A EFICIÊNCIA DO ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA À LUZ DO ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

A EFICIÊNCIA DO ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA À LUZ DO ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

28 de novembro de 2023 Off Por Cognitio Juris

THE EFFICIENCY OF THE PLEA BARGAIN AGREEMENT IN LIGHT OF THE UNDERSTANDING OF HIGHER COURTS

Artigo submetido em 3 de outubro de 2023
Artigo aprovado em 15 de outubro de 2023
Artigo publicado em 28 de novembro de 2023

Cognitio Juris
Volume 13 – Número 50 – Novembro de 2023
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Isadora Oliveira Nóbrega [1]
Marcelo Wordell Gubert [2]
Sérgio Augusto Mittmann [3]
Clara Heinzmann [4]

RESUMO: Analisando as perspectivas dos Tribunais Superiores no contexto jurídico brasileiro, este estudo se concentra na eficiência do Acordo de Colaboração Premiada, examinando as interpretações e entendimentos proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O Acordo de Colaboração Premiada, um mecanismo que ganhou destaque no Direito Penal e Processual Penal brasileiro, tornou-se ainda mais essencial com as reformas introduzidas pela Lei do Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/19). O objetivo geral desta pesquisa é investigar a aplicação desse acordo, com ênfase nas perspectivas dos Tribunais Superiores. Utilizando o método dedutivo e a pesquisa bibliográfica e descritiva, o estudo analisa as mudanças promovidas pela Lei do Pacote Anticrime, as quais visam aprimorar a eficácia do acordo de colaboração, otimizando a coleta de provas e a obtenção de informações relevantes para as investigações penais, em consonância com a justiça negocial. O referencial teórico deste estudo se baseia em autores renomados do Direito Penal, como Guilherme de Souza Nucci e André Luís Callegari enriquecendo a análise das questões jurídicas abordadas e considerando a jurisprudência dos Tribunais Superiores. O Acordo de Colaboração Premiada, sob a perspectiva dessas instâncias superiores, desempenha um papel fundamental na busca por uma justiça mais eficiente e eficaz, proporcionando benefícios tanto ao colaborador, por meio da redução de pena, quanto às investigações, ao disponibilizar um leque mais amplo de provas substanciais e informações precisas.

Palavras-chave: Colaboração. Premiada. Tribunais.

ABSTRACT: Analyzing the perspectives of Higher Courts in the Brazilian legal context, this study focuses on the efficiency of the Plea Bargain Agreement, examining the interpretations and understandings issued by the Superior Court of Justice (STJ) and the Supreme Federal Court (STF). The Plea Bargain Agreement, a mechanism that has gained prominence in Brazilian Criminal and Criminal Procedure Law, has become even more essential with the reforms introduced by the Anti-Crime Package Law (Law No. 13,964/19). The overall objective of this research is to investigate the application of this agreement, with an emphasis on the perspectives of Higher Courts. Using deductive methodology and bibliographical and descriptive research, the study analyzes the changes promoted by the Anti-Crime Package Law, which aim to enhance the effectiveness of the plea bargain agreement, optimizing the collection of evidence and the obtaining of relevant information for criminal investigations, in accordance with negotiated justice. The theoretical framework of this study is based on renowned authors in Criminal Law, such as Guilherme de Souza Nucci and André Luís Callegari, enriching the analysis of the legal issues addressed and considering the jurisprudence of Higher Courts. The Plea Bargain Agreement, from the perspective of these higher instances, plays a fundamental role in the pursuit of a more efficient and effective justice system, providing benefits both to the collaborator, through a reduced sentence, and to the investigations, by making available a wider range of substantial evidence and precise information.

Keywords: Collaboration. Bargain. Courts.

INTRODUÇÃO

A busca por eficiência no sistema penal brasileiro tem levado a uma maior utilização de mecanismos de colaboração premiada. Este instrumento jurídico, fortalecido pela Lei nº 12.850/2013 e posteriormente aprimorado pela Lei do Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), visa oferecer benefícios como a redução de pena para aqueles que, em posição de colaborar com as investigações, fornecem informações e provas substanciais para a resolução de crimes. Nesse cenário, torna-se imprescindível analisar como os Tribunais Superiores, particularmente o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), têm interpretado e aplicado os acordos de colaboração premiada.

