A TUTELA PROVISÓRIA E O TEMPO NO PROCESSO CIVIL

A TUTELA PROVISÓRIA E O TEMPO NO PROCESSO CIVIL

28 de novembro de 2023 Off Por Cognitio Juris

INTERIM RELIEF AND TIME IN CIVIL PROCEDURE

Artigo submetido em 20 de novembro de 2023
Artigo aprovado em 25 de novembro de 2023
Artigo publicado em 28 de novembro de 2023

Cognitio Juris
Volume 13 – Número 50 – Novembro de 2023
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Euzélio Heleno de Almeida[1]

RESUMO: O Código de Processo Civil de 2015, promulgado pela Lei n. 13.105, de 16 de março de 2.015, priorizando uma maior efetividade na prestação da tutela jurisdicional. Sendo que é, portanto, com fundamento nesse novo diploma processual constitucional que discorreremos neste artigo o tema “tutela provisória e o Tempo no Processo Civil”. Será feito uma análise histórica do processo civil brasileiro de 1973 até alcançarmos o Vigente Código e a preocupação dos digestos processuais como tempo age em prol da verdadeira justiça. O que muita das vezes, o fator temporal conspira contra o processo. Após uma análise da influência da formação ideológica da duração temporal do processo demostraremos a importância da tutela provisória em efetivar a tutela jurisdicional do direito material.

Palavra Chave: Tutela Provisória e o Tempo no Processo Civil Brasileiro.

ABSTRACT: The Civil Procedure Code of 2015, enacted by Law n. 13.105, of March 16, 2015, prioritizing greater effectiveness in the provision of judicial protection. Therefore, it is based on this new constitutional procedural law that we will discuss in this article the theme “provisional guardianship and Time in Civil Procedure”. A historical analysis will be made of the Brazilian civil procedure from 1973 until we reach the Current Code and the concern of procedural digests as time acts in favor of true justice. What many times, the time factor conspires against the process. After an analysis of the influence of the ideological formation of the temporal duration of the process, we will demonstrate the importance of the provisional guardianship in effecting the judicial protection of the substantive law.Key Word: Provisional Guardianship and Time in the Brazilian Civil Procedure.

1 – INTRODUÇÃO

As críticas que surgem quando se fala em processo civil estão atreladas exatamente à demora processual. Muitas discussões são levantadas em relação ao binômio tempo/processo o que não se mostra como uma relação conflitiva, como ainda inseparáveis. Assim, quando da vigência da Lei n. 8.952/94 que trouxe o instituto da “tutela antecipada” para o processo civil brasileiro, não se faltavam manifestações exageradas de adoração ao instituto. Sendo que pouco se durou e logo começou a falar da crise do Poder judiciário, sem, contudo, indagar sobre as raízes dessa crise, o que logo se demonstrou necessário uma nova mudança no direito processual civil, tendo em vista que o Código de Processo Civil de 1973 fora construído sob as bases de um discurso teórico que já não respondia satisfatoriamente os anseios sociais quando se falava de efetividade processual.

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe várias modificações na estrutura dos procedimentos civis, bem como alguns novos institutos processuais foram criados. Sendo que um dos temas mais discutidos pela comunidade jurídica quando se analisa o Código de Processo Civil de 2015, tenha sido a unificação dos institutos da chamada “tutela antecipada” com o “processo cautelar” sob as formas espécies do gênero “tutelas provisórias de urgência”. Nesse sentido, a estrutura do processo de conhecimento trazido pelo CPC/2015, que promoveu tamanha transformação, inclusive transpondo a satisfatividade decisória de procedimento autônomo (processo de execução de título judicial) para fase procedimental (cumprimento de sentença, art. 475-J e seguintes do Código de Processo Civil de 1973), o que inaugurou o que muitos processualistas denominaram de modelo da “ação sincrética”, passou-se agora a uma nova roupagem de sincretismo, e já busca unificar, em um único procedimento, cognição, satisfação e cautelaridade.

Além do aporte de uma técnica diferente para os casos que envolva algumas urgências, a tutela provisória, na vigência do CPC/2015, voltou-se para situações nas quais se encontra autorização legal para produção de decisões de natureza satisfativa baseada em uma tutela provisória de evidência.

O presente artigo pretende, então, apresentar algumas considerações e reflexões acerca das “tutelas Provisórias” na vigência do CPC/73 e como se encontra na vigência do CPC/2015, apresentando traços gerais e realizando algumas criticas em relação ao tema.

O objetivo é analisar criticamente as transformações sofridas pelas “tutelas provisórias”, desde o CPC/73 até a vigência do CPC/2015 e qual nossa posição em relação as alterações promovidas pelo Código de Processo Civil de 2.015.

2 – A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

2.1 – O Código de Processo Civil de 1939 e o de 1973

O Código de Processo Civil de 1973 vigente a partir do ano de 1974 foi na prática o mesmo processo civil de 1939, sofrendo apenas algumas mudanças técnicas, mas sem diferenças substanciais quanto ao modo como o processo civil atuava sobre a vida dos direitos.

O Código de Processo Civil de 1973, criado do trabalho do Ministro Alfredo Buzaid, recebeu forte influência da doutrina de Enrico Tullio Liebmar e, por conta disso, igualmente da tradição chiovendiana e das lições de Piero Calamandrei, como Liebman um forte seguidor de Chiovenda.

A morosidade na oferta e efetivação da tutela jurisdicional, sem uma corajosa ênfase aos institutos relacionados com a tutela jurisdicional diferenciada e sem resultados práticos em relação aos instrumentos eficazes para luta contra o tempo, e a prática mostrou-nos como o processo civil brasileiro ainda continuava refém de formas inúteis e de uma insustentável proliferação de recursos, que atentava contra a promessa constitucional de um processo realizado em tempo razoável.

O Código de Processo Civil de 1973 apresentou-nos três modalidade de processo, conhecimento, execução e cautelar. Sendo que o processo de execução na vigência do Código de 1973 tinha a função de viabilizar a realização do direito contido na sentença condenatória e nos títulos executivos extrajudiciais e a sua instauração dependia da propositura da ação de execução. Esta requeria a presença de título executivo extrajudicial ou de uma sentença condenatória transitada em julgado (título executivo judicial). O processo cautelar foi pensado como simples acessório para a segurança da tutela final repressiva, o que foi pensado como instrumento a serviço da função do processo de conhecimento. O processo cautelar surgiu para ser instrumento do instrumento, exigindo-se da parte a efetivação da “medida cautelar” a propositura de ação no prazo de trinta dias, conforme estabelecia o artigo 806 do Código de Processo de 1973.

O Código de Processo Civil de 1973 refletia os valores do direito liberal e, especialmente, a doutrina chiovendiana da abstração do processo em relação ao direito material. A ação era estruturada a partir do conceito de direito de ação de Liebman, estabelecendo no art. 267, VI, do CPC/73, as chamadas condições da ação. A falta de preocupação com direito material era latente quando se percebia que a união entre os processos de conhecimento e de execução era feita por uma sentença que nada dizia no plano do direito substancial ou em relação à tutela dos direitos.

O processo de conhecimento na vigência do CPC/73 não foi estruturado para permitir a prestação da tutela preventiva ou da tutela inibitória. Embora o art. 287 do CPC/73 tenha dado ao juiz a possibilidade de ordenar um não fazer mediante cominação de astreinte, sendo que tal autorização foi bastante tímida e, bem vista na prática, não teve qualquer proposito de viabilizar tutela inibitória. A parte final do art. 287 do CPC/73, afirmava que a pena pecuniária só poderia incidir depois do “descumprimento da sentença”, não apenas negou a natureza “urgente” da tutela inibitória, como submeteu a cominação da multa à propositura de ação de execução. O Código de Processo Civil de 1973 previa, entre os procedimentos especiais, duas ações com estrutura técnica adequada à prestação da tutela inibitória, o interdito proibitório e a nunciação de obra nova. Sendo que em ambas havia a ocorrência da técnica processual que se concretizava em cominação de pena pecuniária e, ainda, técnica que permitia a antecipação da tutela final mediante a imposição da pena pecuniária.

Como podemos ver que na vigência do Código de Processo Civil de 1973 a instituição da técnica processual adequada era apenas à proteção da posse e da propriedade, o que realmente era algo para estranhar, na medida em que os direitos que mais necessitavam de tutela inibitória ou preventiva eram os de natureza não patrimonial, como os direitos da personalidade. A instituição de procedimentos especiais destinados a dar tutela preventiva exclusivamente à posse e à propriedade revelava uma clara ideologia patrimonialista e um total descompromisso com os direitos mais importantes do homem.

A tutela cautelar foi identificada como mero instrumento destinado a garantir a frutuosidade das sentenças do processo de conhecimento. Era vista como instrumento do processo de conhecimento que desconsiderava os resultados do processo no plano do direito material, limitando-se a enxergar os provimentos processuais destinados a fechar o ciclo da ação autônoma e abstrata.

Como podemos ver os Código de Processo Civil de 1939 e 1973 não deram, contudo, qualquer poder para o juiz distribuir os ônus da prova e do tempo processual segundo as particularidades da situação de direito substancial conflitivo, muito menos poder para o juiz determinar, segundo as características do caso, meio executivo idôneo para o alcance da efetiva tutela do direito material. Isso obviamente não poderia ser feito por um processo descompromissado com a tutela dos direitos.

2.2 – Formação Ideológica e Processo Civil

O processo civil como instrumento de garantia jurisdicional e controle por parte do Estado por muitos anos fora estudado, analisado, conceituado e criticado. Ocorre que, por termos uma sociedade de grande transmutação cíclica, faz-se necessária a reanálise dos poderes do estado e as influências ideológicas na criação do direito. Em pleno século XXI, principalmente na república federativa brasileira, a qual caminha para o amadurecimento das garantias e dos direitos fundamentais, vive-se uma crise democrático-representativa em diversos setores do Estado. Sendo assim, pela cultura progressista, em tempos de crise ideológica, iniciam-se as mudanças normativas, as quais necessitam de um estudo avançado e críticas cautelosas aos princípios fundamentais.

