A INCLUSÃO SOCIAL DO MENOR PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS

A INCLUSÃO SOCIAL DO MENOR PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS

28 de novembro de 2023 Off Por Cognitio Juris

THE SOCIAL INCLUSION OF MINORS WITH SPECIAL NEEDS

Artigo submetido em 12 de outubro de 2023
Artigo aprovado em 26 de novembro de 2023
Artigo publicado em 28 de novembro de 2023

Cognitio Juris
Volume 13 – Número 50 – Novembro de 2023
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Marinete Oliveira de Andrade [1]

Resumo: O presente trabalho tem a finalidade de apresentar a inclusão junto aos Portadores de Necessidades Especiais na sociedade do século XXI é de enorme incipiência no país. Muito se tem buscado através dos movimentos um consenso, para que venha surgir uma política da inclusão com os Portadores de Necessidades Especiais, na rede escolar regular. Caminhos fundamentais devem ser direcionados para mudança do quadro de discriminação dessas pessoas, tais como: alteração da visão social; inclusão escolar; acatamento à legislação vigente; maiores verbas para programas sociais; uso da mídia, e de novas tecnologias, cabendo aos integrantes da sociedade lutar para que a inclusão social dessas pessoas seja uma realidade brasileira no próximo milênio. Este trabalho teve como objetivo geral: Analisar os direitos garantidos pelo Estatuto ao Portador de Necessidades Especiais. Buscamos também, levantar as responsabilidades do Estado atribuídas ao Portador com Deficiência; Examinar no Código Civil no que se refere os direitos dos Portadores com Deficiência; relacionar idade e condição especial (deficiências) e; Entender os direitos e garantias do Estatuto da Pessoa Portadora de Necessidades Especiais. A problemática discorre devido a carência de informações e ou ausência da divulgação à população rondoniense, sobre os direitos dos Portadores com Deficiência.  Percebemos essa Deficiência bem próximo, pela qual passam os portadores, quando surgiu a necessidade de informação e logo, viu-se a necessidade de pesquisar a respeito desse tema. O trabalho se justifica por vermos o tratamento dispensado às pessoas portadoras de algum tipo de deficiência são de segregação da sociedade de modo preconceituoso ou até mesmo de modo caridoso, quando na verdade, são colocadas em casas de assistência ou deixadas dentro da própria casa, escondidas sob o argumento de que estão sendo protegidas.

Palavras-chave: deficiência, direito,  educação e política educacional.

 CONCEITO DO PORTADOR  DE NECESSIDADE ESPECIAL.

Atualmente a diferença é um ponto comum a todo ser humano. Normalmente, em maior ou menor escala, características individuais podem gerar dificuldades na vida dos indivíduos. Tanto os portadores de deficiências menores, como as pessoas com deficiências mais complexas, devem fazer tratamentos específicos orientados por médicos e exigem cuidados específicos. Entretanto, cabe ressaltar que o termo deficiência é genérico, englobando toda e qualquer deficiência, seja ela física ou motora, mental ou intelectual, sensorial ou múltipla.

Como observou Werneck (1997, p.21):

A sociedade para todos conscientes da diversidade da raça humana, estaria estruturada para atender as necessidades de cada cidadão, das maiorias às minorias, dos privilegiados aos marginalizados. Crianças, jovens e adultos com deficiência seriam naturalmente incorporadas à sociedade inclusiva, definida pelo princípio: todas as pessoas têm o mesmo valor (Werneck (1997, p. 21)

Além do mais, em nove de dezembro de 1975, aprovada em Assembleia Geral da ONU, surgiu a Declaração dos direitos das pessoas deficientes, que proclamava em seu artigo I:

O termo pessoa deficiente refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais (Werneck (1997, p. 22)

Para os efeitos do Direito do Trabalho, a Convenção 159 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), de 1983, ratificada pelo Brasil define pessoa com deficiência como aquela, cuja possibilidade de conseguir, permanecer e progredir no emprego é substancialmente limitada em decorrência de uma reconhecida desvantagem física ou mental.

De acordo com o art. 3º, inc. I do Decreto nº 3.298 de 1999, define deficiência como toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano. Deste modo, considera-se todo conjunto de deficiências, abrangendo as físicas, sensoriais (da visão ou audição), mentais, de nascença ou adquirida em algum momento da vida, devido à doença ou acidente.

            Todos os conceitos abordados transparecem a postura da sociedade com relação a estas pessoas. Estas definições constituem um verdadeiro problema para elas, pois tais acepções terminam por influenciar o imaginário coletivo, o qual passa a discriminar e rejeitar socialmente pessoas com deficiência, o que implica em sua exclusão de espaço de igualdade, traz efeitos para a própria auto-estima do portador de necessidades especiais que passa a se ver de forma ineficaz, sentindo-se inábil em face das exigências da sociedade. Por isso deve-se ter cuidado ao empregar determinadas palavras, tanto no sentido denotativo, quanto ao conotativo, para que, ao classificar o outro, isso não implique no emitido pejorativo, (AMARAL, A.L., 1994, p. 127)

Vivencia-se desde algum tempo a facilidade e rapidez na disseminação de informações. Com o advento da TV, rádio, jornais, revistas, livros, telefone, internet, entre outros, proporcionou-se maior fluxo de aprendizagem e o portador de necessidades especiais hoje, é muito mais consciente de seus direitos quanto cidadão e tem buscado a melhoria e o respeito dentro da sociedade.

O que caracteriza a pessoa Portadora de Necessidade Especial é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O grau de dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O grau de dificuldade para a integração social é que definirá quem é ou não portador de deficiência. (ARAÚJO, op cit.) A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes também conceituou pessoa portadora de deficiência, (AMARAL, A.L, op cit)

O termo pessoas deficientes refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais.

No Brasil, o Decreto nº 914/1993 considerou em seu artigo 3º que a pessoa portadora de deficiência é aquela que apresenta, em caráter permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.

A criança portadora de necessidade especial,  enquadrando-se em todos esses conceitos merece primordial atenção, pois, qualquer criança tem suas atividades limitadas à supervisão e dependência de um responsável, muito mais dependente é aquela portadora de necessidades especiais, pelo que sua proteção e a proteção de seus direitos são oportunamente prelecionados pela legislação brasileira.

Dos direitos da criança portadora de deficiência A primeira manifestação em relação aos direitos da Criança deu-se em 1924, com a Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança, mas, de forma efetiva, ocorreu em 20 de novembro de 1959, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, com a elaboração da Declaração Universal dos Direitos da Criança, (VERONESE, 2015)

            Na Evolução histórica do Direito da Criança e do Adolescente vivemos um momento sem igual no plano do direito constitucional. Crianças e adolescentes ultrapassam a esfera de menos objetos de “proteção” e passam a condição de sujeitos de direito, beneficiários e destinatários imediatos da doutrina da proteção integral.

            A sociedade brasileira elegeu a dignidade da pessoa humana como um dos princípios da pessoa humana autônomo como um dos princípios fundamentais da República, reconhecendo cada indivíduo como centro de direitos valores essenciais à sua realização plena como pessoa. Configurando, verdadeira “cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana”, o que significa dizer que todo ser humano encontra-se sob seu manto, incluindo-se as crianças e adolescentes (AMIN, Andréa Rodrigues, 2015, p. 43-44)

            Durante a Idade Média, antigas civilizações  os  laços familiares eram estabelecidos pelo culto religioso e não pelas relações afetivas ou consanguíneas. A família romana fundava-se no poder paterno (pater familiar) marital, ficando a cargo do chefe da família o cumprimento dos deveres religiosos. O pai era, portanto, a autoridade familiar e religiosa. A religião  não formava a família, mas ditava suas regras, estabelecia o direito. Juridicamente, a sociedade familiar era uma associação religiosa e não  uma associação natural (AMIN, Andréa Rodrigues, 2015, p. 43-44)

            Os filhos mantinham-se, sobre a autoridade paterna enquanto vivessem na casa do pai, independentemente da menoridade, vez que naquela época não se distinguiam maiores de menores. Filhos não eram sujeitos de direitos, mas sim objeto de relações jurídicas, sobre os quais os pais exerciam um direito de proprietário. Assim, era conferido o poder de decidir, inclusive, sobre a vida e a morte dos seus descendentes.

            O tratamento entre os filhos não era isonômico. Os direitos sucessórios limitam-se ao primogênito e desde que fosse do sexo masculino. Segundo o Código de Manu, o primogênito  era o filho gerado para o cumprimento do dever religioso, por isso privilegiado (AMIN, Andréa Rodrigues, 2015, p. 43-44).

            Em um segundo momento, alguns povos indiretamente procuraram resguardar interesse da população infanto-juvenil. Mais uma vez se fez importante a contribuição romana, que distinguiu menores impúberes, muito próxima das incapacidades absoluta e relativa. A distinção refletiu em um abrandamento nas sanções pela prática de ilícito por menores impúberes ou órfãos.

            A Idade Média foi marcada pelo crescimento da religião cristã com seu grande poder de influência sobre os sistemas jurídicos. O Cristianismo trouxe uma grande contribuição para o início do reconhecimento de direitos para as crianças defendeu o direito à dignidade para todos, inclusive para os menores.

            Como reflexo, atenuou a capacidade de tratamento na relação pai e filho, pregando, contudo, o dever de respeito, aplicação prática do quarto mandamento do catolicismo: “honrar pai e mãe”.

