A EDUCAÇÃO EM HOBBES

A EDUCAÇÃO EM HOBBES

4 de janeiro de 2025 Off Por Cognitio Juris

EDUCATION IN HOBBES

EDUCACIÓN EN HOBBES

Artigo submetido em 28 de dezembro de 2024
Artigo aprovado em 03 de janeiro de 2025
Artigo publicado em 04 de janeiro de 2025

Cognitio Juris
Volume 15 – Número 58 – 2025
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Ricardo Nascimento Fernandes[1]

RESUMO: O presente trabalho vem abordar a educação em Hobbes. Thomas Hobbes coloca-se como alguém que se utilizava da história com intenções políticas. Como um leitor dos antigos e herdeiro das tradições renascentistas, sua recepção norteia um aparato conceitual que é, de um lado, compartilhado por seus contemporâneos, e, por outro lado, apropriado de uma forma peculiar, de acordo com a visão e interpretação que este tem de seu momento e das histórias que leu e ouviu. O principal objetivo deste trabalho de forma sumária e introdutória, demonstrar algumas das relações que o pensador estabelece com a educação e de que maneira esta se relaciona com sua teoria política e com seu momento histórico. A metodologia adotada será uma análise bibliográfica da literatura, com ênfase em livros e artigos mais atuais e relevantes sobre o tema abordado. Conclui-se que se analisa como a educação se caracterizava no período moderno, quais formam os acontecimentos que deram impulso ao seu desenvolvimento e como estava configurado o ensino jurídico.

Palavras-Chave: Educação; Hobbes; Políticas; Ensino Jurídico.

ABSTRACT: This paper addresses education in Hobbes. Thomas Hobbes positions himself as someone who used history for political purposes. As a reader of the ancients and heir to Renaissance traditions, his reception guides a conceptual apparatus that is, on the one hand, shared by his contemporaries, and, on the other hand, appropriated in a peculiar way, according to the vision and interpretation that he has of his time and the stories he read and heard. The main objective of this paper, in a summary and introductory way, is to demonstrate some of the relationships that the thinker establishes with education and how this relates to his political theory and his historical moment. The methodology adopted will be a bibliographical analysis of the literature, with emphasis on the most current and relevant books and articles on the topic addressed. The conclusion is that it analyzes how education was characterized in the modern period, what events gave impetus to its development and how legal education was configured.

Keywords: Education; Hobbes; Policies; Legal Education.

RESUMEN: Este trabajo aborda la educación em Hobbes. Thomas Hobbes se posiciona como alguien que utilizó la historia em intenciones políticas. Como lector de los antiguos y heredero de las tradiciones renacentistas, su recepción orienta em aparato conceptual que es, por em lado, compartido por sus contemporáneos y, por em, apropiado de manera peculiar, según la visión y la interpretación. Que esto tiene que ver em tu momento y las historias que leíste y escuchaste. El objetivo principal de este trabajo, de manera resumida e introductoria, es demostrar algunas de las relaciones que el pensador establece em la educación y cómo ésta se relaciona em su teoría política y su momento histórico. La metodología adoptada será em análisis bibliográfico de la literatura, em énfasis em los libros y artículos más actuales y relevantes sobre el tema tratado. Se concluye que analizamos cómo se caracterizó la educación em el período moderno, cuáles constituyeron los acontecimientos que dieron impulso a su desarrollo y cómo se configuró la educación jurídica.

Palabras clave: Educación; Hobbes; Políticas; Educación Jurídica.

1 INTRODUÇÃO

O momento histórico no qual se vive coloca questões importantes que exigem atenção à sua complexidade e abertura para os mais amplos caminhos de reflexão possíveis. Todas as possibilidades já realizadas pela humanidade, especialmente as que alavancaram o progresso científico e tecnológico, não foram capazes de estabelecer a paz e a justiça. Nesse sentido, é sabido que nenhuma teoria conseguirá resolver todos os aspectos dos problemas de ordem ética, política e educacional. Mas a busca por novas maneiras de enfrentar essas questões poderá, ao menos, mostrar novas perspectivas que pareçam mais “razoáveis” para o enfrentamento de algumas questões essenciais da vida social de nossas comunidades humanas (Angoulvent, 2024).

Segundo Hobbes, é necessário que a educação do homem para paz seja iniciada por seus sentimentos (paixões). Ele sustenta que é preciso iniciar esse processo pelo nível no qual todos os homens sejam partícipes, a saber: o nível das paixões. Tome-se aqui o termo paixão como correlato de sentimentos presentes no ser humano tais como amor, ódio, cobiça, medo, esperança.

O principal objetivo deste trabalho de forma sumária e introdutória, demonstrar algumas das relações que o pensador estabelece com a educação e de que maneira esta se relaciona com sua teoria política e com seu momento histórico. A metodologia adotada será uma análise bibliográfica da literatura, com ênfase em livros e artigos mais atuais e relevantes sobre o tema abordado.

Dessa forma, o medo e a esperança são fundamentais, pois todos os seres humanos convivem pessoalmente com tais sentimentos (paixões), dados serem intrínsecos à natureza humana. Somente após esse processo de “sensibilização”, se assim se pode dizer, parte-se para o nível do uso da faculdade da razão, a qual dará a lei geral pela busca da paz (Hobsbawm, 2023).

