A LAVAGEM DE DINHEIRO EM JOGOS DE AZAR E DE APOSTAS ONLINE: O PAPEL DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

A LAVAGEM DE DINHEIRO EM JOGOS DE AZAR E DE APOSTAS ONLINE: O PAPEL DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

30 de dezembro de 2024 Off Por Cognitio Juris

THE MONEY LAUNDERING IN GAMBLING AND ONLINE BETTING: THE ROLE OF INTERNATIONAL COOPERATION

Artigo submetido em 21 de dezembro de 2024
Artigo aprovado em 27 de dezembro de 2024
Artigo publicado em 30 de dezembro de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 57 – Dezembro de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Hiana Lima de Souza[1]
Ana Paula Matos de Queiroz[2]

RESUMO: O presente artigo explora a importância de políticas de cooperação internacional no combate à lavagem de dinheiro associada aos jogos de azar e de apostas online. O estudo do tema mostra-se importante, pois, em um mundo globalizado a prática de lavagem de dinheiro, cada vez mais requintada e organizada, se apresenta como um problema mundial que carece de permanente discussão e enfrentamento. Nesse sentido, o objetivo desta pesquisa é debater a necessidade e eficácia de políticas de cooperação, analisando as dificuldades legislativas. A metodologia qualitativa adotada baseou-se em uma revisão bibliográfica, bem como na análise de textos legislativos e projeto de lei. Como resultado da pesquisa foi possível inferir que é imprescindível a promoção da cooperação internacional nos mais diversos âmbitos, na tentativa de coibir a atividade ilícita. Para tanto, os Estados precisam constantemente se adequar às novas realidades implementando e aperfeiçoando os mecanismos de controle.

Palavras-chave: Lavagem de dinheiro. Direito transnacional. Jogos de azar. Cooperação internacional.

ABSTRACT: This article explores the importance of international cooperation policies in combating money laundering associated with gambling and online betting. The study of the topic is important because, in a globalized world, the practice of money laundering, increasingly refined and organized, presents itself as a global problem that requires permanent discussion and confrontation. In this sense, the objective of this research is to debate the need and effectiveness of cooperation policies, analyzing legislative difficulties. The qualitative methodology adopted was based on a bibliographical review, as well as the analysis of legislative texts and bills. As a result of the research, it was possible to infer that it is essential to promote international cooperation in the most diverse areas, in an attempt to curb illicit activity. To this end, States need to constantly adapt to new realities by implementing and improving control mechanisms.

Keywords: Money laundering. Transnational law. Gambling. International cooperation.

1 INTRODUÇÃO

O mundo globalizado aliado ao crescimento exponencial da internet e tecnologias digitais transformaram o mercado de jogos de azar e apostas online em uma indústria bilionária. Naturalmente, a expansão desenfreada dessas atividades trouxe à tona novos desafios relacionados à criminalidade financeira, além de agravar os problemas já existentes, especialmente no que diz respeito à lavagem de dinheiro.

Os cassinos têm sido ao longo da história locais associados à prática de lavagem de dinheiro. Contudo, a natureza descentralizada e anônima das transações online lapidou um ambiente ideal para o uso de plataformas de apostas e jogos de azar como instrumentos no disfarce da origem ilícita de ativos. Nesse contexto, o crime transnacional torna-se particularmente relevante, isso porque os criminosos frequentemente exploram as barreiras fronteiriças para dificultar o rastreio de atividades ilícitas.

Nesse sentido, a lavagem de dinheiro nos jogos de azar e apostas online representa atualmente uma ameaça global, exigindo respostas que vão além das fronteiras de um único país. No entanto, as iniciativas de combate a esses crimes financeiros enfrentam um grande obstáculo: a falta de políticas internacionais coordenadas e eficazes. Uma vez que, a ausência de uma atuação transfronteiriça consistente possibilita que atividades ilícitas ocorram em jurisdições onde as leis são mais frouxas ou até inexistentes. Assim, a resposta a esses crimes demanda uma cooperação internacional cada vez mais aperfeiçoada, entre governos, entidades financeiras, autoridades policiais e judiciais.