            Por meios de diversos concílios, a Igreja foi outorgando certa proteção aos menores, prevendo e aplicando penas corporais e espirituais para os pais que abandonavam ou expunham os filhos. Em contrapartida, os filhos nascidos fora do manto sagrado do matrimônio (um dos sete sacramentos do catolicismo) eram discriminados, pois indiretamente atentavam contra a instituição sagrada, àquela época única forma de se constituir família, base de toda sociedade (AMIN, Andréa Rodrigues, 2015, p. 43-45)

            No Brasil colônia, as Ordenações do Reino tiveram larga aplicação, mantinham  o respeito ao pai como autoridade máxima no seio familiar.          Durante  fase imperial tem início a preocupação com os infratores, menores ou maiores, e a politica repressiva era fundada no temor ante a crueldade das penas. Vigentes as Ordenações Filipinas, a imputabilidade penal era alcançada aos 7 anos de idade. Dos 7 aos 17 anos, o tratamento era similar ao do adulto com certa atenuação na aplicação da pena. Dos 17 aos 21 anos de idade, eram considerados jovens adultos e, portanto, já poderiam sofrer a pena de morte natural (por enforcamento). “A exceção era o crime de falsificação de moeda, para a qual se autorizava a pena de morte natural para maiores de 14 anos” (AMIN, Andréa Rodrigues, 2015, p. 46).

            O Primeiro Código Penal dos Estados Unidos do Brasil manteve a mesma linha do código anterior. Menores de 9 anos eram inimputáveis.  A verificação do discernimento foi mantida para os adolescentes entre 9 e 14 anos  de idade. Até 17 anos seriam apenados com 2/3 da pena do adulto.

            A influência externa e as discussões internas levaram a construção de uma Doutrina do Direito do Menor, fundada no binômio carência-delinquência. Era a fase da criminalização da infância pobre. Havia uma consciência geral de que o Estado teria o dever de proteger os menores, mesmo que suprimindo suas garantias. Delineava-se, assim, a Doutrina da Situação Irregular.

            Em um inevitável desenrolar dos fatos, em 1926 foi publicado o Decreto n. 5.083, primeiro Código de Menores de um ano depois, em12 de outubro de 1927, veio a ser substituído pelo Decreto n. 17.943-A, mais conhecido como Código Mello Mattos. De acordo com a nova lei, caberia ao Juiz de Menores decidirem-lhes o destino. A família independentemente da situação econômica, tinha o dever de suprir adequadamente as necessidades básicas das crianças e dos jovens, de acordo com o modelo idealizado pelo Estado. Medidas assistenciais e preventivas foram previstas com o objetivo de minimizar a infância de rua (AMIN, Andréa Rodrigues, 2015, p. 47)

            No campo infracional, crianças e adolescentes até 14 anos eram objeto de medidas punitivas com finalidade educacional. Os jovens entre 14 e 18 anos, eram passíveis de punição, mas com responsabilidade atenuada. Foi uma lei que uniu justiça e assistência, união necessária para que o Juiz de Menores exercesse toda sua autoridade centralizadora, controladora e protecionista sobre a infância pobre, potencialmente perigosa. Estava construída a categoria Menor, conceito estigmatizante que acompanharia crianças e adolescentes até a Lei n. 8.069/90 (AMIN, Andréa Rodrigues, 2015, p. 47)

            A Constituição da República do Brasil de 1937, permeável às lutas pelos direitos humanos, buscou, além do aspecto jurídico, ampliar o horizonte social da infância e juventude, bem como dos setores mais carentes da população. O Serviço Social passa a integrar programas de bem-estar, valendo destacar o Decreto-Lei n. 3.799/41, que criou o Serviço de Assistência do Menor (SAM), que atendia menores delinquentes e desvalidos, redefinindo em 1944 pelo Decreto-lei n. 6.865.

            Em 1943, foi instalada uma Comissão Revisora do Código Mello Mattos. Diagnosticado que o problema das crianças era principalmente social, a comissão trabalhou no proposto de elaborar um código misto, com aspecto social e jurídico.

            No auge do regime militar foi publicado o Decreto-Lei n. 1.004, de 21.10.1969, que institui o Código Penal e reduziu a responsabilidade penal para 16 anos se comprovada a capacidade de discernimento acerca da ilicitude do fato. Na hipótese, a pena poderia ser diminuída de um terço até a metade. O referido dispositivo foi revogado pela Lei n. 6.016, de 31.12.1973, que restabeleceu a idade de 18 anos para alcance da imputabilidade penal (AMIN, Andréa Rodrigues, 2015, p. 48)

            No final dos anos 1960 e começo da década de 1970 iniciam-se debates para reforma na criação de uma legislação menorista. Em 10 de outubro de 1979 foi publicada a Lei n. 6.697, novo Código de Menores, que, sem pretender surpreender ou inovar, consolidou a doutrina da Situação Irregular.

            Em 1990, com a extinção da Fundação Nacional o Bem Estar do Menor-FUNABEM, que foi substituída pelo Centro Brasileiro para Infância e Adolescência-CBIA, que não mais se utilizou o termo menor, mas sim, “criança e adolescente”, expressão consagrada na Constituição da República de 1988 e nos documentos internacionais.

O processo de exclusão social de pessoas com deficiência ou alguma necessidade especial é tão antigo quanto a socialização do homem.

A estrutura das sociedades, desde os seus primórdios, sempre inabilitou os portadores de deficiência, marginalizando-os e privando-os de liberdade. Essas pessoas, sem respeito, sem atendimento, sem direitos, sempre foram alvo de atitudes preconceituosas e ações impiedosas.

Muitas ações isoladas de educadores e de pais têm promovido e implementado a inclusão nas escolas, de pessoas com algum tipo de deficiência ou necessidade especial, visando resgatar o respeito humano e a dignidade, no sentido de possibilitar o pleno desenvolvimento e o acesso a todos os recursos da sociedade por parte desse segmento.

Inúmeros movimentos sociais têm buscado o consenso para a formatação de uma política de integração e de educação inclusiva, sendo que o seu ápice foi a Conferência Mundial de Educação Especial, que contou com a participação de 88 países e 25 organizações internacionais, em assembléia geral, na cidade de Salamanca, na Espanha, em junho de 1994.

Este evento teve como culminância a “Declaração de Salamanca”, da qual transcrevem-se, a seguir, pontos importantes, que devem servir de reflexão e mudanças da realidade atual, tão discriminatória.

“Acreditamos e Proclamamos que:

– toda criança tem direito fundamental à educação e deve ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem;

– toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas;

– sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais características e necessidades;

– aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer tais necessidades;

– escolas regulares, que possuam tal orientação inclusiva, constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias, criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos; além disso, tais escolas provêem uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional.

– atribuam a mais alta prioridade política e financeira ao aprimoramento de seus sistemas educacionais no sentido de se tornarem aptos a incluírem todas as crianças, independentemente de suas diferenças ou dificuldades individuais;

– adotem o princípio de educação inclusiva em forma de lei ou de política, matriculando todas as crianças em escolas regulares, a menos que existam fortes razões para agir de outra forma;

– desenvolvam projetos de demonstração e encorajem intercâmbios em países que possuam experiências de escolarização inclusiva;

– estabeleçam mecanismos participatórios e descentralizados para planejamento, revisão e avaliação de provisão educacional para crianças e adultos com necessidades educacionais especiais;

– encorajem e facilitem a participação de pais, comunidades e organizações de pessoas portadoras de deficiências nos processos de planejamento e tomadas de decisão concernentes à provisão de serviços para necessidades educacionais especiais;

– invistam maiores esforços em estratégias de identificação e intervenção precoces, bem como nos aspectos vocacionais da educação inclusiva;

– garantam que, no contexto de uma mudança sistêmica, programas de treinamento de professores, tanto em serviço como durante a formação, incluam a provisão de educação especial dentro das escolas inclusivas.

– a endossarem a perspectiva de escolarização inclusiva e apoiar o desenvolvimento da educação especial como parte integrante de todos os programas educacionais;

– a reforçarem seus estímulos de cooperação técnica, bem como reforçar suas cooperações e redes de trabalho para um apoio mais eficaz à já expandida e integrada provisão em educação especial;

– a reforçarem sua colaboração com as entidades oficiais nacionais e intensificar o envolvimento crescente delas no planejamento, e avaliação de provisão em educação especial que seja inclusiva;

– UNESCO, enquanto  agência educacional das Nações Unidas;

– a mobilizarem o apoio de organizações dos profissionais de ensino em questões relativas ao aprimoramento do treinamento de professores no que diz respeito a necessidades educacionais especiais;

– a estimularem a comunidade acadêmica no sentido de fortalecer pesquisa, redes de trabalho e o estabelecimento de centros regionais de informação e documentação e, da mesma forma, a servir de exemplo em tais atividades e na disseminação dos resultados específicos e dos progressos alcançados em cada país no sentido de realizar o que almeja a presente Declaração;

A inclusão escolar, fortalecida pela Declaração de Salamanca, no entanto, não resolve todos os problemas de marginalização dessas pessoas, pois o processo de exclusão é anterior ao período de escolarização, iniciando-se no nascimento ou exatamente no momento em que aparece algum tipo de deficiência. Isso ocorre em qualquer tipo de constituição familiar, sejam as tradicionalmente estruturadas, sejam as produções independentes e congêneres e em todas as classes sociais, com um agravante para as menos favorecidas. Instalando-se a insegurança, o complexo de culpa, o medo do futuro, a rejeição e a revolta, uma vez que esses pais percebem que, a partir da deficiência instalada, terão um longo e tortuoso caminho de combate à discriminação e ao isolamento.

Os pais ou responsáveis por portadores de deficiência, por sua vez, também se tornam pessoas com necessidades especiais: eles precisam de orientação e principalmente do acesso a grupos de apoio. Na verdade, são eles que intermediarão a integração ou inclusão de seus filhos junto à comunidade.

Cada deficiência acaba acarretando um tipo de comportamento e suscitando diferentes formas de reações, preconceitos e inquietações. As deficiências físicas, tais como paralisias, ausência de visão ou de membros, causam imediatamente apreensão mais intensa por terem maior visibilidade.

A falta de conhecimento da sociedade, em geral, faz com que a deficiência seja considerada uma doença crônica, um peso ou um problema. O estigma da deficiência é grave, transformando as pessoas cegas, surdas e com deficiências mentais ou físicas em seres incapazes, indefesos, sem direitos, sempre deixado para o segundo lugar na ordem das coisas. É necessário muito esforço para superar este estigma.

