violência, crueldade, opressão, discriminação ou negligência, devendo haver a devida punição, nos termos legais, para qualquer atentado, seja por ação ou omissão, aos seus respectivos direitos fundamentais (BRASIL, 1990, FAGUNDES, 2020).
Tal arcabouço legislativo propicia uma gama de meios de proteção aos direitos fundamentais das crianças e adolescentes, além de possibilitar adequado desenvolvimento em conformidade com a sua maturidade e também considerando sua opinião para com a participação na sociedade (DE FIGUEIREDO, 2023).
3 DISTORÇÃO DO AMBIENTE PROTETOR FAMILIAR
Ao analisar os artigos 226 e 227 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, observa-se que a família foi considerada como o alicerce da sociedade, motivo pelo qual, junto com a sociedade e o Estado, fora-lhe atribuído o dever de garantir direitos fundamentais às crianças e aos adolescentes, com absoluta prioridade, para protegê-los de quaisquer formas de opressão, discriminação, crueldade, exploração, violência ou negligência (NEVES, 2023).
Consequentemente, ao observar as relações intrafamiliares, espera-se que elas sejam repletas de afetividade, porquanto essas relações seriam oriundas de vínculos consangüíneos, fato que, em tese, deveria evidenciar interações sadias entre seus membros, haja vista que a influência dos genitores com a devida construção de vínculos afetivos é elementar para a construção da personalidade das crianças e adolescentes (APARÍCIO, 2022; PIRES, 2022).
No entanto, desde o período medieval até o moderno, o próprio ambiente familiar tem demonstrado, em alguns casos, ser lugar hostil e indiferente à infância, conduzido por relações paternais de total frieza (PIRES, 2022).
Inclusive, é possível destacar exemplo, em momento não tão distante, em que crianças menores de até 2 anos de idade eram vítimas de negligências, pois seus respectivos pais consideravam inadequado despender atenção a elas, fato que, muito provavelmente, conduziu à morte de crianças em idade bem precoce (PIRES, 2022).
Por conseguinte, ao aferir que mesmo no momento atual ainda há ambientes familiares indiferentes à infância, sendo justamente local contrário ao que se espera para a formação da personalidade infantil saudável, os relacionamentos familiares agressivos e violentos são concretizados mediante frágeis relações afetivas em que as necessidades básicas de cunho emocional como segurança, conforto, apego e afeto não são oferecidas de modo condizente (PIRES, 2022).
Motivo pelo qual, para se compreender a violência sexual infantil em âmbito intrafamiliar, torna-se imperioso adentrar no histórico familiar em prol de aferir os relacionamentos respectivos e como a criança estaria inserta em todo o contexto, primordialmente para adequada análise do espaço em que o abuso sexual se manifesta (PIRES, 2022; NEVES, 2023).
Nessa vertente, diante dessa distorção daquilo que se espera de uma escorreita convivência familiar, mormente pelo quantitativo de vítimas de abuso sexual intrafamiliar que são levadas a promoverem a satisfação do desejo sexual de seus agressores, verifica-se haver uma relação de causalidade originada a partir do primeiro contato do agressor com a pessoa violentada, que em muitos casos são menores de 14 anos, capaz de causar impactos posteriores e graves à vida da vítima (APARÍCIO, 2022).
Esses impactos posteriores podem advir de esquemas comportamentais enraizadas no âmbito doméstico, pois, como meio de defesa, a vítima passa a assimilar o comportamento agressivo, retroalimentando a própria agressão e levando tais comportamentos para a sua própria vida adulta, inclusive chegando a considerar a situação um tanto confortável, ainda que provoque dor, pelo simples fato de considerar que a agressão foi desenvolvida ao longo de toda uma vida (PIRES, 2022).