O problema de pesquisa, portanto, gira em torno da eficiência deste mecanismo sob a ótica dessas instâncias judiciais superiores. Como os Tribunais Superiores têm influenciado a eficácia e legitimidade dos acordos de colaboração premiada, considerando seu papel na conciliação entre a resolução de crimes e a proteção dos direitos fundamentais dos envolvidos?

A relevância do tema se dá não apenas pelo aumento da utilização da colaboração premiada em investigações criminais complexas, mas também pela necessidade de harmonizar esse instrumento com os princípios constitucionais e normas legais que regem o Direito Penal e Processual Penal no Brasil. Além disso, o estudo oferece uma base sólida para advogados, promotores e juízes ao tratar das nuances deste instrumento à luz do entendimento dos Tribunais Superiores.

Metodologicamente, a pesquisa se baseia em uma abordagem qualitativa, por meio da análise dedutiva e bibliográfica. Este estudo descreve e examina entendimentos dos Tribunais Superiores em relação à colaboração premiada, utilizando como referencial teórico autores renomados na área do Direito Penal, como Guilherme de Souza Nucci e André Luís Callegari.

A temática reveste-se de grande importância na medida em que busca aprimorar o entendimento sobre um dos mecanismos mais discutidos e utilizados na justiça criminal contemporânea. A colaboração premiada é uma ferramenta de muita importância para a obtenção de provas e informações que podem ser decisivas em investigações criminais.

O estudo está estruturado em quatro seções principais. A primeira aborda os aspectos legais do acordo de colaboração premiada, fornecendo um panorama geral do instrumento. A segunda seção foca na Lei nº 12.850/2013 e nas alterações trazidas pelo Pacote Anticrime, examinando o impacto dessas mudanças na eficiência do acordo. A terceira seção discute os benefícios do acordo para as investigações criminais, enquanto a quarta seção analisa a colaboração premiada à luz do entendimento do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, evidenciando as interpretações que têm moldado a aplicação desse mecanismo jurídico no Brasil.

1 ACORDO de colaboração premiada e seus aspectos legais

O conceito de colaboração pode ser compreendido em diversas perspectivas, como fornecer assistência, prestar auxílio, cooperar, contribuir. E está associado ao termo “premiada”, que remete a algo positivo, um benefício especial, uma verdadeira recompensa para o agente que auxilia em investigações e amplia o conhecimento sobre determinado crime (NUCCI, 2015).

A colaboração, que engloba o antigo conceito de delação, não se aplica a todos os processos nos quais uma negociação jurídica é possível, mas sim àqueles em que não se conhece a materialidade e autoria de um conjunto de infrações. Tem como objetivo descobrir aspectos específicos do crime que não seriam obtidos apenas por meio da investigação policial.

No contexto desse instituto, há várias abordagens e explicações para a colaboração premiada. Isso ocorre porque alguns autores destacam que a colaboração premiada tem como objetivo principal a salvaguarda e prevenção de novos delitos dentro das organizações criminosas (CORDEIRO, 2020). Além disso, o instituto abordado neste artigo alcançou reconhecimento internacional, sendo mencionado no artigo 27, item 1 do Decreto n° 5.687/2006 da ONU:

Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas e de outras índoles que sejam necessárias para qualificar como delito, em conformidade com sua legislação interna, qualquer forma de participação, seja ela como cúmplice, colaborador ou instigador, em um delito qualificado de acordo com a presente Convenção (ONU, 2006).

Em linhas gerais, o objetivo da colaboração premiada é obter informações relevantes que possam levar ao desmantelamento de organizações criminosas, recuperação de bens e ativos, identificação de coautores ou cúmplices, ou esclarecimento de crimes.

Ao discutir o funcionamento da colaboração premiada, é importante frisar que, incialmente, existem requisitos rigorosos estabelecidos pela legislação que devem ser seguidos pelas partes envolvidas. O objetivo principal é alcançar o máximo benefício: o perdão judicial. O acordo envolve quatro participantes principais: o delegado, o Ministério Público, o investigado e o juiz. Guilherme de Souza Nucci oferece um exemplo ilustrativo e genérico: Em resumo, o delegado e o promotor, juntos, solicitam o perdão; o delegado representa, o promotor é ouvido e o caso segue para o juiz; o promotor faz o requerimento diretamente ao juiz (NUCCI, 2015).