Essa situação se intensifica junto aos mais carentes, pois a falta de recursos econômicos diminui as chances de um atendimento de qualidade. Tem-se aí um agravante: o potencial e as habilidades dessas pessoas são pouco valorizados nas suas comunidades de origem, que, obviamente, possuem pouco esclarecimento a respeito das deficiências. Onde estão as causas da exclusão dessas pessoas no Brasil?

O que se observa de imediato são programas, propostas, projetos, leis e decretos em sua grande maioria somente no papel, não havendo integração de objetivos e metas entre esses programas.

Muitas vezes acontecem ações paralelas entre o governo, porém ao serem colocadas na prática, as ações se divergem na realizada, como na própria inclusão escolar, que não capacita-se os profissionais para receber um portador de qual seja a necessidade e muito menos um acompanhamento com outros profissionais os quais eles têm direito, como prevê as legislações.

Essas ações não são permanentes, pois a cada mudança de governo são interrompidas, esvaziadas, perdendo a continuidade e a abrangência, sendo que outras aparecem em seus lugares para “fixar” a plataforma de quem está no poder.

Nos estados e municípios, não existe uma política efetiva de inclusão que viabilize planos integrados de urbanização, de acessibilidade, de saúde, educação, esporte, cultura, com metas e ações convergindo para a obtenção de um mesmo objetivo: resguardar o direito dos portadores de deficiência.

As dificuldades são imensas para sensibilizar executivos de empresas privadas, técnicos de órgãos públicos e educadores sobre essa questão. Um sentimento de omissão aparece, consciente ou inconscientemente, em técnicos, executivos e burocratas, quando necessitam decidir sobre o atendimento às necessidades dos portadores de deficiência.

Essas reações preconceituosas, de omissão e descaso, já podem ser classificadas:

– nos órgãos públicos, as solicitações e reivindicações de pessoas portadoras de deficiência logo se transformam nos famosos processos não apontados para soluções, pois todos transferem o “problema” para terceiros, eximindo-se, assim, da necessidade de propor alternativas de atendimento. Nesses processos, quase todos se omitem de tomar decisões em benefício dos portadores de deficiência, tais como:

– na área de atendimento e serviços à população,  a idéia de modelos únicos para todos, preestabelecidos, tem excluído pessoas com necessidades especiais dos recursos da sociedade, como comprovam as barreiras arquitetônicas, sociais e educacionais. No plano dos atendimentos específicos, a realidade é a seguinte:

– saúde: os locais de atendimentos na área de saúde são pequenos, superlotados e sem infra-estrutura. As políticas de prevenção, às vezes, ficam restritas a algumas campanhas de vacinação e os programas de diagnóstico precoce são insuficientes. Os testes com aparelhos de última geração são destinados a poucos; as de terapias e fisioterapias oferecem poucas vagas em relação à demanda; a obtenção de próteses e órteses são difíceis e enormes para quem não tem poder aquisitivo;

– área social: os programas para as pessoas com alguma deficiência são, em geral, os que possuem as menores verbas, não existe trabalho efetivo junto às comunidades carentes e os grupos de orientação estão sempre superlotados;

– mercado de trabalho: poucos são os empregadores que se dispõem a absorver esse segmento. O portador de deficiência é o último a ser contratado e o primeiro a ser demitido, sendo que sua faixa salarial é, em média, menor que a de seus colegas de profissão;

– nas áreas de lazer, esportes, cultura e transportes não existem projetos abrangentes que atendam a todos os tipos de deficiência e, nas áreas de comércio, indústria e serviços, a acessibilidade inexiste ou é inconsistente;

– na educação também não é diferente, pois só as grandes cidades possuem algum tipo de atendimento. A realidade tem mostrado que os ciclos do ensino fundamental, com sua passagem automática de ano, e a falta de formação de professores, de recursos técnico-pedagógicos, de estímulo suplementar, de acompanhamento de equipe multidisciplinar, fonoaudiólogos, assistentes sociais, psicólogos, terapeutas ocupacionais , de salas e de professores de apoio deixam a questão da inclusão escolar sem estrutura eficiente, bonita apenas na teoria.

Em nome da igualdade de atendimentos, muitos teóricos radicais defendem a inclusão escolar de forma simplista: é só colocar esse aluno na classe comum e tudo se resolve. Entretanto, suas teses não refletem a realidade de que as pessoas com deficiência possuem necessidades educativas especiais e, assim, pouca contribuição têm trazido para todos os envolvidos na questão. Também em nome da igualdade de atendimentos, muitos deles negam veementemente as experiências positivas de escolas e de classes especiais, que souberam desenvolver o potencial de seus alunos e, dessa forma, contribuíram para a sua inclusão junto à sociedade. Negar os trabalhos positivos do passado é esquecer que a construção do conhecimento está baseada no acúmulo de experiência adquirida.

Deve-se lembrar, sempre, que o princípio fundamental da sociedade inclusiva é o de que todas as pessoas portadoras de deficiência devem ter suas necessidades especiais atendidas. É no atendimento das diversidades que se encontra a democracia. O que fazer diante deste quadro? O primeiro passo é conseguir a alteração da visão social através:

– de um trabalho de sensibilização contínuo e permanente por parte de grupos e instituições que já atingiram um grau efetivo de compromisso com a inclusão de portadores de necessidades especiais junto à sociedade;

– da capacitação de profissionais de todas as áreas para o atendimento das pessoas com algum tipo de deficiência;

– da elaboração de projetos que ampliem e inovem o atendimento dessa clientela;

Outro passo no processo de inclusão social é o da inclusão escolar.

Ao entrarem para a escola, as crianças que possuem alguma necessidade educativa especial terão que se integrar e participar obrigatoriamente de três estruturas distintas da dinâmica escolar: o ambiente de aprendizagem; a integração professor-aluno; e a interação aluno-aluno. A integração professor-aluno só ocorre quando há uma visão despida de preconceito, cabendo ao professor favorecer o contínuo desenvolvimento dos alunos com necessidades educativas especiais. Não é tarefa fácil, mas é possível.

A partir da análise e adequação destas estruturas e do levantamento de alternativas que favoreçam o desenvolvimento dos alunos, em geral, e dos portadores de necessidades educativas especiais, em particular, é que a inclusão escolar deve ter início. Assim, é necessário analisar se o ambiente de aprendizagem é favorecedor, se existe oferta de recursos audiovisuais, se ocorreu a eliminação de barreiras arquitetônicas, sonoras e visuais de todo o próprio escolar, se existem salas de apoio pedagógico para estimulação e acompanhamento suplementar, se os currículos e estratégias de ensino estão adequados à realidade dos alunos e se todos os que compõem a comunidade escolar estão sensibilizados para atender o portador de deficiência com respeito e consideração.

Para que haja a verdadeira integração professor-aluno, é necessário que o professor da sala regular e os especialistas de educação das escolas tenham conhecimento sobre o que é deficiência, quais são seus principais tipos, causas, características e as necessidades educativas de cada deficiência. O professor precisa, antes de tudo, ter ampla visão desta área, que deve ser proveniente de sua formação acadêmica. Hoje, poucas escolas e instituições escolares, que formam professores que , abordem adequadamente a questão da deficiência em seus currículos.

É importante que os professores tomem ciência do diagnóstico e do prognóstico do aluno com necessidades educativas especiais, entrevistem pais ou responsáveis para conhecer todo o histórico de vida desse aluno, a fim de traçar estratégias conjuntas de estimulação família-escola, peçam orientações e procurem profissionais como psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos,  que estejam atendendo ou que já atenderam esses alunos, solicitando relatórios e avaliações, e pesquisem várias técnicas, métodos e estratégias de ensino, em que variáveis como o desenvolvimento da linguagem, o desenvolvimento físico e, sobretudo as experiências sociais estejam presentes.

Cabe a todos profissionais de escolas especiais, de classes especiais, de salas de apoio a portadores de necessidades especiais, aos teóricos da educação inclusiva, aos profissionais das escolas regulares e às equipes multidisciplinares e de saúde a função primordial da integração de ações, da otimização dos recursos e dos atendimentos, da criação de canais de comunicação que considerem a questão da inclusão social como prioritária e anterior à inclusão escolar.

A interação aluno-aluno traz à tona as diferenças interpessoais, as realidades e experiências distintas que os mesmos trazem do ambiente familiar, a forma como eles lidam com o diferente, os preconceitos e a falta de paciência em aceitar o outro como ele é. Todos os alunos das classes regulares devem receber orientações sobre a questão da deficiência e as formas de convivência que respeitem as diferenças, o que não é tarefa fácil, mas possível de ser realizada. Levar os alunos de classes regulares a aceitarem e respeitarem os portadores de deficiência é um ato de cidadania.

O futuro é outra dimensão que também não pode ser esquecida, pois é preciso estar preparado para a rápida evolução tecnológica destes novos tempos, que influencia e modifica o processo educativo e a nossa relação com a construção do conhecimento. Para a estimulação da pessoa com deficiência, a tecnologia da informação é fundamental, sendo necessário, portanto, criar serviços e propostas educativas abertas e flexíveis que atendam às necessidades de mudanças.

O terceiro  caminho a ser seguido, para a inclusão social de portadores de deficiência é a instituição de mecanismos fortalecedores desses direitos, tais como destinação de maiores verbas públicas para os projetos que atendam esse segmento e participação de entidades de defesa de deficientes e para deficientes nos processos decisórios de todas as áreas diretamente envolvidas no atendimento dessa população.

A prática da desmarginalização de portadores de deficiência deve ser parte integrante de planos nacionais de educação, que objetivem atingir educação para todos. A inclusão social traz no seu bojo a equiparação de oportunidades, a mútua interação de pessoas com e sem deficiência e o pleno acesso aos recursos da sociedade. Cabe lembrar que uma sociedade inclusiva tem o compromisso com as minorias e não apenas com as pessoas portadoras de deficiência. A inclusão social é, na verdade, uma medida de ordem econômica, uma vez que o portador de deficiência e outras minorias tornam-se cidadãos produtivos, participantes, conscientes de seus direitos e deveres, diminuindo, assim, os custos sociais. Dessa forma, lutar a favor da inclusão social deve ser responsabilidade de cada um e de todos coletivamente.

