A LICITUDE DA IMPORTAÇÃO DE MERCADORIAS ENVOLVENDO ESTABELECIMENTOS DO MESMO TITULAR E O SUJEITO ATIVO DO ICMS
31 de julho de 2023THE LEGALITY OF IMPORTING GOODS INVOLVING ESTABLISHMENTS OF THE SAME HOLDER AND THE ACTIVE SUBJECT OF ICMS
Artigo submetido em 24 de junho de 2023
Artigo aprovado em 14 de julho de 2023
Artigo publicado em 31 de julho de 2023
Cognitio Juris Ano XIII – Número 48 – Julho de 2023 ISSN 2236-3009 |
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RESUMO: O STF já definiu que sujeito ativo do ICMS na operação de importação é o Estado do “destinatário jurídico” do bem, independentemente da entrada física em seu estabelecimento ou do local onde a mercadoria foi desembaraçada (Tema 520). No entanto, a fiscalização dos Estados tem desconsiderado as operações de importação por determinado estabelecimento, quando as mercadorias não transitam pelo Estado de sua localização, imputando como “destinatário jurídico” o estabelecimento do mesmo titular localizado em Estado diverso que recebeu fisicamente as mercadorias importadas, sendo essa a discussão principal objetivada no presente artigo. Utilizou-se o como método o dedutivo, com pesquisas bibliográficas e jurisprudenciais, concluindo-se que a questão da “prevalência da substância sobre a forma” merece atenção e reflexão pela comunidade jurídica, pois, sua aplicação tem acarretado problemas para a interpretação da norma, em violação ao princípio da legalidade tributária e à segurança jurídica.
Palavras-chave: Importação. ICMS-importação. Elisão fiscal. Evasão fiscal. Norma antievasiva.
ABSTRACT: The STF has already defined that the active subject of ICMS in the import operation is the State of the “legal recipient” of the good, regardless of the physical entry into its establishment or the place where the goods were cleared (Theme 520). However, the inspection of States has disregarded the import operations by a certain establishment, when the goods do not transit through the State of their location, attributing as a “legal addressee” the establishment of the same holder located in a different State that physically received the imported goods, this being the main discussion objectified in this article. The deductive method was used, with bibliographic and jurisprudential research, concluding that the issue of the “prevalence of substance over form” deserves attention and reflection by the legal community, since its application has caused problems for the interpretation of the norm. , in violation of the principle of tax legality and legal certainty.
Keywords: Import. ICMS-import. Tax avoidance. Tax evasion. Anti-avoidance standard.
1. INTRODUÇÃO
A questão da “prevalência da substância sobre a forma” tem ganhado proporções indevidas no direito brasileiro, sendo que sua aplicação acarreta problemas para a interpretação da norma, não raras vezes, em violação aos princípios da legalidade e da tipicidade tributária, cujos preceitos são dos mais importantes para o direito tributário, e em última análise, gerando insegurança jurídica.
Em verdade, há uma confusão no embate de formas, pois, todo conteúdo existe pela forma. Há formas e conteúdos lícitos e há formas e conteúdos ilícitos, que por consequência, haverá atos lícitos ou atos ilícitos (artigo 104 do Código Civil). De um lado, teremos ato negocial jurídico previsto em lei ou não vedado pelo ordenamento, que será válido para todos os efeitos legais. Mas, se ilícita a forma ou o ato, à evidência, será inválido.
No direito tributário, o artigo 149 do Código Tributário Nacional prescreve as hipóteses que autorizam requalificação dos fatos jurídicos pela autoridade fiscal. Dentre elas está a desconsideração dos efeitos de um negócio jurídico quando se tratar de “evasão fiscal”, tendo em vista a presença da fraude, do dolo ou da simulação, conforme inciso VII da norma em testilha. Também poderá haver desconsideração do negócio jurídico dissimulado, conforme artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional.
Logo, se lícito o ato, não poderá ser desconsiderado, de modo que o intérprete deverá levar em conta o binômio “licitude do ato praticado” e a “efetividade das operações”, consoante o caso concreto, para definir sobre a licitude ou a ilicitude do negócio jurídico.
É neste contexto que o presente trabalho será desenvolvido, ou seja, no âmbito da legislação do ICMS, no que tange às importações de bens do exterior. É preciso lembrar que, em se tratando de ICMS, “recorde em arrecadação nacional, assunto desse talante é fundamental visto que então será definido quem poderá se sair bem no complexo jogo de mercado” (PACOBAHYBA, 2011, p. 252), daí a complexidade do recorte dado ao tema no presente artigo.
O STF já definiu que sujeito ativo do ICMS na operação de importação é o Estado do “destinatário jurídico” do bem, independentemente da entrada física em seu estabelecimento ou do local onde a mercadoria foi desembaraçada (Tema 520). No entanto, a fiscalização dos Estados tem desconsiderado as operações de importação por determinado estabelecimento, quando as mercadorias não transitam pelo Estado de sua localização, imputando como “destinatário jurídico” o estabelecimento do mesmo titular localizado em Estado diverso que recebeu fisicamente as mercadorias importadas.
Como já apontado, a requalificação dos fatos jurídicos e seus efeitos somente é possível mediante a constatação de dolo, da fraude, da simulação ou da dissimulação, nos termos dos artigos 116, parágrafo único e 149, inciso VII, do Código Tributário Nacional.
Ora, consoante o problema apresentado, a forma utilizada pelo contribuinte não é vedada pela legislação tributária, podendo estar motivada por plúrimos motivos: por uma questão de racionalização de gestão, de logística, por economia tributária (elisão fiscal), que não são fatores que tornam ilícita a operação levada à efeito.
Destarte, para o desiderato deste artigo, faremos algumas considerações sobre a regra-matriz de incidência do ICMS-importação, bem como, indicaremos as modalidades de importação existentes em nosso ordenamento, que são fundamentais para estabelecer o sujeito ativo da relação jurídico-tributária, à vista do quanto decidido relativo ao Tema 520 pelo Supremo Tribunal Federal.