E da parte da conduta agressora, os atos abusivos são originados da relação de domínio do autor para com o menor no seio familiar. Domínio este promovido, não apenas por questão de vulnerabilidade, mas ainda por dependência social em razão da menor idade consolidada pela existência de uma assimetria de poder entre abusador e vítima, propiciando a submissão da criança à violência sexual (APARÍCIO, 2022)
Ressalta-se ainda que, quando considerada as consequências de longo prazo, tanto quantas outras formas de violência, o abuso sexual infantil intrafamiliar acaba por adquirir feição transgeracional, ou seja, a gravidade da violência sofrida conduz os menores a terem, quando adultos, comportamentos idênticos aos de seus agressores, promovendo o repassa da violência às gerações futuras (PIRES, 2022).
E assim, o ambiente familiar, embora não deveria, culmina em um meio propício à violência doméstica em que impossibilita a existência da criança enquanto sujeito dotado de dignidade, pois, ao ter a condução afetiva de seus desejos tolhida pelas relações agressivas silenciadas com base no vínculo de afeto desvirtuado entre abusador e vítima, ela busca se inserir nas relações tão somente mediante a perspectiva afetiva do abusador, o que de fato é uma distorção do ambiente protetor familiar, bem como, consequentemente, negação de direitos da vítima menor (PIRES, 2022).
4 ABUSO SEXUAL
A violência, de modo geral, corresponde ao uso da força para realizar o domínio de alguém, infringindo sua própria liberdade. De outro modo, é um agir agressivo contra uma pessoa ou grupo de pessoas com consequências físicas, morais, psicológicas ou sexuais (RIBEIRO et al., 2023).
Na perspectiva do presente estudo, o abuso sexual infantil, porquanto uma grave violação aos direitos e segurança da criança e do adolescente, concretiza-se quando uma criança ou adolescente sofre ato invasivo para favorecer desejos sexuais de um adulto, de outra criança de idade superior a dela ou de adolescente (DE FIGUEIREDO, 2023; NEVES, 2023).
A forma do abuso sexual pode ser realizado por diversas formas não sendo obrigatório haver penetração ou agressão física. Dentre elas, destaca-se, por exemplo, pornografia infantil, exploração sexual, exploração sexual comercial, abuso físico, estupro, obrigar a criança a ver imagens pornográficas ou atos sexuais, ou também, forçá-la a participar de tais atos, (DE FIGUEIREDO, 2023; NEVES, 2023).
Outrossim, pode ser classificação como intrafamiliar ou extrafamiliar. O abuso sexual extrafamiliar acontece quando o autor não integra o núcleo familiar, sendo pessoa desconhecida ou, quando conhecida, possui certa confiança da vítima menor, uma vez que acaba por pertencer a grupos de amigos, cuidadores, líderes religiosos ou vizinhos (PEREIRA, 2023).
Já o abuso sexual infantil de âmbito intrafamiliar ou incestuoso, relaciona-se em razão de ter por origem o seio familiar, sendo marcado pela relação sexual ou outro ato libidinoso feito por um adulto que possui autoridade ou responsabilidade de cunho socioafetivo com uma criança ou adolescente, menor de 14 anos (FAGUNDES, 2020; NEVES, 2023; RIBEIRO et al., 2023).
Ou seja, é uma espécie de violência que acontece dentro do seio de uma família, tendo por agente um adulto, geralmente sendo parente próximo da vítima, como tios, pai, padrasto, avôs, mãe, madrasta, avós, irmãos, primos, primas ou companheiros que vivem com um dos genitores, e como vítima uma criança ou adolescente. Sendo esta vítima forçada a praticar atos sexuais sem seu consentimento com o agente agressor (DE FIGUEIREDO, 2023; NEVES, 2023; RIBEIRO et al., 2023).
No tocante a aspectos específicos da conduta, considerando que no abuso sexual intrafamiliar, conforme conceituado acima, o agressor é membro do núcleo familiar, podendo ser o próprio pai, fator facilitador da violência e com capacidade de ser manejada por meio de ameaças para obrigar a vítima menor a ficar em silêncio ou talvez por própria vergonha em achar que é culpada pelo ocorrido, garantindo a impunidade do agressor (RIBEIRO et al., 2023).
Em outras circunstâncias, convém ressaltar que a violência sexual pode advir de ato omissivo por parte da figura materna ao permitir o abuso do menor que está sob seus cuidados e que deveria cuidar da integridade da criança ou adolescente, integridade esta de natureza física e/ou psíquica (RIBEIRO et al., 2023).