O Brasil tem agora uma lei par proteger seus cidadãos portadores de deficiência. É a Lei Brasileira de Inclusão, Estatuto da Pessoa com Deficiência, que classifica o que é deficiência, prevê atendimento prioritário em órgãos públicos e dá ênfase às políticas públicas em áreas como educação, saúde, trabalho, infraestrutura urbana, cultura e esporte para as pessoas com deficiência.

O texto, aprovado em junho  de 2015, pelo Congresso Nacional e sancionado pela Presidente Dilma Rousseff é uma espécie de marco legal para pessoas com algum tipo de limitação intelectual ou física.

Entre as inovações da lei, estão:

– O auxílio-inclusão, que será pago às pessoas com deficiência moderada ou grave que entrarem no mercado de trabalho,

– A definição de pena de reclusão de um a três anos para quem discriminar pessoas com deficiência,

 – E a reserva de 10 de vagas nos processos seletivos de curso de ensino superior, técnico e tecnológico para este público.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi assinada em Nova Iorque, Estados Unidos da América, em 30 de março de 2007 (BRASIL, 2015).
            Conforme art. 1º da Convenção de Nova Iorque, seu objetivo é: “promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente”.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas  com Deficiência é a única convenção  aprovada e promulgada pelo quórum de votação previsto pelo art. 5º, § 3º da Constituição da República Federativa do Brasil,  parágrafo esse que foi incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004. Em 10 de julho de 2008, foi aprovada pelo Presidente do Senado, por meio do Decreto Legislativo nº 186 e promulgada pelo Presidente da República, por meio do Decreto nº 6.949, em 25 de agosto de 2009.

Os tratados e convenções sobre direitos humanos aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos, são equivalentes às emendas constitucionais, conforme estabelece o art. 5º, §3º da Constituição.
            O Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146/2015, tem gerado grandes debates entre os civilistas, principalmente por acabar com a incapacidade absoluta prevista em razão de deficiência física ou mental prevista no sistema anterior.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146 de 2015, aprovada em 06 de julho de 2015,  tem gerado grandes debates entre os civilistas, principalmente por acabar com a incapacidade absoluta prevista em razão de deficiência física ou mental prevista no sistema anterior.

No entanto, os críticos deixam de observar que está falando de uma lei fruto de uma Convenção Internacional, da qual o Brasil é um dos 157 Estados que ratificaram. Todos os Estados que ratificaram a Convenção devem submeter relatórios regulares para Comitê da ONU sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, que é composto por 18 especialistas independentes internacionais.

Assim, não deveria haver estranhamento quanto às questões constantes da Lei n. 13.146 de 2015, mas sim, alteração da visão que hoje vive na sociedade. E para melhor aceitar as mudanças, é necessário compreendê-las.

Nelson Rosenvald, resume respostas e  os principais pontos do Estatuto da Pessoa com Deficiência.

 Segundo Nelson Rosenvald, A Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD) é o primeiro tratado de consenso universal que concretamente especificaos direitos das pessoas com deficiência peo viés dos direitos humanos, aotando um modelo social de deficiência que importa em um giro transcendente na sua condição. Por esse modelo, a deficiência não pode se justificar pelas limitações pessoais decorrentes de uma patologia. Redireciona-se o problema para o cenário social, que gera entraves, exclui e discrimina, deficiência que importa em um giro transcendente na sua condição. Por esse modelo, a deficiência não pode se justificar pelas limitações pessoais decorrentes de uma patologia. Redireciona-se o problema para o cenário social, que gera entraves, exclui e discrimina, sendo necessária uma estratégia social que promova o pleno desenvolvimento da pessoa com deficiência.

O objetivo da CDPD é o de permutar o atual modelo médico – que deseja reabilitar a pessoa anormal para se adequar à sociedade, por um modelo social de direito humanos, cujo desiderato é o de reabilitar a sociedade para eliminar os muros de exclusão comunitária. A igualdade no exercício da capacidade jurídica requer o direito à uma educação inclusiva, a vida independente e a possibilidade de ser inserido em comunidade. Por tais razões, reconhece o Preâmbulo da CDPD:

“a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”. (sem grifos no original)

Efetivamente, trata-se de uma mudança de modelo, com a busca de um modelo social de direitos humanos. É preciso buscar a eliminação da exclusão daquele que é diferente, por ter uma deficiência. Obviamente isso não será um processo fácil, será necessário treinamento de professores, para melhor integração nas escolas, treinamento de colegas e da chefia, para integração ao trabalho e mesmo dentro da família, de modo a reconhecer a importância do deficiente na comunidade.

Enfatizando, Nelson Rosenvald, comenta que a Lei n.13.146 de 2015 caminha no sentido personalista da CDPD. Em seu artigo 2º, conceitua a pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial. De acordo com o art. 84,

A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas”.

O § 1º preconiza que:

“Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei”.

§ 3º aduz que, “A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível”.

Portanto, o Estatuto da Pessoa com Deficiência admite em caráter excepcional o modelo jurídico da curatela, porém, sem associá-la à incapacidade absoluta. A Lei nº 13.146 de 2015 nos remete a dois modelos jurídicos de deficiência: deficiência sem curatela e deficiência qualificada pela curatela. A deficiência como gênero engloba todas as pessoas que possuam uma menos valia na capacidade física, psíquica ou sensorial – independente de sua gradação, sendo bastante uma especial dificuldade para satisfazer as necessidades normais. O deficiente desfruta plenamente dos direitos civis, patrimoniais e existenciais. Porém, se a deficiência se qualifica pelo fato da pessoa não conseguir se autodeterminar, o ordenamento lhe conferirá proteção ainda mais densa do que aquela deferida a um deficiente capaz, demandando o devido processo legal. (sem grifos no original).

A lei também determinou que a curatela afeta apenas os aspectos patrimoniais, mantendo o portador de transtorno mental o controle sobre os aspectos existenciais da sua vida, como o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto, apontados no artigo 85, parágrafo 1º, do Estatuto (Estatuto da Pessoa com Deficiência, 2015).

Pela Lei n. 13.146/15, equivocam-se as pessoa que a partir da vigência do Estatuto as pessoas que foram curateladas serão consideradas plenamente capazes. Dispõe o art. 6º, que:

“A deficiência não afeta aplena capacidade civil da pessoa” (Estatuto da Pessoa com Deficiência, 2015)

            Com efeito, a deficiência é um impedimento duradouro físico, mental ou sensorial que não induz, em princípio, a qualquer forma de incapacidade, apenas a uma vulnerabilidade, pois a garantia de igualdade reconhece uma presunção geral de plena capacidade a favor das pessoas com deficiência. Excepcionalmente, através de relevante inversão da carga probatória, a incapacidade surgirá, se amplamente justificada. Por conseguinte, a Lei n. 13.146 de 2015 mitiga, mas não aniquila a teoria das incapacidades do Código Civil. As pessoas deficientes submetidas à curatela são removidas do rol dos absolutamente incapazes do Código Civil e enviadas para o catálogo dos relativamente incapazes, com uma renovada terminologia. A nova redação do inciso III, do art. 4 (Lei n. 13.146/15) remete aos confins da incapacidade relativa   aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade”.

Aqui se revela a intervenção qualitativamente diversa do Estatuto da Pessoa com Deficiência na teoria das incapacidades: Abole-se a perspectiva médica e assistencialista de rotular como incapaz aquele que ostenta uma insuficiência psíquica ou intelectual. Corretamente o legislador optou por localizar a incapacidade no conjunto de circunstâncias que evidenciem a impossibilidade real e duradoura da pessoa querer e entender – e que, portanto, justifiquem a curatela-, sem que o ser humano, em toda a sua complexidade, seja reduzido ao âmbito clínico de um impedimento psíquico ou intelectual. Ou seja, o divisor de águas da capacidade para a incapacidade não mais reside nas características da pessoa, mas no fato de se encontrar em uma situação que as impeça, por qualquer motivo, de confirmar ou expressar a sua vontade. Prevalece o critério da impossibilidade de o cidadão maior tomar decisões de forma esclarecida e autônoma sobre a sua pessoa ou bens ou de adequadamente as exprimir ou lhes dar execução.

Não mais serão considerados absolutamente incapazes os deficientes, mas relativamente incapazes. Se houver a impossibilidade real e duradoura da pessoa manifestar o seu querer e entender, será necessária a curatela.

É um equívoco inferir a Lei n. 13.146 de 2015 que a incapacidade civil foi sepultada. Será que poderíamos admitir que, para o futuro, teremos uma nação composta unicamente de pessoas plenamente capazes, inclusive todos aqueles que atualmente estão curateladas por um déficit psíquico? Obviamente não. Inexiste pretensão ideológica capaz de afetar a natureza das coisas. Por mais que o legislador pretendesse criar o mundo ideal e “politicamente correto” das pessoas plenamente capazes, não há como desconstruir a realidade inerente à imperfeição humana e às vicissitudes que a todos afetam, em maior ou menor grau. Num Estado Democrático de Direito, o pluralismo demanda o respeito pelas diferenças e não o seu aniquilamento. O Estatuto da Pessoa com Deficiência não eliminou a teoria das incapacidades, porém, adequou à Constituição Federal e a CDPD. Tratando-se a incapacidade de uma sanção normativa excepcionalíssima, que afeta o estado da pessoa a ponto de restringir o exercício autônomo de direitos fundamentais, o que corretamente a Lei n. 13.146 de 2015 impôs foi a necessidade da mais ampla proteção ao direito fundamental à capacidade civil. Resumidamente:

a) haverá intenso ônus argumentativo por parte de quem pretenda submeter uma pessoa à curatela em razão de uma causa permanente;

b) sendo ela curatelada, a incapacidade será apenas relativa, pois a incapacidade absoluta fere a regra da proporcionalidade;

c) a curatela, em regra, será limitada à restrição da prática de atos patrimoniais, preservando-se, na medida do possível a autodeterminação para a condução das situações existenciais. (sem grifos no original).