Apontaremos, ainda, que a importação por estabelecimento, seja ele matriz ou filial, é perfeitamente prevista em lei, assim como, é lícita a importação por estabelecimento localizado em determinado Estado, que transfere simbolicamente para outro estabelecimento do mesmo titular, em outra unidade federativa, sem que as mercadorias ingressem no estabelecimento importador ou que não transitem fisicamente pelo Estado de sua localização.
O presente estudo não esgota o assunto, nem temos essa pretensão. Nossas conclusões não apresentam respostas absolutas, até porque, o Supremo Tribunal Federal sedimentou que o artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, é uma norma “antievasão” e não “antielisão”. Todavia, no que pertine às operações entre estabelecimentos do mesmo titular, de mercadorias importadas, há jurisprudência dos Tribunais judiciais fracionários e administrativos que vão em sentido contrário, reconhecendo a possibilidade de requalificação dos fatos jurídicos, dispensando a comprovação de fraude.
Com efeito, merece detida e percuciente reflexão, a admissibilidade de reclassificação de fatos jurídicos “lícitos” sem que sejam apurados e comprovados, pela autoridade fiscal, o fator “ilícito”, sob o fundamento de que “a substância prevalece sobre a forma”, máxime quando lastreados em conjecturas e presunções ou pelo simples fato de o contribuinte se valer de planejamento tributário, buscando economia tributária.
2. A REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA DO ICMS–IMPORTAÇÃO
Como cediço, estrutura normativa possui duas proposições: a) a hipótese (antecedente ou pressuposto), que descreve um acontecimento de possível ocorrência, o qual serve de fundamento para atribuição de b) uma consequência (tese ou prescritor), cuja função é criar um vínculo relacional entre dois sujeitos em torno de uma determinada prestação.
A proposição antecedente é descritiva, de possível evento do mundo social, na condição de suposto normativo, implicando uma proposição-tese, de caráter relacional, no tópico do consequente.
A hipótese legal consiste num fato ou conduta, comissivo ou omissivo, livre, obrigado ou proibido, que tem como consequência sua validação ou uma sanção. Sem essa estrutura, ou seja, sem a condição prevista na hipótese, não há como se verificar a consequência ou surtir efeitos jurídicos, pois, estaria incompleta.
A relação jurídica está no consequente da norma e é definida como vínculo abstrato que por força da imputação normativa, o sujeito ativo tem o direito subjetivo de exigir do sujeito passivo certa prestação. Para que se instaure o vínculo obrigacional são necessários dois elementos: o subjetivo (SA – investido do direito de exigir a prestação e SP – tem o dever subjetivo de cumprir uma conduta correspondente exigência do pretensor) e o prestacional (conteúdo do direito de que o SA é titular onde do SP deve cumprir).
Estando fixado que os elementos da regra-matriz são a hipótese e a consequência, infere-se que eles se desdobram em critérios.
Os critérios da hipótese são: a) critério material (como); b) critério espacial (onde); c) critério temporal (quando). E, finalmente, os critérios da consequência, que são: a) critério pessoal, que se subdivide em sujeito ativo e sujeito passivo; b) critério quantitativo, que se subdivide em base de cálculo e alíquota. O critério quantitativo, que é a definição da dívida tributária, que combinado irá traduzir um resultado de cunho pecuniário. São eles: base de cálculo e alíquota.
Da leitura do artigo 155, inciso II, da Carta Constitucional, podemos identificar três regras-matrizes de incidência do ICMS-importação: (i) realizar operações de circulação de mercadorias; (ii) prestar serviços de comunicação, mesmo que se iniciem no exterior e desde que iniciados ou concluídos no Estado ou no DF; e (iii) prestar serviços de transporte interestadual ou intermunicipal.
Interessa para nosso estudo as aquisições de mercadorias/produtos do exterior. Assim é que, na espécie, a regra-matriz do ICMS-importação tem como “critério material” a realização da importação, com o escopo de trazer para o Brasil, mercadoria estrangeira; como “critério espacial”, o local onde ocorre o desembaraço aduaneiro (alfândega), tendo como limites, os territórios dos Estado e do Distrito Federal; o “critério temporal” é momento em que a mercadoria ingressa no território nacional, tendo em vista o desembaraço aduaneiro; o “critério quantitativo” é o valor da mercadoria importada (base de cálculo) e a alíquota prevista em cada legislação estadual ou do Distrito Federal; no “critério pessoal”, temos como sujeito ativo os Estados da Federação e o Distrito Federal do destino jurídico da mercadoria; e como sujeito passivo, o importador, normalmente a indústria, o comerciante ou o produtor, na condição de “destinatário jurídico do bem”.
3. DAS MODALIDADES DE IMPORTAÇÃO
Na incidência do ICMS-importação, é relevante a modalidade adotada pelo contribuinte para o critério pessoal da regra-matriz de incidência, máxime no que diz respeito ao sujeito ativo da relação jurídica tributária.
São três as modalidades de operações de importação contempladas em nosso ordenamento jurídico. A Receita Federal do Brasil, conforme Instrução Normativa 1861/2018, artigos 2º e 3º, estabelece requisitos e condições para a realização de operações de importação por conta e ordem de terceiro e por encomenda. Em resumo, temos as seguintes espécies de importação ou do “ato de importar”. Vejamos:
(i) – Compra e Venda: o importador importa a mercadoria diretamente, isto é, por sua conta e risco, para depois vender aos seus consumidores;
(ii) – Encomenda: o importador recebe uma encomenda para importar determinado produto para ao seu cliente. Entretanto, todas as despesas decorrentes dessa importação serão de sua responsabilidade, vale dizer, a operação é por conta e risco do importador;
(iii) – Conta e ordem: o importador é contratado para prestar serviços no sentido de proceder a importação de determinada mercadoria, contudo, por combinação entre as partes todas as despesas inerentes à importação são de responsabilidade do contratante, de modo que toda operação corre por conta e risco daquele que contratou os serviços, verdadeiro destinatário jurídico da mercadoria importada.
Portanto, a definição quanto à modalidade de importação, tendo em vista as características de cada uma, estará consubstanciada no negócio mercantil celebrado entre o exportador e o importador. Neste eito, o contribuinte deverá estar munido de toda a prova documental suficiente para demonstrar a modalidade adotada na operação, caso seja solicitado esclarecimentos pelo fisco.
