GUARDA COMPARTILHADA COMO MEIO PARA LIMITAR A ALIENAÇÃO PARENTAL
30 de dezembro de 2024SHARED CUSTODY AS A MEANS OF LIMITING THE PARENTAL ALIENATION
Artigo submetido em 12 de dezembro de 2024
Artigo aprovado em 23 de dezembro de 2024
Artigo publicado em 30 de dezembro de 2024
Cognitio Juris Volume 14 – Número 57 – Dezembro de 2024 ISSN 2236-3009 |
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RESUMO: A busca por soluções eficazes para mitigar os efeitos da alienação parental é tema de constante estudo e debate. Neste contexto, a guarda compartilhada surge como uma abordagem que merece especial atenção, uma vez que a guarda compartilhada nada mais é do que um modelo de coparentalidade em que ambos os progenitores têm igual responsabilidade na criação dos filhos mesmo após o fim da relação conjugal. Este artigo propõe explorar a guarda compartilhada como meio eficaz de limitar a alienação parental. Para tanto, examinaremos a definição e a natureza da alienação parental e do cuidado compartilhado. Para realçar como esta última pode desempenhar um papel na prevenção e redução da alienação parental, analisamos também evidências empíricas que sustentam a eficácia desta forma de proteção na manutenção das relações familiares e no bem-estar das crianças e jovens. Para isso nos referirmos ao ordenamento jurídico, às leis da infância e da juventude, a lei nº 13.058, que trata dos direitos parentais compartilhados e sua aplicação, a lei nº 12.318/10, que trata da determinação da alienação parental, e do judiciário. Ações nesse sentido caso esse episódio seja identificado no âmbito familiar e na codificação Civil.
Palavras-chave: Guarda Compartilhada; Alienação Parental; Proteção; Pais.
ABSTRACT: The search for effective solutions to mitigate the effects of parental alienation is a subject of constant study and debate. In this context, shared custody emerges as an approach that deserves special attention, since shared custody is nothing more than a model of coparenting in which both parents have equal responsibility for raising children even after the end of the marital relationship. This article proposes to explore shared custody as an effective means of limiting parental alienation. To do so, we will examine the definition and nature of parental alienation and shared care. To highlight how the latter can play a role in preventing and reducing parental alienation, we also analyze empirical evidence that supports the effectiveness of this form of protection in maintaining family relationships and the well-being of children and young people. To do this, we refer to the legal system, the laws of childhood and youth, law nº 13,058, which deals with shared parental rights and their application, law nº 12,318/10, which deals with the determination of parental alienation, and the judiciary. Actions in this regard if this episode is identified within the family and in Civil coding.
KEYWORDS: Shared Custody; Parental Alienation; Protection; Parents.
1 INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, a dinâmica das relações familiares passou por transformações significativas, refletindo nas mudanças sociais e culturais que moldaram nossa sociedade. Entre essas mudanças, destacam-se as taxas crescentes de incidência de separação, que aumentaram em 8,6% na comparação entre os anos de 2021 e 2022, que levaram a um aumento preocupante nos casos de alienação parental (IBGE, 2022).
A alienação parental, caracterizada pela manipulação psicológica de uma criança por um dos genitores para afastá-la do outro genitor, representa uma das questões mais delicadas e complexas do direito de família contemporâneo, pois pode causar danos profundos às relações entre pais e filhos, sendo um assunto bastante recorrente no meio da psicologia jurídica, além de ser uma irregularidade para quem justamente se busca proteger, as crianças e adolescentes como a própria Constituição da República Federativa do Brasil declara em seu artigo:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).
É um assunto que afeta, direta ou indiretamente, a vida de todos, já que os casamentos, uniões estáveis, divórcios, alimentos, guarda de filhos, partilha de bens e direito de visita são experiências vivenciadas por grande parte da população em algum dado momento.
Sendo assim, houve grandes discussões sobre a responsabilização afetiva dos genitores e as consequências da falta dela ao longo da vida da criança e do adolescente.