            De acordo com entrevista realizada com o Senhor Nelson Rosenvald, em 22 de dezembro de 2015 à Senhora Letícia Franco Maculan Assumpção, sobre o fundamento do Estatuto da Pessoa com Deficiência, afirmou que o obejtivo foi elogiável, da  categoria dos absolutamente incapazes aos menores de 16 anos, porque o critério médico até então utilizado era baseado na ausência de discernimento em caráter permanente,  seja ela resultante de enfermidade ou deficiência mental. (Nelson Rosenval, 2015)

A interdição do absolutamente incapaz decorria de um estado pessoal, patológico. Contudo, diante da infinidade de hipóteses configuradoras de transtornos mentais ou déficits intelectuais, seja pela origem, graduação do transtorno ou pela extensão dos efeitos,  é insustentável a tentativa do direito privado do século XXI de persistir na homogeneização da amplíssima gama de deficiências psíquicas, pelo recurso ao enredo abstratizante do binômio incapacidade absoluta ou relativa, conforme a pessoa se encontre em uma situação de ausência ou de redução de discernimento.

Daí a crítica ao Código Civil de 2002, que, em nome de uma suposta segurança jurídica, tencionou aprisionar a multiplicidade de quadros de desenvolvimento intelectual sob a dualidade ausência/redução de discernimento, em uma espécie de categorização a priori de pessoas em redutos de exclusão de direitos fundamentais. Não se pode mais admitir uma incapacidade legal absoluta que resulte em morte civil da pessoa, com a transferência compulsória das decisões e escolhas existenciais para o curador. Por mais grave que se pronuncie a patologia, é fundamental que as faculdades residuais da pessoa sejam preservadas, sobremaneira às que digam respeito as suas crenças, valores e afetos, num âmbito condizente com o seu real e concreto quadro psicofísico. Ou seja, na qualidade de valor, o status personae não se reduz à capacidade intelectiva da pessoa, posto funcionalizada à satisfação das suas necessidades existenciais, que transcendem o plano puramente objetivo do trânsito das titularidades.
            O Estatuto da Pessoa com Deficiência também alterou as normas relativas à interdição para que elas se conciliem ao novo modelo da incapacidade relativa, que a
partir da vigência da Lei n. 13.146 de 2015, será abolido o vocábulo “interdição”.

Ele remete a uma noção de curatela como medida restritiva de direitos e substitutiva da atuação da pessoa que não se concilia com a vocação promocional da curatela especial concebida pelo estatuto. A impossibilidade de autogoverno conduzirá à incapacidade relativa ao fim de um processo no qual será designado um curador para assistir a pessoa com deficiência de forma a preservar os seus interesses econômicos.

  Onde reside o giro linguístico? Não será interditada como clinicamente “portadora de uma deficiência ou enfermidade mental”, mas curatelada pelo fato de objetivamente não exprimir a sua vontade de forma ponderada (art. 1.767, I, CC, com a redação dada pela Lei 13.146 de 2015).

Essa conciliação é a saída possível (e desejável) para harmonizar a proteção à pessoa deficiente com o princípio da segurança jurídica. A pessoa deficiente curatelada não consumará isoladamente atos patrimoniais, pois a prática de negócios jurídicos exigirá a atuação substitutiva ou integrativa do curador, sob pena de anulabilidade (art. 171, I, CC).

Apenas serão afastadas do regramento da pessoa deficiente incapaz as normas que antes vinculavam a validade e consequente eficácia de seus atos à sanção da nulidade ou à incapacidade absoluta. Eis aí mais uma razão para corroborar a incongruência da crença em que a pessoa deficiente sempre será capaz, mas que poderá ser curatelada.

Com as alterações postas pela Lei n. 13.146 de 2015, harmonizam-se os artigos 3º, 4º e 1.767 do Código Civil, no sentido de substituir a fórmula da “ausência ou redução de discernimento” pela impossibilidade de expressão da vontade como fato gerador de incapacidade. Futuramente, será relativamente incapaz todo aquele que for curatelado por uma causa duradoura que o prive de exprimir a sua vontade de forma a se autodeterminar. (sem grifos no original)

Não mais será utilizado o termo “interditado”, mas sim será designada a pessoa como clinicamente “curatelada por ser portadora de uma deficiência ou enfermidade mental, que a impeça de exprimir a sua vontade de forma a se autodeterminar”.

 Caso a  pessoa deficiente não possuir a mínima aptidão para o autogoverno, será somente assistida pelo curador, já que se trata de curatela por incapacidade relativa
 apenas  uma imposição ética, o Estatuto da Pessoa com Deficiência atraiu todos aqueles que não podem se autodeterminar para o setor da incapacidade relativa (Nelson Rosenvald , op. cit.)

O princípio da Dignidade da Pessoa Humana não se compatibiliza com uma abstrata homogeneização de seres humanos em uma categoria despersonalizada de absolutamente incapazes, que por sua própria conformação é infensa a qualquer avaliação concreta acerca do estatuto que regulará a condução da vida da pessoa deficiente após a curatela. A incapacidade absoluta, por essência, é incompatível com a regra da proporcionalidade. Evidentemente, a reforma legislativa não alterará o cenário fático em que milhões de pessoas continuarão a viver alheios à realidade, necessariamente substituídos pelo curador na interação com o mundo.

Portanto, a representação de incapazes prossegue incólume, pois não se trata de uma categoria apriorística, cuida-se de uma técnica de substituição na exteriorização de vontade, que pode perfeitamente migrar da incapacidade absoluta para a relativa, inserindo-se em seu plano de eficácia.

Vale dizer, conforme a concretude do caso, o projeto terapêutico individual se desdobrará em 3 possibilidades:

a) o curador será um representante para todos os atos;

b) o curador será um representante para alguns atos e assistente para outros;

c) o curador será sempre um assistente.

E onde se encontra o salto qualitativo de tal formulação tripartida? Abolida a categoria dos absolutamente incapazes, já não haverá mais espaço para o recurso as fórmulas genéricas e pronunciamentos judiciais estereotipados.

Quando a pessoa deficiente possua limitações no exercício do autogoverno, mas preserve de forma precária a aptidão de se expressar e de se fazer compreender, o caminho não será o binômio incapacidade relativa/curatela. A Lei 13.146/15 criou a Tomada de Decisão Apoiada (art. 1.783-A, CC)como tertium genus protetivo em prol da assistência da pessoa deficiente que preservará a capacidade civil. Esse novo modelo jurídico se coloca de forma intermediária entre os extremos das pessoas ditas normais nos aspectos físico, sensorial e psíquico e aquelas pessoas com deficiência qualificada pela impossibilidade de expressão que serão curateladas e se converterão em relativamente incapazes.

Em 2016 haverá uma gradação tripartite de intervenção na autonomia:

a) pessoas sem deficiência terão capacidade plena;

b) pessoas com deficiência se servirão da tomada de decisão apoiada a fim de que exerçam a sua capacidade de exercício em condição de igualdade com os demais;

c) pessoas com deficiência qualificada pela curatela em razão da impossibilidade de autogoverno serão submetidas a um regime especial que levará em conta as crenças e vicissitudes do sujeito.

A incapacidade relativa será materializada alternativamente pelas técnicas da representação e assistência. Em outros termos, as pessoas com deficiência que pelo CC/02 eram considerados absolutamente incapazes em uma terminologia reducionista, tornam-se relativamente incapazes a partir da vigência da Lei n. 13.146 de 2015; aquelas pessoas com deficiência que eram relativamente incapazes por “discernimento reduzido” (art. 4, II, do CC/02) serão plenamente capazes e direcionadas ao novo modelo da Tomada de Decisão Apoiada (Nelson Rosenvald, op.cit.)

Evidente que nem tudo são flores. A desconexão entre a curatela e a incapacidade absoluta provoca abalos sistêmicos que merecem exame pormenorizado.

A partir da vigência da Lei nº 13.146/15, mesmo que a pessoa deficiente esteja sob curatela, a prescrição e a decadência correrão contra ela. A teor dos artigos 198, I e 208 do CC, a prescrição e a decadência apenas não fluem contra os absolutamente incapazes (que serão apenas os menores de 16 anos). Evidentemente, haverá prejuízo para os que agora serão considerados como relativamente incapazes. Ademais, os atos praticados pelo interditado sem a presença do curador serão submetidos à sanção da anulabilidade (art. 171, I, CC) e não mais à nulidade (art. 166, I, CC), com todas as consequências em termos de legitimidade e prazo para a invalidação do ato prejudicial.

Há algumas questões preocupantes, pois diminuem a proteção do deficiente sem autodeterminação. Mesmo que a pessoa deficiente esteja sob curatela, a prescrição e a decadência correrão contra ela, pois não mais será absolutamente incapaz. Os atos praticados pelo interditado sem a presença do curador serão anuláveis e não mais nulos.

Quanto a inovação do modelo jurídico da Tomada de Decisão Apoiada, o
art. 116 da Lei n. 13.146/15, cria um tertium genus em matéria de modelos protetivos de pessoas em situação de vulnerabilidade. Além dos tradicionais institutos da tutela e curatela surge a Tomada de Decisão Apoiada. O Título IV do Livro IV da Parte Especial do Código Civil, passa a vigorar acrescido do art. 1.783-A, consubstanciando 11 parágrafos.

Ela concretizará o art. 12.3 da CDPD nos seguintes termos:

“Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para prover o acesso de pessoas com deficiência ao apoio que necessitarem no exercício de sua capacidade legal”.