“Ao instituir o ICMS, a lei estadual não pode se afastar dos limites traçados na norma constitucional, limites esses que não podem também ser desprezados pela lei complementar” (FERRAREZI, 2022, p. 243). Definida a modalidade da importação, designar-se-á o sujeito ativo da relação jurídica tributária, e consequentemente, a legislação estadual que será aplicada, consoante a fenomenologia da incidência tributária.
4. O SUJEITO ATIVO DO ICMS-IMPORTAÇÃO À LUZ DO ENTENDIMENTO DO STF
Ao estabelecer a incidência do ICMS-Importação, o artigo 155, parágrafo 2°, inciso IX, alínea “a “, da Constituição Federal, infere-se que o sujeito ativo competente para demandar nas operações de importação, seja qual for sua modalidade, é o Estado do “destinatário jurídico” e não necessariamente o “destinatário físico”, sendo este o entendimento pacífico da jurisprudência de nossos Tribunais. Logo, o “destinatário jurídico” das mercadorias é o sujeito passivo.
Neste sentido, aliás, o Supremo Tribunal Federal já havia manifestado há tempos de forma iterativa.
Finalmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que no caso de importações indiretas feitas por meio de uma empresa intermediária, o ICMS deve ser recolhido no estado no qual está localizado o destinatário legal da mercadoria. A tese foi fixada em relação ao Tema 520 nos seguintes termos: “O sujeito ativo da obrigação tributária de ICMS incidente sobre mercadoria importada é o Estado-membro no qual está domiciliado ou estabelecido o destinatário legal da operação que deu causa à circulação da mercadoria, com a transferência de domínio”. O precedente foi tomado após a análise do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 665.134[3]
Ressalte-se que o Pretório Excelso, ao apreciar os Embargos Declaração no Recurso Extraordinário com Agravo n. 665.134/MG do Estado de Minas Gerais, referente ao Tema 520, asseverou que a questão do destinatário jurídico de mercadorias importadas envolvendo estabelecimentos do mesmo titular foi abrangida pelo julgamento, tanto que os embargos foram rejeitados nessa parte. Restou assentado, portanto, que em qualquer operação de importação de mercadorias, para fins de identificação do “destinatário jurídico”, deve-se ter em conta a modalidade da importação e “o papel jurídico e materialmente desempenhado por cada estabelecimento envolvido na operação, inclusive a partir da finalidade pretendida com a aquisição do bem importado e afastando eventuais vícios ou defeitos do negócio jurídico”.
Com essas premissas, segundo a intelecção do julgado, o apotegma jurídico de que “a forma não prevalece sobre a substância” poderá ser aplicado, mas, para os negócios jurídicos imbuídos de simulação, dissimulação, fraude ou dolo.
Infere-se que a referida decisão, como visto, é óbvia e em nada altera o mérito do acórdão inicialmente proferido, considerando que o relevante é o “destinatário jurídico” da mercadoria, seja ele trading, matriz ou filial, independentemente do destino físico, ainda que envolva estabelecimentos do mesmo titular.
É oportuno advertir que o julgado em análise não atribuiu “presunção” de que na importação envolvendo estabelecimentos da mesma empresa, mediante transferência simbólica de mercadorias, considera-se como “destinatário jurídico” o estabelecimento que recebeu as mercadorias fisicamente e não aquele que consta formalmente como importador. Seria ledo engano o aplicador do direito adotar um silogismo, sem levar em conta o caso concreto, tendo em vista a licitude ou ilicitude do ato jurídico.
Assim é que, o Supremo Tribunal Federal fixou que o “destinatário jurídico” das mercadorias importadas é o efetivo adquirente de fato e de direito, uma vez que a disponibilidade jurídica precede a econômica, sem olvidar das regras do direito civil que prescrevem os requisitos para a validade do negócio jurídico (art. 104 do Código Civil Brasileiro).
5. O ORDENAMENTO JURÍDICO E AS IMPORTAÇÕES REALIZADAS POR UM DOS ESTABELECIMENTOS DO CONTRIBUINTE
O livre exercício da atividade econômica é garantido pela Constituição Federal nos artigos art. 5º, inciso XIII e 170. Normas infraconstitucionais e infralegais prescrevem condições e exigências para que uma empresa possa explorar suas atividades formalmente. Do ponto de vista tributário, o primeiro passo é o cumprimento uma série de obrigações acessórias que estão esparramadas pelo ordenamento jurídico.
Oportuno ressaltar que a legislação do ICMS considera os estabelecimentos matriz/filiais como “autônomos” para fins de cumprimento das obrigações tributárias. Veja-se, à propósito, o disposto nos artigos 11, 12 e 25 da Lei Complementar 87/96.
No mesmo sentido, v.g. é o previsto no artigo 15, parágrafos 1º e 2º, do Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo (Decreto n. 45.490/00), abaixo transcrito:
Artigo 15 – É de responsabilidade do respectivo titular a obrigação tributária atribuída pela legislação ao estabelecimento (Lei6.374/89, art. 15).
§ 1º – São considerados em conjunto todos os estabelecimentos do mesmo titular, relativamente à responsabilidade por débito do imposto, atualização monetária, multas e acréscimos de qualquer natureza.
§ 2º – Para efeito de cumprimento de obrigação tributária, entende-se autônomo cada estabelecimento do mesmo titular, ainda que simples depósito.
Com efeito, os estabelecimentos matriz ou filial, além de outras operações consuetudinárias, também poderão realizar importações de mercadorias, desde que atendam aos requisitos legais das normas federais e estaduais de regência. Dentre as exigências, está a necessária habilitação do estabelecimento no SISCOMEX, nos termos do 21 da Instrução Normativa da RFB 1984, de 27 de outubro de 2020.