A colaboração premiada pode ser realizada tanto na fase investigativa quanto na fase processual. No primeiro caso, o procedimento ocorre da seguinte maneira: primeiramente, o delegado, após a manifestação do parquet (Ministério Público), solicita a aplicação do benefício máximo, que pode resultar na extinção da punibilidade e no encerramento do processo penal, sendo, por fim, encaminhado à decisão do juiz.

É muito importante ressaltar que o juiz não pode agir de ofício nesse processo, devido aos princípios fundamentais do sistema jurídico, como a imparcialidade e a separação dos poderes. Nucci (2015, p. 45) fornece um exemplo para ilustrar essa situação:

O juiz não pode conceder o perdão de ofício. Logo, se houver representação do delegado, é preciso a concordância do Ministério Público; nessa hipótese, o magistrado pode concedê-lo. Submete-se a recurso em sentido estrito (art. 581, VIII ou IX, do CPP). Não havendo, depende-se do pleito do Ministério Público. Se este o fizer, cabe ao juiz deferir ou indeferir. Em relação a essa decisão, igualmente, cabe recurso em sentido estrito ao Tribunal, nos termos do art. 581, VIII ou IX, do CPP.

Resumidamente, o acordo de colaboração será estabelecido cumprindo todos os requisitos legais, com a necessidade de observar cada detalhe, pois qualquer descumprimento pode resultar na anulação do acordo. Além disso, em um tópico posterior, serão abordados de maneira fundamentada e explicativa quais são esses requisitos.

Quanto à relevância desse contrato legal, é inegável que trará benefícios diferentes para ambas as partes envolvidas no acordo. Por um lado, o investigado poderá obter uma redução de pena ou, em circunstâncias excepcionais, o perdão judicial. Por outro lado, a descoberta de novos indícios, materialidades e autores facilita a fase inquisitorial, na obtenção de melhores resultados e direcionamentos certeiros (CALLEGARI, 2019).

É fundamental salientar que a colaboração premiada é um instrumento jurídico complexo, que demanda uma abordagem cuidadosa para garantir tanto a eficácia nas investigações quanto a proteção dos direitos do colaborador. O estabelecimento deste acordo não só contribui para a resolução de crimes de difícil elucidação, mas também para a dissuasão de futuras atividades ilícitas, uma vez que a possibilidade de um membro da organização colaborar com as autoridades pode gerar uma atmosfera de desconfiança entre os criminosos. No entanto, é fundamental que o instituto da colaboração premiada seja utilizado de forma ética e responsável, seguindo os parâmetros legais estabelecidos, para assegurar que ele não se torne uma ferramenta de abuso ou injustiça.

Nesse contexto, a jurisprudência e a legislação devem continuar evoluindo para aperfeiçoar os mecanismos de colaboração premiada, minimizando riscos de erros judiciais e garantindo um processo transparente e justo para todas as partes envolvidas. A colaboração premiada é, sem dúvida, uma ferramenta valiosa no arsenal jurídico contra o crime organizado e outros delitos complexos, mas seu sucesso a longo prazo depende da capacidade do sistema jurídico de equilibrar rigorosamente os benefícios e as responsabilidades associados a esse método de investigação.

2.2 A COLABORAÇÃO PREMIADA NA LEI Nº 12.850/2013 E AS ALTERAÇÕES PROPICIADAS PELO PACOTE ANTICRIME

A lei 12.850/2013, que revogou a lei 9.034/1995, foi promulgada com o propósito de estabelecer uma regulamentação mais abrangente dos crimes relacionados a organizações criminosas. Dentro dessa legislação, o artigo 3º-A, inserido pela Lei nº 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime apresenta uma definição precisa da colaboração como “o acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse públicos” (BRASIL, 2019).