O presente artigo busca explorar a guarda compartilhada como forma de mitigar as consequências da Alienação Parental, baseando-se na lei de n° 11.698/08, que estabelece e regula a Guarda Compartilhada para que possa possibilitar a convivência dos filhos com ambos os pais, promovendo o crescimento e, além disso, garantir o exercício da autoridade parental e a responsabilização conjunta dos dois genitores na criação dos descendentes, mesmo após término do casamento.
Considerando os objetivos proposto, o objeto de estudo deste trabalho foi a aplicação da guarda compartilhada como o meio de garantia de um desenvolvimento digno para a criança e o adolescente, sob o ótica do Direito de família no âmbito do Direito Civil, Constitucional e de leis especiais.
Ao longo do artigo, analisaram-se casos e também a evolução da conjuntura familiar no constitucionalismo brasileiro, de forma a evidenciar o crescimento do compromisso do Estado para com este direito, sobretudo a partir da plataforma democrática brasileira instaurada com a Constituição Federal de 1988.
A análise deste estudo está delimitada em três conteúdos capitulares, trazendo o primeiro assunto, a parte histórica e a abordagem da definição, obrigação e suspensão da guarda compartilhada. O segundo capítulo trata especificamente da Alienação parental e suas características. O terceiro e último capítulo trata da análise de casos com abordagem psicossocial, posicionamentos doutrinários e a legislação brasileira que possam viabilizar a aplicação jurídica.
Encerra-se este estudo com as considerações finais, onde serão seguidos da estimulação à continuidade da pesquisa e da reflexão no que tange a guarda compartilhada em defesa do direito de um desenvolvimento digno da criança e do adolescente.
2 ANÁLISE HISTÓRICA
O direito de família estabelece as relações familiares, justamente pelo fato de a família desempenhar um papel social de extrema importância, sendo o alicerce da sociedade, e atende aos interesses dos laços jurídico-familiares (MADALENO, 2024).
Segundo Gagliano e Pamplona Filho (2023), a família é:
a família é, sem sombra de dúvida, o elemento propulsor de nossas maiores felicidades e, ao mesmo tempo, é na sua ambiência em que vivenciamos as nossas maiores angústias, frustrações, traumas e medos. Muitos dos nossos atuais problemas têm raiz no passado, justamente em nossa formação familiar, o que condiciona, inclusive, as nossas futuras tessituras afetivas.
Nas palavras de Maria Berenice Dias (2015):
A família é o primeiro agente socializador do ser humano. Somente com a passagem do homem do estado da natureza para o estado da cultura foi possível a estruturação da família. A primeira lei de direito das famílias é conhecida como a lei-do-pai, uma exigência da civilização na tentativa de reprimir as pulsões e o gozo por meio da supressão dos instintos. A interdição do incesto funda o psiquismo e simboliza a inserção do ser humano no mundo da cultura.
Foram experimentadas diversas transformações no âmbito familiar ao longo do tempo, desde os tempos antigos até a fase da modernidade, a qual trouxe consigo características específicas dentro do contexto familiar. Essas características familiares perduraram por bastante tempo, mas a partir da Revolução Industrial, por volta do século XVIII, novas características começaram a fazer parte da história da família (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2023).
A imagem do homem como líder do núcleo familiar passou por mudanças significativas. Devido ao aumento das demandas de trabalho e à disseminação da pobreza, tornou-se necessário o ingresso das mulheres no mercado de trabalho. Com isso, o homem deixou de ser o único sustentáculo da família, abandonando sua característica de produtor e reprodutor. Foi nesse momento que passou a ser valorizado o vínculo afetivo entre as pessoas que formavam o núcleo familiar. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2023).
Para Rolf Madaleno (2024), as mutações do contexto familiar levaram a aferir que o novo arranjo estrutural familiar passou a dar lugar aos vínculos de natureza psicológica afetiva em detrimento de elemento biológicos, porquanto a própria sociedade passou a observar que os valores afetivos, educacionais e comunicativos são dotados de maior relevância perante os nexos puramente hereditários.