2 IMPLICAÇÕES PARA O CAMPO DA EDUCAÇÃO

Nesta seção, pretende-se inferir as contribuições de Hobbes (1651) para o campo da educação. No levantamento de obras realizado até o presente momento, não foram encontrados textos em que os autores abordem explicitamente políticas públicas para a educação, ou recomendações para a composição de um sistema ou método educativo. No entanto, como ambos abordam a composição política da sociedade, suas teorias podem auxiliar na compreensão da instituição de normas que regem a constituição e organização da educação. A partir dessa perspectiva, foram realizadas algumas aproximações entre suas teorias e o campo educacional (Limongi, 2022).

Tentando compreender quem é o homem a ser educado, Hobbes (1651) propõe que ele migre de um Estado de natureza para um Estado civil, ingressando dessa forma no mundo da política. Por meio de sua análise e argumentação, demonstra que as ações voluntárias do homem são determinadas por seus apetites e aversões e, ao renunciar seu poder para o Leviatã, recebe em troca a proteção. No capítulo XIII da obra Leviatã (1651), em que trata da condição natural da humanidade relativamente a sua felicidade e miséria, o autor afirma que todos os homens são dotados de iguais potencialidades, podendo pertencer a eles tudo aquilo que conseguirem conquistar por meio dessas potencialidades. Por outro lado, sendo iguais por natureza, podem se atacar, se desprezar, ou usar da violência para se tornarem senhores um do outro. Considerando o contexto e guerra em que vivia e sua proposta de contrato social em favor do Leviatã, podemos associar ao pensamento hobbesiano um modelo de educação que não visa a soberania e o ganho em cima do próximo, mas voltado para o alcance da harmonia e da paz, mesmo num contexto de ascensão da exploração capitalista (Limongi, 2022).

Cabe destacar que Hobbes (1588-1679) viveu em um cenário que não permitia o aguardo da bondade e, portanto, na visão do autor o homem deve ser guiado mais pela moral do que pela ética. O homem no Estado de natureza é real e concreto, enquanto o homem regulado pelo Estado artificial também é artificial. Assim, existe uma certa dualidade pois, apesar da instituição de um soberano, também é instituído o individualismo (Hobsbawm, 2023, p.34).

Como ressalta Angoulvent (2024), haveria uma tensão entre preservar a liberdade vantajosa no Estado de natureza e o medo da violência e da guerra que logicamente esse Estado produz. Isso leva à renúncia do poder do indivíduo em favor de um soberano. Todavia, mesmo na Inglaterra, essa ideia não tomava forma, já que nem todos se achavam na condição de entregar o seu poder a um soberano que realizaria todo o necessário para manter a sociedade.

Para Hobbes (1651), os homens em Estado de natureza se reúnem por conveniência, honra, ou proveito e entram em discórdia devido à competição, à desconfiança e à glória. Limongi (2022, p.60) afirma que, para o autor, “o medo e a esperança movem a razão e essa sugere que leis e convenções possam guardar a todos em respeito recíproco”. Esse sujeito pode ser conduzido para a paz pelo Leviatã. Assim, há no ser humano interesse em formular leis para a paz, por meio da transferência de seus direitos individuais para o Leviatã, pois o direito à vida traz uma ligação entre o Leviatã e o povo.

Isso não quer dizer que essa educação será por coerção ou repressão, mas que a partir do momento que, por meio da sensibilidade (paixões) as pessoas perceberem que suas ações podem gerar morte e violência contra si próprios e contra outrem, o ímpeto de poder e de ‘progresso’ a qualquer custo será freado (Polin, 2020, p.13).

Dessa forma, o homem pode mudar suas ações diante de certo desejo e, para isso, precisa ser educado para a paz e para a responsabilidade. Em consequência, a pessoa honrada é compreendida como aquela que mais incorporou o Leviatã numa sociedade civil que se constrói, mesmo na diferença, regulada pelo pacto. Considerando a contrariedade das opiniões e costumes dos homens em geral é, dizem, impossível manter uma amizade civil constante com todos aqueles com os quais os negócios do mundo nos obrigam a conviver, o que quase sempre consiste apenas numa perpétua luta por honras, riquezas e autoridade (Ribeiro, 2019, p.226).

Em outro sentido, Angoulvent (2024) propõe que quando o soberano é representante do gênero humano, o Estado personaliza as vontades que acometem os indivíduos. Essas pessoas perante a lei tornam-se uma massa homogênea e abstrata, que não dá margem para a existência de diferentes formas de agrupamentos que podem se organizar numa sociedade civil e que, para o autor, vão além da empresa e da associação. Desta forma, a desigualdade é resultado do estranhamento entre as pessoas, ocasionada pelo Estado.

Assim, diferentes segmentos como grupos de vizinhos e redes de auxílio mútuo deveriam poder ser reconhecidos como sujeitos produtores de direito e autônomos em relação à ausência de lei do Estado (Polin, 2020). Essa revolução das representações políticas poderia diminuir a relação dispendiosa entre o público e o estatal. Além disso, poderia: “Favorecer a multiplicação destes autosserviços coletivos, ou serviços públicos pontuais e iniciativa local (Angoulvent, 2024, p.84).”

A crítica do autor Monteiro (2023) se insere no sistema em que a satisfação das necessidades das pessoas mantém-se na bipolaridade entre o mercado e o Estado. Para ele, é dessa rigidez que surge o custo social exponencial da crise do Estado-providência. Por ser contra aquilo que chama de “individualismo radical”, conclui que reduzir a procura pelo Estado e produzir sociabilização são ações correlacionadas e defende o desenvolvimento de polos de solidariedade.