Ei-lo:
Seção IV
Dos Requisitos para Habilitação
Art. 21. Para fins de habilitação do declarante de mercadorias, são requisitos:
I – de admissibilidade:
a) adesão ao Domicílio Tributário Eletrônico (DTE);
b) enquadramento da inscrição no CNPJ em situação cadastral “ativa”; e
c) o enquadramento da inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) de todas as pessoas físicas integrantes do QSA com qualificação nos termos do Anexo V da Instrução Normativa RFB nº 1.863, de 2018, em situação cadastral “regular” ou “pendente de regularização”; e
II – específicos:
a) capacidade operacional necessária à realização de seu objeto; e
b) capacidade econômica e financeira para atuar no comércio exterior.
Parágrafo único. Os requisitos específicos de que trata o inciso II do caput:
I – presumem-se cumpridos e não serão objeto de análise documental, quando no curso da análise de requerimentos de habilitação;
II – serão objeto de análise documental, nos termos do inciso III do art. 31, quando no curso de análise de requerimento de revisão de estimativa; ou
III – serão objeto de análise fiscal, nos termos do Capítulo V, quando no curso de procedimento fiscal de revisão de ofício de habilitação.
Infere-se que a Receita Federal do Brasil deverá analisar se o estabelecimento habilitante atende aos requisitos previstos, como é o caso da capacidade financeira, inclusive para determinar os limites de valor para importação, conforme artigos 16 e 17 da Instrução Normativa da RFB 1984, a seguir transcritos.
Das Modalidades de Habilitação do Declarante de Mercadorias
Subseção I
Disposições Gerais
Art. 16. A habilitação do declarante de mercadorias para atuar no comércio exterior poderá ser concedida em uma das seguintes modalidades:
I – Expressa, no caso de:
a) pessoa jurídica constituída sob a forma de sociedade anônima de capital aberto, com ações negociadas em bolsa de valores ou no mercado de balcão, e suas subsidiárias integrais; ou
b) empresa pública ou sociedade de economia mista;
II – Limitada, no caso de declarante de mercadorias não enquadrado na modalidade Expressa cuja capacidade financeira seja estimada em valor igual ou inferior ao limite máximo estabelecido no inciso II do caput do art. 17; ou
III – Ilimitada, no caso de declarante de mercadorias não enquadrado na modalidade Expressa cuja capacidade financeira seja estimada em valor acima do limite máximo estabelecido no inciso II do caput do art. 17.
Subseção II
Dos Limites de Operação
Art. 17. O declarante de mercadorias habilitado na modalidade Limitada de que trata o inciso II do caput do art. 16 poderá realizar operações de importação, em cada período consecutivo de seis meses, até o limite de:
I – US$ 50.000,00 (cinquenta mil dólares dos Estados Unidos da América), ou o equivalente em outra moeda, caso sua capacidade financeira estimada seja igual ou inferior a tal valor; ou
II – US$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil dólares dos Estados Unidos da América), ou o equivalente em outra moeda, caso sua capacidade financeira estimada seja superior ao valor referido no inciso I e igual ou inferior ao fixado neste inciso II.
§ 1º Para fins de apuração dos limites estabelecidos neste artigo, as operações de importação serão consideradas pelo valor aduaneiro das mercadorias.
§ 2º Não estão sujeitas aos limites estabelecidos neste artigo as operações de:
I – exportação;
II – internação de mercadorias da ZFM;
III – importação por conta e ordem de terceiros, em relação à pessoa jurídica importadora; e
IV – importação sem cobertura cambial.
§ 3º Os limites estabelecidos neste artigo aplicam-se, inclusive, às operações de:
I – importação por conta e ordem de terceiros, em relação ao adquirente de mercadoria importada por sua conta e ordem; e
II – importação por encomenda, tanto em relação à pessoa jurídica importadora quanto em relação ao encomendante predeterminado.
§ 4º O declarante de mercadorias habilitado na modalidade Expressa ou Ilimitada não está sujeito aos limites de operação de que trata este artigo.
Destarte, as legislações tributárias federal e estadual permitem a importação de mercadorias, tanto pelo estabelecimento matriz, como pelo estabelecimento filial.
Tendo em vista o exposto no tópico anterior, se a matriz realizar a operação de aquisição de bens do exterior, o sujeito ativo do ICMS-importação será o Estado onde está a sede do respectivo estabelecimento. Se o estabelecimento filial for o efetivo importador, ou seja, o destinatário jurídico da mercadoria, o Estado onde a filial estiver localizada será o sujeito ativo da relação tributária.
Exaustivos debates dos Pretórios a respeito do sujeito ativo do ICMS-importação se deram em razão de operações triangulares nas operações por conta e ordem envolvendo tradings contratadas para prestar serviços de importação para o adquirente da mercadoria, resultando na fixação da tese do Tema 520 pelo STF.
Restou superada a questão do destinatário físico da mercadoria, pois, é relevante para a determinação do sujeito ativo da relação jurídico-tributária, o Estado da localização do “destinatário jurídico”. Logo, na determinação da sujeição ativa tributária do ICMS-importação, é indiferente o fato de as mercadorias terem ou não transitado no Estado onde se localiza o destinatário jurídico da mercadoria importada ou onde ocorreu o desembaraço aduaneiro.
6. DA LICITUDE DA IMPORTAÇÃO POR UM DOS ESTABELECIMENTOS DO CONTRIBUINTE COM TRANSFERÊNCIA SIMBÓLICA DAS MERCADORIAS PARA OUTRO ESTABELECIMENTO DO MESMO TITULAR LOCALIZADO EM OUTRO ESTADO
Numa operação triangular, ou seja, se a mercadoria importada por um estabelecimento, na condição de destinatário legal, seja ele filial ou matriz, for diretamente remetida para terceiro adquirente, mesmo que estabelecido em outro Estado, e independentemente do local em que houve o desembaraço aduaneiro, não há dúvidas de que a operação é plenamente regular e o sujeito ativo do ICMS-importação é o Estado onde está localizado o referido estabelecimento importador (que revendeu a mercadoria).
A questão que se coloca, todavia, é em relação à licitude da importação realizada por um estabelecimento, mas, cujas mercadorias advindas do exterior são diretamente transferidas simbolicamente para outro estabelecimento do mesmo titular localizado em outro Estado, sem que tenham transitado pelo Estado do estabelecimento importador, eis que, à evidência, não há “triangulação”, já que ambos pertencem à mesma sociedade empresária. Comumente, os contribuintes adotam este “formato” como estratégia elisiva (por economia tributária), ou por questões logísticas e administrativas.