Tutela e curatela são instituições protetivas da pessoa e dos bens dos que detêm limitada capacidade de agir, evitando os riscos que essa carência possa impor ao exercício das situações jurídicas por parte de indivíduos juridicamente vulneráveis. Contudo, por mais que o legislador paulatinamente procure reformar esses tradicionais mecanismos de substituição, de forma a adequá-los ao modelo personalista do direito civil constitucional, pela própria estrutura, tutela e curatela são medidas prioritariamente funcionalizadas ao campo estritamente patrimonial.

A Tomada de decisão apoiada é um modelo jurídico que se aparta dos institutos protetivos clássicos na estrutura e na função.

O novo art. 1.783-A  do Código Civil de 2015, veicula a sua essência:

“A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade”.

Na tomada de decisão apoiada, o beneficiário conservará a capacidade de fato. Mesmo nos específicos atos em que seja coadjuvado pelos apoiadores, a pessoa com deficiência não sofrerá restrição em seu estado de plena capacidade, apenas será privada de legitimidade para praticar episódicos atos da vida civil. Assim, esse modelo beneficiará enormemente pessoas deficientes com impossibilidade física ou sensorial (v.g. tetraplégicos, obesos mórbidos, cegos, sequelados de AVC e portadores de outras enfermidades que as privem da deambulação para a prática de negócios e atos jurídicos de cunho econômico,) e pessoas com deficiência psíquica ou intelectiva que não tenham impedimento, mas possuam limitações em expressar a sua vontade. Eles não serão interditados ou incapacitados, pois a tomada de decisão apoiada veio para promover a autonomia e não para cerceá-la.

Já a tomada de decisão apoiada é um modelo jurídico diferente. Trata-se de processo por meio do qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil. Na tomada de decisão apoiada, o beneficiário conservará a capacidade de fato, ainda que coadjuvado pelos apoiadores.

A pessoa com deficiência terá plena capacidade, apenas será privada de legitimidade para praticar alguns atos da vida civil. O objetivo é atender pessoas deficientes com impossibilidade física ou sensorial que não tenham impedimento, mas possuam limitações em expressar a sua vontade. Interessante instrumento para escolher essas pessoas de confiança do deficiente é a DAV (Declaração Antecipada de Vontade ou Diretrizes Antecipadas de Vontade, também conhecida por “Testamento Vital”, que pode ser feita em Cartório de Notas, perante um Tabelião). Em Minas Gerais, a DAV está disciplinada pelo Código de Normas do Extrajudicial, Provimento nº 260/CGJ-MG.

Os  prognósticos futuros para a plena efetividade do Estatuto da Pessoa com Deficiência, está prescrito no art. 12, nº 4, da CDPD:

“Essas salvaguardas assegurarão que as medidas relativas ao exercício da capacidade legal respeitem os direitos, a vontade e as preferências da pessoa, sejam isentas de conflito de interesses e de influência indevida, sejam proporcionais e apropriadas às circunstâncias da pessoa, se apliquem pelo período mais curto possível e sejam submetidas à revisão regular por uma autoridade ou órgão judiciário competente, independente e imparcial”.

Na mesma toada, preceitua o § 2º do art. 85 da Lei nº 13.146 de 2015:

“A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado”.

Enfim, o fundamental é que a norma processual estruture o processo de curatela com acato à sua excepcionalidade e a aplicação do critério da proporcionalidade em sua configuração concreta. A propósito, o Código de Processo Civil de 2015 em seus artigos 747 a 758,  caminhou eficazmente nesse sentido.

            O objetivo da lei é respeitar a dignidade da pessoa humana e a proporcionalidade, orientando o Juiz a aplicar a melhor medida no caso concreto, conforme a deficiência existente, respeitando os direitos, a vontade e as preferências da pessoa.
            O notário e o registrador são aqueles a quem primeiro são apresentadas as alterações legislativas, muito antes da provocação feita ao Poder Judiciário, eles terão que se manifestar no caso concreto, razão pela qual não podem se furtar a interpretar a lei.

No que diz respeito à atividade notarial e registral, o art. 83 do Estatuto esclarece que:

Os serviços notariais e de registro não podem negar ou criar óbices ou condições diferenciadas à prestação de seus serviços em razão   deficiência do solicitante, devendo reconhecer sua capacidade legal plena, garantida a acessibilidade.

Para Gustavo Casagrande Canheu, considerando o acima exposto e, ainda, que a lei em questão revogou os incisos dos arts. 3º e 4º do Código Civil, que classificavam como absoluta e relativamente incapazes aqueles que por enfermidade ou deficiência mental não tivessem o necessário discernimento, ou o tivessem de forma reduzida, cabe aos Tabeliães e Registradores reconhecer, a priori, como legalmente capazes para a prática de atos perante suas delegações qualquer pessoa com deficiência, seja ela qual for. (CANHEU, 2015)

Obviamente a incapacidade é a exceção e a capacidade a regra, mas a alteração legislativa não pode obstar que o Notário e o Registrador atuem de forma a dar segurança jurídica aos atos em que intervierem.

Não será possível que, havendo dúvida sobre a autodeterminação, ainda assim o Notário ou Registrador, na ausência de curador fixado em sentença, simplesmente ignore a impossibilidade de manifestação de vontade ou a completa alienação mental do deficiente. Caberá ao referido agente público exigir os documentos que entender necessários para formar a sua convicção sobre lucidez da pessoa deficiente, podendo requerer apresentação de atestados médicos e, permanecendo a dúvida, poderá levar a questão ao Juiz competente para Registros Públicos para decisão.

Nesse ponto, apesar do conteúdo da nova lei, nada mudou. A Lei nº 8.935 de 1994, específica para Notários e Registradores, continua, como antes, exigindo-lhes que garantam a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.

            Para tanto, a pesquisa buscou fundamentar-se teoricamente desde evolução do Brasil Colônia à Constituição de 1988 e, outros instrumentos legislativos como o conceito de portador de necessidades especial defendido por teóricos até aspectos da Lei n.º 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA).

O método escolhido deu-se através da abordagem dedutiva, associado à revisão bibliográfica e descritiva, nas áreas dos Direitos Fundamentais, Direito Civil, Estatuto da Criança e do Adolescente, vinculados ao Direito Constitucional.

O estudo resultou nas análises os direitos garantidos pelo Estatuto do Portador de Necessidades Especiais bem como na responsabilidade prevista na Constituição Federal de 1988 e ao Código Civil quanto aos direitos dos Portadores com Deficiência.

O desafio para a concretização dos direitos fundamentais das pessoas com deficiência, passa pela garantia da acessibilidade, e a vastíssima legislação, sem dúvida, é um grande passo, mas não consegue abarcar práticas sociais de convivência, que estão mais próximas dos aspectos educacionais, culturais e sociais. Conclui-se que a acessibilidade ao Portador de Necessidade com Deficiência  é fundamental. Não adianta o direito de ir e vir constitucionalmente, se não há condições de exercitá-lo. Portanto, a priori, a efetivação do direito ao acesso possibilitará a conquista de todos outros direitos para o pleno exercício da vida digna.

            O Brasil tem agora uma lei par proteger seus cidadãos portadores de deficiência. É a Lei Brasileira de Inclusão, Estatuto da Pessoa com Deficiência, que classifica o que é deficiência, prevê atendimento prioritário em órgãos públicos e dá ênfase às políticas públicas em áreas como educação, saúde, trabalho, infraestrutura urbana, cultura e esporte para as pessoas com deficiência.

O texto, aprovado em junho  de 2015, pelo Congresso Nacional e sancionado pela Presidente Dilma Rousseff é uma espécie de marco legal para pessoas com algum tipo de limitação intelectual ou física.

Entre as inovações da lei, estão:

– O auxílio-inclusão, que será pago às pessoas com deficiência moderada ou grave que entrarem no mercado de trabalho,

– A definição de pena de reclusão de um a três anos para quem discriminar pessoas com deficiência,

 – E a reserva de 10 de vagas nos processos seletivos de curso de ensino superior, técnico e tecnológico para este público.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi assinada em Nova Iorque, Estados Unidos da América, em 30 de março de 2007 (BRASIL, 2015).
            Conforme art. 1º da Convenção de Nova Iorque, seu objetivo é: “promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente”.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência é a única convenção  aprovada e promulgada pelo quórum de votação previsto pelo art. 5º, § 3º da Constituição da República Federativa do Brasil,  parágrafo esse que foi incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004. Em 10 de julho de 2008, foi aprovada pelo Presidente do Senado, por meio do Decreto Legislativo nº 186 e promulgada pelo Presidente da República, por meio do Decreto nº 6.949, em 25 de agosto de 2009.

            O Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146/2015, tem gerado grandes debates entre os civilistas, principalmente por acabar com a incapacidade absoluta prevista em razão de deficiência física ou mental prevista no sistema anterior.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146 de 2015, aprovada em 06 de julho de 2015,  tem gerado grandes debates entre os civilistas, principalmente por acabar com a incapacidade absoluta prevista em razão de deficiência física ou mental prevista no sistema anterior.

No entanto, os críticos deixam de observar que está falando de uma lei fruto de uma Convenção Internacional, da qual o Brasil é um dos 157 Estados que ratificaram. Todos os Estados que ratificaram a Convenção devem submeter relatórios regulares para Comitê da ONU sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, que é composto por 18 especialistas independentes internacionais.

Assim, não deveria haver estranhamento quanto às questões constantes da Lei n. 13.146 de 2015, mas sim, alteração da visão que hoje vive na sociedade. E para melhor aceitar as mudanças, é necessário compreendê-las.

Nelson Rosenvald, resume respostas e  os principais pontos do Estatuto da Pessoa com Deficiência.

 Segundo Nelson Rosenvald, A Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD) é o primeiro tratado de consenso universal que concretamente especifica os direitos das pessoas com deficiência pelo viés dos direitos humanos, notando um modelo social de deficiência que importa em um giro transcendente na sua condição. Por esse modelo, a deficiência não pode se justificar pelas limitações pessoais decorrentes de uma patologia. Redireciona-se o problema para o cenário social, que gera entraves, exclui e discrimina deficiência que importa em um giro transcendente na sua condição. Por esse modelo, a deficiência não pode se justificar pelas limitações pessoais decorrentes de uma patologia. Redireciona-se o problema para o cenário social, que gera entraves, exclui e discrimina, sendo necessária uma estratégia social que promova o pleno desenvolvimento da pessoa com deficiência.