Tratando ainda do que se refere à educação, para além do que foi elaborado por Ribeiro (2019) faz uma análise das formas de relação do Estado com a educação que dialogam com as abordagens do autor. Em sua proposta, a concepção da educação no século XX está intrinsecamente ligada com a economia e o mundo do trabalho de duas formas. Na primeira, há a preocupação com estrutura ocupacional e a democratização social, correspondentes ao regime de acumulação fordista e do modelo de bem-estar social. Na segunda, há a compreensão de que o Estado tem como objetivo a criação de oportunidades de emprego e a retomada do crescimento econômico. Assim, a função da educação, regulada por esse Estado, é a de garantir a competitividade dos indivíduos que o compõem diante de um mercado mundializado e em constante crescimento.

A globalização, ou globalizações, como retoma Polin (2020, p.39), tornam-se presentes por meio de regimes de competitividade e de acumulação de capital, gerindo a partir dessa lógica novas formas de intervenção nas políticas sociais, entre elas, as de educação.

No terreno da educação (e das políticas sociais em geral) estas mudanças, que conformam uma agenda globalmente estruturada, traduzem-se quer por uma redefinição dos serviços educativos (e de bem-estar) e do papel do Estado na sua governação, quer pela emergência de novas configurações da participação da educação na regulação social.

É importante destacar que, para Ribeiro (2019), a lógica da redistribuição social e a busca da retomada do crescimento econômico não são estratégias suficientes para superação da crise no Estado-providência. Nesse sentido, há evidências sobre relações recíprocas entre renda e acesso a bens e serviços sociais. Assim, é constatado que a educação afeta a renda, e a renda afeta a educação, assim como políticas de transferências monetárias do Estado em educação afetam a desigualdade econômica. É perceptível que a efetivação de políticas públicas para diminuição da desigualdade se dá na medida em que mais parcelas da população têm acesso a uma educação de qualidade, e não apenas uma pequena camada com maior poder aquisitivo.

Diante desse cenário, compreendemos que Monteiro (2023, p.223) busca trazer uma redefinição através de um novo sentido do contrato social, de forma que o fortalecimento da solidariedade, por meio das pessoas, possa estabelecer um compromisso democrático ao contrato. Essa visão reconhece nas pessoas o potencial para viverem juntas em relações de igualdade. Os indivíduos não são compreendidos como meros consumidores, ou apenas força de trabalho, mas como seres solidários de apoio mútuo. Desta forma, a educação não poderia se limitar apenas ao preparo das pessoas para exercerem uma profissão no mundo do trabalho. A educação deveria dialogar pela diminuição das desigualdades, com essa rede de solidariedade em constante transformação:

A contradição entre riqueza e a cidadania não está apenas na desigualdade, mas nas formas de vida que tornam uma pessoa estrangeira a outra. Ou seja, o problema entre níveis muito diferentes de riqueza vai além do nível de vida entre duas pessoas. O grande perigo é quando se deixa de pertencer à mesma Humanidade. A ideia democrática não é formar simplesmente um regime, mas também uma sociedade em que podemos produzir um mundo comum.

A educação como um campo de estudo, reflexão e prática, passa por inconstâncias e incertezas. Devido a isso, buscamos nos aproximar de possíveis contribuições de Hobbes para sua compreensão. Analisando as propostas dos autores, entende-se que a educação hobbesiana forma uma sociedade que renuncia à guerra em razão do bem e da segurança de todos. A educação das paixões permitiria que os indivíduos vivessem em amizade, de maneira não conflituosa com aqueles tidos como diferentes. Nesse cenário, o objetivo para o indivíduo seria a incorporação do Leviatã e a aceitação de seu contrato pelo bem comum (Limongi, 2022).

3 EDUCAÇÃO PARA PAZ E SEGURANÇA

A fim de entender a relevância conceitual e prática da teoria hobbesiana, é preciso analisar algumas sutilidades presentes em seus escritos. Precisamos lê-lo a partir de sua época caso contrário acaba-se por sufocar sua contribuição e, consequentemente, cometer anacronismos que podem afetar a relevância de seu trabalho e, por conseguinte, também o presente escrito acerca da paz (Polin, 2020).

É bastante perceptível que na obra hobbesiana há um princípio fundante: o direito à vida. É um direito intransferível e inalienável que acaba por se tornar central na constituição do Estado e na construção da paz. Que outro motivo se terá para a paz senão o de salvaguardar a vida de todos os constituintes do Leviatã? Se se fosse um tanto presunçoso, seria o caso de se questionar: Será que nossos Estados modernos, tão cheios de discursos carregados de posturas progressistas, têm esse princípio como norteador de todas as ações tomadas em nome do Estado? E mais: será que as atitudes individuais e cotidianas de cada indivíduo têm a paz e o cuidado da vida, própria e alheia, como fundamento? Uma coisa é certa na teoria hobbesiana: a vida é o primeiro bem (humano) que o Estado deve proteger! (Ribeiro, 2019).