É imprescindível recordar que a doutrina do processo civil, na pretensão de construir uma ‘ciência neutra’, tentou isolar o processo civil da realidade social. Essa tentativa de isolamento não apenas facilitou a ação de grupos mais organizados, que pressionaram para que seus direitos fossem protegidos mediante procedimentos diferenciados, como impediu estudos críticos sobre a performance do procedimento ordinário, ou melhor, a respeito da tese da uniformidade procedimental. Quem ganhou com isso, evidentemente, foram os que puderam patrocinar o lobby, pois os que não tinha poder político foram obrigados a se contentar com o procedimento “comum”.

Não se quer dizer que todos os procedimentos especiais sejam resultados de pressões particularizadas. Sendo que boa parte deles, sem dúvida, é apenas a expressão dos diferentes direitos. Mas, se estes direitos justamente possuem procedimentos especiais, alguns outros, também carecedores de tratamento diferenciado, ficaram entregues à sorte do procedimento ordinário. A análise crítica da técnica processual, atrelada à ideologia dos procedimentos, não toma em consideração somente os procedimentos ditos especialíssimos, que surgiram em benefício de determinadas posições sociais, mas igualmente a ausência de procedimentos diferenciados para situações que mereciam tratamento particularizado. A previsão de procedimentos especiais em que se torna possível a imposição de multa e a concessão de tutela antecipada, o que viabilizou autêntica ação inibitória em favor da posse e da propriedade, ao lado da exclusão de direitos fundamentais, que necessitam de prioridade absoluta de tutela inibitória para os direitos da personalidade, o que revelou a natureza patrimonialista do Código de Buzaid.

O Código de Processo Civil de 1973 antes da vigência da Lei n. Lei n. 8.952, de 13 de dezembro de 1994, era incompatível com os valores esculpidos na Constituição Republicana do Brasil de 1988. Uma Constituição que se baseia na dignidade da pessoa humana e garante a inviolabilidade dos direitos da personalidade e o direito de acesso à justiça diante de “ameaça a direito”, exige-se a estruturação de uma ação processual capaz de garantir de forma adequada e efetiva a inviolabilidade dos direitos, especialmente os de natureza não patrimonial.

Com a vigência da Constituição Federal de 1988 o Estado não é mais apenas protetor dos direitos naturais e imprescritíveis do homem, ocorrendo o abandono da política inicial de mera defesa das liberdades, tendo o Estado passado a interferir sempre de modo mais operante na esfera dos particulares para a concretude e satisfação das necessidade sociais dos indivíduos e de toda coletividade.

2.3 – A tutela Antecipatória e a distribuição do ônus do tempo do processo

O momento não poderia ser mais propício para uma mudança radical no pensamento jurídico contemporâneo quanto aos problemas enfrentados pelos jurisdicionados na questão relacionada à intempestividade do processo. A sociedade anseia por transformações no Poder Judiciário e algumas das mudanças foram contempladas com o advento da Emenda Constitucional 45, de 08 de dezembro de 2004, que, dentre as inovações, trouxe para a esfera dos direitos fundamentais positivados o princípio da duração razoável do processo que passa a fazer parte integrante do já significativo catálogo do art. 5º da Constituição Federal de 1988 no inciso LXXVIII.

Finalmente é chegada a oportunidade para que os doutrinadores nacionais comecem a se preocupar mais com a questão relacionada ao tempo do processo, tendo em vista a escassez de obras existentes até os dias atuais disciplinando a matéria, iniciando-se uma maior produção científica após a referida emenda. Quando ao descaso dos doutrinadores em relação ao tempo do processo isso é questão já debatida por Luiz Guilherme Marinoni[2], ao afirmar:

“A questão do tempo do processo sempre foi negligenciada pela doutrina do processo civil, que chegou a vê-la como ‘cientificamente’ não importante. Não obstante, um dos grandes desafios – talvez o maior – da processualística moderna é conciliar o direito à tempestividade da tutela jurisdicional com o tempo necessário aos debates entre os litigantes, à investigação probatória e ao amadurecimento da convicção judicial”.

A compreensão outrora sustentada pela doutrina ensejada pelo Código de Processo Civil de 1973 em relação à tutela antecipatória firmar-se-á diante do abuso de direito de defesa exigiu um olhar constitucionalista de 88 foi da elaboração teórica que tocou, fundamentalmente, na relação entre tutelar imediatamente o autor e o comportamento do réu e na individualização das situações em que este comportamento poderia justificar, sem violar o direito de defesa do réu, a pronta prestação da tutela ambicionada pelo autor.

A preocupação com o direito de defesa fruto de uma visão excessivamente comprometida com o liberalismo, obscureceu o significado do tempo do processo. Sendo que este sempre foi tratado como um elemento neutro, ou seja, indiferente ao direito processual civil, como se jamais pudesse prejudicar ou beneficiar qualquer dos litigantes. Não atribuir relevância científica ou teórica ao tempo do processo foi algo típico do processo chiovendiano e das doutrinas brasileira e latino-americana que estiveram no cenário das últimas décadas. Como adverte, a propósito, Barbosa Moreira, “toma-se consciência cada vez mais clara da função instrumental do processo e da necessidade de fazê-lo desempenhar de maneira efetiva o papel que lhe toca”. [3] Assim, cumpre ao ordenamento processual civil atender, do modo mais completo e eficiente possível, ao pleito daquele que exerceu o direito à jurisdição processual civil, bem como daquele que resistiu, apresentando defesa.

Com a reforma da Lei n. 8.952, de 13 de dezembro de 1994, com a introdução de despretensioso inciso no art. 2.73 do Código de Processo de Civil de 1973, é que a doutrina brasileira, pela primeira vez na América Latina, ratificou o Rui Barbosa disse em Orações dos Moços em 1921 que “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”[4]. Como está presente nas falas de Rui Barbosa, o dizer de “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça” quer dizer que o tempo do processo torna injusta a própria justiça ou tutela de direito proporcionada ao autor. Isso significa, por si, que o tempo do processo não é algo indiferente aos litigantes e, bem por isso, não pode ser tratado como algo teoricamente irrelevante aos olhos do direito.

2.4 – Teoria da Tutela dos Direitos

O professor LUIZ GUILHERME MARINONI5 trabalhou profundamente com o tema “Tutela dos Direitos e Efetividade do Processo”. Consultá-lo é indispensável ao entendimento desse relevante e complexo tema. Parece-nos, pois, que não há como se almejar efetividade do processo sem a devida compreensão e abrangência que se deve empregar à tutela dos direitos.

É salutar esclarecer que a tutela dos direitos é constituída pela própria norma de direito material. Sendo que as normas de direito material é que respondem ao dever de proteção do Estado e aos direitos fundamentais são normas que protegem o consumidor, seguridade social e o meio ambiente, por exemplo o que evidentemente prestam tutela ou proteção a esses direitos.

A tutela jurisdicional nada mais é do que uma modalidade de tutela dos direitos. É forçoso concluir, portanto, que há tutela do direito quando a decisão judicial reconhecer o direito material. Na hipótese de improcedência, embora se reconheça existir prestação da tutela jurisdicional, houve somente uma resposta do Estado, sem, contudo, prestar a tutela dos direitos. Significa dizer, então, que a efetividade do processo, adstrita a uma tutela adequada, tempestiva e efetiva, deve ser pensada à luz do direito material, ou seja, na proteção que o processo tem de ser capaz de lhe conferir. Por isso, “a tutela jurisdicional, quando pensada na perspectiva do direito material, e dessa forma como tutela jurisdicional dos direitos, exige a resposta do resultado que é proporcionado pelo processo no plano do direito material.

2.5 – O Processo Civil de 2015 e o Estado Constitucional

Na Exposição de Motivos do Código de Processo Civil de 1973, Alfredo Buzaid, então Ministro da Justiça, afirmou que a elaboração de um Código de Processo consistiria em uma instituição eminentemente técnica. O processo de Buzaid implicava em um processo com um fenômeno técnico, indiferente a fatores culturais. Contudo, o direito em geral e o processo civil, hodiernamente, são caracterizados como fenômeno culturais, não obstante possuírem uma estruturação técnica.

Deveras, a doutrina sustenta que o direito, dadas as suas características de humanidade e de sociabilidade, pode ser compreendido como um autêntico produto cultura, e, dentre todas as manifestações da cultura, o direito é fruto da cultura positiva, isto é, da cultura encarnada em comportamentos sociais reconduzíveis aos valores que caracterizam determinado contexto histórico.

Nessa vereda, o direito processual civil não pode ficar adverso a esses comportamentos que a sociedade impõe ao Estado, sendo natural, pois, que o seu formalismo sofra modificações legislativas, com vistas a assegurar o império do direito.

3 – A TUTELA PROVISÓRIA

3.1 – A tutela de urgência

3.1.1. A tutela de urgência cautelar

A tutela cautelar foi à primeira espécie de tutela de urgência a ser tratada de forma genérica e abrangente pelo legislador brasileiro, tendo merecido importante destaque no Código de Processo Civil de 1973, contou, inclusive, com um livro próprio (o livro III), e foi ampla e abundantemente regrada ao longo de 94 artigos e respectivos parágrafos (arts. 798-889).

O Código de Processo Civil de 2015 continua prevendo a tutela cautelar, mas o faz de forma muito mais frugal e, no mais das vezes, em conjunto com a antecipação de tutela, sendo que no art. 301, utilizou-se de termos como arresto e sequestro que só podem ser conhecidos quando de uma análise do CPC/73.