O objetivo da CDPD é o de permutar o atual modelo médico – que deseja reabilitar a pessoa anormal para se adequar à sociedade, por um modelo social de direito humanos, cujo desiderato é o de reabilitar a sociedade para eliminar os muros de exclusão comunitária. A igualdade no exercício da capacidade jurídica requer o direito à uma educação inclusiva, a vida independente e a possibilidade de ser inserido em comunidade. Por tais razões, reconhece o Preâmbulo da CDPD:

“a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”. (sem grifos no original)

Efetivamente, trata-se de uma mudança de modelo, com a busca de um modelo social de direitos humanos. É preciso buscar a eliminação da exclusão daquele que é diferente, por ter uma deficiência. Obviamente isso não será um processo fácil, será necessário treinamento de professores, para melhor integração nas escolas, treinamento de colegas e da chefia, para integração ao trabalho e mesmo dentro da família, de modo a reconhecer a importância do deficiente na comunidade.

Enfatizando, Nelson Rosenvald, comenta quea Lei n.13.146 de 2015 caminha no sentido personalista da CDPD. Em seu artigo 2º, conceitua a pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial. De acordo com o art. 84,

A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas”.

O § 1º preconiza que:

“Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei”.

§ 3º aduz que, “A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível”.

Portanto, o Estatuto da Pessoa com Deficiência admite em caráter excepcional o modelo jurídico da curatela, porém, sem associá-la à incapacidade absoluta. A Lei nº 13.146 de 2015 nos remete a dois modelos jurídicos de deficiência: deficiência sem curatela e deficiência qualificada pela curatela. A deficiência como gênero engloba todas as pessoas que possuam uma menos valia na capacidade física, psíquica ou sensorial – independente de sua gradação, sendo bastante uma especial dificuldade para satisfazer as necessidades normais. O deficiente desfruta plenamente dos direitos civis, patrimoniais e existenciais. Porém, se a deficiência se qualifica pelo fato da pessoa não conseguir se autodeterminar, o ordenamento lhe conferirá proteção ainda mais densa do que aquela deferida a um deficiente capaz, demandando o devido processo legal. (sem grifos no original).

A lei também determinou que a curatela afeta apenas os aspectos patrimoniais, mantendo o portador de transtorno mental o controle sobre os aspectos existenciais da sua vida, como o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto, apontados no artigo 85, parágrafo 1º, do Estatuto (Estatuto da Pessoa com Deficiência, 2015).

Pela Lei n. 13.146/15, equivocam-se as pessoa que a partir da vigência do Estatuto as pessoas que foram curateladas serão consideradas plenamente capazes. Dispõe o art. 6º, que:

“A deficiência não afeta aplena capacidade civil da pessoa” (Estatuto da Pessoa com Deficiência, 2015)

            Com efeito, a deficiência é um impedimento duradouro físico, mental ou sensorial que não induz, em princípio, a qualquer forma de incapacidade, apenas a uma vulnerabilidade, pois a garantia de igualdade reconhece uma presunção geral de plena capacidade a favor das pessoas com deficiência. Excepcionalmente, através de relevante inversão da carga probatória, a incapacidade surgirá, se amplamente justificada. Por conseguinte, a Lei n. 13.146 de 2015 mitiga, mas não aniquila a teoria das incapacidades do Código Civil. As pessoas deficientes submetidas à curatela são removidas do rol dos absolutamente incapazes do Código Civil e enviadas para o catálogo dos relativamente incapazes, com uma renovada terminologia. A nova redação do inciso III, do art. 4 (Lei n. 13.146/15) remete aos confins da incapacidade relativa   aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade”.

Não mais serão considerados absolutamente incapazes os deficientes, mas relativamente incapazes. Se houver a impossibilidade real e duradoura da pessoa manifestar o seu querer e entender, será necessária a curatela.

É um equívoco inferir a Lei n. 13.146 de 2015 que a incapacidade civil foi sepultada. Será que poderíamos admitir que, para o futuro, teremos uma nação composta unicamente de pessoas plenamente capazes, inclusive todos aqueles que atualmente estão curateladas por um déficit psíquico? Obviamente não. Inexiste pretensão ideológica capaz de afetar a natureza das coisas. Por mais que o legislador pretendesse criar o mundo ideal e “politicamente correto” das pessoas plenamente capazes, não há como desconstruir a realidade inerente à imperfeição humana e às vicissitudes que a todos afetam, em maior ou menor grau. Num Estado Democrático de Direito, o pluralismo demanda o respeito pelas diferenças e não o seu aniquilamento. O Estatuto da Pessoa com Deficiência não eliminou a teoria das incapacidades, porém, adequou à Constituição Federal e a CDPD. Tratando-se a incapacidade de uma sanção normativa excepcionalíssima, que afeta o estado da pessoa a ponto de restringir o exercício autônomo de direitos fundamentais, o que corretamente a Lei n. 13.146 de 2015 impôs foi a necessidade da mais ampla proteção ao direito fundamental à capacidade civil. Resumidamente:

a) haverá intenso ônus argumentativo por parte de quem pretenda submeter uma pessoa à curatela em razão de uma causa permanente;

b) sendo ela curatelada, a incapacidade será apenas relativa, pois a incapacidade absoluta fere a regra da proporcionalidade;

c) a curatela, em regra, será limitada à restrição da prática de atos patrimoniais, preservando-se, na medida do possível a autodeterminação para a condução das situações existenciais. (sem grifos no original).

A interdição do absolutamente incapaz decorria de um estado pessoal, patológico. Contudo, diante da infinidade de hipóteses configuradoras de transtornos mentais ou déficits intelectuais, seja pela origem, graduação do transtorno ou pela extensão dos efeitos,  é insustentável a tentativa do direito privado do século XXI de persistir na homogeneização da amplíssima gama de deficiências psíquicas, pelo recurso ao enredo abstratizante do binômio incapacidade absoluta ou relativa, conforme a pessoa se encontre em uma situação de ausência ou de redução de discernimento.

Daí a crítica ao Código Civil de 2002, que, em nome de uma suposta segurança jurídica, tencionou aprisionar a multiplicidade de quadros de desenvolvimento intelectual sob a dualidade ausência/redução de discernimento, em uma espécie de categorização a priori de pessoas em redutos de exclusão de direitos fundamentais. Não se pode mais admitir uma incapacidade legal absoluta que resulte em morte civil da pessoa, com a transferência compulsória das decisões e escolhas existenciais para o curador. Por mais grave que se pronuncie a patologia, é fundamental que as faculdades residuais da pessoa sejam preservadas, sobremaneira às que digam respeito as suas crenças, valores e afetos, num âmbito condizente com o seu real e concreto quadro psicofísico. Ou seja, na qualidade de valor, o status personae não se reduz à capacidade intelectiva da pessoa, posto funcionalizada à satisfação das suas necessidades existenciais, que transcendem o plano puramente objetivo do trânsito das titularidades.
            O Estatuto da Pessoa com Deficiência também alterou as normas relativas à interdição para que elas se conciliem ao novo modelo da incapacidade relativa, que a partir da vigência da Lei n. 13.146 de 2015, será abolido o vocábulo “interdição”.

Ele remete a uma noção de curatela como medida restritiva de direitos e substitutivos da atuação da pessoa que não se concilia com a vocação promocional da curatela especial concebida pelo estatuto. A impossibilidade de autogoverno conduzirá à incapacidade relativa ao fim de um processo no qual será designado um curador para assistir a pessoa com deficiência de forma a preservar os seus interesses econômicos.

  Onde reside o giro linguístico? Não será interditada como clinicamente “portadora de uma deficiência ou enfermidade mental”, mas curatelada pelo fato de objetivamente não exprimir a sua vontade de forma ponderada (art. 1.767, I, CC, com a redação dada pela Lei 13.146 de 2015).

Essa conciliação é a saída possível (e desejável) para harmonizar a proteção à pessoa deficiente com o princípio da segurança jurídica. A pessoa deficiente curatelada não consumará isoladamente atos patrimoniais, pois a prática de negócios jurídicos exigirá a atuação substitutiva ou integrativa do curador, sob pena de anulabilidade (art. 171, I, CC).

Apenas serão afastadas do regramento da pessoa deficiente incapaz as normas que antes vinculavam a validade e consequente eficácia de seus atos à sanção da nulidade ou à incapacidade absoluta. Eis aí mais uma razão para corroborar a incongruência da crença em que a pessoa deficiente sempre será capaz, mas que poderá ser curatelada.

Com as alterações postas pela Lei n. 13.146 de 2015, harmonizam-se os artigos 3º, 4º e 1.767 do Código Civil, no sentido de substituir a fórmula da “ausência ou redução de discernimento” pela impossibilidade de expressão da vontade como fato gerador de incapacidade. Futuramente, será relativamente incapaz todo aquele que for curatelado por uma causa duradoura que o prive de exprimir a sua vontade de forma a se autodeterminar. (sem grifos no original)

Não mais será utilizado o termo “interditado”, mas sim será designada a pessoa como clinicamente “curatelada por ser portadora de uma deficiência ou enfermidade mental, que a impeça de exprimir a sua vontade de forma a se autodeterminar”.

 Caso a  pessoa deficiente não possuir a mínima aptidão para o autogoverno, será somente assistida pelo curador, já que se trata de curatela por incapacidaderelativa  apenas  uma imposição ética, o Estatuto da Pessoa com Deficiência atraiu todos aqueles que não podem se autodeterminar para o setor da incapacidade relativa (Nelson Rosenvald , op. cit.)