Essa ligação, também feita entre Leviatã e o povo, traz outra importante contribuição. É fundamental que todos se empenhem na formação de um Estado que busque os interesses e o bem-comum, onde inclusive os opositores se expressem. Contudo, que esses se expressem com o intento de auxiliar e de melhorar a situação vigente, não com o espírito carregado de inveja. Caso contrário, isso seria retornar para o estado de natureza do qual Hobbes fala, o estado de “guerra de todos contra todos” (Monteiro, 2023, p.77). Essa é uma questão muito pertinente para o debate, pois ela diz respeito ao modo que a sociedade lida com a pluralidade de posições no que tange as questões públicas e de interesse político. Basta que se olhem as convenções partidárias e alianças políticas. O interesse pessoal está sempre (ou quase sempre) acima do interesse público. O que se quer dizer com isso? É importante que se vejam quais são os reais motivos de guerras e conflitos internacionais. Será de fato a busca pela paz e do término de conflitos ou será, por exemplo, apenas interesses governamentais ou de empresas bélicas com interesses financeiros ligados aos governos vigentes? Num certo sentido, Hobbes tinha razão em dizer que mesmo os contrários a atitude escolhida pela maioria precisam se posicionar como defensores da posição que foi optada, pois seus direitos estão representados na figura do Leviatã.

Essa guerra não pode e nem deve ser entendida apenas como conflitos entre nações. Esse é outro vértice que precisa ser esclarecido e enaltecido acerca do contrato hobbesiano e da garantia da segurança. Os conflitos físicos são apenas a parte mais visível dessa questão, mas as suas raízes são extremamente mais profundas e podem passar despercebidas se não se olhar com cuidado as inúmeras situações cotidianas de conflito. Santos (2022, p. 95) afirma:

Porquanto os homens encontram-se na condição de simples natureza (que é a condição de guerra) o apetite pessoal é a medida de bem e mal por conseguinte todos os homens concordam que a paz é uma boa coisa, e portanto que também são bons o caminho ou meios da paz, os quais são a justiça, a gratidão, a modéstia, a equidade, a misericórdia e as restantes leis da natureza: quer dizer, as virtudes morais.

Tudo isso para se entender: a paz se esconde em entre meios que muitas vezes passam despercebidos e que nem sempre são levados a sério como deveriam. Seria muito reducionista e até leviano conceber a paz como mera ausência de guerra. Embora Hobbes não se refira muito a isso, como não haveria de ser diferente diante do momento histórico no qual vivia, ele faz questão de demonstrar que a paz inicia seu processo pelos níveis mais simples, a saber: pelo nível das paixões, pela educação da sensibilidade humana (Tuck, 2021).

Fazendo aqui uma aproximação, outra proposta fundamental que surge no século XX, muito influenciada em certo sentido por Hobbes. Segundo Santos (2022), o progresso científico acabou por trazer um avanço tecnológico que jamais houve em outro período histórico. Em contrapartida, nunca ocorreram tantas catástrofes e tantos conflitos como no século XX. Assim, Jonas retoma o conceito de medo de Hobbes, ou a heurística do medo, como ele a denomina, e busca propor uma educação para a responsabilidade – educação baseada heurística do medo propriamente. Isso não quer dizer que essa educação será por coerção ou repressão, mas que a partir do momento em que, por meio da sensibilidade (paixões), as pessoas perceberem que suas ações podem gerar morte e violência contra si próprios e contra outrem, o ímpeto de poder e de progresso a qualquer custo será freado.

Nas palavras de Monteiro (2023, p.45):

… como princípio prático da sua ética, a heurística do medo remete à ideia de que o uso desse sentimento de preservar-se frente à ameaça possível. Quanto mais investirmos no conhecimento e na divulgação desse temor, mostrando as reais possibilidades e o quão terrível pode ser a ameaça, mais seria despertado o temor das pessoas e mais elas estariam dispostas a alterar as causas dessa ameaça.

No prefácio da obra Do cidadão, Hobbes (Hobsbawm, 2023, p.111) caracteriza o retrato dessa situação desta forma:

… as disposições dos homens naturalmente são tais que, a menos que sejam restringidos pelo temor de algum poder coercitivo, todo homem sentirá desconfiança e temor de qualquer outro; por direito natural ele poderá, assim como por necessidade ele deverá, fazer uso da força que possui para preservar a si próprio.

Retorna-se ao exemplo da obrigatoriedade de parar diante de sinais de trânsito. Quando algum indivíduo para frente aos sinais de trânsito ele o faz por quê? Por respeito à lei? Ou o faz simplesmente porque tem medo de ser atingido por outro veículo e consequentemente vir a se ferir ou ser autuado por transgredir alguma norma de trânsito? Segundo Hobbes, fica expresso que a natureza humana age sempre motivada ou não pelo medo. Tanto no caso de Giges (Platão) como na proposta ética Santos (2022) é o medo que garante ou não o respeito à lei ou a qualquer outro ditame imperativo. Nesse sentido, a relevância do medo frente à construção da paz é fundamental. O que não quer dizer que se tenha que impelir as pessoas de buscar a paz apenas por terem medo da guerra ou de qualquer outro conflito, mas que uma certa medida de medo auxiliará na busca por edificar uma ciência da paz.

Entretanto, com certeza alguns poucos elementos aqui abordados podem auxiliar na reflexão individual acerca dos caminhos que podem levar todos a desfrutarem da paz. E, sem sombra de dúvida, a educação da sensibilidade e um governo comum (Estado) que consiga efetivar todas as normas que levam os homens a alcançarem a paz são alguns desses caminhos (Tuck, 2021).

4 PODER PATERNO E INFÂNCIA EM HOBBES

Conforme Hobsbawm (2023), é ciente o fato de que Hobbes não escreveu nenhuma obra com preceitos educativos, muito menos elaborou uma reflexão filosófica sobre a educação. O que se sabe é que ele trabalhou como preceptor e, antes de tornar-se um destacado filósofo político, redigiu textos sobre ciência. Porém, isso não o credenciou a entrar na história da Filosofia da Educação. Contudo, há em suas obras políticas um conceito que parece pertinente quando o assunto é a infância; fala-se do termo poder paterno. A discussão feita por ele sobre esse tema aparece nos seus três títulos mais importantes sobre política: Elementos do direito natural e político (1640), Do cidadão (1642) e Leviatã (1651).