Sob a ótica do CPC/73 a tutela cautelar gozava de autonomia, sendo veiculada por meio de um processo autônomo. Justamente por isso, sempre se afirmou que o processo cautelar possuía uma característica notadamente instrumental. Por esse raciocínio, o processo cautelar não visa a tutelar o direito substancial discutido em juízo (objeto da ação principal), senão reflexamente, garantindo sua eficácia. O que se objetiva é a segurança em si mesma considerada, limitada a assegurar a eficácia e a utilidade do resultado buscado pelas demais tutelas, cognitivas ou satisfativas.

Tais afirmativas, repetidas à saciedade pela doutrina e pela jurisprudência, não são mais válidas a partir da vigência do CPC/2015, porquanto nele não mais se cogita de um processo cautelar instrumental a outro processo dito principal; a tutela cautelar, essa sim, serve (e continuará servindo) para garantir a tutela final, a qual deverá ser obtida no mesmo processo.

Assim, pode-se afirmar que o Código de Processo Civil de 2015 acertadamente extinguiu a autonomia do processo cautelar.

De qualquer forma, a finalidade da tutela cautelar é a de garantir o correto funcionamento da jurisdição, de forma que os provimentos judiciais não sejam simples declarações desprovidas de eficácia prática. Não há vocação para satisfazer a pretensão, mas sim possibilitar a sua satisfação, protegendo-a de situações de perigo a que está sujeita, até a solução do pedido final. Portanto, que a nota característica da natureza da tutela cautelar reside, para a ampla doutrina, na não satisfatividade, mas sim como uma garantia do direito material, sendo que no arresto, por exemplo, não se ambiciona proteger o processo principal, mas sim o crédito (a tutela condenatória) discutido no processo principal.

Ainda fazendo recordação ao CPC/73, não se pode deixar de comentar que o seu Livro III, nominado “Do Processo Cautelar”, não abrangia só medidas tipicamente cautelares.Sob o rótulo de “processo cautelar”, previram-se tanto medidas cautelares propriamente ditas (nominadas e/ou inominadas) – assim entendidas como medidas preventivas, baseadas em cognição sumária, dependentes de um processo principal e aptas a evitar a consumação de um dano – quanto medidas satisfativas autônomas, que, por opção legislativa, se sujeitam ao processo (rectius, procedimento) cautelar nele previsto.

Tinha-se, pois, na vigência do CPC/73, duas técnicas cautelares. Uma encartada num poder geral do juiz, condicionada à presença dos requisitos genéricos do fumus boni iuris e do periculum in mora, com ampla liberdade para ajustar e/ou conceder a medida cautelar necessária ao caso concreto; e outra, mais restrita, confinada a requisitos e parâmetros previamente estabelecidos pelo legislador. A primeira refere-se ao poder geral de cautela; a segunda trata das cautelares típicas ou nominadas, ou seja, aquelas tipificadas pela lei (arts. 813 a 889 do CPC/1973).

Sob a vigência do CPC/73 havia severas críticas, com as quais sempre concordamos, à manutenção das cautelares típicas, principalmente diante da enorme divergênciaexistente quanto à possibilidade, ou não, de seu deferimento quando não preenchidos os requisitos específicos (previstos para aquela cautelar típica), mas presentes os requisitos “gerais” de fumus boni iuris e periculum in mora exigidos para a cautelar inominada ou atípica.

O Código de Processo Civil 2015 lança uma pá de cal e acaba com esta discussão, extinguindo as cautelares típicas. Curioso, é que ao mesmo tempo em que não prevê mais as cautelares nominadas, cita-as ao mencionar, no seu art. 301, que a tutela urgente de natureza cautelar pode ser efetivada “mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem”. O rol é exemplificativo, mas traz consigo uma dificuldade, pois não define o que seja arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem, e conforme dito alhures só poderá ser conhecido os conceitos do rol exemplificativo utilizando-se de uma leitura do Código de Processo Civil de 1973.

Sendo que a lógica é de que estando vigente o Código de Processo Civil de 2015 e revogado o CPC de 1973, não é possível recorrer aos dispositivos revogados para se entender que medidas são essas. Não há dúvida, portanto, que os requisitos específicos previstos no Código de Processo Civil de 1973 para a concessão de tais medidas nominadas não podem ser ressuscitados, porquanto o Código de Processo Civil de 2.015 abre a via para essas (e quaisquer outras) cautelares tão-somente mediante a presença de fumus boni iuris e periculum in mora.

Sob a ótica do CPC/2015, a tutela cautelar está toda fundada no poder geral de cautela do juiz que continua a existir. Em realidade, o Código de Processo Civil de 2.015 vai além: o juiz tem um poder geral de tutela provisória, podendo se utilizar de providências cautelares ou antecipatórias.

A tutela cautelar pode ser veiculada de forma antecedente ou incidental. Diferentemente do sistema revogado, não se fala mais em dois processos; tudo se dá na mesma relação jurídica processual. Noutras palavras: no mesmo processo, veicula-se, primeiramente, por meio da petição inicial, o pedido de tutela cautelar para, após, formular-se o pedido principal.

Assim, tratando-se de tutela cautelar, a petição inicial da ação que visa à prestação desta tutela em caráter antecedente, nos termos do art. 305, deverá indicar “a lide, seu fundamento e a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar, e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”. Lembre-se, ainda, que nos termos do art. 300, os requisitos para a concessão da cautelar (e da tutela antecipada de urgência) são igualmente os mesmos: fumus boni iuris e periculum in mora.

Uma vez recebida à petição inicial que veicule uma tutela cautelar em caráter antecedente, seja deferida ou não a liminar, o réu será citado para, no prazo de cinco dias, contestar o pedido, indicando as provas que pretende produzir (art. 306). A contestação aqui está circunscrita à petição que veicula o pedido de tutela cautelar e não ao pedido principal que somente será deduzido posteriormente (art. 308).

Obviamente, tendo sido deferida liminarmente a tutela cautelar pretendida pelo autor, o mandado será de citação e de intimação dessa decisão, abrindo-se a possibilidade de o réu lançar mão do recurso de agravo de instrumento. À falta de recurso, diferentemente do que ocorre na tutela antecipada concedida em caráter antecedente (art. 304), não se prevê qualquer consequência no plano processual senão a manutenção da decisão até a decisão definitiva; não se estabiliza a tutela cautelar deferida, nem tampouco se extingue o processo.

O art. 307 traz as consequências da apresentação, ou não, da contestação relativa ao pedido cautelar antecedente. Com efeito, não havendo contestação, aplicar-se-á o efeito da revelia consistente na presunção de veracidade dos fatos alegados na petição inicial, devendo o juiz decidir em cinco dias. Uma vez contestado o pedido, observar-se-á o procedimento comum.

Valem aqui três observações: a primeira é que a revelia não necessariamente conduzirá à procedência do pedido; a segunda, é que se trata de uma decisão interlocutória e não sentença, salvo se reconhecer a prescrição ou decadência do direito do autor, sujeita, portanto, ao recurso de agravo de instrumento; a terceira é que a decisão está limitada à tutela cautelar e não diz respeito ao pedido principal, ressalvando-se novamente a hipótese de reconhecimento da prescrição ou decadência do direito do autor.

Deferida e cumprida (executada) a medida cautelar pretendida na petição inicial referida no art. 305, caberá ao autor deduzir o pedido principal no prazo de 30 dias contados da efetivação da cautelar. Frise-se e repise-se: esse pedido não será deduzido por meio de outra ação como se fazia no CPC/73, mas sim por meio de petição apresentada nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, sem pagamento de novas custas processuais.

Faculta-se, nos termos do § 1.º do art. 308, que a petição inicial preveja, desde logo, o pedido principal juntamente com o pedido de cautelar antecedente, evitando-se, com isso, a necessidade de sua formulação posterior quando deferida a cautelar. De qualquer forma, optando o autor por deduzir posteriormente o pedido principal, possibilita-se o aditamento da causa de pedir no momento da formulação desse pedido principal (art. 308, § 2.º).

Apresentado o pedido principal, as partes serão intimadas por seus advogados ou pessoalmente, – dispensando-se, portanto, nova citação – para a audiência de conciliação ou de mediação na forma do art. 334 (art. 308, § 3º). Não havendo autocomposição, o prazo para contestação (do pedido principal) será contado na forma do art. 335 (art. 308, § 4.º).

Há, portanto, a previsão de uma única citação, mas se abre a possibilidade para o réu apresentar duas contestações, uma do pedido cautelar e outra do pedido principal, ambas sujeitas à aplicação dos efeitos da revelia. É de se registrar, nesse passo, que diante da independência entre a tutela cautelar e a principal, o indeferimento da cautelar não obsta o pedido principal, salvo se quando do julgamento da cautelar se reconhecer a prescrição ou decadência do direito do autor, o que está expressamente reconhecido no art. 310.

O art. 309 traz as hipóteses em que haverá a cessação da tutela cautelar concedida em caráter antecedente. Fazemos, por oportuno, a observação de que, cessada a eficácia da tutela provisória, seja cautelar ou antecipada, o autor responderá pelo dano processual e pelos prejuízos que a efetivação da tutela tiver causado à parte adversa.

É bom que se diga que além das situações tarifadas no art. 309, há ainda outras que igualmente justificam a revogação da cautelar, implicando a cessação de seus efeitos. Veja-se, por exemplo, a alteração das circunstâncias fáticas que autorizaram sua concessão. Isso se dá porque nas medidas cautelares está implícita a cláusula rebus sic stantibus, permitindo-se, pois, sua alteração e/ou revogação se ocorrer alteração no quadro fático ou probatório vigente ao tempo da concessão.

Norma interessante está colocada no parágrafo único do art. 309 ao prever que “se por qualquer motivo cessar a eficácia da tutela cautelar, é vedado à parte renovar o pedido, salvo sob novo fundamento”. Assim, tendo a medida cautelar perdido sua eficácia, não poderá o demandante novamente deduzir o mesmo pedido, salvo por fundamento novo (nova causa de pedir).