No século XX, houve grandes transformações no que diz respeito às famílias. Foram reconhecidas as revoluções nas formas de sexualidade, abrindo espaço para os movimentos feministas e o divórcio. Esse momento é conhecido como “pós-modernidade”. Surgiram várias configurações familiares que são legitimadas juridicamente. Direitos e garantias começaram a ser concedidos a todos os cidadãos, incorporando na Constituição Federal conteúdos relacionados às mudanças na sociedade como um todo, sem distinções, abraçando todas as esferas familiares (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2023).
2.1 CONCEITO, OBRIGAÇÃO E SUSPENSÃO DE GUARDA COMPARTILHADA
O poder familiar, antigamente conhecido como patriarcal, evoca a ideia de um poder exercido pelo pai sobre os filhos. Nesse sentido, ressalta-se que na Roma Antiga isso representava o conceito de pátria potestas, um conjunto de faculdades que o pater famílias possuía sobre as famílias. Inicialmente, a patria potestas visava exclusivamente aos interesses do chefe de família, o pater familias. Portanto, os poderes a ele conferidos eram amplos e incluíam questões relacionadas tanto ao aspecto pessoal quanto ao aspecto patrimonial (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2023; WALD; CAVALCANTI; PAESANI, 2015).
O poder familiar representa as prerrogativas de direitos e deveres correspondentes aos pais para exercer todas as prerrogativas relacionadas à prole, transferindo direitos e deveres a serem compartilhados, bem como responsabilidades voltadas para o melhor interesse das crianças e adolescentes, com o objetivo de proteger principalmente o bem-estar e enfatizar os princípios assegurados constitucionalmente (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2023).
No entanto, o poder familiar é um poder legal, em que a autoridade é concedida aos pais pelo Estado para ser exercida em benefício dos filhos, não podendo ser transferida para terceiros por livre vontade dos genitores. Assim, o poder familiar constitui-se nos direitos e deveres exercidos em conjunto pelos pais, pressupondo uma relação equilibrada entre eles, tendo em vista que a criança sempre será responsabilidade de ambos que devem, portanto, separar os conflitos pessoais (MADALENO, 2024).
A legislação brasileira prevê apenas uma situação em que os pais podem se isentar desse dever público, que é o consentimento para a colocação do menor em uma família substituta. Conforme estabelece o artigo 166 do ECA, a adesão, que deve ser expressa, é feita perante o juízo competente. Se os pais forem falecidos, tiverem sido destituídos ou suspensos do poder familiar, ou houver aderido expressamente ao pedido de colocação em família substituta, este poder poderá ser formulado diretamente em cartório, em uma petição assinada pelos próprios requerentes, dispensando a assistência de advogado. A autoridade parental também é indivisível, sendo que, em caso de pais separados, o exercício do poder familiar deve ser compartilhado (BRASIL, 1990; MADALENO, 2024).
A dissolução do casamento não afeta a relação entre os pais e os filhos. É importante destacar que os papéis de marido e mulher, companheira e companheiro desaparecem quando o relacionamento afetivo termina, mas a relação entre pai/mãe e filho continuará existindo. A dissolução do casamento não deve interferir na vida das crianças, pois os laços afetivos devem ser preservados e as mágoas devem ser esquecidas, a fim de que os pais possam continuar exercendo sua autoridade e fortalecendo os laços de afeto (MADALENO, 2024).
Com a redação dada pela Lei nº. 13.058/2014, as obrigações inerentes à função parental estão previstas nos incisos do artigo 1.634 do Código Civil, o qual dispõe:
Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: I- dirigir-lhes a criação e a educação; II- exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV- conceder-lhes ou negar lhes consentimento para viajarem ao exterior;V- conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; VI- nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; VII- representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VIII – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; IX – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. (BRASIL, 2014).
De acordo com o artigo 1.637 do Código Civil de 2002, parágrafo único, a função parental pode ser suspensa, também conhecida como exercício do poder familiar, caso o pai ou a mãe sejam condenados por um crime cuja pena ultrapasse dois anos de prisão e a sentença seja irrecorrível. Além disso, a possibilidade de suspensão do poder familiar está descrita na Lei da Alienação Parental, em seu artigo 6º, inciso VII. De acordo com esse artigo, o poder familiar pode ser temporariamente suspenso sempre que ocorrerem ações típicas de alienação parental ou qualquer comportamento que dificulte a convivência da criança ou do adolescente com o outro genitor (BRASIL, 2014).