De tal modo, o objetivo desta pesquisa é discutir a importância de políticas de cooperação internacional no combate à lavagem de dinheiro atrelada aos jogos de azar e apostas online. No decorrer do estudo buscou-se identificar os déficits presentes nas legislações internacionais, debater a eficácia das atuais iniciativas de cooperação entre países e propor soluções para fortalecer a resposta global a essa problemática crescente.

Este trabalho foi desenvolvido através do uso da metodologia qualitativa, por meio de pesquisas exploratórias. O método adotado baseia-se em uma revisão bibliográfica e análise de textos legais, considerando livros, artigos científicos, legislações e projetos de lei que tratam da regulamentação dos jogos de azar e apostas online, bem como do crime de lavagem de dinheiro.

Pretende-se, ao longo deste artigo, apresentar uma definição introdutória dos conceitos de crime transnacional e lavagem de dinheiro, apresentando definições legais e doutrinárias. Em seguida, apresenta-se uma visão geral do atual contexto de funcionamento e expansão dos jogos de azar e de apostas online. Por fim, por meio de uma análise de alguns mecanismos existentes de cooperação internacional, busca-se não somente compreender o quadro atual do combate à lavagem de dinheiro, mas também propor caminhos para o aprimorar e tornar mais eficaz as políticas de cooperação internacional.

2 CRIMES TRANSNACIONAIS

Antes de adentrar propriamente no conceito de crime transnacional, cabe pontuar que o termo transnational law foi introduzido no mundo jurídico pelo jurista norte-americano Philip Jessup, por ele definido como “all law which regulates actions or events that transcend national frontiers” (JESSUP, 1956, p. 2). De tal modo, seria o conceito de direito transnacional mais amplo do que o termo direito internacional, visto que, aquele abrange todas as interações legais que envolvem mais de um país e este, em geral, cuida das relações entre Estados. Inclusive, para o autor, tanto o direito internacional público quanto o privado estariam enquadrados no que se entende por direito transnacional (JESSUP, 2018).

Por outra ótica, a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional (Convenção de Palermo) ratificada pelo Brasil através do Decreto nº 5.015/2004, descreve crime transnacional em seu artigo 3º,  parágrafo 2:

2. Para efeitos do parágrafo 1 do presente Artigo, a infração será de caráter transnacional se:

a) For cometida em mais de um Estado;

b) For cometida num só Estado, mas uma parte substancial da sua preparação, planeamento, direção e controle tenha lugar em outro Estado;

c) For cometida num só Estado, mas envolva a participação de um grupo criminoso organizado que pratique atividades criminosas em mais de um Estado; ou

d) For cometida num só Estado, mas produza efeitos substanciais noutro Estado (BRASIL, 2004).

Assim como há uma distinção entre o direito internacional e o transnacional, não se deve confundir as terminologias crimes internacionais e transnacionais. Conforme descrito pelo Estatuto de Roma, o crime internacional está associado “aos crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto” (BRASIL, 2002).

Nesse sentido, ainda que afete toda uma coletividade, o crime internacional pode ser cometido sem ultrapassar qualquer fronteira.  Ao passo que, os crimes transnacionais, em regra, envolvem uma violação à legislação interna de mais de um país, apenas excepcionalmente a tipificação da conduta estará disposta em tratados internacionais, após a ratificação interna em cada Estado (GALÍCIA, 2018).

3 A LAVAGEM DE DINHEIRO

A lavagem de dinheiro é um crime intimamente ligado à criminalidade organizada transnacional (BELIZÁRIO, 2018). Isso porque, essa prática consiste em dissimular ou ocultar a origem ilegal, através de inúmeras transações, a fim de alterar o status do dinheiro ilícito, lhe conferindo a aparência de legítimo e garantindo sua livre circulação no sistema econômico e financeiro (PRADO, 2010).

Nas palavras de André Callegari:

A prioridade dos que lavam dinheiro é retirá-lo do país onde foi produzido e misturá-lo com o grande volume de dinheiro quente e sem nacionalidade que circula eletronicamente ao redor do mundo em busca de maior rendimento e segurança, antecipando-se às mudanças de apreciações de divisas ou fugindo da instabilidade política real, imaginária ou induzida (Callegari, 2008, p. 36).