O último dispositivo relativo à tutela cautelar antecedente (o art. 310) prevê que o indeferimento da tutela cautelar não obsta a que a parte formule o pedido principal, nem influi no julgamento desses, salvo se o motivo do indeferimento for o reconhecimento de decadência ou de prescrição. É o reconhecimento da independência entre a tutela cautelar e a tutela satisfativa pretendida no pedido principal.

Conquanto a tutela cautelar no sistema adotado pelo Código de Processo Civil de 2015 não tenha autonomia, ou seja, não seja deduzida por meio de um processo autônomo, ela não perdeu sua característica essencial de instrumentalidade em relação ao pedido principal. Se sob a égide do Código de 1973 afirmava-se que a cautelar serve ao processo principal, sob a ótica do Código de 2015, pode-se dizer que ela serve ao pedido principal.

A decisão relativa ao pedido cautelar, porque baseada em cognição não exauriente, não faz coisa julgada, de forma que seu resultado não pode influenciar o pedido principal. A exceção a essa regra se dá quando, mesmo no pedido cautelar, há o reconhecimento da prescrição ou da decadência do direito do autor, gerando uma decisão de mérito apta à formação de coisa julgada. Trata-se de técnica de economia processual, que permite ao juiz, no palco cautelar, reconhecer, desde logo, a prescrição ou a decadência relativa à pretensão material que fundamenta o pedido principal.

O inverso também deve ser considerado, ou seja, arguida a ocorrência de decadência ou prescrição, pode ser que o juiz a rejeite. Essa hipótese suscita dúvida na doutrina a respeito dessa decisão ser, ou não, atingida pela coisa julgada, a impedir que a questão seja novamente alegada pela parte. Entendemos que a opinião acertada é aquela mais afeta à letra da lei, pela qual não se autoriza, na rejeição, a formação de coisa julgada, o que somente ocorrerá na hipótese de reconhecimento.

3.1.2. A tutela de urgência antecipada

O instituto da antecipação de tutela ganhou contornos de generalidade em nosso ordenamento jurídico com o advento da Lei 8.952/1994, ao dar nova redação ao art. 273 do CPC/1973 que passou, no caput, a dispor que:

“O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu”.

Não foi, porém, uma simples mudança de um dispositivo legal. A possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela para a generalidade das ações e processos trouxe profundas mudanças no sistema processual brasileiro.

Deveras, pois todo o sistema até então em vigor era informado pela necessidade de cognição exauriente com decisão final de mérito (definitiva) para que, só após, se cogitasse de eventual produção de efeitos. Com a antecipação de tutela, o sistema mudou sua lógica, permitindo, mesmo que em caráter excepcional, porém para a generalidade dos casos, uma tutela provisória, fundada em cognição sumária, com imediata efetividade.

Com efeito, a antecipação de tutela deve ser entendida como a possibilidade de precipitação dos efeitos da tutela jurisdicional ou, noutras palavras, o adiantamento de efeitos de um futuro provimento de mérito, permitindo a fruição imediata, pelo autor, daquilo que só teria possibilidade de gozar após um longo percurso processual e de tempo: após eventual sentença que excepcionalmente tenha eficácia imediata (ou seja, cujo recurso de apelação não seja recebido no efeito suspensivo), após o julgamento da apelação ou ainda após o trânsito em julgado.

Tal possibilidade, mesmo antes de 1994, era possível, porém tão somente em determinados procedimentos especiais, como no mandado de segurança, possessórias etc. Em razão disso, noutros feitos que não permitiam tal possibilidade, diante de uma situação urgente, a parte valia-se da via cautelar, mais precisamente do poder geral de cautela previsto no art. 798 do CPC/1973, que era utilizada como verdadeira “válvula de escape” na tentativa de precipitação dos efeitos materiais da tutela pretendida.

Em que pese haver falta de sintonia, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, a respeito da possibilidade de cabimento das chamadas cautelares “satisfativas”, o fato é que tal expediente, à míngua de outro veículo para a tutela de urgência, teve larga utilização na praxe forense.

Nesse contexto, o legislador processual, com o advento do art. 273 do CPC/1973, estendeu a solução excepcional da antecipação dos efeitos da tutela para a generalidade dos casos, permitindo-a, em qualquer processo cognitivo, mediante preenchimento de determinados pressupostos.

A reação veio de imediato a nosso ver, de forma exagerada. De um extremo, passamos ao outro. A partir do advento da antecipação de tutela, a maioria da doutrina pátria passou a “abominar” as chamadas cautelares satisfativas, insistindo numa separação absoluta entre as cautelares e a antecipação de tutela.

Se há elementos distintivos entre ambas, nem sempre de fácil percepção, não se pode olvidar que há ainda mais elementos de aproximação, que demonstram a sua inescusável similitude. Ambas têm a mesma ratio, qual seja, estão vocacionadas a neutralizar os males do tempo no processo judicial e, por tal razão, possuem inúmeras características comuns.A aproximação entre elas fica patente quando se analisa comparativamente a tutela cautelar e a antecipação de tutela fundada na urgência, ambas espécies do mesmo gênero (tutelas de urgência).

O tratamento da tutela cautelar e da antecipação de tutela de forma separatista e isolada pode ter seus méritos acadêmicos, mas acaba por prejudicar, na prática, a adequada utilização desses importantes institutos, que devem ser interpretados em conjunto, num verdadeiro sistema legal (único) das tutelas de urgência, extraindo-se, com isso, todo o potencial necessário para o seu objetivo: a adequada, tempestiva e proporcional tutela jurisdicional.

Nesse ponto, avançou-se muitíssimo com o CPC/2015, ao trazer disposições gerais a respeito da tutela de urgência, pouco importando tratar-se de cautelar ou antecipação de tutela (arts. 300-302), num claro esforço de aproximação entre elas. Infelizmente, não chegou à completa identidade entre ambas, diferenciando-as no procedimento quando pleiteadas em caráter antecedente.

A tutela antecipada, tal como a cautelar, é marcada por uma luta contra o tempo, visando a minimizar (e até a neutralizar) as consequências deletérias que a demora na outorga da prestação jurisdicional definitiva poderá acarretar ao bem litigioso. Para tanto, o legislador muniu o juiz do poder de precipitar, antecipar a ocorrência de certos efeitos externos ao processo, ou seja, propiciar a imediata satisfação do bem tutelado.

Note-se que nessa modalidade de tutela de urgência, diferentemente da tutela cautelar, satisfaz-se para proteger e não simplesmente se acautela para possibilitar uma futura satisfação. Noutras palavras, enquanto a tutela antecipada implica adiantamento de efeitos da sentença de mérito, a tutela cautelar limita-se a garantir a utilidade do pedido principal, sendo, portanto, desprovida de satisfatividade. Reside aqui a principal, senão a única, diferença entre ambas. Sendo que tais tutelas atuam no mesmo senário, porém por técnicas distintas.

Há razoável consenso na doutrina, no sentido de que a tutela antecipada implica o adiantamento dos efeitos do provimento definitivo. Não se trata, pois, de antecipar a própria tutela (o provimento judicial que definirá a relação jurídica), nem tampouco de apenas assegurar o seu resultado. A tutela antecipada está no meio-termo entre essas duas providências, e, justamente por isso, presta-se à concessão antecipada do bem da vida, do pedido mediato e não do pedido imediato (a tutela em si mesma), que será apreciado na sentença.

Em razão dessa característica, pode-se dizer que a tutela antecipada ostenta natureza satisfativa.

É importante o registro de que no CPC/73, a antecipação de tutela prevista no art. 273 apresentava mais de uma natureza jurídica. Tinha-se: (i) a tutela antecipada determinada pelo perigo de dano (inc. I do art. 273 do CPC/1973) cuja natureza era de tutela de urgência com função satisfativa; e (ii) a tutela antecipada determinada pelo abuso do direito de defesa (inc. II do art. 273 do CPC/1973), espécie de tutela de evidência

O CPC/73 trazia, ainda, outra espécie de provimento colocado no mesmo art. 273. Tratava-se da “antecipação de tutela” determinada pela incontroversa do pedido (§ 6º do art. 273 do CPC/1973), que se revestia, a nosso ver, de natureza de verdadeiro julgamento antecipado.

E, por fim, o CPC/73 ainda trazia, no § 3º do seu art. 461, a previsão de concessão de antecipação de tutela nas ações que tenham por objeto o cumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer. Tratava-se de norma especial destinada a disciplinar a antecipação de tutela nas ações de obrigação de fazer e não fazer. Não se tratava, porém, de um dispositivo hermético; a ele aplicava-se subsidiariamente o art. 273, que traz uma espécie de “regra geral”. Pode-se dizer, assim, que no CPC/1973, o art. 461, § 3º, integrava, ao lado do art. 273, um microssistema posto à disposição da tutela antecipada.

O CPC/2015, por sua vez, dá um tratamento mais uníssono, racional e lógico à tutela antecipada. Com efeito, a tutela antecipada de urgência é tratada em conjunto com a tutela cautelar, sob o rótulo de tutela de urgência (arts. 300-310), numa visão mais do que correta de que ambas são espécies do mesmo gênero.

3.1.2.1. A tutela antecipada requerida em caráter antecedente no CPC de 2.015

A tutela de urgência (cautelar ou tutela antecipada) pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental. Reside, nesse ponto, uma importante disposição do CPC de 2015.

Isso porque sob a égide do CPC/1973, ao menos numa interpretação literal, só há possibilidade de se veicular uma tutela cautelar em caráter antecedente e, assim mesmo, sob a forma de um processo cautelar preparatório. Não se cogitava, portanto, ao menos expressamente, de uma tutela antecipada (e, portanto, satisfativa) em caráter antecedente.

Mudando essa lógica, o CPC/2015, por meio dos arts. 303 e 304, permite expressamente que um pedido de tutela antecipada seja veiculado em caráter antecedente o que ocorre para a tutela de urgência cautelar nos arts. 305 a 310, sendo que trataremos da tutela de urgência antecipada neste tópico.