No contexto de investigação das organizações criminosas, a valoração da prova é de extrema importância para desmantelar os participantes envolvidos. Além de contribuir para o aspecto investigativo do processo, a delação proporciona ao colaborador uma série de benefícios, conforme estabelecido pelo artigo 4º da mencionada lei:

Art. 4o O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados (BRASIL, 2013).

Ademais, o artigo 6º da lei estabelece claramente que não basta abordar apenas o modus operandi da organização criminosa. Como requisito para a concessão de certos benefícios, é exigido o fornecimento da autoria dos delitos, ou seja, a identificação dos autores e dos indivíduos envolvidos. Não se trata apenas de expor as atividades da quadrilha, mas o delator assume a responsabilidade de “dedurar” (revelar), de forma minuciosa, todas as informações relevantes para auxiliar nas investigações. Cordeiro (2020, p. 18) destaca esse aspecto da seguinte maneira:

Embora de mais fácil atingimento do que o antigo desmantelamento da quadrilha, o resultado agora exigido é duplo: o esclarecimento do crime e também a indicação de sua autoria. Não basta a isolada revelação de como era o crime1.1.3. praticado (método, estrutura e apoios), ou de quem eram seus autores; exige a norma a colaboração plena, com a produção de ambos os resultados.

Além disso, a legislação de 2019 introduz o conceito de “critério de voluntariedade”, que já é adotado no Código de Processo Penal como uma atenuante da confissão, conforme previsto no artigo 65, alínea “d” (BRASIL, 2019). Esse critério pode ser compreendido como o ato de revelação que não seja resultado de coerção estatal. No entanto, isso não significa que não possa haver uma influência de terceiros, pois é fato que isso ocorre no cotidiano das pessoas, como nas abordagens policiais, em que o policial pode de certa forma incentivar o indivíduo a considerar a possibilidade de seguir um caminho mais favorável, deixando claro que não há dúvidas sobre a rota do crime. Cordeiro (2020) aborda essa questão de forma técnica, ressaltando que a “colaboração” não necessariamente precisa ser puramente voluntária.

Por fim, é importante ressaltar que o colaborador é recompensado com base nos requisitos estabelecidos na lei, seguindo uma escala em que a pena pode ser reduzida em até 2/3 (art. 4º da Lei nº 12.850/2013), ou, em casos específicos, pode ser concedido o perdão judicial. Essa é a recompensa recebida pelo colaborador ao cumprir todas as exigências estipuladas na legislação aplicável (BRASIL, 2013).

3 BENEFÍCIOS DO ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA PARA AS INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS

A colaboração premiada tem sido uma ferramenta frequentemente utilizada no sistema de justiça penal com o propósito de acelerar as investigações em curso. Nesse contexto, o colaborador ou delator desempenha um papel relevante ao fornecer informações de forma voluntária e eficaz para identificar os autores e cúmplices envolvidos em atividades ilícitas.

Dessa maneira, o colaborador expressa seu direito fundamental à ampla defesa, conforme estabelecido no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988. Em caso de confirmação das informações fornecidas, o acusado pode receber benefícios como a redução da pena ou medidas cautelares mais brandas, podendo até mesmo ser agraciado com o perdão judicial (BRASIL, 1988).

É relevante destacar que ao colaborador é conferido o direito de buscar reparação judicial caso o Estado venha a descumprir o acordo estabelecido. Nesse contexto, o Ministro Teori Zavascki enfatiza que os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança tornam imperativo que o Estado cumpra suas obrigações assumidas no acordo, conferindo ao colaborador tratamento justo e favorável, o que deveria ser explicitado no próprio termo, ainda que este seja condicional, mas vinculado ao seu conteúdo (STF, 2015).

Por outro lado, o indivíduo acusado, conhecido como “delatado”, detém seus próprios direitos e garantias, incluindo o direito à ampla defesa e ao contraditório. Ele tem o direito de contestar as acusações feitas contra ele, conforme estipulado no artigo 23, parágrafo único, da Lei 12.850/2013. Isso implica que, ao ser convocado para depor, o advogado do investigado deve ter acesso prévio aos autos do caso, mesmo que estes sejam classificados como sigilosos, com um prazo mínimo de três dias antes do ato, podendo ser ampliado a critério da autoridade responsável pela investigação (BRASIL, 2013).