É importante ressaltar que a suspensão do poder familiar tem caráter temporário e é aplicada apenas enquanto for necessária. Durante esse período, os pais ficam temporariamente impedidos de exercer a autoridade parental e só poderão retomar esse poder quando os conflitos forem resolvidos. Portanto, o tempo de duração da suspensão não é estabelecido pela ordem jurídica (TAMASSIA, 2014).
Cumpre destacar ainda que um novo matrimônio ou o início de uma união estável não implicaria em suspensão do poder familiar. A perda do poder familiar, ou destituição do poder familiar, é uma medida mais grave, considerada extrema, de proteção aos filhos e está prevista no art. 1.638 do Código Civil. Dessa maneira, para a efetiva proteção da criança e do adolescente, foi inserido na Lei nº 13.509/17 o inciso V ao artigo 1.638 do Código Civil, para determinar como causa de destituição do poder familiar a entrega de forma irregular do filho a terceiros, para fins de adoção (BRASIL, 2017).
2.2 CATEGORIAS DE GUARDAS E GUARDA COMPARTILHADA
Primeiramente é essencial definir o que é a guarda. O art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) prevê que “a guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais”. Portanto, a guarda nada mais é que conceder às crianças e adolescentes uma vida digna. Dessa forma, aquele que detém a guarda da criança ou adolescente, detém o poder familiar sobre estes (BRASIL, 1990).
Ultrapassada a definição, abre-se o tópico da classificação. Atualmente, existem quatro tipos de guarda presentes no ordenamento jurídico brasileiro, classificadas como: guarda compartilhada, guarda unilateral e guarda alternada.
A guarda unilateral é o modelo em que um dos pais possui a guarda e o outro o direito à visitação, conforme definido no §1º do art. 1.583 do Código Civil de 2002. No entanto, não ter a guarda da criança não significa que os pais possam fazer o que quiserem. Ele não está isento das obrigações definidas no parágrafo 5º do art. 1.583 e art. 1.589 do Código Civil. A guarda unilateral ocorre quando ambos os pais concordam ou quando um dos pais indica que não deseja a guarda conjunta. Os regimes de coabitação também são respeitados se os filhos puderem permanecer juntos sem tutor por um período de tempo determinado por acordo ou decisão de um juiz (BRASIL, 2002).
No entanto, nos casos em que é determinada a guarda unilateral, a probabilidade de ocorrer a alienação parental é muito maior, ocasionando um enorme prejuízo aos integrantes do grupo familiar principalmente à prole.
Outra modalidade de guarda, é a guarda alternada, que é amplamente utilizada no mundo real. Os pais se revezam no cuidado dos filhos desta forma, sendo que cada genitor tem a custódia exclusiva dos filhos (as) (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2023).
A guarda alternada é a espécie pela qual o filho fica um período de tempo pré-determinado com o pai e outro período com a mãe. Tal espécie é conhecida como a guarda do mochileiro, pelo fato de que o filho ficará em constantes períodos de revezamento com ambos os pais (ROSA et. al., 2013; GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2023; TARTUCE, 2024).
Sobre essa espécie de guarda, Flávio Tartuce apresenta a seguinte definição:
O filho permanece um tempo com o pai e um tempo com a mãe, pernoitando certos dias da semana com o pai e outros com a mãe. A título de exemplo, o filho permanece de segunda a quarta-feira com o pai e de quinta-feira a domingo com a mãe. Essa forma de guarda não é recomendável, eis que pode trazer confusões psicológicas à criança (TARTUCE, 2024).