O art. 303 trata do procedimento para requerimento da tutela antecipada (e, portanto, satisfativa) em caráter antecedente e o art. 304 dispõe acerca da estabilização da tutela antecipada. Esses dois dispositivos trazem uma série de novidades no ordenamento jurídico.

Em face de uma “urgência contemporânea à propositura da ação” (ou seja, a impossibilidade de, naquele determinado momento, dada uma situação de urgência urgentíssima, instruir adequadamente a ação que contemple o pedido final) poderá o autor da demanda formular uma “petição inicial” para requerer tão somente a antecipação da tutela, limitando-se a indicar “o pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.”

Trata-se, como se vê, de uma “petição inicial” simplificada, sem necessidade de observância fiel a todos os requisitos dos arts. 319 e 320, com a intenção precípua de veicular o pedido de antecipação de tutela, demonstrando a probabilidade do direito e o perigo de dano (art. 300). Ao veicular o pedido de antecipação de tutela, o autor deve, desde já, identificar com exatidão o contorno do pedido principal (que será confirmado no aditamento), até para que se possa avaliar a extensão e os efeitos da providência de urgência solicitada. Tanto assim que, nos termos do § 4º do art. 303, essa “petição inicial simplificada” deverá trazer, desde logo, o valor da causa, levando em consideração o pedido de tutela final pretendida, recolhendo-se, salvo os casos de gratuidade da justiça, as custas correspondentes.

Para que não haja qualquer dúvida sobre se a “petição inicial” refere-se tão somente ao pedido de antecipação de tutela, o autor deverá indicar expressamente na petição inicial que “pretende valer-se do benefício previsto no caput deste art.” (§ 5.º do art. 303). 

Uma vez concedida à tutela antecipada, o autor deverá aditar a “petição inicial simplificada”, cabendo-lhe complementar sua argumentação, juntar novos documentos e confirmar o pedido de tutela final, no prazo de quinze dias, ou em outro prazo maior que o juiz fixar (art. 303, § 1º, I). O aditamento será feito nos mesmos autos, sem incidência de novas custas processuais (§ 3º do art. 303), as quais já devem ter sido recolhidas tomando-se por base o valor do pedido final quando da propositura da “petição inicial simplificada”.

Perceba-se que não se permite ao autor mudar o pedido principal no aditamento, mas sim confirmá-lo, até porque esse mesmo pedido já deve ter sido anteriormente explicitado na “petição inicial” que serviu para o requerimento da tutela antecipada. Além disso, permite-se ao autor juntar documentos que comprovem suas alegações, mesmo aqueles existentes ao tempo do ajuizamento, que ainda não tenham sido juntados quando da propositura da ação. Não há, pois, necessidade de se juntar todos documentos necessários à comprovação dos fatos e do direito, com a “petição inicial simplificada”.

É de se registrar, outrossim, que a prova não está circunscrita à documental, cabendo ao autor no aditamento fazer a indicação das provas que pretende produzir, sendo-lhe permitido fazer prova dos requisitos necessários a concessão da tutela antecipada por meio de justificação prévia, nos termos do § 2º do art. 300.

Tendo sido concedida a tutela antecipada “o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação na forma do art. 334”, sendo certo que, não havendo autocomposição, “o prazo para contestação será contado na forma do art. 335.” (incs. II e III do § 1º do art. 303).

Como se vê, a lei é silente quanto ao momento da citação do réu, se imediatamente ou somente após o aditamento. Diante do silêncio, a melhor interpretação é a de que a citação é imediata; na realidade, haverá citação e intimação não só para a audiência, como também da tutela antecipada deferida, abrindo-se ao réu a possibilidade de recorrer dessa decisão por meio de agravo de instrumento (art. 1.015, I). O prazo para contestar, no entanto, somente será contado, nos termos do art. 335, após a audiência ou o protocolo do pedido de seu cancelamento feito pelo réu.

Havendo a concessão da tutela antecipada e, bem assim, o aditamento pelo autor, a ação seguirá o procedimento comum. Deferida a tutela antecipada e não realizado o aditamento pelo autor, o processo será extinto sem resolução do mérito, cessando-se, nesse caso, a eficácia da medida antecipatória concedida (art. 303, § 2º).

A “petição inicial simplificada” que veicula o pedido de tutela antecipada também está sujeita à emenda. Caso entenda o juiz que não há elementos para a concessão da tutela antecipada, não deverá indeferi-la de plano, mas sim determinar a emenda da petição em até 5 (cinco) dias, conforme se depreende pela leitura do art. 303, § 6º do CPC/2015. Há de lembrar-se que também há a possibilidade do autor utilizar-se da audiência de justificação para robustecer a prova (art. 300, § 2º). Determinada a emenda, se o autor permanecer silente, a consequência será o indeferimento da petição inicial e a extinção do processo sem resolução de mérito.

3.1.2.2. Estabilização da tutela antecipada concedida em caráter urgente

Antes de mais nada, é imperioso o registro de que a ideia central da estabilização é que a decisão proferida em sede de antecipação de tutela, no âmbito do procedimento antecedente, produza e mantenha seus efeitos, independentemente da continuidade do processo de cognição plena, quando as partes se conformarem com tal decisão. Noutras palavras, se as partes ficam satisfeitas com a decisão que concedeu a tutela antecipada, baseada em cognição sumária e sem força de coisa julgada, o CPC de 2015 não as obriga a prosseguir no processo, para obter uma decisão de cognição plena, com força de coisa julgada material.

Prevê o caput do art. 304 que “a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável”, ou seja, a tutela antecipada (e não a cautelar) concedida de forma antecedente (art. 303). Ora, a técnica conservativa empregada pela tutela cautelar, presume a adoção de uma providência protetiva temporária, que deve ser eficaz até que a parte possa ser satisfeita pelo pedido principal. Utilizando-se desse raciocínio, fica mesmo difícil imaginar a estabilização de efeitos cautelares. Como se justifica, por exemplo, que uma hipótese de arresto que subsista por tempo indeterminado, retirando o bem da disposição do devedor, sem permitir, entretanto, a satisfação do direito material do credor?

Assim, acertadamente previu o CPC/2015 que a técnica da estabilização volta-se à tutela antecipada e não à tutela cautelar. O problema é que, conquanto correta, tal opção traz uma consequência nefasta: o CPC/2015 fará ressurgir a indesejável discussão sobre a natureza da medida de urgência concedida, se cautelar ou satisfativa.

Além disso, é importante ponderar também que o CPC/2015, ao menos literalmente, previu a estabilização somente para a tutela antecipada concedida em caráter antecedente. É o que novamente sugere a literalidade do caput do art. 304, ao prever, repita-se, que “a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável”.

Nesse ponto, segundo pensamos, o legislador disse menos do que queria (lex minus dixit quam voluit). Admitindo-se o raciocínio literal, resulta que a tutela antecipada concedida incidentalmente não tem o condão de “estabilizar-se”, impondo-se o prosseguimento do processo visando a uma decisão final, apta à formação de coisa julgada material.

Além disso, não se pode perder de vista que o pedido de tutela antecipada de urgência antecedente é medida excepcional, justificando-se diante de uma urgência contemporânea à propositura da ação (art. 303). Sendo assim, no mais das vezes, a tutela antecipada continuará a ser requerida tal como no sistema do CPC/1973 – ou seja, incidentalmente, vale dizer, no bojo de um processo definitivo já instaurado, com petição inicial que contemple o pedido final, dotada de cognição plena – o que restringirá sobremaneira a incidência desse dispositivo.

A melhor interpretação, a nosso ver, é aquela que confere a maior eficácia possível ao instituto, admitindo-se, assim, a estabilização mesmo no caso da tutela antecipada deferida incidentemente, desde que requerida (e concedida) liminarmente. O que não faz sentido é permitir a estabilização quando a tutela antecipada é deferida após o exercício do contraditório e tendo prosseguido o processo.

Ainda nesse contexto, deve-se admitir a estabilização da tutela de evidência (que é antecipada), desde que, obviamente, tenha sido deferida liminarmente. Na tutela de evidência, em razão da grande probabilidade do direito em favor do autor, também deve ser permitida a técnica da estabilização, evitando-se com isso o prosseguimento do processo, caso não haja um recurso contra a decisão que a concede.

Outra questão que merece ser considerada está relacionada à ausência de recurso e suas consequências. Com efeito, o caput do art. 304 traz a informação de que a tutela antecipada requerida de forma antecedente, nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder “não for interposto o respectivo recurso”.

Numa interpretação literal, o que terá condão de ditar, ou não, a estabilização, será a providência recursal. Não havendo recurso, a decisão que antecipou a tutela tornar-se-á estável e o processo será extinto (§ 1.º do art. 303). Frise-se: pela letra da lei, não basta que o réu conteste a demanda. Se não houver recurso da decisão que antecipou a tutela, esta se tornará estável e o processo, com ou sem contestação, será extinto.

A nosso ver, contudo, qualquer forma de oposição (v.g., contestação, reconvenção) deve ter o condão de evitar a extinção do processo. Basta a resistência, a manifestação do inconformismo do réu, a qual pode se dar de várias formas, não só pelo recurso. É bem verdade que na maioria dos casos o prazo para apresentação de defesa terá início somente após a realização da audiência, de forma que primeiro se escoará o prazo para o recurso de agravo. De qualquer forma, citado o réu ele poderá, se quiser, adiantar a contestação.

A vingar uma interpretação literal antevê-se um risco potencial de aumento dos agravos de instrumento, pois a parte seria obrigada a lançar mão do recurso se quiser que a ação prossiga e seja julgado o pedido final.

Entendo que, além disso, não haverá estabilização da tutela antecipada, mesmo diante da ausência de recurso (ou resistência) do réu, quando o autor não aditar a petição inicial (inc. I do art. 303), o que implicará a extinção do processo (art. 303, § 2.º), com a perda da eficácia da tutela antecipada deferida.