Em outros termos, as vítimas sofrem com ameaças, sendo coagidas a ficarem em silêncio acerca da agressão sexual sofrida, dificultando o conhecimento do delito e também eternizando uma espiral de violência (DE FIGUEIREDO, 2023).
E ao considerar as ameaças, a vergonha, o preconceito, o segredo da circunstância do abuso sexual intrafamiliar, constata-se a existência de enorme dificuldade em se ter acesso e possibilidade de intervir em casos assim (RIBEIRO et al., 2023).
Em suma, o abuso sexual infantil é fenômeno social reconhecido recentemente como problema público que requer esforços não só do Estado, mas também de outras organizações da sociedade civil para propiciar o bem-estar físico, social e psíquico das crianças e adolescentes, haja vista que o arcabouço legislativo brasileiro é instrumentalizado por ferramentas normativas, datadas do final da década de 1980, de natureza constitucional, internacional e também interna para lidar com o problema (NEVES, 2023; PEREIRA, 2023)
5 EVOLUÇÃO DA TIPICIDADE DA VIOLÊNCIA SEXUAL: DO ESTUPRO AO ESTUPRO DE VULNERÁVEL
Historicamente, o estupro é figura típica vigente desde quando os portugueses chegaram ao Brasil, ainda quando o país era denominado de Ilha de Vera Cruz (APARÍCIO, 2022).
Nesse período, as crianças e adolescentes descendentes dos povos originários foram violentados por aqueles que diziam ser seus salvadores. Em momento posterior, com o período de escravidão, a conduta violenta foi acentuada (APARÍCIO, 2022).
Historicamente, ainda no período colonial, a legislação nacional já caracterizava o crime de estupro, havendo distinção entre ato violento (stuprum violentum) ou voluntário (stuprum voluntarium), uma vez que as leis afonsinas ponderavam essa distinção com termos como voluntário e forçado (APARÍCIO, 2022; RIBEIRO et al., 2023).
A punição para o ato voluntário era o casamento. Em não havendo concordância da vítima com o matrimônio, esta receberia um dote para lhe possibilitar casar-se com outrem (RIBEIRO et al., 2023).
Entretanto, no caso de estupro violento, poderia ser imputada a pena de morte ao agressor, não cabendo o casamento, neste caso, da vítima com o agressor como forma de punição (RIBEIRO et al., 2023).
Atualmente, a doutrina penal pontua que o crime de estupro é um ato que utiliza do recurso da violência ou grave ameaça para constranger alguém a ter conjunção carnal, ou praticar ou quiçá permitir que com ele seja praticado qualquer outro ato libidinoso (APARÍCIO, 2022).
Redação equivalente é encontrada no artigo 213 do Código Penal:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos (BRASIL, 2009).
A doutrina penalista classifica tal figura típica como crime comum, de natureza hedionda, e que tutela o bem jurídico liberdade sexual do ser humano, em prol de que possa ter o livre arbítrio para escolher o(a) parceiro(a) que entenda adequado para seu respectivo relacionamento sexual (APARÍCIO, 2022).
Tal liberdade restaria afligida quando presente a ação nuclear do tipo marcada pelo verbo constranger, o qual significa ação forçada para compelir a vítima na prática da conduta (APARÍCIO, 2022).
No tocante à proteção da criança e do adolescente, embora a doutrina reconheça que o estupro de vulnerável em âmbito intrafamiliar remonta aos primórdios civilizatórios da humanidade, tal conduta criminosa é tema bastante delicado atualmente em razão de tamanha durabilidade e habitualidade que vem sendo cometida ao longo da história humana e também pelas sequelas deixadas às vítimas (FAGUNDES, 2020).