Desse modo, a finalidade do delito somado ao acelerado processo de globalização, de desenvolvimento dos meios tecnológicos e de comunicação resultou em um crescimento desenfreado da lavagem de dinheiro no cenário global (PRADO, 2010). Nesse sentido, há uma permanente preocupação dos organismos internacionais em combater a lavagem de dinheiro (ANSELMO, 2010).

O marco do desenvolvimento de mecanismos capazes de enfrentar a disseminação mundial da lavagem de dinheiro foi a adoção da Convenção de Viena, de 20 de dezembro de 1988, ratificada pelo Brasil através do Decreto nº 154/1991, no qual o crime de lavagem de dinheiro foi previsto legalmente em seu artigo 3º e vindicou que os Estados implementassem as medidas necessária em sua legislação nacional a fim de caracterizar como delito penal a  referida prática (BRASIL, 1991).

Em 1998, em atenção a convenção assinada, o ordenamento jurídico brasileiro, tipificou o crime de lavagem de dinheiro no art. 1º da Lei nº 9.613, além disso, instituiu o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF (BRASIL, 1998).

Em Cartilha desenvolvida pelo COAF tratando sobre a lavagem de dinheiro, fora apresentado pelo presidente do Conselho, Adrienne Giannetti Nelson de Senna, o seguinte conceito:

Lavagem de dinheiro é o processo pelo qual o criminoso transforma recursos ganhos em atividades ilegais em ativos com uma origem aparentemente legal. Essa prática geralmente envolve múltiplas transações, usadas para ocultar a origem dos ativos financeiros e permitir que eles sejam utilizados sem comprometer os criminosos. A dissimulação é, portanto, a base para toda operação de lavagem que envolva dinheiro proveniente de um crime antecedente (COAF, 2010, p. 1).

Atualmente, o conceito clássico de lavagem de dinheiro está associado à prática de três etapas autônomas e praticamente simultâneas, são elas: a conversão, a dissimulação e a integração. A primeira etapa consiste em ocultar o dinheiro ilícito o introduzindo no mercado, a essa altura é comum que o autor do delito cuidadosamente busque países com ordenamentos jurídicos mais tolerantes e sistemas financeiros liberais. Por sua vez, a segunda etapa é marcada pela realização de incontáveis transações financeiras, sucessivas e anônimas, com o intuito de dificultar o rastreio dos ativos (UNODC, 2017).

Vale ressaltar que, nesse momento, os países considerados ideais pelos criminosos são aqueles em que há legislações relativas ao sigilo bancário, tudo em prol da promoção de obstáculos nos possíveis processos de investigação da cadeia de operações financeiras.

Por fim, a última etapa, também conhecida como fase de reciclagem, o ativo com sua nova roupagem de licitude, é integrado ao sistema econômico, seja através de aquisições ou investimentos em negócios. Assim, uma vez percorrida a cadeia torna-se cada vez mais simples lavar o dinheiro ilegal (COAF, 2010). É nessa fase que os jogos de azar e casas de apostas podem servir como eficiente ferramenta para incorporação desses ativos ilícitos no mercado financeiro, de modo que, faz parecer que o enorme volume de capital é proveniente de prêmios alcançados em apostas.

4 O ATUAL QUADRO DOS JOGOS DE AZAR E DE APOSTAS ONLINE

Fatores como a globalização e a disseminação do acesso à internet construíram um cenário ideal para que os jogos de azar e apostas passassem a ocupar os espaços virtuais, dando ensejo a uma significativa expansão da indústria de jogos online mundial (MARÇAL, 2023).

De acordo com dados disponibilizados pela H2 Gambling Capital, referência em dados do setor global de jogos de azar e apostas esportivas online, estima-se que o mercado de apostas online brasileiro deve atingir o rendimento bruto de US $ 10 bilhões, até 2029 (H2 GAMBLING CAPITAL, 2024).