Tal questão ganha um contorno interessante diante do fato de que o prazo para recurso (15 dias) e para o aditamento (15 dias) podem ser coincidentes. A consequência da inércia do réu implica a estabilização da tutela antecipada, ao passo que a consequência da inércia do autor implica a extinção do processo com a revogação da tutela antecipada adrede deferida.

Imagine-se, então, que sendo coincidente o prazo, o autor não adite a inicial e o réu não recorra da decisão que deferiu a antecipação de tutela. Nesta hipótese, extinguir-se-á o processo com ou sem a tutela antecipada “estável”?

A nosso ver, o processo será extinto sem estabilizar a tutela antecipada. Poder-se-ia cogitar da extinção do processo com a estabilização da tutela antecipada, porquanto é conferida às partes a ação prevista no §2o do art. 304 para rever, invalidar ou reformar a antecipação de tutela, mas, se vingar tal raciocínio, nenhum autor se preocupará em proceder ao aditamento que a lei lhe impõe, na medida em que o arquivamento do processo lhe favorecerá, mesmo diante de sua inércia, pois obrigará o réu a ingressar com uma ação para discutir a tutela antecipada. Justamente por isso, a hipótese de extinção do processo com a estabilização da tutela antecipada deve ser confinada somente à hipótese de inércia do réu em não impugná-la.

A ausência do “recurso” (a nosso ver, impugnação) contra a decisão que antecipou a tutela implica a estabilização da tutela antecipada e a extinção do processo. Nesse contexto, diante da extinção do processo onde concedida a medida estável, a discussão a respeito da antecipação de tutela somente poderá ser reaberta por meio da ação prevista no § 2.º do art. 304 que prevê que “qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada”. Trata-se de outra ação, com cognição exauriente, movida por aquele que quer discutir a antecipação de tutela.

Essa nova demanda reabre, por assim dizer, a discussão do processo extinto, aprofundando a cognição até então exercida e, por isso, não altera a distribuição originária do ônus da prova. Assim, caso seja o réu da ação extinta a assumir a condição de autor dessa segunda demanda, não haverá a redistribuição do ônus de prova, de forma que o réu dessa segunda ação (autor da ação extinta), continuará tendo o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito.

De qualquer forma, uma vez estabilizada, a tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito havida na ação adrede mencionada (§ 3º, do art. 304). Não se nega, porém, ao autor dessa ação que visa à revogação da antecipação de tutela estabilizada, a possibilidade de pretender liminarmente (igualmente a título de antecipação de tutela), a suspensão dos efeitos daquela.

No que respeita à revisão da tutela antecipada concedida, diz à lei que qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida estabilizada, para instruir a petição inicial da ação para discuti-la. Nesse caso, será prevento o juízo em que a tutela antecipada estabilizada foi concedida (§ 4º, do art. 304).

O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, por meio da ação própria prevista no § 2º, do art. 304, extingue-se após dois anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo. Trata-se de prazo decadencial e, portanto, não se admite sua suspensão ou interrupção. Após esse limite temporal, as partes não mais terão direito a discutir a estabilização da antecipação de tutela. Nem se cogite que após tal decurso de tempo inicia-se o prazo para ação rescisória, porque a tutela antecipada estabilizada não faz coisa julgada material.

O § 6.o do art. 304 esclarece que a decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos “só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º”.

A opção feita pelo CPC/2015 quanto à ausência de coisa julgada está em consonância com o direito italiano e o francês e, segundo nosso entendimento, é a melhor.

O instituto da coisa julgada é incompatível com decisão proferida com base em cognição superficial e, por isso mesmo, provisória e sujeita à confirmação. O que confere idoneidade para que uma decisão fique imune à revisão é justamente a profundidade da cognição nela desenvolvida.

Feitos os elogios devidos à opção adotada pelo CPC/2015, vamos ao problema: se não há coisa julgada escoa-se o prazo de dois anos para a ação prevista no § 2.o, do art. 304, respeitados os prazos prescricionais, não poderia qualquer das partes ajuizar outra ação visando a discutir o mesmo bem da vida, com inegável repercussão na tutela antecipada estabilizada?

O prazo de dois anos encerra a possibilidade de se ajuizar uma ação que reabra a discussão do processo extinto, nos exatos limites e contornos da lide originária na qual se deferiu a antecipação de tutela. Assim, passado esse prazo, diante da inexistência de coisa julgada acerca da matéria, nada impede que qualquer das partes, respeitados os prazos prescricionais pertinentes, ingresse com uma nova demanda, com cognição exauriente, que diga respeito ao mesmo bem da vida discutido na ação que foi extinta (mas não a mesma ação). Fechar essa possibilidade seria o mesmo que dar prevalência a uma decisão de cognição sumária em relação a uma decisão fruto de cognição exauriente e completa, com o que não podemos concordar.

Pensemos, no seguinte exemplo:uma ação de alimentos em que se conceda liminar e a decisão que antecipou a tutela torne-se estável. Após dois anos, move-se uma ação negatória da paternidade, na qual, após exame de DNA, seja julgado procedente o pedido. Nessa situação, aquele que não é pai (assim reconhecido por decisão transitada em julgado) continuaria obrigado a pagar os alimentos, mercê da tutela antecipada estável? Entendo que não.

Não concordamos, pois, com a opinião daqueles que defendem a total impossibilidade de privar de efeitos a decisão estável após o decurso do prazo de dois anos, mesmo diante da ausência de coisa julgada.

Não se desconhece, todavia, que tal opinião também é controversa. Já se colhe várias opiniões na doutrina a respeito desse tema. Ao que parece, a opinião majoritária tende a ser pela total impossibilidade de modificação da decisão estável após o decurso do prazo de dois anos, mesmo diante da ausência de coisa julgada.Ainda com relação à estabilização da tutela antecipada, impõe-se considerar uma outra controvérsia: como fica a estabilização em face de uma antecipação de tutela parcial? Quando houver antecipação de tutela a apenas parcela do pedido formulado ou a apenas um dos pedidos cumulados, pode-se falar em estabilização, porém o processo não se extingue, prosseguindo quanto à parcela do pedido ou demais pedidos não abrangidos pela decisão de concessão da tutela antecipada. Ocorre nesse caso uma espécie de desmembramento do objeto litigioso, como se dá no julgamento parcial de mérito (art. 356).

Há ainda outro problema que merece ser abordado. Trata-se da hipótese de a antecipação de tutela antecedente pretendida pelo autor ser indeferida em primeira instância e, no tribunal, em sede de agravo de instrumento interposto pelo autor, ser concedida. Tudo isso antes de o réu tomar conhecimento da existência da demanda. A hipótese, como se sabe, é bastante comum.

Nesta situação, pode se falar em estabilização? Teria o réu obrigação de recorrer para evitar a estabilização? Qual seria o recurso cabível? Pensamos que a regra da estabilização não está confinada à hipótese de concessão da tutela antecipada em primeira instância. Assim, havendo a concessão da medida antecedente em agravo de instrumento, abrem-se duas possibilidades: (i) se a decisão for monocrática, do Relator, deverá o réu opor agravo interno; (ii) se a decisão for colegiada, ao réu caberá o manejo do recurso especial.

Cabe, porém, lembrar que defendemos a possibilidade de que qualquer tipo de oposição do réu (e não só o recurso stricto sensu) para afastar a estabilização. Dessa forma, se o réu já tiver, de alguma forma, em primeira instância, se oposto ao pedido do autor não há que se falar em estabilização. Também não haverá estabilização se o autor, em primeira instância, já tiver aditado a petição inicial, porquanto contrário à ideia central desta nova técnica que é a estimular a manutenção dos efeitos da tutela antecipada, extinguindo-se o processo e dispensando-se a formulação do pedido principal pelo autor.

Por fim, resta indagar a respeito do cabimento, ou não, de honorários advocatícios quando se der a estabilização da tutela antecipada e a extinção do processo. Se, de um lado, o trabalho do advogado do autor – que teve a tutela antecipada deferida – deve ser remunerado, de outro, deve ser levada em conta a opção do réu de não oferecer resistência. Cabível, assim, como defendem alguns, fazendo-se interpretação sistemática e teleológica, a aplicação da redução dos honorários pela metade, tal como previsto, pelo próprio CPC/2015, para outras hipóteses em que o réu não opõe resistência, v.g., cumprimento do mandado monitório no prazo, sem a oposição de embargos (art. 701) e pagamento integral da execução (título extrajudicial) em 03 dias (§1o do art. 827). Assim, se o réu não oferecer resistência à concessão da tutela antecipada antecedente, gerando a estabilização da tutela e a extinção do processo, a sentença que extingue o processo (§1o do art. 304) deve condenar o réu em honorários advocatícios correspondentes à metade do mínimo (10%), isto é, em 5% (cinco por cento).

3.2 – A tutela de evidência

No Código de Processo Civil de 1973 a técnica da tutela de evidência não estava tratada de forma coesa. Havia dispositivos esparsos que traduziam tal tipo de tutela. Veja-se, por exemplo, a hipótese de tutela antecipada fundada no direito de defesa no art. 273, II; a liminar na ação de depósito; a liminar nas ações possessórias etc.

Quanto ao inc. II do art. 273, pode-se dizer que se tratava, por expressa disposição legal, de uma hipótese de antecipação de tutela quando ficar “caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu”. Assim, mercê da defesa inconsistente e/ou procrastinatória apresentada pelo réu, o direito do autor fica ainda mais evidenciado, emergindo maior probabilidade de vitória da sua pretensão. Tratava-se, pois, de uma antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional plasmada na ideia de evidência e não de urgência. Concedia-se, antecipadamente, aquilo que muito provavelmente viria a final.

Nesse sentido, a defesa apresentada pelo réu deveria mostrar uma característica de embaraço à justa pretensão do autor, afastando-se dos limites estabelecidos pelo princípio da ampla defesae resvalando numa postura assemelhada à litigância de má-fé regulada pela legislação brasileira. Deveria ser analisado o comportamento do réu para distinguir se este estava usando ou abusando do seu direito de defesa.