Na legislação pátria, a figura típica ora em comento, qual seja o abuso sexual infantil, denominado de estupro de vulnerável, encontra tipificação no artigo 217-A do Código Penal, a saber:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
À luz dos ensinamentos doutrinários, a figura típica seria de execução livre sendo a conduta caracterizada pela prática de ato carnal ou ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos ou também com portador de enfermidade ou doença mental que tenha incapacidade de compreender/discernir com o ato (PIRES, 2022)
Por outro lado, há tratamento distinto para com o menor de 14 anos e maior de 14 e menor de 18, mormente pelo fato de que para com estes últimos haver o respeito de sua liberdade sexual, motivando a tipicidade para tutelar os menores de 14 anos (FALCONIER, 2019).
Não obstante, o Código Penal ainda tutela a liberdade sexual mediante a tipificação de outras formas de violência sexual em desfavor de crianças e adolescentes como a corrupção de menores, satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou vulnerável, bem como divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia, conforme teor dos artigos 218, 218-A, 218-B, 218-C (BRASIL, 2009; NEVES, 2023).
Relembra-se ainda que, na maioria das vezes, o abuso sexual infantil tem por autor uma pessoa integrante do grupo familiar morador de dentro da casa, fator de aumento da probabilidade de ocorrência desse tipo de violência(RIBEIRO et al., 2023).
Circunstância que conduz a vítima a ficar em silêncio não contando sobre a agressão, inviabilizando que os fatos cheguem às autoridades responsáveis para tomar providências capazes de diminuir os índices de abuso sexual de vulneráveis no ambiente intrafamiliar (RIBEIRO et al., 2023).
6 O PAPEL DA SOCIEDADE PARA COMBATE AO ABUSO SEXUAL INTRAFAMILIAR
Conforme explicitado em tópico anterior, o crime de abuso sexual intrafamiliar é de sobremaneira difícil de ser identificado em razão do silêncio inerente à conduta da vítima, porquanto sobre ela é exercida uma forma de coação que lhe induz a se silenciar sob forte chantagem do agressor (FALCONIER, 2019).
Nesse ponto, a família precisa aumentar sua atenção para analisar se há mudanças comportamentais da criança ou adolescente em relação aos seus hábitos, aproximação com possível agressor e até mesmo negações (FALCONIER, 2019).
Problemas com álcool ou outras drogas, automutilação, ansiedade, afastamentos, fobias, perturbações do sono, depressão, problemas com os esfíncteres, baixo rendimento escolar, medo de certos lugares ou de pessoas, necessidade de superestimulação, insegurança são vistos como elementos de mudança comportamental em crianças e adolescentes vítimas de abusos (FALCONIER, 2019)
Nessa ótica então, a quebra do silêncio é o ponto fulcral afeto a presente temática da violência sexual infantojuvenil. Sendo a falta de informação e também a vergonha as condicionantes que mais dificultam a denúncia por parte das vítimas, sendo dever das autoridades e da sociedade garantir segurança e acolhimento para que as crianças e adolescentes possam explicitar as agressões sofridas para se buscar a devida ajuda (DE FIGUEIREDO, 2023).
Por conseguinte, a diminuição dos abusos sexuais infantis e a prevenção tornam-se os principais objetivos a serem atingidos em prol de adequada proteção das crianças e adolescentes, porquanto os crimes afetos à violência sexual infantojuvenil são tidos de grande reprovação social, afetando diretamente a vítima, mas também a sociedade como um todo (NEVES, 2023).
Consequentemente, a prevenção a tal tipo de violência sexual surge como responsabilidade a ser compartilhada pela sociedade em toda a sua integralidade, podendo ser efetivada mediante sensibilização e informação a ser repassada, primordialmente, aos pais ou responsáveis pelo menor, bem como à população e aos profissionais das áreas educacionais, de saúde e redes de proteção (FALCONIER, 2019; NEVES, 2023).
No campo legislativo, a prevenção é materializada pela instrumentalização do ordenamento jurídico com leis que objetivam a proteção integral da criança e do adolescente e também promovem a implantação de políticas públicas, circunstâncias já presentes no ordenamento jurídico brasileiro, haja vista o rol de normas constitucionais, tratados internacionais ratificados e legislação infraconstitucional dotadas desse viés preventivo (NEVES, 2023).