Do ponto de vista do Estado, a utilização desse mecanismo traz benefícios, uma vez que os métodos tradicionais de combate às organizações criminosas se mostram ineficazes, especialmente diante da rápida evolução tecnológica e da sofisticação desses grupos, o que dificulta o trabalho dos órgãos de repressão. Ademais, o instituto da colaboração premiada também apresenta vantagens para a sociedade em geral. Isso ocorre tanto pelo seu aspecto dissuasivo, ao punir exemplarmente os infratores, quanto pela possibilidade de recuperar recursos públicos desviados por meio das atividades criminosas (CALLEGARI, 2019).

Nesse sentido, a colaboração premiada contribui para a eficiência das investigações criminais. Ela muitas vezes oferece acesso a informações que seriam extremamente difíceis, senão impossíveis, de obter apenas por meio de investigações convencionais. Isso é especialmente importante em casos que envolvem organizações criminosas complexas, onde a estrutura hierárquica e as operações são meticulosamente planejadas para evitar a detecção. Nesse cenário, ter um colaborador no interior da organização pode ser um divisor de águas para desarticular grupos criminosos e levar os principais responsáveis à justiça.

Ademais, a colaboração premiada serve como um mecanismo de desincentivo ao crime. A possibilidade de um membro do grupo colaborar com as autoridades pode gerar desconfiança entre os criminosos, prejudicando a coesão e a eficácia do grupo. Isso pode levar à sua desintegração ou, pelo menos, diminuir sua capacidade de realizar atividades criminosas de forma organizada. A sociedade como um todo se beneficia desse efeito dissuasório, o que, a longo prazo, pode contribuir para a redução da criminalidade.

Por último, mas não menos importante, a colaboração premiada tem o potencial de recuperar ativos e recursos desviados. Em casos de corrupção, por exemplo, a informação fornecida pelo colaborador pode ser fundamental para rastrear e recuperar recursos públicos que foram ilegalmente apropriados. Isso não apenas serve para reforçar o orçamento público, mas também para enviar uma mensagem clara à sociedade de que o crime não compensa, reforçando assim a confiança no sistema de justiça penal.

4 A COLABORAÇÃO PREMIADA À LUZ DO ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

No contexto jurídico brasileiro, as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2017 trouxeram esclarecimentos cruciais sobre os limites da colaboração premiada. A partir da análise da Questão de Ordem na Petição 7.074/DF, ficou estabelecido que o relator possui a atribuição de homologar acordos de colaboração premiada, com a responsabilidade de verificar sua regularidade, legalidade e voluntariedade. Isso, contudo, ocorre apenas na fase inicial (STF, 2017).

Além disso, a competência para julgar o mérito dos acordos e avaliar sua eficácia reside no Tribunal Pleno, em sua composição colegiada, conforme preceitua o art. 4º, § 11, da Lei n. 12.850/2013. Esse delineamento assegura a imparcialidade e evita a participação do juiz nas negociações, alinhando-se com o princípio acusatório do sistema penal brasileiro:

QUESTÃO DE ORDEM EM PETIÇÃO. COLABORAÇÃO PREMIADA.I. DECISÃO INICIAL DE HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL: LIMITES EATRIBUIÇÃO. REGULARIDADE, LEGALIDADE EVOLUNTARIEDADE DO ACORDO. MEIO DE OBTENÇÃO DEPROVA. PODERES INSTRUTÓRIOS DO RELATOR. RISTF.PRECEDENTES. II. DECISÃO FINAL DE MÉRITO. AFERIÇÃO DOSTERMOS E DA EFICÁCIA DA COLABORAÇÃO. CONTROLEJURISDICIONAL DIFERIDO. COMPETÊNCIA COLEGIADA NOSUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. Nos moldes do decidido no HC 127.483, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, DJe de 3.2.2016, reafirma-se a atribuição ao Relator, como corolário dos poderes instrutórios que lhe são conferidos pelo Regimento Interno do STF, para ordenar a realização de meios de obtenção de prova (art. 21, I e II do RISTF), a fim de, monocraticamente, homologar acordos de colaboração premiada, oportunidade na qual se restringe ao juízo de regularidade, legalidade e voluntariedade da avença, nos limites do art. 4ª, § 7º, da Lei n. 12.850/2013. 2. O juízo sobre os termos do acordo de colaboração, seu cumprimento e sua eficácia, conforme preceitua o art. 4º, § 11, da Lei n. 12.850/2013, dá-se por ocasião da prolação da sentença (e no Supremo Tribunal Federal, em decisão colegiada), não se impondo na fase homologatória tal exame previsto pela lei como controle jurisdicional diferido, sob pena de malferir a norma prevista no § 6º do art. 4º da referida Lei n. 12.850/2013, que veda a participação do juiz nas negociações, conferindo, assim, concretude ao princípio acusatório que rege o processo penal no Estado Democrático de Direito. 3. Questão de ordem que se desdobra em três pontos para: (i) resguardar a competência do Tribunal Pleno para o julgamento de mérito sobre os termos e a eficácia da colaboração, (ii) reafirmar, dentre os poderes instrutórios do Relator (art. 21 do RISTF), a atribuição para homologar acordo de colaboração premiada; (iii) salvo ilegalidade superveniente apta a justificar nulidade ou anulação do negócio jurídico, acordo homologado como regular, voluntário e legal, em regra, deve ser observado mediante o cumprimento dos deveres assumidos pelo colaborador, sendo, nos termos do art. 966, § 4º, do Código de Processo Civil, possível ao Plenário analisar sua legalidade (STF, 2017).

Outro aspecto relevante, evidenciado pelo Ministro Ricardo Lewandowski na Petição 7.265/DF, diz respeito aos limites impostos às partes envolvidas nos acordos. Conforme a decisão, não é permitido às partes antecipadamente convencionar a pena ou o perdão de crimes, já que isso violaria o monopólio constitucional da jurisdição do Poder Judiciário. O juiz só pode conceder benefícios após verificar a efetiva e voluntária colaboração do envolvido (STF, 2017).

No caso em questão, o potencial colaborador tinha a intenção de prestar depoimentos e apresentar elementos de corroboração que incriminariam diversas pessoas, incluindo a então Senadora Marta Suplicy. Devido à relevância das figuras envolvidas, a colaboração desse indivíduo deveria ser homologada pelo Supremo Tribunal Federal, conforme previsto no artigo 102, inciso I, alínea b) da Constituição Federal. Entretanto, ao realizar o juízo de delibação conforme o disposto no artigo 4º, §7º da Lei nº 12.850/2013, que estabelece os parâmetros e requisitos para a colaboração premiada, o relator concluiu que os termos do acordo não se encaixavam nos critérios necessários de regularidade e legalidade (BRASIL, 2013).

Ademais, a observância das normas cogentes, como os princípios constitucionais e as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal, é fundamental. As partes não podem acordar o regime de cumprimento de pena em colaborações premiadas, a menos que isso esteja previsto na legislação aplicável.

Em síntese, as decisões do STF em 2017 forneceram diretrizes claras para a utilização da colaboração premiada no Brasil. Elas buscam equilibrar a eficácia na investigação criminal com a preservação dos direitos individuais e a observância das normas legais, contribuindo para um sistema jurídico mais justo e transparente.

Por sua vez, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é notavelmente menos extensa em relação ao controle judicial dos acordos de colaboração premiada regidos pela Lei 12.850/2013, se comparada à vasta jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). Em grande medida, o STJ tende a adotar posicionamentos já consolidados pelo STF.

Um exemplo disso é a decisão na Ação Penal 707, em que a Corte Especial do STJ determinou que o indivíduo delatado não possui direito de acesso ao acordo de colaboração premiada no qual é incriminado durante a fase de inquérito (STJ, 2013). Isso se fundamenta no disposto no artigo 7º, parágrafo 3º da Lei 12.850/2013, que estabelece que o sigilo só é levantado com o recebimento da denúncia. É importante notar que não há espaço para contraditório nessa fase pré-processual (BRASIL, 2013).