Deveria haver, na atitude do réu, uma espécie de desvio de finalidade da peça de defesa, que passa a ser um instrumento ilegítimo de resistência à pretensão do autor, reforçando-a em vez de refutá-la. Noutras palavras, a existência do direito afirmado pelo autor, diante dos argumentos deduzidos pelo réu na sua defesa, fica ainda mais evidente.

Justamente por isso era muito comum a afirmativa de que a antecipação de tutela assume um caráter punitivo, verdadeiramente sancionatório, diante da conduta do réu.

Ressalvamos que, além do caráter sancionatório, a hipótese do inc. II do art. 273 do CPC/1973 caracterizava também uma espécie de instrumento que visava a redistribuir o ônus do tempo no processo, para o fim de minimizar e/ou neutralizar o dano marginal do processo, em face do alto grau de probabilidade de vitória da pretensão do autor.E isso se dava mercê da verossimilhança (caput do art. 273 do CPC/1973) da pretensão do autor, somada à falta de sentido e seriedade da defesa e/ou do seu manifesto propósito protelatório do réu.

É interessante ponderar que parte da doutrina sustentava a possibilidade de aplicação do inc. II do art. 273 do CPC/1973 antes mesmo da citação do réu, diante de situações que evidenciassem seu abuso do direito de defesa diante de condutas extraprocessuais como, por exemplo, o embaraço à efetivação da citação ou mesmo cartas, avisos, notificações etc.

Com tal opinião nunca concordamos. Parece-nos que não há possibilidade de se antever eventual abuso do direito de defesa que deve, em nosso sentir, necessariamente ser avaliado sob uma ótica endoprocessual.

Por sua vez, o Código de Processo Civil de 2015 dá um tratamento mais robusto à tutela da evidência. Consolida num único dispositivo legal (art. 311) quatro hipóteses, das quais duas delas (as dos incisos. II e IV) não estavam previstas no Código de Processo Civil de 1973.

Continuam existindo, é bom que se diga, outras hipóteses de tutela de evidência, além daquelas previstas no art. 311, por exemplo, a liminar possessória, mas é fato que tal dispositivo traz uma espécie de regra geral da tutela provisória de evidência e o faz de forma bem mais ampla do que o Código de Processo Civil de 1973.

É certo que há situações em que o direito invocado pela parte se mostra com um grau de probabilidade tão elevado, que se torna evidente. Nessas hipóteses, não se conceber um tratamento diferenciado pode ser considerado com uma espécie de denegação de justiça, pois, certamente, haverá o sacrifício do autor diante do tempo do processo.

Tais situações não se confundem, é bom que se esclareça, com aquelas em que é dado ao juiz julgar antecipadamente o mérito (arts. 355 e 356), porquanto na tutela de evidência, diferentemente do julgamento antecipado, a decisão pauta-se em cognição sumária e, portanto, traduz uma decisão revogável e provisória.

É, pois, com esse foco que se estruturou no novo Código de Processo Civil um tratamento diferenciado para as tutelas de evidência, permitindo-se ao autor, mediante a demonstração da evidência de seu direito, a antecipação dos efeitos da tutela final.

Como se sabe, trata-se de uma tutela provisória, mas não de urgência, porquanto fundada exclusivamente na evidência do direito, não se exigindo, para sua concessão, a demonstração do periculum in mora. O caput do art. 311 traz, desde logo, esse conceito ao referir que a “tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo”.

Os incisos do art. 311 tratam das situações em que se enxerga a evidência do direito apta à concessão dessa modalidade de tutela provisória. Vamos a eles:

O inc. I tarifa a situação em que fica caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte. Importa, pois, para a configuração da hipótese o mau comportamento do réu que deve se traduzir em abuso do direito de defesa ou em propósito protelatório. Esta hipótese é justamente aquela prevista no inc. II do revogado art. 273 do CPC/1973.

Dessa forma, a defesa deve ser abusiva, excessiva, anormal, inadequada, com o propósito de frustrar e/ou atrasar a prestação jurisdicional. É interessante observar que o réu pode apresentar defesa técnica adequada e mesmo assim abusar do direito de defesa, que deve ser lido consoante o princípio da ampla defesa, abarcando não só as peças confeccionadas a esse título (contestação, reconvenção etc.) como também a conduta do réu na defesa de seus interesses, em suma, todas as situações subjetivas processuais que integram a defesa.

Nesse sentido, a defesa stricto sensu pode até ser adequada, porém ficar evidenciado, por sua conduta, o manifesto propósito protelatório, como, por exemplo, insistir em discutir matéria já preclusa, repetir alegações indeferidas, fazer reiteradas cargas, repetir recursos que foram inadmitidos.

Por tal razão, concordamos com Flávio Luiz Yarshell e Helena Abdo, no sentido de que o “manifesto propósito protelatório” integra o “abuso do direito de defesa”.Nesse mesmo sentido, José Roberto dos Santos Bedaque entende que defesa abusiva equivale à defesa carente de seriedade, que demonstre a postura incorreta do réu, em situação assemelhada às condutas descritas nos dispositivos que tratam da litigância de má-fé.

Resta, ainda, indagar se o simples comportamento abusivo da parte, por si só, justifica a tutela provisória, mesmo se não vislumbrada a probabilidade do direito invocado. Pensamos que não. Tal requisito é essencial à tutela provisória, não só à tutela da evidência, como também à tutela de urgência. Assim, mesmo diante da defesa carente de seriedade, o direito do autor deve se apresentar verossímil, provável.

A verdade é que, mercê da defesa procrastinatória apresentada pelo réu, o direito do autor fica ainda mais evidenciado, emergindo maior probabilidade de vitória da sua pretensão.

O inc. II traz uma novidade do CPC/2015 e diz respeito à situação em que as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante. Nessa situação, pouco importa a atitude do réu. Há necessidade da presença de dois requisitos: (i) que a situação de fato apresentada pelo autor possa ser comprovada apenas por documentos e que ele o faça; e (ii) que a tese jurídica envolvendo a questão já se encontre pacificada, seja em sede de julgamento de casos repetitivos, seja por força de súmula vinculante.

Insista-se: há a necessidade da presença de dois requisitos cumulativamente: prova documental e a existência de precedente obrigatório. Não basta a existência de apenas um deles.

Quanto à prova, há necessidade de que a prova seja documental ou, ao menos, documentada (tal como a prova emprestada ou aquela produzida em caráter antecipado).

Com relação ao segundo requisito, vale dizer, a existência de precedente obrigatório ou vinculante, a letra do inciso II do art. 311 fez referência apenas a duas situações de precedentes obrigatórios previstas no art. 927 do CPC/2015: a súmula vinculante (inciso II) e o julgamento de demandas ou recursos repetitivos (inciso III in fine).

Há, contudo, outras situações de precedentes obrigatórios, com vinculação forte, previstas no mesmo art. 927, quais sejam: as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade (inciso I) e os acórdãos em incidente de assunção de competência (inciso III, primeira parte). Além disso, há ainda os enunciados das súmulas persuasivas (não vinculantes) do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional (inciso IV), cujo grau de vinculação é média e, bem assim, a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais o juiz ou tribunal estiver vinculado, com vinculação fraca (inciso V).

A questão interessante diz respeito à possibilidade de se conceder, ou não, tutela de evidência também nessas hipóteses. Parte da doutrina tem sustentado a aplicação analógica e extensiva para admitir a concessão da tutela da evidência quando baseada em qualquer dos precedentes previstos no art. 927 do CPC/2015. Concordamos com tal posicionamento.

Isso porque o art. 332, que prevê as hipóteses de improcedência liminar do pedido, dá ao juiz a possibilidade de julgar o feito (tutela definitiva, portanto) diante de súmulas persuasivas do STF e do STJ e, bem assim, diante de enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local. Ora, quem pode o mais, pode o menos. Se tais hipóteses permitem um julgamento definitivo, devem também permitir a concessão de uma tutela provisória de evidência.

O inc. III trata de hipótese bem específica: tratar-se de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa. Para explicar essa hipótese, convém esclarecer que o contrato de depósito é regido pelas disposições contidas no art. 627 e seguintes do CC. De forma resumida, pode-se dizer que o depositário tem por obrigação guardar o bem e conservá-lo, como se seu fosse, obrigando-se a restituí-lo, com seus respectivos frutos, ao depositante.

Na sistemática do Código de Processo Civil de 1973, caso houvesse negativa da devolução do bem e “prova literal” do depósito (art. 902 do CPC/1973), o depositante ingressava com ação de depósito, buscando compelir o depositário a lhe devolver o bem. O CPC/2015 não previu essa mesma situação como uma espécie de tutela de evidência, eliminando o procedimento específico (ação de depósito) para obter a tutela jurisdicional consistente na entrega do bem e prevendo a possibilidade de cominação de multa para a não entrega. Para tanto, o depositante deverá apresentar prova documental do contrato de depósito.

Por fim, é imperioso consignar que a hipótese deve ser lida com certa amplitude e não ficar limitada ao contrato de depósito. Todo e qualquer pedido reipersecutório, ainda que não com fundamento em depósito, abre a possibilidade de concessão da tutela da evidência. Imagine-se, por exemplo, uma compra e venda com reserva de domínio de uma maquina e a necessidade de se retomá-la diante do inadimplemento.

O inc IV – outra novidade do CPC/2015 – prevê a tutela de evidência quando a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável. Exige-se, portanto, de um lado, pelo autor, prova documental suficiente, idônea, para a comprovação dos fatos constitutivos por ele alegados; e, pelo réu, ausência de prova capaz de gerar dúvida razoável.