No entanto, apenas a trilha da prevenção pelo acesso à informação não tem sido ferramenta eficiente e suficiente para tal propósito, motivo pelo qual se torna premente promover a participação efetiva da sociedade civil para assumir a linha de frente do combate à violência sexual infantojuvenil (FAGUNDES, 2020).
Nesse vertente para alcançar tão nobre objetivo social para proteção das crianças e adolescentes, o ECA delineou um conjunto de programas de atenção, assistência e prevenção àqueles que estariam em situações de risco, impondo o dever de cooperação entre a família, o poder público e a sociedade, mediante ações conjuntas de natureza governamental e não governamental dos entes da Federação Brasileira (PIRES, 2022)
Todavia, a sociedade precisa, em primeiro momento, passar pela esfera da conscientização sobre esse fenômeno social degradante para migrar da prevenção para a denúncia (FAGUNDES, 2020).
Para tanto, os profissionais da área da educação emergem com um papel de destaque, pois integram o caminho que promove o desenvolvimento das crianças e adolescentes, sendo, na maioria das situações, os primeiros a terem conhecimento de mudanças comportamentais e, assim, podem ajudar a quebrar a barreira do silêncio sobre esses diversos casos de abuso sexual (FAGUNDES, 2020).
Além disso, implantação e ampliação de políticas públicas para acompanhamento familiar e das vítimas, por meio de visitas de profissionais da saúde para identificação de casos de violência intrafamiliar, seja por exploração sexual, maus-tratos, exploração de trabalho infantil, negligência, ou outros, tornam-se instrumentos fundamentais para tutela integral às crianças e aos adolescentes, permitindo a segurança e garantia de crescerem em ambientes sadios (FALCONIER, 2019; NEVES, 2023).
Para tanto, é premente promover a denúncia a tais casos de violência sexual que ocorrem dentro os ambientes familiares, primordialmente implantando programas educativos escolares com aconselhamento das crianças e adolescentes para que possam se sentir seguros em denunciar aquilo que ocorre dentro de suas residências, haja vista que aos seus genitores cabe o dever de cuidado desses menores, o que em muitas situações não cumprem adequadamente essa nobre função (RIBEIRO et al., 2023).
5 CONCLUSÃO
O abuso sexual intrafamiliar é um problema social e jurídico complexo, que transcende questões legais e adentra profundamente no campo emocional, social e cultural.
Ao longo deste trabalho, foi possível constatar que essa forma de violência, além de configurar grave violação dos direitos humanos, revela-se como um crime que está sempre encoberto, muitas vezes pelas relações de dependência e afetividade, incapacitando a vítima de reação que a induza a pensar que poderá perder seu vínculo e provisão familiar.
A análise da legislação, como o Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, demonstra que, embora existam mecanismos legais robustos para proteção das crianças e adolescentes, a efetividade desses instrumentos depende de sua aplicação prática e de um esforço conjunto entre Estado, sociedade e família.
A prevenção e o enfrentamento do abuso sexual intrafamiliar demandam estratégias integradas que incluam a educação, a conscientização e o fortalecimento das políticas públicas de proteção à infância e é imprescindível reforçar a importância de romper o ciclo de silêncio e invisibilidade que permeia esses crimes além da criação de espaços seguros para que as vítimas possam relatar os abusos.
Espera-se que este trabalho contribua para ampliar a compreensão sobre o tema, incentivando a reflexão e ações concretas para combater o abuso sexual no âmbito intrafamiliar, garantindo, assim, um futuro mais digno e seguro para as próximas gerações, pois crianças com uma mentalidade bem estruturada se tornam adultos com mentes bem estruturadas, tornando o desenvolver da sociedade mais saudável como um todo.
Por fim deixo como um pensamento reflexivo uma frase de Eliel Nogueira: “Sejamos a proteção, o amor e o refúgio da fé da criança.”
REFERÊNCIAS
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[1] Graduando do Curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo – FASEC/TO.
[2] Bacharel em Direito pela UFT/TO e Especialista em Direito Processual Civil pela FIJ/RJ. Professor de Direito Processual Civil e Direito Tributário da Faculdade Serra do Carmo – FASEC/TO. jefferson.franco.silva@gmail.com.