No Brasil, foi sancionada, com alguns vetos, a Lei nº 14.790/23 que trata da modalidade lotérica de apostas de quota fixa, as conhecidas “bets”, em geral relacionadas a apostas esportivas. O texto normativo regula a exploração da atividade e determina a destinação da arrecadação (BRASIL, 2023).

Por outro lado, há em tramitação o Projeto de Lei nº 2.234 que objetiva regular a exploração de jogos e apostas em todo o território nacional. O texto inicial do projeto prevê um título destinado à prevenção da prática de lavagem de dinheiro (BRASIL, 2022).

Cumpre pontuar que, ao estabelecer um ambiente regulado e transparente, a regulamentação pode fortalecer a integridade do mercado e transformar um setor antes marginalizado em um ambiente legítimo. Contudo, é necessário cuidar para não confundir regulamentação com sinônimo de imunização para operações ilegais. Isso porque, mesmo em países onde existe legislação regulatória é necessário estar sempre vigilante à atividade de sites sem permissão.

A exemplo, a Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda identificou mais de dois mil domínios suspeitos em atividade no Brasil que exploram a modalidade lotérica de apostas de quota fixa sem atender aos requisitos  estabelecidos pela Portaria SPA-MF nº 1.475/2024. Diante disso, o Ministério da Fazenda junto a Anatel tem empreendido esforços no bloqueio dos sites irregulares no território nacional (GOV, 2024).

Nesse sentido, ainda que a exploração de jogos de azar, física ou virtual, seja proibida na legislação brasileira vigente, a falta de regulamentação adequada, assim como as omissões legislativas, acabam possibilitando a entrada dos sites de jogos e apostas sediados em países onde a exploração é legalizada. Nas palavras de Marçal:

No entanto, enquanto no mundo físico é relativamente simples delimitar o território de atuação de uma atividade, no ambiente virtual, a identificação da área em que um ato está sendo praticado é extremamente complexa, o que torna, inclusive, a aplicação das leis locais altamente controversas. Isso ocorre porque a internet é uma rede global que não possui fronteiras geográficas bem definidas, de forma que os sites na internet acabando podendo ser acessados por qualquer pessoa, de qualquer lugar do mundo (Marçal, 2023, p. 24).

Em 2022, uma avaliação supranacional de risco realizada pela Comissão Europeia elevou o grau de risco de ameaça de lavagem de dinheiro nos jogos de azar online para o nível mais alto da classificação. Isso porque, esse ambiente virtual possibilita não só o anonimato dos jogadores, mas também um volume exacerbado e complexo de operações financeiras, agravado ainda pelo uso de moedas digitais e virtuais (IPLD, 2022).

Segundo relatório publicado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime – UNODC, intitulado “Casinos, Money Laundering, Underground Banking, and Transnational Organized Crime in East and Southeast Asia”, o conhecimento técnico limitado das autoridades e o capital anônimo tornam excessivamente árduo o trabalho de identificar a origem dos ativos que circulam nas plataformas e, consequentemente, verificar se o capital é destinado a serviços bancários clandestinos ou  práticas de lavagem de dinheiro (UNODC, 2024).

Somado a isso, o fluxo de transações internacionais envolve diversas jurisdições, de modo que, as legislações nacionais não são capazes de alcançar toda a extensão das operações realizadas em virtude dos limites de jurisdição, dificultando ainda mais o processo investigatório.

5 A NECESSIDADE DE APERFEIÇOAR INCESSANTEMENTE AS POLÍTICAS DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

Tratando-se do combate a estrutura internacional da lavagem de dinheiro há uma premente necessidade de uma atuação articulada dos organismos internacionais, bem como da implementação de instrumentos de cooperação internacional, especialmente, em virtude da transnacionalidade, característica marcante dessa prática criminosa (ANSELMO, 2010).

Uma vez que, conforme Sato:

Cooperação internacional significa governos e instituições desenvolvendo padrões comuns e formulando programas que levam em consideração benefícios e também problemas que, potencialmente, podem ser estendidos para mais de uma sociedade e até mesmo para toda a comunidade internacional (Sato, 2010, p. 46).