Perceba-se que não se trata de incontroversa, hipótese tratada pelo Código de Processo Civil de 2015 como julgamento antecipado parcial do mérito (art. 356) – mas de falta de prova consistente do réu diante de uma prova literal idônea. Presume-se, nesse caso, a inconsistência da defesa, a falta de argumentos verossímeis que possam desdourar a comprovação documental feita pelo autor. Não se cogita, aqui, de intenção procrastinatória ou do abuso do direito de defesa previstos no inc. I, mas tão somente da defesa inconsistente diante da prova literal apresentada pelo autor. É de se admitir, segundo pensamos, que o autor possa se valer da “prova emprestada”, ou seja, aquela produzida noutro processo sob o crivo do contraditório, para demonstrar “documentalmente” o fato constitutivo do seu direito.

Por fim, o parágrafo único do art. 311 encerra um ponto importante: só é permitido ao juiz decidir liminarmente a tutela de evidência, ou seja, no início do processo, antes da apresentação de contestação, nas hipóteses previstas nos incs. II e III, vale dizer, quando houver prova exclusivamente documental apresentada pelo autor, acompanhada de tese firmada em casos repetitivos ou súmula vinculante, ou quando se tratar de pedido reipersecutório, fundado em prova documental do contrato de depósito.

A contrario sensu, as demais hipóteses, tratadas nos incs. I e IV, que se referem à defesa abusiva e/ou procrastinatória e à defesa inconsistente, respectivamente, devem necessariamente ser objeto de análise somente após avaliação da defesa apresentada pelo réu, providência, a nosso ver, acertada, na medida em que não é dado ao juiz “intuir” qual será a qualidade da defesa a ser apresentada pelo réu.

A opção do legislador em possibilitar a liminar inaudita altera parte em algumas situações de tutela de evidência, deve ser criticada. Não havendo risco de dano ou de inutilidade do processo, não vemos razão para que o juiz conceda liminar sem a oitiva do réu. Sem prejuízo, não há porque postergar o contraditório para um momento ulterior.

Esclarecido o conteúdo do dispositivo legal encontrado no art. 311, queremos chamar atenção para as duas novas hipóteses de tutela da evidência trazidas com o novo Código de Processo Civil: “As alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante” e “a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”.

Se bem aplicadas, tais hipóteses poderão contribuir consideravelmente para efetividade do processo, porquanto não se pode esquecer que o recurso de apelação – que, infelizmente, manteve como regra o efeito suspensivo – não será recebido com efeito suspensivo quando a sentença atacada “confirma, concede ou revoga tutela provisória”.

Tais hipóteses ampliam muitíssimo a possibilidade de que sejam deferidas tutelas provisórias sem urgência e, se isso ocorrer, as apelações opostas contra as sentenças proferidas nesses processos não terão efeito suspensivo. Trata-se, sem dúvida, de um avanço.

Diante da equivocada opção do legislador do novo Código de não suprimir, como regra, o efeito suspensivo da apelação, há, ao menos, a possibilidade de se utilizar da tutela provisória para “burlar” tal efeito e, nesse panorama, as novas hipóteses de tutela da evidência trazidas com o Código de Processo Civil de 2015 serão de grande valia.

Outra questão que merece ser apontada à luz do novo Código diz respeito à aplicação das disposições gerais previstas nos arts. 294 a 299. Tais normas dizem respeito às disposições gerais da tutela provisória e, portanto, são evidentemente aplicáveis à tutela da evidência que, ao lado da tutela de urgência, é uma de suas espécies.

Há, contudo, algumas disposições relacionadas especificamente à tutela de urgência (“das disposições gerais da tutela de urgência” – arts. 300 a 302) que, a nosso ver, também são aplicáveis à tutela da evidência. São elas: (i) a necessidade de caução (§ 1.º do art. 300); (ii) a responsabilidade objetiva diante da tutela de urgência (rectius, tutela provisória) cassada (art. 302).

Entendo que, portanto, além das disposições gerais da tutela provisória, à tutela da evidência, devem ser aplicadas, no que couber, as disposições gerais relativas à tutela de urgência.

4. CONCLUSÃO

O tempo é o maior inimigo da efetividade do processo, para quem aparentemente tem razão e precisa de um pronunciamento estatal para fazer cessar ameaça a direito ou estancar uma lesão jurídica, sendo que a demora na prestação da tutela jurisdicional do direito material é uma violação ao princípio da duração razoável do processo, conforme prescrito no artigo 5º, inciso LXXVIII, CR/88.

Sendo que a preocupação com a tutela provisória constitui fenômeno mundial, pois o Direito por ser um fenômeno social, e a atividade jurisdicional como dever de atender aos anseios da sociedade, que exige respostas rápidas e eficazes do Judiciário; pois o tempo despendido pelos jurisdicionados para obter uma solução definitiva para as demandas postas em juízo é verdadeira perda irreparável, irreversível, bem da vida cujo ressarcimento ou reparação é impossível. E a prestação jurisdicional letárgica gera vulnerabilidade e insegurança das relações sociais, que ficam desamparadas e desestimuladas a buscar amparo perante o Judiciário, e, ainda, uma verdadeira violação dos direitos humanos.

A luta que se trava hoje segue sendo, ainda, lamentavelmente, em regiões ricas como pobres, do norte e do sul, em torno de direitos que integram, no plano teórico, as denominadas primeira e segunda gerações (dimensões), sem falar naqueles de terceira geração (dimensões) que estão longe demais de alcançar.

Não há possibilidade alguma de garantir direitos humanos, qualquer que seja a situação teórica que ocupem, se não estiver o Estado aparelhado para oferecer respostas judiciais às demandas das pessoas humanas que clamam por justiça e para garantir o cumprimento dos julgados. E, diga-se sem medo, direitos elementares, capazes de assegurar a liberdade e a dignidade das pessoas humanas.

A maior ameaça aos direitos humanos reside, portanto, na incapacidade do Estado de assegurar a sua efetiva realização. Essa incapacidade no Brasil, a meu pensar, tem duas frentes, ambas poderosas para solapar as condições de exercício dos direitos declarados na Constituição da República Federativa Brasileira.

A primeira e mais vigorosa, que ganha folego todos os dias, é a insistência com que diversos protagonistas do nosso cenário cotidiano lançam suspeitas contra os poderes organizados do Estado. Há hoje, sem a menor sombra de dúvida, um delicado momento nas relações entre os três poderes do Estado. Todavia, tal fato, que não é estranho na vida dos povos o descrédito institucional. E, de modo particular, vem o Judiciário sendo existente nos grandes conglomerados humanos.

Em certa medida, os protagonistas estão refletindo a angústia da popula, qual seja, a prestação jurisdicional do direito material efetiva e rápida. Mas, em certa medida, também, estão contribuindo para ampliar essa angústia pela demora na prestação jurisdicional, colocando a opinião do legislador infraconstitucional acima dos preceitos constitucionais e o da dignidade humana.

Não é novidade que vivemos desde a ruptura do processo autoritário, na transição benigna que conhecemos, uma busca permanente dos eventuais desencontros de muitos protagonistas com um código ético capaz de manter forte a estrutura organizada do Estado. E, causando igual malefício, outros protagonistas abandonam a imperativa preocupação de preservação institucional e aparecem como porta-vozes da opinião pública, pouco importando ampliam com seu discurso.

Assim, por exemplo, quando é detectado um desvio de comportamento na burocracia, não importa de que poder do Estado, o que se quer é a punição exemplar, desprezado na passagem do comboio que acompanha a locomotiva da opinião pública, os direitos que a própria Constituição resguarda, o dignidade da pessoa humana. E o que é pior. Se a estrutura organizada decide fora da convicção da opinião pública, a crítica surge violenta na suspeita da existência de subterrâneos a lastrear o processo decisório. Em uma palavra, retorna-se com o discurso desatento às práticas de uma democracia direta que nem mesmo a Ágora ateniense, com mais condições, conseguiu fazer amplo para todos os cidadãos, qual seja, uma verdade prestação jurisdicional efetiva e rápida, nos termos apresentados pela Constituição Republicana de 1988.

Nesse contexto, surge a Tutela de Provisória como ferramenta destinada a conferir maior efetividade na prestação jurisdicional quando o direito do autor goza dos requisitos da urgência, de forma a evitar que a entrega do bem da vida pleiteado necessite aguardar a longa, tortuosa e lenta marcha da atividade de cognição exauriente rumo ao trânsito em julgado para que a parte tenha seu direito efetivado quando a existência do mesmo é demonstrada de plano ou a necessidade de assegurar um processo justo e efetivo.

Na visão do Código de Processo Civil de 2015 a tutela provisória divide-se em tutela de urgência e tutela de evidência.

Ainda, a medida não é uma ferramenta posta exclusivamente à disposição do autor, porque o réu também pode valer-se dela em algumas situações, a exemplo da reconvenção e do pedido contraposto.

E o mais importante: mais do que uma ferramenta a serviço do direito da parte demonstrado de plano, a tutela provisória é importante instrumento sancionatório que visa coibir práticas protelatórias, deslealdade e má-fé processual, podendo o Julgador concedê-la quando presentes os requisitos legais, tendo em vista estarem amparadas no princípio da duração razoável do processo em um preceito maior o da dignidade da pessoa humana, insculpido no artigo 1º, inciso III, da CR/88.

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[1] Mestrando em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP – Especialista em Direito Processual Civil e Previdenciário – ATAME – Especialista em Gramática Normativa pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – Advogado, Professor da UFG e Formado em Letras.

[2] MARINONI, Luiz Guilherme. Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. P. 11.

[3] Tendências contemporâneas do direito processual civil, in Temas de direito processual, 3ª. s., São Paulo, Saraiva, 1984, p.3. V., ainda, Barbosa Moreira, Notas sobre o problema da “efetividade” do processo, in Ajuris, 29 (1983): 77 ss.; volume L’effectivité des décisions de justice (journées françaises), Travaus de l’Association Henri Capitant, t. 36, Paris, Economica, 1987.

[4] BARBOSA, Rui. Oração dos Moços. Edições Casa de Rui Barbosa. 5ª edição. Rio de Janeiro de 1999.