Sem embargo, os fiscos estaduais têm desconsiderado operações dessa natureza, sob o argumento que, de fato, o estabelecimento do destino físico das mercadorias importadas é o real “destinatário jurídico”. Assim, o Estado onde se localiza o estabelecimento que recebeu fisicamente as mercadorias, na condição de suposto sujeito ativo, tem autuado os contribuintes por falta de pagamento do imposto e/ou glosa os créditos de ICMS eventualmente apropriados.
O simples fato de as mercadorias serem transferidas simbolicamente pelo estabelecimento importador para outro estabelecimento do mesmo titular localizado em outro Estado, sem transitar no território do Estado daquele, por si só, não legitima o fisco exigir o imposto. Determinado Estado da Federação somente poderá cobrar o ICMS sobre operações de importação quando o destinatário legal for estabelecimento localizado em seu território ou se constatado dolo, fraude ou simulação, com o escopo de reduzir, suprimir ou sonegar imposto.
Ainda que seja o caso de o fisco alegar que o contribuinte, através de determinado estabelecimento, realize operações apenas visando obter economia tributária, não é fundamento para desconsiderá-lo como efetivo “destinatário jurídico” da mercadoria importada. Não é fator que se encontra com âmbito da ilicitude. Ao contrário, não só a operação de importação por um dos estabelecimentos da sociedade empresária é lícita e regulamentada pela legislação tributária, como vimos no item 05 deste trabalho, como também, a busca na redução de custos no desenvolvimento das atividades econômicas organizadas é inerente ao propósito negocial de qualquer atividade empresarial, se coadunando com o princípio da liberdade do exercício de qualquer trabalho (art. 5º, inciso XIII, da CF/88) e com o princípio da função social da atividade econômica (art. 170 da CF/88), que são fundamentais para o desenvolvimento do Estado brasileiro. O parágrafo único do artigo 170 da Carta Ápice, garante toda e qualquer atividade econômica que seja lícita e não vedada por lei. Na lição de Alfredo Augusto Becker, a busca de resultado econômico menor é absolutamente normal, desde que não viole a regra jurídica:
É aspiração naturalíssima e intimamente ligada à vida econômica a de se procurar determinado resultado econômico com maior economia, isto é, com a menor despesa (e os tributos e que incidirão sobre o atos e fatos necessários à obtenção daquele resultado econômico, são parcelas a que integrarão a despesa). Ora, todo indivíduo, desde que não viole regra jurídica, tem a indiscutível liberdade de ordenar seus negócios de modo menos oneroso, inclusive tributariamente. Aliás, seria absurdo que o contribuinte, encontrando vários caminhos legais (portanto, lícitos) para chegar ao mesmo resultado, fosse escolher justamente aquele meio que determinasse pagamento de tributo mais elevado. (BECKER, 2013, p. 143).
A racionalidade da atividade econômica não é requisito jurídico previsto no sistema normativo do direito posto para a requalificação dos efeitos tributários. É relevante para o direito tributário a fenomenológica incidência tributária.
Com efeito, é uma impropriedade a invocação da teoria da “sobreposição do conteúdo econômico em relação à forma”. A construção do que são negócios jurídicos lícitos e os efeitos decorrentes, devem ser interpretados segundo as prescrições legais vigentes. Somente se estiver presente o aspecto “ilícito” é que poderão ser considerados inválidos os atos praticados pelo sujeito passivo tributário.
A Elisão fiscal, que é lícita, consiste na escolha de formas de direito mediante as quais não se dá a efetivação do fato tributário e consequentemente, impedindo o nascimento do fato jurídico tributário.
No sistema jurídico brasileiro há normas que limitam o planejamento tributário “ilícito”, ou seja, a evasão fiscal. O amparo jurídico para a autoridade administrativa fiscal requalificar fatos jurídicos tributários está disperso no ordenamento, como é o caso dos artigos 116, parágrafo único, 149, VII, 154, parágrafo único e 180, inciso I, do Código Tributário Nascional e nos artigos 71, 72 e 73, da Lei 4.502/64, que disciplinam as figuras da simulação e da fraude fiscais. Temos ainda, no Código Civil, os artigos 145 (anulabilidade do ato jurídico por dolo); 166, II e IV (fraude) e 167, parágrafo 1o, incisos I, II e III (simulação), artigos 421 (liberdade contratual) e 422 (boa-fé das partes contratantes) – princípios dos contratos.
Podemos assumir que a remessa simbólica entre estabelecimentos do mesmo titular, localizados em Estados distintos, de mercadorias importadas do exterior, é lícita, somente podendo ser desconsiderado pela fiscalização se houver demonstração de fraude, simulação ou dissimulação das operações.
Logo, na espécie, para fins de motivação do lançamento fiscal, na requalificação dos fatos jurídicos, mostra-se plenamente necessária comprovação da conduta ardilosa do contribuinte com o objetivo de lesar o fisco, pois, o vício do ato jurídico age no elemento vontade e no intuito de enganar terceiros.
Neste eito, havendo imputação ao contribuinte de conduta simulada ou fraudulenta, é de rigor que o sujeito ativo da relação tributária apresente provas robustas, dado o vetusto axioma jurídico de que a “boa-fé se presume”.
Para o direito tributário é necessário apenas o dolo genérico[4], podendo haver também o dolo específico, sendo que este se traduz no animus de praticar determinada conduta ilícita específica, que não se confunde com mera intenção do agente.