A esse respeito, um dos comentadores mais relevantes de Hobbes, Santos (2022), aponta que há pequenas modificações nessas obras. Argumenta que o ponto central assenta na ideia de que qualquer poder político necessita do consentimento do povo que será governado. Por conseguinte, cabe ao súdito submeter-se e obedecer ao poder consentido ao governante que, por seu turno, tem a responsabilidade de proteger os demais. É aqui que reside o núcleo central do contratualismo hobbesiano.

Porém, essa relação entre súdito e soberano não significa a extinção total da liberdade. O contrato estabelecido tem a função de preservar a liberdade individual. Assim, se no estado de natureza a liberdade possibilita a cada homem ameaçar o outro, com a constituição do pacto, cabe ao soberano conduzir as pessoas para um estado de paz, e é por isso que o súdito deve-lhe obediência e respeito. Logo, há uma relação de cumplicidade entre ambos – soberano e súdito (Tuck, 2021).

Dito isso, é possível extrair alguma consequência dessa teoria política para a conceituação do que é infância Embora Hobbes faça uma severa crítica à teoria política de Aristóteles, especialmente ao caráter natural que conduz os homens a se associarem politicamente, percebe-se que a relação entre soberano e súdito, por mais que se manifeste de forma natural ou contratual, aparece inicialmente na família, de forma mais específica na relação entre o pai e o(s) filho(s) (Tuck, 2021).

Na obra Do cidadão, Hobbes enumera o que denomina de poder paterno. Tido como o terceiro tipo de dominação de uma pessoa sobre a outra, é definido como o direito do pai sobre os filhos e manifesta-se de duas formas: natural ou contratual. Desse modo, cabe à mãe o exercício natural desse tipo de poder, já que é ela quem, em primeiro lugar, garante a sobrevivência da criança. Outro traço que legitima o exercício desse poder por parte da mãe é o fato de que apenas ela, relata Hobbes, sabe quem é o pai da criança. Portanto, no estado de natureza é a mãe quem exerce o domínio sobre os filhos (Villanova, 2019).

Já na sociedade contratual, essa relação é manifestada de outra forma. Nesse caso, a mulher, ao entregar-se ao homem, transfere também para ele o poder que exercia sobre os filhos, no estado de natureza. É nessa quadra que o pai desempenha o poder paterno, como afirma Hobbes: “Num governo civil, se houver um contrato de casamento entre homem e mulher, as crianças serão do pai, porque em todas as cidades, sendo elas constituídas por pais e não por mães a governar as famílias, o mando doméstico pertence ao homem.” (Weffort, 2021, p.169).

Todavia, nas duas situações de dominação citadas, ela ocorre apenas no sentido do(a) pai/mãe para o(s) filho(s) Villanova observa (2019, p.59) que há uma intenção, a partir da teoria política de Hobbes, que o homem seja correto e, no caso, honre aquele ao qual está submetido. No próprio Do cidadão, Hobbes cita que “quem é criado tudo deve a quem o cria, o mesmo que deveria a uma mãe porque o educa, ou o que deve a um senhor prestando-lhe serviço.”

O desdobramento do poder paterno, no pensamento político hobbesiano, é o tema da obediência. Disso resulta que a criança deve obedecer àquele que exerce o poder soberano, leia-se paterno, sobre ela. Assim, não cabe ao pai cometer alguma injúria contra o seu filho. É dessa forma, afirma, que os filhos irão estimá-lo e honrá-lo. Hobbes argumenta que há uma relação afetiva entre aquele que exerce o poder paterno – soberano – e aquele submetido a esse tipo de poder – súdito (Weffort, 2021).

Diante do estabelecido por Hobbes, pode-se concluir que o poder paterno tem como traços característicos alguns aspectos: a) é exercido, naturalmente pela mãe; b) em uma situação em que há a constituição do matrimônio, o poder paterno é exercido pelo pai; c) por ser o pai, em uma família, o detentor do poder, cabe a ele exercer o poder soberano e aos demais integrantes – o(s) filho(s), por exemplo – o de súdito; d) através dessa relação entre soberano e súdito, cabe àquele preservar a vida e manter a paz entre os súditos e, a este, manter o respeito e a obediência diante do soberano; e) de forma mais específica, cabe ao detentor do poder paterno criar a criança até que ela atinja a idade necessária para não ser mais submetida a esse tipo de poder (Villanova, 2019).

5 A EDUCAÇÃO NA MODERNIDADE

Na sociedade medieval, havia uma descentralização do poder entre os proprietários de feudos. Posteriormente, os reis foram demarcando seus domínios, seu povo e sua língua e formaram o Estado moderno. Surge então a absolutismo monárquico, em que o rei era a única fonte de poder. E, por fim, nasce um novo tipo de poder, em que o Estado representa o povo (Villanova, 2019).

Na época moderna, segundo Salgado (2023, p.312), nasce a necessidade de uma organização escolar sólida, capaz de oferecer uma formação política aos cidadãos, pois se o regime político era definido como do povo e para povo, ele deveria ter instrução para opinar, questionar e exigir.