Sendo assim, percebe-se que a cooperação internacional é um instituto indispensável no combate global à lavagem de dinheiro, mas sua importância ganha ainda mais força quando se está diante da prática do crime por meio dos jogos de azar e de apostas online. Visto que, estes oferecem uma realidade dotada de características que favorecem a disseminação da atividade criminosa.

De modo geral, no mundo globalizado a cooperação internacional se tornou um pilar fundamental nas relações internacionais. Isso porque:

No fenômeno cunhado genericamente como “globalização”, o mundo ficou mais integrado e o Estado como ator na cena internacional perdeu bastante espaço para outros atores que, de muitas maneiras, passaram a ser agentes capazes de influenciar significativamente o meio internacional. Nesse ambiente, muitos dos “interesses nacionais” tornaram-se fortemente associados a interesses de outras nações e à realidade internacional como um todo (Sato, 2010, p. 47).

Diante desse cenário, a fim de que não se tornem inoperantes dentro de seu próprio território, é imprescindível que os Estados renunciem parte do seu poderio em prol de um objetivo em comum. Nas palavras de Belizário:

Uma partilha das competências soberanas dos Estados permite-lhes recuperar alguma da “soberania perdida” mostrando que esta querela de soberania perdida pode ser vista através da cooperação dos estados como um novo alento, isto é, como uma nova forma de soberania partilhada (Belizário, 2018, p. 50).

Vale ressaltar que inúmeros são os instrumentos internacionais que direta ou indiretamente objetivam atuar na solução do problema, a exemplo: o Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro – GAFI/FATF – desenvolvido por países-membros da OCDE –  e o Programa Global contra a Lavagem de Dinheiro – GPML, destinado a investigação e assistência técnica executado pelo Escritório de Fiscalização de Drogas e Prevenção de Delitos – ODCCP. Nesse sentido, o embaraço no efetivo controle dessa epidemia não está na criação de novas entidades internacionais, mas sim no desenvolvimento e aperfeiçoamento de mecanismos capazes de executar e efetivar as políticas e instituições já existentes (UNODC, 2017).

Cabe salientar que seria interessante o movimento de promover dentro dessas entidades já existentes grupos especializados em jogos de azar, a fim de realizar estudos mais direcionados ao problema. De maneira oposta, a Comissão Europeia afirmou que a área de jogos de azar não é elencada como uma “prioridade” e encerrou os procedimentos que tratavam de infrações contra Estados-membros. Além disso, recusou a solicitação de alguns de seus membros para reinstalar um Grupo de Especialistas em Apostas online, o qual teve sua última reunião no ano de 2018 (QUEIROZ, 2024).

Nessa perspectiva, importa discutir a incessante necessidade de fomentar estudos e pesquisas que possam alicerçar a cooperação internacional. Nas palavras de Sato:

[…] o avanço dos mecanismos de cooperação significa também novas oportunidades e novos problemas que, por sua vez, passam a demandar das sociedades a construção de mais sistemas coerentes e compatíveis entre si em suas práticas produtivas e em suas instituições políticas e sociais (Sato, 2010, p. 53).

Além disso, com a velocidade desmedida das transformações sociais no mundo contemporâneo, o direito tem vivido um eterno descompasso na busca de acompanhar as mudanças sociais, culturais e tecnológicas. Portanto é necessário cada vez mais adaptar-se às novas dinâmicas no menor intervalo de tempo possível.

Ainda sobre a lavagem de dinheiro, conforme discutido em Cartilha elaborada pelo COAF há mais de uma década, mas que continua espelho de um problema atual:

Numa época de rápido avanço tecnológico e globalização, a lavagem de dinheiro pode comprometer a estabilidade financeira dos países. Vigilância constante é necessário por parte de reguladores, bancos, centros financeiros e outras instituições vulneráveis para evitar que o problema se intensifique (COAF, 2010, p. 3).