Marco Aurélio Greco, de forma esclarecedora, diferencia a “finalidade de um ato”, com o “dolo na prática de um ato”, nos seguintes termos:
De imediato, não se pode confundir finalidade de um ato e dolo na prática do mesmo ato. Finalidade corresponde a um objetivo, resultado, consequência que se busca obter com a realização de um ato, posto que seu perfil objetivo (modelo abstrato do ato) se preordena à produção daquele efeito. Portanto, a finalidade do ato corresponde a algo externo ao próprio ato. Completamente diferente é a noção de dolo na prática do ato […]. O dolo não se configura pela simples vontade de obter um resultado ou atingir uma finalidade. À vontade é indispensável associar a consciência de realizar a conduta descrita no tipo. Como expõe a doutrina mais moderna, o dolo corresponde ao elemento subjetivo do tipo, vale dizer, para haver dolo não se trata de querer o resultado, é indispensável que se tenha consciência e se queira a conduta definida no tipo legal […]. Vale dizer, para existir dolo no sentido técnico é indispensável que se configure a vontade ligada à ação descrita no tipo e não a intenção ligada à finalidade que o ato pode apresentar. Ou seja, enquanto a finalidade é externa ao ato e, portanto, externa ao tipo, o dolo é um elemento interno ao ato, e, por isso, interno ao tipo, correspondendo efetivamente ao seu elemento subjetivo. (GRECO, 2011, p. 271).
Daí porque, a presença do dolo, da fraude, da simulação, ou da dissimulação, devem ser suficiente e robustamente comprovados, caso contrário, qualquer infração fiscal praticada poderia ser presumidamente dolosa.
Para o direito tributário sancionatório não basta a descrição clara do fato jurídico infracional e a indicação dos sujeitos da relação jurídico tributário e o quantum da penalidade. É necessário que a autoridade lançadora, ao expedir na norma individual e concreta observe os pressupostos e formalidades previstos no ordenamento, bem como, apresente os seus fundamentos, apontando os dispositivos legais infringidos e sua “motivação”, isto é, justificando, relatando e comprovando os eventos tributários ocorridos, para fins de subsunção à hipótese tributária sancionatória previsto no seu antecedente, baseado em provas.
Neste sentido leciona a professora Fabiana Del Padre Tomé:
Obviamente, a enunciação do fato jurídico posto no antecedente da norma individual e concreta precisa realizar-se em conformidade com as regras do sistema, observando forma e o conteúdos normativamente previstos. Os princípios da legalidade e da tipicidade na esfera da tributação, por exemplo, exigem que as relações obrigacionais e sancionatórias sejam desencadeadas apenas e efetivamente verificados os fatos conotativamente descritos nas correspondentes hipóteses normativas, razão pela qual se faz imprescindível que tanto os atos de lançamento e de aplicação de penalidades como as decisões proferidas no curso dos processos administrativos tributários, sejam pautados em provas. (TOMÉ, 2015, p. 294).
À vista do problema apresentado neste trabalho, a fiscalização deverá observar a regularidade dos estabelecimentos, bem como, se o importador está habilitado junto ao SISCOMEX, e ainda, se as operações de importação pelo estabelecimento efetivamente ocorreram, se atenderam a todas as exigências legais, se as operações de transferência para a matriz observaram as normas tributárias de regência, dentre outros aspectos sobre a licitude ou a prática de dolo dos atos praticados pelo contribuinte.
Frise-se que a venda/aquisição de mercadorias se reputa realizada no local onde é acertada/negociada a transação, ainda que apenas pela captação do pedido e combinação do preço, independentemente do local onde seja formalizado o contrato, realizados os pagamentos ou entregue a mercadoria.
Esta assertiva decorre do disposto no artigo 435 da Lei nº 10.406/02 (Código Civil Brasileiro), segundo o qual “reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto”, e no artigo 482 do mesmo codex, que considera obrigatória e perfeita a compra e venda desde que as partes acordem no objeto e no preço.
O estabelecimento, ao realizar uma operação de importação permitida por lei, mediante atos jurídicos lícitos, isto é, perfeitos e acabados (art. 104 do Código Civil), considera-se o “destinatário jurídico” das mercadorias importadas, implicando ao Estado da localização do respectivo estabelecimento, a sujeição ativa para cobrar o imposto e não o Estado onde se localiza o estabelecimento do mesmo titular que apenas recebeu as mercadorias fisicamente.
Estando presente o binômio (i) licitude dos atos praticados e (ii) efetividade das operações, não há que se falar em infração à legislação tributária, salvo nos casos de dolo ou fraude comprovados.
7. DA JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA
Há jurisprudência do Poder Judiciário sobre a matéria, adotando entendimento diametralmente diverso do defendido neste trabalho.
Em recentes precedentes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exemplo, decidiu-se que o sujeito ativo do ICMS-importação é o Estado onde se localiza o estabelecimento do “destino físico da mercadoria”, por ser este o verdadeiro “destinatário jurídico”, sob o insulado fundamento de que “a forma deve prevalecer sobre o conteúdo”, dispensando-se a comprovação da intenção de fraude.
Trago à colação, à título de ilustração, a ementa do julgado proferido na Apelação Cível n. 1014013-90.2021.8.26.0053, da 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo [5]:
TRIBUTÁRIO – ICMS – IMPORTAÇÃO DIRETA – NÃO RECOLHIMENTO DE ICMS AO ESTADO DE SÃO PAULO – CREDITAMENTO INDEVIDO NAS TRANSFERÊNCIAS SIMBÓLICAS DE MERCADORIAS ENTRE MATRIZ E FILIAL – ANULATÓRIA DE AIIM – Sentença de improcedência – O sujeito ativo da obrigação tributária de ICMS-importação é o Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria (art. 155, § 2º, IX, “a”, CF) – Estabelecimento destinatário das mercadorias localizado no Estado de São Paulo – Inteligência do art. 8º, XXV, da Lei Estadual nº 6.374/1989 – Forma não deve prevalecer sobre o conteúdo (Tema nº 520/STF) – Desnecessidade de comprovação de eventual intenção de fraude – Responsabilidade por infrações à legislação tributária independe da intenção do agente (art. 136, CTN) – Creditamento indevido nas operações simbólicas realizadas entre matriz e filial – Inexistência de circulação interestadual entre estabelecimentos do mesmo contribuinte (Súmula nº 166/STJ) – Impossibilidade de creditamento (art. 61, RICMS Ausência de vulneração ao princípio da não cumulatividade (art. 155, § 2º, I, CF) – Higidez da autuação não infirmada – Precedentes – Sentença mantida. – Apelo desprovido.