A guarda compartilhada define, do ponto de vista jurídico, os pais como:
Uma pessoa com igual autoridade parental que pode tomar todas as decisões relevantes para crianças. O objetivo de um acordo de custódia é preservar os laços de afetividade, na tentativa de retardar o impacto do término da parceria conjugal para crianças. Ao mesmo tempo, tentamos manter os papéis dos pais iguais, proteger os direitos das crianças e dos pais. Nesse sentido, a guarda compartilhada traz uma nova concepção para a vida dos filhos de pais separados (TARTUCE, 2024).
Conforme estabelecido pela Lei nº 13.058, essa forma de guarda é designada como padrão nos litígios brasileiros, buscando equilibrar o tempo de convivência com os filhos e sempre levando em consideração as circunstâncias concretas e os interesses das crianças e adolescentes (BRASIL, 2014).
Os benefícios da guarda compartilhada para a criança são múltiplos e centrados principalmente no seu bem-estar emocional e psicológico. Em um cenário de divórcio ou separação, a criança muitas vezes se vê em meio a um turbilhão de emoções conflitantes. A guarda compartilhada, nesse contexto, pode ajudar a diminuir o impacto negativo de tal situação (ROSA et. al., 2013).
O primeiro e mais notável benefício da guarda compartilhada é a manutenção do relacionamento próximo e contínuo com ambos os pais, sem a perda de qualquer vínculo. Isso ocorre ao permitir que a criança passe tempo significativo com cada progenitor, promovendo um senso de estabilidade e continuidade que pode ser vital durante este período de transição (ROSA et. al., 2013).
Pontua-se que com o rompimento do casamento ou união, é muito comum que ocorra alienação parental por parte de um dos genitores em face do outro, utilizando a criança para isso (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2023).
Dessa maneira, a constante ocorrência desta prática suscitou no Brasil a edição da Lei nº 12.318/10, a qual caracteriza os atos entendidos como alienação parental: A campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; o ato de dificultar o exercício da autoridade parental; a ação de dificultar o contato de criança ou adolescente com genitor; omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente; apresentar falsa denúncia contra o genitor, contra familiares deste ou contra avós, para abster ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. (BRASIL, 2010).
Assim, percebe-se que a guarda compartilhada, que é regida pelo Código Civil de 2002, proporciona aos pais a oportunidade de melhorar o relacionamento e a participação na vida do filho.
3 DA ALIENAÇÃO PARENTAL
A prática da alienação parental sempre existiu, mas apenas na década de 1980, quando o psiquiatra Richard Gardner deu voz aos resultados desta manipulação psicológica, chamando-a de “síndrome da alienação parental”. Nesse sentido, a ‘alienação parental’ é uma campanha desmoralizante em que o alienador lida com o outro progenitor, e até mesmo com familiares pelos quais a vítima tem simpatia (DIAS, 2015).
Maria Berenice Dias (2015) acredita que o rompimento da união torna as crianças mais vulneráveis, pois é a melhor oportunidade para colocar ideias no imaginário das crianças e adolescentes no sentido do abandono pelo outro progenitor ou família. Assim ela ensina em seu livro:
A lavagem cerebral teria origem numa confusão do alienador entre parentalidade e conjugalidade, a partir da qual, tomada por paixões como ciúmes e desejo de vingança, transmitiria ao filho a ideia de que ambos foram abandonados e não somente ele (DIAS, 2015).
O termo lavagem cerebral é muito apropriado para este episódio. Isso porque crianças ou adolescentes que expressam ódio aos pais ou familiares não conseguem mantê-lo como uma emoção real e pura quando questionados sobre o motivo de sua insatisfação (DIAS, 2015).
A Síndrome de Alienação Parental, em 2010, foi objeto de lei, Lei nº 12.318/2010, que explicita o ato de separação parental. Maria Berenice Dias (2015) descreve esta prática da seguinte forma:
Qualquer interferência psicológica da criança ou adolescente promovida ou induzida por um dos genitores ou por aqueles que tenham a criança ou adolescente em sua guarda, para que repudie o outro genitor ou cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este (DIAS, 2015).