Nota-se que as mudanças começaram a ocorrer no século XVII, em que predominaram as idéias humanistas, surgindo os primeiros alicerces da ciência e da filosofia moderna. Como grandes pensadores da época podemos destacar Francis Bacon e René Descartes. Já no século XVIII, uma corrente de pensadores decidida a acabar com os enigmas e os milagres que ainda restavam da Idade Média, buscou uma explicação racional para o mundo, embasando-se em métodos científicos. Esta corrente constituiu um movimento intelectual denominado Iluminismo (Macpherson, 2019).

O movimento Iluminista teve grande importância, pois objetivava reformar a sociedade da época, buscando soluções para os problemas sociais, políticos e culturais. Os pensadores iluministas tinham em comum a defesa da pessoa humana e dos seus direitos básicos à vida, à liberdade e à justiça. Combatiam a tirania dos governantes absolutistas. Rejeitavam, ardorosamente, as teses que pretendiam justificar a arbitrariedade dos soberanos, afirmando que o poder real emanava da vontade de Deus (Weffort, 2021, p.217).

Salgado (2023, p. 367) comenta que:

Se na velha ordem era Deus quem vencia o Diabo, era a virtude que dominava o vício, e era a graça divina que criava o novo homem livre – ‘livres pela graça de Deus’ –, na nova ordem deveria ser a educação que venceria a barbárie, afastaria as trevas da ignorância e constituiria o cidadão. Enfim, da educação se espera o milagre de configurar o novo homem livre para o novo mercado econômico, social e político.

A Revolução Francesa, com seus ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, contribuiu grandemente para que a educação passasse a ser um dos direitos do homem e do cidadão. Segundo Portela (2022, p.222), a educação, nos fins do século XVIII, passou a ter objetivos nacionalistas e “visaria, predominantemente, os princípios democráticos e de liberdade. Era a educação como preparação para o exercício da cidadania.”

Nesse sentido, Salgado (2023, p.71) comenta que:

O direito à educação ou direito à instrução, (…) é um direito que foi garantido ainda no decorrer do século XVIII. Assim, a Declaração francesa de direitos de 1793 foi o primeiro instrumento legal a prescrever o presente direito, em seu artigo XXII, ao afirmar que a instrução é uma necessidade de todos. A sociedade deve favorecer com todo o seu poder o progresso da inteligência pública e colocar a instrução ao alcance de todos os cidadãos.

Nota-se que a educação ganha força na época moderna. A escola é tida como espaço de socialização, local onde homens livres e iguais adquirem autonomia e cidadania. Segundo Portela (2022, p.35), o “pensamento político e pedagógico (…) passa a privilegiar a educação escolar e os processos educativos mais amplos como constituintes das transformações na produção da vida material, e, sobretudo, como constituintes da ordem política, das formas de participação na história e no convívio social”.

Destaca-se ainda, dois pensadores contratualistas, Locke e Rousseau, que trataram do tema educação, demonstrando a relevância do tema. Locke é considerado o fundador do empirismo, doutrina segundo a qual todo o conhecimento deriva da experiência. Ele desenvolveu a teoria da tabula rasa do conhecimento, em que o indivíduo no desenrolar de sua vida vai aprendendo e adquirindo conhecimento com base em sua experiência de vida (Salgado, 2023, p.83).

Segundo Portela (2020, p.210), os três pilares da educação para Locke eram: a educação física, que possibilitava o desenvolvimento de um corpo sadio e, conseqüentemente, uma mente sã; a educação intelectual, que buscava fazer dos estudantes perfeitos cavalheiros; e a educação moral, que possibilitava ao estudante aprender os conceitos de bom e mau, segundo a voz da consciência de cada um.

Locke combate o inatismo, alegando que a verdade não é algo pronto e acabado, mas é resultado de um processo histórico, de uma vivência, da carga axiológica que cada indivíduo carrega. Com base nas experiências a verdade se transforma e se modifica, pois, segundo Locke, a verdade deve ser buscada, não é algo pronto. E foi no sentido de busca da verdade que Locke orientou toda a sua proposta educacional, ao estabelecer a formação do gentil-homem (Perelman, 2022, p.101).

A teoria empirista de Locke exerceu grande influência na área educacional. Todavia, apesar de toda sua contribuição, vê-se que sua teoria era direcionada somente às classes ricas, enquanto que as classes mais pobres eram excluídas. Eisenberg (2022, p.445) comenta que para Locke:

Se os assalariados são incapazes de pensar, como poderiam ser reconhecidos como cidadãos capazes de agir comracionalidadepolítica? A integração na comunidade, segundo as teorias do liberalismo, supõe capacidade de ação política racional. Os assalariados são capazes de governar suas vidas por princípios de ordem moral e, nas raras vezes em que elevam seus pensamentos acima de sua subsistência, a única espécie de ação política que empreendem é a ação armada. Os assalariados, quando agem, sua ação é desordeira e ameaçadora. Em relação aos desempregados, Locke ainda é mais severo, nem passa pela mente dele tratar os desempregados como membros livres ou integrados na comunidade política, ‘pois nunca chegariam ao padrão moral exigido de um ser racional’.

Busca ainda demonstrar que o erro faz parte do processo de ensino-aprendizagem e não pode ser visto como pecado, pois é a partir do erro, da dúvida, da tentativa, que o aluno aprende. Estas idéias, segundo Bobbio (2023, p.325), contribuíram para combater a severidade dos professores, possibilitando um ensino ativo, sem imposições e num clima de liberdade.