No mesmo sentido: Apelação Cível n. 1000918-81.2019.8.26.0014, Relator Desembargador Borelli Thomaz, j. 26.01.2022, 13ª Câmara de Direito Público[6] e Apelação / Remessa Necessária n. 1026898-58.2017.8.26.0577, Relator Desembargador Luis Fernando Camargo de Barros Vidal, j. 10.05.2021, 4ª Câmara de Direito Público,[7] ambos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Tal posicionamento, deveras, não se coaduna com o sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2.446, que questionou a constitucionalidade do artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, cuja norma prescreve a possibilidade da desconsideração de atos e negócios jurídicos dissimulados para ocultar a ocorrência do fato gerador ou o elemento essencial da obrigação tributária.
O decisum está assim ementado:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR N. 104/2001. INCLUSÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO AO ART. 116 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL: NORMA GERAL ANTIELISIVA. ALEGAÇÕES DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DA LEGALIDADE ESTRITA EM DIREITO TRIBUTÁRIO E DA SEPARAÇÃO DOS PODERES NÃO CONFIGURADAS. AÇÃO DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE.
Pelo que ficou decidido, conforme interpretação da relatora, ministra Carmen Lúcia, o dispositivo foi considerado uma norma “antievasão” e não “antielielisiva”, evidenciando o equívoco das indigitadas decisões.
Segundo o voto condutor, o artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, é conhecido de forma inapropriada como “norma antielisão”, uma vez que não proíbe a busca da economia fiscal por vias legítimas. Na “elisão fiscal”, busca-se reduzir os valores devidos evitando a relação jurídica que possa gerar a obrigação tributária. Já na “evasão fiscal”, conforme advertido pelo Supremo Tribunal Federal, o objetivo do contribuinte é ocultar dolosamente o fato gerador do tributo após sua ocorrência. Registre-se que em relação à “elusão fiscal”, há o abuso de forma para dissimular um fato jurídico, mediante declaração não verdadeira ou artificiosa (artigo 167, parágrafo 1º, inciso II, do Código Civil).
Com efeito, o Pretório Excelso consagrou que o contribuinte pode buscar economia fiscal se o negócio jurídico for lícito. Assim, a requalificação dos fatos jurídicos pela autoridade fiscal, consoante aplicação do artigo 116, parágrafo único c.c. o artigo 149, do Código Tributário Nacional, está restrito aos atos ou negócios jurídicos praticados com a intenção de dissimular ou simular o fato gerador.
Forçoso concluir que o fato jurídico, para ser legítimo, deve estar devidamente previsto em lei e que já tenha efetivamente se materializado, fazendo surgir a obrigação tributária, não podendo a administração tributária desconsiderar os atos jurídicos praticados pelo contribuinte que visem exclusivamente pagar menos tributos, salvo quando praticados de forma dolosa para omitir o fato gerador do tributo.
Frise-se, portanto, que é plenamente legítimo que o contribuinte procure todos os meios ao seu alcance para que a tributação sobre as operações seja a menor possível, sem a necessidade de justificar seus atos com base numa motivação negocial.
Há vários precedentes favoráveis ao contribuinte no âmbito do Contencioso Administrativo Tributário Federal, reconhecendo a licitude do planejamento tributário visando reduzir tributos, ex vi dos julgados proferidos pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, conforme processo 16682.720568/2018-96, julgado em maio de 2021, pela 1ª Turma, da 3ª Câmara, da 3ª Seção[8], bem como, no processo 11080.722705/2011-16, donde a 2ª Turma, da 4ª Câmara, da 1ª Seção, decidiu a favor do contribuinte, em novembro de 2021[9], e no processo n. 10865.720538/2015-11, 3ª. Câmara, 1ª, Turma Ordinária, em abril de 2018[10]. No mesmo sentido, é o julgado proferido pela 5ª Câmara Julgadora do Tribunal de Impostos e Taxas, no AIIM n. 3.118.642-7[11], julgado em agosto de 2010.
Destarte, nas questões que envolvem o ICMS-Importação, a jurisprudência do Poder Judiciário e do Contencioso Administrativo Tributário dos Estados devem se adequar ao entendimento sufragado pela Corte Suprema. A aderência à referida decisão é de rigor (artigo 489, parágrafo 1º, inciso VI, e artigo 15, ambos do Código de Processo Civil de 2015), a fim de que o superprincípio da segurança jurídica seja de fato implementado.
Em súmula, é inadmissível a requalificação dos fatos jurídicos pela autoridade fiscal, sob o fundamento de que “a substância prevalece sobre a forma”, sem que estejam presentes o dolo, a fraude ou a simulação, mediante comprovação por provas.
8. CONCLUSÃO
Consoante todo o exposto, podemos assumir que a questão da “prevalência da substância sobre a forma” merece atenção e reflexão pela comunidade jurídica, pois, sua aplicação tem acarretado problemas para a interpretação da norma, em violação ao princípio da legalidade tributária e à segurança jurídica.
A regra-matriz do ICMS-Importação tem como “critério material” a realização da importação mercadoria estrangeira; como “critério espacial”, o local onde ocorre o desembaraço aduaneiro (alfândega), tendo como limites, os territórios dos Estado e do Distrito Federal; o “critério temporal” é momento em que a mercadoria ingressa no território nacional pelo desembaraço aduaneiro; o “critério quantitativo” é o valor da mercadoria importada (base de cálculo) e a alíquota prevista em cada legislação estadual ou do Distrito Federal; no “critério pessoal”, temos como sujeito ativo os Estados da Federação e o Distrito Federal do destino jurídico da mercadoria; e como sujeito passivo, o importador, normalmente a indústria, o comerciante ou o produtor, na condição de “destinatário jurídico do bem”.
São três as modalidades de importação: compra e venda (direta), por encomenda e por conta e ordem. A partir da modalidade adotada pelo contribuinte, determina-se a sujeição ativa do ICMS-Importação, tendo em vista o quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal relativo ao Tema 520.