Por ser um ato prejudicial à formação ou manutenção de vínculo com outras pessoas, a alienação parental é uma ‘campanha’ que denigre um dos pais, e o próprio filho alienado passa a participar dessa campanha em algum momento, considerando o isolamento, utilizam algumas críticas e questionamentos à criança para lhe dar ideias adequadas e utilizam meios de lavagem cerebral e manipulação emocional.
3.1 CARACTERÍSTICAS E MENÇÕES DA ALIENAÇÃO PARENTAL
A alienação dos pais está associada ao rompimento do relacionamento conjugal, ou seja, quando os pais passam a discordar sobre os motivos que levaram à separação, e posteriormente passam a discutir a questão da guarda para o melhor cuidador da criança menor, essas discussões que geram efeitos desastrosos na vida destas crianças.
O Artigo 2º da Lei 12.318 nos aduz sobre a alienação parental:
Art. 2o Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros: I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; II – dificultar o exercício da autoridade parental; III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós (BRASIL, 2010).
Compreende-se que a alienação parental é algo maléfico a criança e o adolescente e essa prática ocorre, normalmente, após as separações e divórcios, no momento em que os genitores entram na disputa pela da guarda do menor.
4 A GUARDA COMPARTILHADA COMO MEIO PARA LIMITAR A ALIENAÇÃO PARENTAL
De acordo com a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, “Crianças e adolescentes têm direito à proteção, à vida e à saúde em condições dignas de existência, por meio da implementação de políticas sociais públicas que permitam o desenvolvimento harmonioso da procriação e da saúde” (BRASIL, 1990).
E instituições de guarda compartilhada, assegurando essa previsão com o surgimento da Lei nº 13.058/2014, que tem por objetivo determinar o significado do termo “guarda compartilhada” e decidir sobre sua aplicação. Esta lei altera os artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil Brasileiro), introduzindo disposições textuais que regulam o tempo com os filhos, que deve ser de forma equilibrada e pai e a ambos os genitores, independentemente do estado civil, com pleno envolvimento familiar, sempre tendo como primeiro princípio a proteção dos interesses da criança (Brasil, 2014).
O artigo 09 das Convenções sobre os Direitos da Criança pode especificar que deve ser garantida à criança a inseparabilidade de seus pais, independentemente de sua vontade, a menos que a separação seja necessária como é o caso de risco de violência doméstica ou familiar praticada por um dos genitores, conforme lei 14.713/2023 (BRASIL, 1990; BRASIL, 2023). Isto levanta a questão: a guarda conjunta mitigaria efetivamente a alienação parental?
Vale dizer que a guarda compartilhada pode ser entendida como guarda conjunta, o que traz como opção especial a possibilidade de ambos os pais, por sua vez, terem os mesmos deveres e direitos para com o menor, caso em que a convivência entre filhos e pais fica mais dividida. É forma equilibrada de proteger os interesses do menor, dando-lhe oportunidade de um desenvolvimento saudável do aspecto biopsicológico, nesse sentido, Akel (2019) traz o seguinte conceito:
A guarda compartilhada é aquela em que, alterando-se as relações paterno-filiais e materno-filiais, propicia o melhor desenvolvimento psicológico e maior estabilidade para o menor, que não sentirá da mesma forma a perda de referência de seu pai ou de sua mãe, reduzindo-se assim as dificuldades que as crianças normalmente enfrentam à nova rotina e aos novos relacionamentos após a separação dos seus genitores.
Vale destacar que, no âmbito da guarda compartilhada, o legislador também procurou implementar na prática um dos principais fundamentos da constituição federal, a dignidade da pessoa humana, cuja disposição está definida no artigo 1º, inciso III da Carta Magna. para garantir que a separação dos pais não afeta negativamente a criança ou jovem, deverá separar-se de um deles, garantindo que os laços afetivos são mantidos e, assim, mantido o princípio da proteção integral das crianças e jovens. Pessoas, que visa proteger a melhor sorte do menor e está prevista no artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB/88 (BRASIL, 1988), conforme texto abaixo:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (grifo nosso)(BRASIL, 1988).