Percebe-se que, com o surgimento do contrato social, a passagem do estado de natureza para o estado civil, o indivíduo ganha status de cidadão, adquirindo deveres e direitos, sendo a educação um desses direitos. Porém comenta Kayser (2022, p.35) que:

… como a cidadania, a liberdade e a igualdade nascem inseparáveis da afirmação da propriedade e da defesa do mercado ou do livre contrato, e a educação aparece como um elemento bastante secundário, ‘o mínimo necessário para fazer do trabalhador um cidadão passivo.’

O que se percebe é que a educação moderna ora está posta como um mecanismo de libertação, que possibilita a cidadania e a participação dos indivíduos, ora é tida como um meio de manipulação em que o mercado e as novas relações sociais capital-trabalho dosam a tão sonhada liberdade. Eisenberg (2022, p.38) afirma que “Essa educação moderna passou a ser pensada como um dos mecanismos para estabelecer as novas cercas de uma liberdade conquistada, porém vigiada e limitada.”

O mito da centralidade política da educação não é o mito da burguesia e de seus intelectuais, que nem se coloca o problema da ignorância do povo nem para excluí-lo como sujeito político. Não se exclui apenas o povo da política, mas tenta-se excluir a política da história, considerando sem sentido e até como uma loucura qualquer ação política que não se limite a respeitar o caminho inexorável e invisível da barbárie à civilização, entendida como o progresso capitalista. Conseqüentemente, o central não será tentar racionalizar, instruir ou eliminar os súditos nem os governantes, mas racionalizar a vida econômica, a produção, o tempo, o ritmo do corpo. A única educação que tem sentido é a formação e produção da mercadoria trabalho (Bobbio, 2023, p.55).

Devido aos novos anseios e pretensões da sociedade capitalista, a educação tem como princípios a burocracia racionalizada, a eficácia, o cálculo frio e as relações estritamente profissionais. Vê-se que os avanços científicos e tecnológicos provocaram mudanças profundas na produção e nas relações sociais. O mercado exige novos modelos de organização técnico-burocrática dos setores de produção, mediados pela disciplina e pelo controle dos meios de produção. Há necessidade de subdivisões na atividade produtiva, primando pela especialização e pela fragmentação (Perelman, 2022).

Na área jurídica pode-se perceber que também ocorreu mudança: o jusnaturalismo se tornou positivismo. Os jusnaturalistas fundamentavam- se na idéia de um direito que ora invocava o nome de Deus ou da natureza, ora o nome da razão. Já o Direito positivo era determinado por princípios de justiça válidos universalmente. Desta forma, o Direito seria originário da ordem transcendental ou do consenso ético da racionalização da natureza humana (Macpherson, 2019).

Segundo este pensamento, independentemente de regras normativas positivadas em nome da sociedade, preexiste um direito natural conforme a natureza humana. Significa dizer que o legislador, ao positivar uma norma, não pode ferir valores que são imanentes à natureza humana. Por outro lado, o positivismo jurídico reduz a justiça ao normativismo. Seguindo essa linha de raciocínio, o conteúdo de uma lei é justo tão somente pelo fato de essa norma pertencer ao ordenamento jurídico. Assim, o direito passa a ser visto apenas no aspecto formal. Bobbio (2023, p.125), um dos maiores defensores do positivismo jurídico, sustenta que o Direito é somente aquilo que está na norma jurídica.

As instituições educacionais têm uma visão tradicional de ensino, que se restringe às praticas positivistas do direito, transformando os estudantes em meros repetidores, com pouco ou quase nenhum senso crítico, não conseguindo se impor frente às políticas governamentais e às evoluções sociais. Com o predomínio da técnica, da burocracia, os operadores jurídicos transformam-se em profissionais especialistas e não em homens cidadãos que, conscientes das suas prerrogativas e responsabilidades, venham a engrandecer e renovar criticamente a sociedade (Kayser, 2022).

6 O SENTIDO DA EDUCAÇÃO EM HOBBES

Esta ideia de proteger a própria vida leva ao estabelecimento do pacto social, porque se estiver em todos, torna-se, em certa medida, um objetivo comum. Assim, se a sua vontade de conviver com os outros for adquirida, isso será feito através da educação e depois do estabelecimento do pacto social. Para Hobbes, a educação cumpriria então uma função social e política, e esta função, em primeira instância, é manter o homem na sociedade civil e não permitir que ele retorne à sua condição natural, da guerra de todos contra todos (Perelman, 2022).

Hobbes sabe que tanto na sociedade como na família existem formas de dominação. Na família, inicialmente o domínio pertence à mãe ou ao pai e os filhos são educados com base em regras e conceitos elaborados, dos quais deduzem consequências. Quando o Estado se constitui na perspectiva hobbesiana, ou seja, um Estado coercitivo, necessita de educação neste mesmo sentido. Por outras palavras, as pessoas devem aprender e conhecer as leis do Estado e saber as consequências se o fizerem eles transgridem (Macpherson, 2019). O Estado deve instruir os cidadãos sobre o que é justo e injusto, tornando-os assim mais capazes de viver em paz e segurança. Portanto, o conhecimento das leis deve ter um lugar de destaque na educação, pois, segundo Hobbes, o desconhecimento das leis pode acabar sendo uma desculpa para quem as viola.

Com efeito, a educação vista nesta perspectiva teria um papel totalmente preventivo, sua função seria apresentar a lei aos cidadãos, além de promulgá-la e torná-la conhecida. Essa educação, na concepção de Hobbes, também buscaria o reconhecimento e a aceitação racional dos cidadãos, não como pura obediência cega, mas para que se visse a sua necessidade, que surge do abandono do estado de natureza e da transição para estado civil. A introjeção das leis torna a obediência racional e compreensível e a transição de um estado para outro é feita (Kayser, 2022).