O Supremo Tribunal Federal definiu que o sujeito ativo do ICMS na operação de importação é o Estado do destinatário “jurídico do bem”, independentemente do recinto aduaneiro onde ocorreu o desembaraço aduaneiro ou da entrada no estabelecimento, ou ainda, da destinação física da mercadoria (Tema 520). Pela intelecção do julgamento nos Embargos Declaração no Recurso Extraordinário com Agravo n. 665.134/MG do Estado de Minas Gerais, referente ao Tema 520, é lícito afirmar que a requalificação dos fatos jurídicos pela autoridade fiscal, sob o fundamento de que “a forma não prevalece sobre a substância”, somente é aplicável nos casos de dolo, fraude, simulação ou dissimulação.
É plenamente lícita a importação de mercadorias através de determinado estabelecimento, seja ele matriz ou filial, em razão do caráter autônomo dos estabelecimentos (artigos 11, 12 e 25 da LC 87/96) e desde que atendam às condições e exigências aduaneiras, máxime a regular habilitação no SISCOMEX, nos termos da Instrução Normativa da RFB 1984, de 27 de outubro de 2020.
No entanto, a fiscalização dos Estados tem autuado os contribuintes por falta de pagamento do imposto ou por crédito indevido, nas operações com transferências simbólicas de mercadorias importadas envolvendo estabelecimentos do mesmo titular localizados em Estados distintos, atribuindo ao estabelecimento do destino físico, o real “destinatário jurídico” das mercadorias.
A ausência de trânsito físico das mercadorias no Estado onde está localizado estabelecimento importador e o fato do desembaraço ter ocorrido em outro Estado, por si só, não são suficientes para atribuir ao outro estabelecimento destinatário do mesmo titular, como verdadeiro “destinatário jurídico” da mercadoria, por falta de previsão legal específica, salvo nos casos de dolo, fraude ou simulação. É necessário que a fiscalização, na reclassificação dos fatos jurídicos (artigo 116, parágrafo único, combinado com o art. 149 do CTN), apresente provas do ardil do contribuinte, sendo absolutamente insuficiente que a motivação do lançamento fiscal tenha como supedâneo conjecturas, presunções, ou sob o insulado fundamento de que “a forma não prevalece sobre o conteúdo”. Sendo lícita a operação, incabível a requalificação dos fatos jurídicos pela autoridade fiscal.
A busca pela redução de custos no desenvolvimento das atividades econômicas organizadas é inerente ao propósito negocial de qualquer atividade empresarial, se coadunando com o princípio da liberdade do exercício de qualquer trabalho (art. 5º, inciso XIII, da CF/88) e com o princípio da função social da atividade econômica (art. 170 da CF/88).
O Pretório Excelso consagrou que o contribuinte pode buscar economia fiscal se o negócio jurídico for lícito, conforme restou decidido na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2.446, que questionou a constitucionalidade do artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, de modo que é de rigor a aderência dos Tribunais judiciais e administrativos ao referido entendimento sufragado, força artigo 489, parágrafo 1º, inciso VI, e artigo 15, ambos do Código de Processo Civil de 2015.
Tendo em vista o problema apresentado, sendo lícitas as operações, vale dizer, verificado o binômio (i) licitude dos atos praticados e (ii) efetividade das operações, incabível a desconsideração das operações de transferência simbólica de mercadorias importadas entre estabelecimentos do mesmo titular, localizados em Estados distintos, salvo nos casos de dolo ou fraude comprovados.
REFERÊNCIAS
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 6ª Ed., 2013, Editora Noeses.
FERRAREZI, Renata Soares Leal. Uma retrospectiva analítica da exigência do ICMS na importação de bens por não contribuintes, inclusive entidades de caráter beneficente e assistencial. Revista Tributária e de Finanças Pública, v. 149, n. 29, 2022, p. 239. Disponível em: https://rtrib.abdt.org.br/index.php/rtfp/article/view/480/219. Acesso em: 20 out. 2022.
GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. 3a ed. São Paulo: Dialética, 2011.
PACOBAHYBA, Fernanda. A concessão de benefícios fiscais pelos Estados na contramão da democracia brasileira. Revista Meritum, v. 6, n. 1, p. 251-277, 2011. Disponível em: http://revista.fumec.br/index.php/meritum/article/view/1072. Acesso em: 20 out. 2022.
TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2015.
[1] Possui graduação em Direito pela Faculdade de Direito de São Carlos (1986). Atualmente é Juiz – Tribunal de Impostos e Taxas e advogado – Peres e Aun Advogados Associados, associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário desde 1998, membro efetivo da Comissão do Contencioso Administrativo Tributário da OAB-SP, Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, Diretor Jurídico Adjunto do CIESP/SP
[2] Advogado. Professor, especialista em Direito Tributário pelo IBDT/IBET (2001), mestre e doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo. Sócio titular de Costa Pereira e Di Pietro Advogados.
[3] Disponível: http://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/pesquisarInteiroTeor.asp. Acesso em 05.07.2022.
[4] O STJ, firmou orientação segundo a qual não se exige a demonstração de nenhuma finalidade específica para a tipificação do crime do art. 1º da Lei 8.137/90: “É assente na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que os crimes contra a ordem Tributária previstos no artigo 1º da Lei n. 8.137/90 prescinde de dolo específico, bastando para a subsunção à norma o não recolhimento do tributo.” (AgRg no AREsp 900.438/RS, j. 06/02/2018)
[5] Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=15533911&cdForo=0. Acesso em 12.07.2022.
[6] Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=15343856&cdForo=0. Acesso em 12.07.2022.
[7] Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=14621247&cdForo=0. Acesso em 12.07.2022.
[8] Disponível em: http://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/ConsultarJurisprudencia/listaJurisprudenciaCarf.jsf. Acesso em 12.07.2022.
[9] Disponível em: http://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/ConsultarJurisprudencia/listaJurisprudenciaCarf.jsf. Acesso em 12.07.2022.
[10] Disponível em: https://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/ConsultarJurisprudencia/listaJurisprudencia.jsf?idAcordao=7273031. Acesso em 18.07.2022.
[11] Disponível em: <https://www.fazenda.sp.gov.br/VDTT/ConsultarVotos.aspx?instância=2>. Acesso em: 28 jul. 2022 (o link do julgado do Tribunal de Impostos e Taxas citado remete para a tela de consulta e não diretamente ao acordão por impossibilidade técnica, de modo que o leitor somente terá acesso à decisão após digitar o número do processo).