Razão pela qual  a cooperação internacional deve ser continuamente impulsionada não só no âmbito judiciário propriamente dito, mas também no intercâmbio de informações, desenvolvimento de legislações e disseminação de técnicas (UNODC, 2017). Essa abordagem dinâmica traduz a natureza intrínseca das relações internacionais que é sobretudo interdisciplinar e multifacetada (SATO, 2010).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

            A abrupta expansão do meio digital e a globalização aumentaram as oportunidades para a prática de crimes financeiros transnacionais, impondo desafios complexos às estruturas jurídicas e regulatórias dos Estados, que não raramente se veem limitados ou até inertes, frente às barreiras geográficas. Em vista disso, o crime de lavagem de dinheiro no terreno dos jogos de azar e apostas online é uma questão global.

Esta pesquisa pretendeu debater a importância da cooperação internacional no combate à lavagem de dinheiro associada aos jogos de azar e de apostas online a partir de uma metodologia qualitativa embasada em uma revisão bibliográfica, bem como na análise de textos legais.

Como observado, a ausência de regulamentação e a fragilidade das normas existentes tornaram o setor de jogos online um meio atrativo para os criminosos. De modo que, revela-se imprescindível a adoção de abordagens cada vez mais coordenadas e compartilhadas entre Estados, desde a simples troca de informações até o estabelecimento e aprimoramento de mecanismos de combate e controle mais robustos.

No Brasil, o desenvolvimento de legislações têm acontecido a passos curtos, recentemente houve a sanção parcial da Lei nº 14.790 tratando da exploração das “bets”, enquanto ainda está em tramitação o Projeto de Lei nº 2.234 de 2022, que revoga os dispositivos da Lei de Contravenções Penais, autorizando a exploração de jogos e apostas em todo o território nacional.

Ocorre que, ainda que ainda que os referidos jogos sejam regulamentados, a norma por si só não é capaz de combater o problema. Isso porque, é preciso que o Estado efetivamente consiga identificar e frear a operação de sites irregulares em seu território.

Outro ponto abordado, foi a natureza cíclica da promoção de cooperação internacional, pois, ao passo que novos mecanismos são desenvolvidos, emergem novos problemas na sociedade que reclamam o enriquecimento dos institutos já existentes. Ademais, aferiu-se a necessidade de promover a cooperação não apenas no âmbito judiciário, mas também entre órgãos reguladores, na atividade policial, no desenvolvimento de legislações e disseminação de técnicas. Possibilitando que as transações financeiras transnacionais possam ser rastreadas, reduzindo limites e quebrando o anonimato que ampara a movimentação dos capitais ilícitos.

Além disso, verificou-se que há no âmbito internacional inúmeras entidades desenvolvidas por organizações internacionais, assim como o GAFI – criado por iniciativa dos países-membros da OCDE – que direta ou indiretamente tratam da questão abordada no presente trabalho, portanto, infere-se, com base na pesquisa exploratória realizada, que embora não haja uma deficiência na criação de entidades é preciso ininterruptamente aperfeiçoar as políticas e mecanismos implementados, a fim de que os Estados não tornem-se inoperantes e consigam acompanhar as transformações sociais.

REFERÊNCIAS

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BELIZÁRIO, Ana Rita da Cruz. A Criminalidade Organizada Transnacional: O Direito Penal dos Estados no Contexto Transnacional. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídico-Forenses) – Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. 2018. Disponível em: https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/85773/1/A%20Criminalidade%20Organizada%20Transnacional-%20O%20Direito%20Penal%20dos%20Estados%20no%20contexto%20transnacional%20%281%29.pdf.

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BRASIL. Ministério da Fazenda. Portaria SPA/MF nº 1.475, de 16 de setembro de 2024. Dispõe sobre as condições e os prazos de adequação para as pessoas jurídicas que explorem a modalidade lotérica de apostas de quota fixa previstos no art. 9º, parágrafo único, da Lei nº 14.790, de 29 de dezembro de 2023 e no art. 24 da Portaria SPA/MF nº 827, de 21 de maio de 2024, até o prazo de 31 de dezembro de 2024.Diário Oficial da União: seção 1, ed. 180. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-spa/mf-n-1.475-de-16-de-setembro-de-2024-584820215.

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[1] Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: limahiana04@gmail.com.

[2] Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professora Substituta no Departamento de Direito no Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail: ana.paula.matos@ufrn.br.