Com base nesse raciocínio, vale ressaltar que a guarda compartilhada não elimina o risco da alienação parental, mas minimiza o seu funcionamento, pois a guarda compartilhada humaniza o vínculo afetivo entre filhos e pais separados, pois permite o desenvolvimento saudável do menor no âmbito biopsicossocial. Que permite a coexistência de ambos, respeitando, sobretudo, a dignidade humana do indivíduo.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assegurar à criança e o adolescente em um ambiente harmônico e livre de interferências que impeçam o convívio familiar, exige uma adequada compreensão da aplicação da guarda compartilhada, no intuito da busca constante do perfeito atendimento das necessidades do mesmo.
Nesse contexto, a interpretação das leis, deve buscar um entendimento mais favorável que busque respeitar a proteção integral da criança e do adolescente, tornando preferencial a guarda compartilhada, o que não impede que seja aplicada a guarda unilateral, quando a mesma for mais adequada aos interesses do menor.
Percebe-se, que mediante as considerações abordadas durante o texto dos autores citados, doutrinas e estudos relacionados ao tema, bem como em meio virtual – internet, pode-se afirmar que, mesmo possuindo uma definição ainda considerada nova, a guarda compartilhada já ocupa amplo espaço nas discussões acadêmicas, sociais e em decisões judiciais.
Evidencia-se que mesmo com a previsão da guarda compartilhada, e da lei nº 12.318/2010, que traz disposições sobre a alienação parental, não obstante, pode-se verificar ainda, muitas ações relacionadas a alienação parental, onde a guarda compartilhada por si não elimina os atos de alienação parental, mas permite com que haja uma mitigação deste ato.
Ao ponderar profundamente sobre os inúmeros malefícios que podem ser provocados pela prática lamentável da alienação parental, foi possível chegar a uma conclusão embasada e fundamentada: a guarda compartilhada, na qual se visa permitir à criança uma convivência ampla e abrangente com ambos os genitores, possui um caráter preventivo altamente significativo no combate aos possíveis atos de alienação parental.
Isso ocorre porque, ao possibilitar experiências emocionais equilibradas e igualitárias com ambas as figuras parentais, um ambiente saudável e propício para o desenvolvimento sadio da criança é estabelecido, reduzindo assim as chances de ser afetada negativamente por influências prejudiciais provenientes do fenômeno da alienação parental.
Ante o exposto, em uma decisão jurisdicional, é indispensável priorizar sempre os interesses da criança, bem como garantir sua proteção. Além disso, conforme já mencionado, a jurisprudência tem se posicionado favoravelmente ao compartilhamento da guarda, o qual regula o exercício do poder familiar, estabelecendo também que tal modalidade pode assegurar a segurança e o bem-estar da criança ou adolescente, desde que seus interesses sejam adequadamente atendidos.
Diante da necessidade de garantir efetivamente o bem-estar das crianças e adolescentes, acreditamos que é crucial continuar realizando investigações como esta. Portanto, sugerimos que sejam analisadas, à luz dos Direitos Humanos, as formas como as inovações normativas abordam a adoção da guarda compartilhada como uma maneira de evitar a alienação parental.
Essa análise contribuirá para fortalecer e planejar estratégias de atenção voltadas para esse público específico, além de criar novas e mais eficazes abordagens para garantir os direitos desses menores.
REFERÊNCIAS
AKEL, Ana Carolina Silveira.Guarda Compartilhada-Uma nova realidade. In: COTRO, Antônio Caros Mathias (coords).Guarda Compartilhada. São Paulo: Editora Método, 2019.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 5 ago. 2024.
BRASIL. Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990. Promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança. In: Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 22 nov. 1990. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d99710.htm>. Acesso em: 18 ago. 2024.
BRASIL. Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 jul. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm#art266>. Acesso em: 5 ago. 2024.
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[1] Graduando do Curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo – FASEC/TO.
[2] Bacharel em Direito pela UFT/TO e Especialista em Direito Processual Civil pela FIJ/RJ. Professor de Direito Processual Civil e Direito Tributário da Faculdade Serra do Carmo – FASEC/TO. jefferson.franco.silva@gmail.com.