Em outra instância, no Recurso em Habeas Corpus (RHC) 76.026, a 5ª Turma do STJ decidiu que o não cumprimento, por parte do colaborador, das obrigações estipuladas no acordo de colaboração premiada poderia justificar a imposição de uma nova prisão preventiva (STJ, 2016). No entanto, essa decisão foi posteriormente reformada de maneira unânime pela 2ª Turma do STF no Habeas Corpus (HC) 138.207 (STF, 2017).

Adicionalmente, a 5ª Turma do STJ replicou o entendimento do STF, conforme estabelecido no HC 127.483, ao afirmar que somente as partes envolvidas no acordo de colaboração premiada possuem a legitimidade para questioná-lo (STF, 2015). Nesse contexto, corréus não têm o direito de contestar a legalidade do acordo, dada a natureza personalíssima desse negócio jurídico processual. A mesma interpretação foi ratificada pela 6ª Turma do STJ no julgamento do RHC 68.542 (STJ, 2016).

A atuação dos Tribunais Superiores no Brasil, em particular do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem se mostrado essencial para a configuração e aplicação da colaboração premiada como instrumento jurídico. O STF, com suas decisões de 2017, estabeleceu balizas essenciais, especialmente no tocante à separação de poderes e competências entre relator e Tribunal Pleno, bem como aos limites de negociação entre as partes. O STJ, por sua vez, tem de modo geral seguido os entendimentos do STF, abordando nuances como o direito de acesso ao acordo por parte do delatado e as consequências do descumprimento do acordo.

Essa convergência jurisprudencial entre STF e STJ atua como um dinamizador para a consolidação das práticas de colaboração premiada, tornando-as mais previsíveis e alinhadas com os princípios constitucionais. No entanto, essa estabilidade não significa um sistema imune a desafios. Ainda há pontos que necessitam de maior elucidação, como os critérios de voluntariedade e regularidade, que poderiam se beneficiar de um diálogo mais robusto entre as Cortes Superiores e outras instâncias judiciais para evitar divergências interpretativas.

Em última análise, as decisões dos Tribunais Superiores em matéria de colaboração premiada não somente orientam a atuação das partes envolvidas, como também buscam encontrar um equilíbrio delicado entre eficácia investigativa e respeito aos direitos fundamentais. Nesse cenário, a jurisprudência consolidada serve tanto como um guia para casos futuros quanto como um reflexo do empenho do sistema jurídico em se aprimorar, sempre com vistas a alcançar um processo penal mais justo e transparente.

CONCLUSÃO

A eficiência do acordo de colaboração premiada no sistema jurídico-penal brasileiro, fortalecido pela Lei nº 12.850/2013 e aprimorado pela Lei do Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), permanece um tema de relevância notória. As decisões dos Tribunais Superiores, especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), têm contribuído significativamente para moldar e aprimorar a aplicação desse instrumento. Ao fazê-lo, essas cortes buscam equilibrar a eficácia investigativa com a garantia dos direitos fundamentais, oferecendo assim diretrizes essenciais para a atuação das partes envolvidas e para o sistema como um todo.

A jurisprudência do STF estabelece uma orientação clara quanto às competências para homologação e julgamento de mérito dos acordos, bem como aos limites da negociação entre as partes. Isso promove a legitimidade do processo e evita a violação de princípios constitucionais, como o monopólio da jurisdição pelo Poder Judiciário. No mesmo sentido, o STJ, embora com uma jurisprudência menos extensa sobre o tema, demonstrou consistência ao seguir as diretrizes já estabelecidas pelo STF, contribuindo assim para a uniformização da prática.

Entretanto, é essencial considerar que a colaboração premiada não é um fim em si mesma, mas sim um meio de alcançar a justiça. Com isso em mente, a eficiência desse mecanismo também está atrelada aos aspectos legais e às mudanças legislativas trazidas pela Lei nº 12.850/2013 e pelo Pacote Anticrime. Essas legislações não apenas formalizaram a colaboração premiada, mas também introduziram elementos que aumentam sua eficácia e alinhamento com os princípios constitucionais, como destacado nas primeiras duas seções do estudo.