O princípio da Dignidade da Pessoa Humana não se compatibiliza com uma abstrata homogeneização de seres humanos em uma categoria despersonalizada de absolutamente incapazes, que por sua própria conformação é infensa a qualquer avaliação concreta acerca do estatuto que regulará a condução da vida da pessoa deficiente após a curatela. A incapacidade absoluta, por essência, é incompatível com a regra da proporcionalidade. Evidentemente, a reforma legislativa não alterará o cenário fático em que milhões de pessoas continuarão a viver alheios à realidade, necessariamente substituídos pelo curador na interação com o mundo.

Portanto, a representação de incapazes prossegue incólume, pois não se trata de uma categoria apriorística, cuida-se de uma técnica de substituição na exteriorização de vontade, que pode perfeitamente migrar da incapacidade absoluta para a relativa, inserindo-se em seu plano de eficácia.

Vale dizer, conforme a concretude do caso, o projeto terapêutico individual se desdobrará em 3 possibilidades:

a) o curador será um representante para todos os atos;

b) o curador será um representante para alguns atos e assistente para outros;

c) o curador será sempre um assistente.

E onde se encontra o salto qualitativo de tal formulação tripartida? Abolida a categoria dos absolutamente incapazes, já não haverá mais espaço para o recurso as fórmulas genéricas e pronunciamentos judiciais estereotipados.

Quando a pessoa deficiente possua limitações no exercício do autogoverno, mas preserve de forma precária a aptidão de se expressar e de se fazer compreender, o caminho não será o binômio incapacidade relativa/curatela. A Lei 13.146/15 criou a Tomada de Decisão Apoiada (art. 1.783-A, CC)como tertium genus protetivo em prol da assistência da pessoa deficiente que preservará a capacidade civil. Esse novo modelo jurídico se coloca de forma intermediária entre os extremos das pessoas ditas normais nos aspectos físico, sensorial e psíquico e aquelas pessoas com deficiência qualificada pela impossibilidade de expressão que serão curateladas e se converterão em relativamente incapazes.

Em 2016 haverá uma gradação tripartite de intervenção na autonomia:

a) pessoas sem deficiência terão capacidade plena;

b) pessoas com deficiência se servirão da tomada de decisão apoiada a fim de que exerçam a sua capacidade de exercício em condição de igualdade com os demais;

c) pessoas com deficiência qualificada pela curatela em razão da impossibilidade de autogoverno serão submetidas a um regime especial que levará em conta as crenças e vicissitudes do sujeito.

A incapacidade relativa será materializada alternativamente pelas técnicas da representação e assistência. Em outros termos, as pessoas com deficiência que pelo CC/02 eram considerados absolutamente incapazes em uma terminologia reducionista, tornam-se relativamente incapazes a partir da vigência da Lei n. 13.146 de 2015; aquelas pessoas com deficiência que eram relativamente incapazes por “discernimento reduzido” (art. 4, II, do CC/02) serão plenamente capazes e direcionadas ao novo modelo da Tomada de Decisão Apoiada (Nelson Rosenvald, op.cit.)

Evidente que nem tudo são flores. A desconexão entre a curatela e a incapacidade absoluta provoca abalos sistêmicos que merecem exame pormenorizado.

A partir da vigência da Lei nº 13.146/15, mesmo que a pessoa deficiente esteja sob curatela, a prescrição e a decadência correrão contra ela. A teor dos artigos 198, I e 208 do CC, a prescrição e a decadência apenas não fluem contra os absolutamente incapazes (que serão apenas os menores de 16 anos). Evidentemente, haverá prejuízo para os que agora serão considerados como relativamente incapazes. Ademais, os atos praticados pelo interditado sem a presença do curador serão submetidos à sanção da anulabilidade (art. 171, I, CC) e não mais à nulidade (art. 166, I, CC), com todas as consequências em termos de legitimidade e prazo para a invalidação do ato prejudicial.

Há algumas questões preocupantes, pois diminuem a proteção do deficiente sem autodeterminação. Mesmo que a pessoa deficiente esteja sob curatela, a prescrição e a decadência correrão contra ela, pois não mais será absolutamente incapaz. Os atos praticados pelo interditado sem a presença do curador serão anuláveis e não mais nulos.

Quanto a inovação do modelo jurídico da Tomada de Decisão Apoiada, o
art. 116 da Lei n. 13.146/15, cria um tertius genus em matéria de modelos protetivos de pessoas em situação de vulnerabilidade. Além dos tradicionais institutos da tutela e curatela surge a Tomada de Decisão Apoiada. O Título IV do Livro IV da Parte Especial do Código Civil passa a vigorar acrescido do art. 1.783-A, consubstanciando 11 parágrafos.

Ela concretizará o art. 12.3 da CDPD nos seguintes termos:

“Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para prover o acesso de pessoas com deficiência ao apoio que necessitarem no exercício de sua capacidade legal”.

Tutela e curatela são instituições protetivas da pessoa e dos bens dos que detêm limitada capacidade de agir, evitando os riscos que essa carência possa impor ao exercício das situações jurídicas por parte de indivíduos juridicamente vulneráveis. Contudo, por mais que o legislador paulatinamente procure reformar esses tradicionais mecanismos de substituição, de forma a adequá-los ao modelo personalista do direito civil constitucional, pela própria estrutura, tutela e curatela são medidas prioritariamente funcionalizadas ao campo estritamente patrimonial.

A Tomada de decisão apoiada é um modelo jurídico que se aparta dos institutos protetivos clássicos na estrutura e na função.

O novo art. 1.783-A  do Código Civil de 2015, veicula a sua essência:

“A tomada de decisão apoiada é o processo pelo qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informações necessários para que possa exercer sua capacidade”.

Na tomada de decisão apoiada, o beneficiário conservará a capacidade de fato. Mesmo nos específicos atos em que seja coadjuvado pelos apoiadores, a pessoa com deficiência não sofrerá restrição em seu estado de plena capacidade, apenas será privada de legitimidade para praticar episódicos atos da vida civil. Já a tomada de decisão apoiada é um modelo jurídico diferente. Trata-se de processo por meio do qual a pessoa com deficiência elege pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil. Na tomada de decisão apoiada, o beneficiário conservará a capacidade de fato, ainda que coadjuvado pelos apoiadores.

A pessoa com deficiência terá plena capacidade, apenas será privada de legitimidade para praticar alguns atos da vida civil. O objetivo é atender pessoas deficientes com impossibilidade física ou sensorial que não tenham impedimento, mas possuam limitações em expressar a sua vontade. Interessante instrumento para escolher essas pessoas de confiança do deficiente é a DAV (Declaração Antecipada de Vontade ou Diretrizes Antecipadas de Vontade, também conhecida por “Testamento Vital”, que pode ser feita em Cartório de Notas, perante um Tabelião). Em Minas Gerais, a DAV está disciplinada pelo Código de Normas do Extrajudicial, Provimento nº 260/CGJ-MG.

Os  prognósticos futuros para a plena efetividade do Estatuto da Pessoa com Deficiência, está prescrito no art. 12, nº 4, da CDPD:

“Essas salvaguardas assegurarão que as medidas relativas ao exercício da capacidade legal respeitem os direitos, a vontade e as preferências da pessoa, sejam isentas de conflito de interesses e de influência indevida, sejam proporcionais e apropriadas às circunstâncias da pessoa, se apliquem pelo período mais curto possível e sejam submetidas à revisão regular por uma autoridade ou órgão judiciário competente, independente e imparcial”.

Na mesma toada, preceitua o § 2º do art. 85 da Lei nº 13.146 de 2015:

“A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado”.

Enfim, o fundamental é que a norma processual estruture o processo de curatela com acato à sua excepcionalidade e a aplicação do critério da proporcionalidade em sua configuração concreta. A propósito, o Código de Processo Civil de 2015 em seus artigos 747 a 758,  caminhou eficazmente nesse sentido.

O objetivo da lei é respeitar a dignidade da pessoa humana e a proporcionalidade, orientando o Juiz a aplicar a melhor medida no caso concreto, conforme a deficiência existente, respeitando os direitos, a vontade e as preferências da pessoa.
O notário e o registrador são aqueles a quem primeiro são apresentadas as alterações legislativas, muito antes da provocação feita ao Poder Judiciário, eles terão que se manifestar no caso concreto, razão pela qual não podem se furtar a interpretar a lei.

No que diz respeito à atividade notarial e registral, o art. 83 do Estatuto esclarece que:

Os serviços notariais e de registro não podem negar ou criar óbices ou condições diferenciadas à prestação de seus serviços em razão   deficiência do solicitante, devendo reconhecer sua capacidade legal plena, garantida a acessibilidade.

Para Gustavo Casagrande Canheu, considerando o acima exposto e, ainda, que a lei em questão revogou os incisos dos arts. 3º e 4º do Código Civil, que classificavam como absoluta e relativamente incapazes aqueles que por enfermidade ou deficiência mental não tivessem o necessário discernimento, ou o tivessem de forma reduzida, cabe aos Tabeliães e Registradores reconhecer, a priori, como legalmente capazes para a prática de atos perante suas delegações qualquer pessoa com deficiência, seja ela qual for. (CANHEU, 2015)

Obviamente a incapacidade é a exceção e a capacidade a regra, mas a alteração legislativa não pode obstar que o Notário e o Registrador atuem de forma a dar segurança jurídica aos atos em que intervierem.

Não será possível que, havendo dúvida sobre a autodeterminação, ainda assim o Notário ou Registrador, na ausência de curador fixado em sentença, simplesmente ignore a impossibilidade de manifestação de vontade ou a completa alienação mental do deficiente. Caberá ao referido agente público exigir os documentos que entender necessários para formar a sua convicção sobre lucidez da pessoa deficiente, podendo requerer apresentação de atestados médicos e, permanecendo a dúvida, poderá levar a questão ao Juiz competente para Registros Públicos para decisão.

Nesse ponto, apesar do conteúdo da nova lei, nada mudou. A Lei nº 8.935 de 1994, específica para Notários e Registradores, continua, como antes, exigindo-lhes que garantam a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.

Referências:

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[1] Pedagoga e Graduada em Direito pela ULBRA;