Além disso, é fundamental sublinhar os benefícios práticos da colaboração premiada para as investigações criminais, que foram o foco da terceira seção do estudo. A possibilidade de se obter informações e provas substanciais de colaboradores premiados acelera investigações e facilita a resolução de casos complexos. Isso, em última instância, contribui para a eficácia do sistema penal brasileiro e para a realização da justiça.

Entretanto, o sistema não está isento de desafios e ambiguidades, como questões relacionadas à voluntariedade e regularidade dos acordos. Dessa forma, há um espaço significativo para diálogos construtivos entre as Cortes Superiores e outros setores do sistema judiciário, com o objetivo de refinamento e uniformização dos critérios que norteiam a colaboração premiada.

Em suma, a colaboração premiada representa uma ferramenta jurídica de grande relevância para o sistema penal brasileiro, cuja eficácia é amplamente influenciada pela atuação e entendimentos dos Tribunais Superiores. A convergência entre as decisões do STF e do STJ funciona como um catalisador para a consolidação das práticas de colaboração, tornando o mecanismo mais previsível e alinhado com os princípios constitucionais.

Por último, mas não menos importante, a abordagem jurisprudencial do tema reflete um esforço contínuo do sistema jurídico para encontrar um equilíbrio entre eficiência investigativa e respeito aos direitos fundamentais. Essa busca incessante por aprimoramento é vital para o desenvolvimento de um sistema penal mais justo, transparente e eficiente, contribuindo assim para o fortalecimento da democracia e do Estado de Direito no Brasil.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasília, DF. 1941.

BRASIL. Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 de agosto de 2013.

BRASIL. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 dez. 2019. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13964.htm#art14. Acesso em: 08 set. 2023.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ação Penal nº 707 DF 2009/0188666-5. Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima. Data de Julgamento: 05/06/2013. Órgão Julgador: Corte Especial. Data de Publicação: DJe 11/06/2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Em Habeas Corpus nº 68.542/SP (2016/0058063-8). Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Brasília, 19 abr. 2016.Disponível em:<https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ITA?seq=1505557&tipo=0&nreg=201600580638&SeqCgrmaSessao=&CodOrgaoJgdr=&dt=20160503&formato=PDF&salvar=false>. Acesso em: 10 set. 2023.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 138.207/PR. 2ª T. Paciente:Fernando Antônio Guimarães Hourneaux De Moura. Relator: Min. Edson Fachin. Brasília, 25abr. 2017. Disponível em:<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13098850>. Acessoem: 05 set. 2023.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Questão de Ordem na Petição 7.074/DF. Plenário. Requerente:Reinaldo Azambuja Silva. Relator: Min. Edson Fachin. Brasília, 29 jun. 2017. Pp. 1. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14752801> Acesso em: 01 set. 2023.

BRASIL. Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 127483/PR. Relator: Ministro Dias Toffoli. Julgado em: 27 de agosto de 2015.

CALLEGARI, André Luís. Colaboração Premiada: aspectos teóricos e práticos. 2019.

CORDEIRO, Nefi. Colaboração Premiada: caracteres, limites e controles. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

NUCCI, Guilherme de Souza. Organização criminosa. Rio de Janeiro: Forense, 2015.


[1] Acadêmica do curso de Direito da faculdade de Medianeira – UDC Medianeira.

[2] Doutor em Direito pela Universidade de Marília – UNIMAR, Mestre em Direito Processual e Cidadania na Universidade Paranaense – UNIPAR, Especialização Latu Sensu pela Escola da Magistratura do Estado do Paraná, Especialização em Docência no Ensino Superior, Especialização em Gestão Pública e Graduação em Direito pela Universidade Paranaense. Advogado, e Professor da Faculdade Educacional de Medianeira – UDC/Medianeira.

[3] Mestre em Direito Público na UNISINOS – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Especialização Latu Sensu em Processo Civil pela UNIVEL-Cascavel, Graduação em Direito pela UNIPAR – Universidade Paranaense. Advogado Público Municipal Cargo de Provimento Efetivo do Município de Medianeira-PR. Professor de Direito Processual Civil na Faculdade Educacional de Medianeira – UDC/Medianeira.

[4] Doutora em Desenvolvimento Sustentável. Mestre em Direito. Professora do Curso de Direito da Faculdade Educacional de Medianeira – UDC Medianeira.