O exposto mostra que ao se considerar o problema educacional é preciso pensar também na condição antropológica que lhe é inerente, e no caso de Hobbes seria que tipo de homem ele quer formar dada a sua consideração antropológica dele, ou seja, um homem que não tem capacidade para viver em sociedade, e é precisamente essa a função que a educação deve desempenhar: dar-lhe a instrução para desenvolver essas capacidades, ou seja, tanto para formar a sua capacidade cívica ou cidadania, como para obedecer às ordens do soberano (Portela, 2022).

Desta forma, a educação introduz o homem egoísta na consideração e no reconhecimento do outro, condição que permitirá a sua própria realização. Este homem, sujeito às leis e ao soberano, trabalhará com o único propósito de manter a paz e a convivência. A educação deve levar o homem a tal submissão que não haja espaço para o desejo de mudança ou para sentir mais admiração por um concidadão do que sente pelo seu próprio monarca, muito menos para falar mal dele (Perelman, 2022).

Mas qual é a base de Hobbes para estabelecer uma educação completamente subordinada ao Estado? O fundamento está, aparentemente, no princípio da autopreservação que origina o pacto e conduz à formação do Estado e é justamente a educação que ensina a origem do primeiro e a manutenção do segundo, origem que não é outra do que o desejo de preservar vidas e propriedades; Essa racionalidade é o que deve continuar operando no Estado civil para que a educação tenha sentido. A educação torna-se assim, para Hobbes, um mecanismo para que os homens trabalhem em prol de um bem comum, ou seja, preservando a sociedade civil e mantendo parâmetros que possibilitem a convivência pacífica (Macpherson, 2019).

A educação para Hobbes ocorre sob o signo da obediência e não sob o signo da autonomia, suprimir a obediência no Estado está levando à sua dissolução, não há ofensa pior do que falar mal da autoridade. O medo do soberano e da liberdade são compatíveis para Hobbes, considerar a liberdade como exceção à lei é um absurdo, pois a liberdade e os direitos dos súditos ocorrem dentro das leis civis, o que existe fora destas é uma liberdade absoluta no estado de natureza, que deve ser renunciado. Desta forma, a educação deve buscar o uso da razão, o que leva ao reconhecimento de que o mais racional é a obediência ao soberano e às leis para não cair novamente no estado de natureza (Kayser, 2022).

São muitos os motivos pelos quais o homem comete crimes, suas ambições, suas paixões, riquezas, desejo de poder, que só podem ser evitados com o uso da razão ou com a eficácia da punição. Por isso, para manter o homem na sociedade, recorremos ao poder racional e absoluto do Estado, e a educação serve isso na medida em que ajuda a reconhecer que a lei da natureza deriva do uso da razão, que ensina que se não houver poder absoluto, os homens voltam à luta de todos contra todos. Do soberano os súditos receberão segurança e, através das universidades e dos professores, como seus representantes, serão instruídos sobre os benefícios que isso lhes traz. “É, portanto, evidente que a educação do povo depende inteiramente do correto ensino dos jovens nas universidades” (Bobbio, 2023, p.273). A universidade torna-se então o meio de transmissão da necessidade de poder político absoluto. ConclusõesSegundo Hobbes, o que prevalece é a necessidade de dominar o corpo, cuidar dele e satisfazer suas necessidades. Portanto, as leis morais acabam sendo meras palavras se não forem acompanhadas de coerção. A moralidade é reduzida ao comportamento.

CONCLUSÃO

O compromisso com a construção de uma sociedade que tenha por base a busca pela paz, pela vida e por dignidade para toda pessoa humana continua a ser um sonho a ser buscada. No entanto, não se pode esquecer que se vive um novo tempo, um tempo em que a luta pelos Direitos Humanos e pela dignidade da pessoa ocorre de forma mais consciente, mas ainda assim, os problemas da humanidade com a insegurança, com a miséria, com o desemprego, com a falta de ética, de solidariedade e de sensibilidade se tornam mais evidentes. O mundo encontra-se, hoje, em plena crise. Há uma crise de valores, de sentimentos, de excesso de poder em detrimento da falta de humanidade.

A interação complexa entre razão, poder e persuasão é crucial para construir e manter identidades individuais e coletivas em um Estado soberano. Ele destaca a importância da eloquência como arte retórica na manutenção do contrato social, atuando na persuasão emocional, incutida no medo e esperança. A persuasão   desempenha um papel fundamental na convicção das pessoas para aderirem ao pacto que limita sua liberdade em prol da segurança coletiva. A visão de Hobbes sobre a natureza humana como lobo para o homem ressalta a necessidade de uma autoridade soberana para evitar o caos.

A perenidade das dinâmicas de poder, persuasão e construção de identidades ressalta a contemporaneidade da perspectiva hobbesiana. Em última análise, a importância de equilibrar liberdade individual e autoridade coletiva, com a comunicação persuasiva como elemento crucial, destaca-se como um guia valioso para as sociedades contemporâneas. Compreender essas dinâmicas não apenas enriquece o diálogo sobre o equilíbrio entre interesses individuais e busca por estabilidade e segurança coletivas, mas também oferece insightsvaliosos diante dos desafios complexos enfrentados nos cenários atuais.

De Hobbes permanece a ideia de que antes de pensar a sociedade e a educação é preciso pensar no homem e refletir sobre ele do ponto de vista antropológico; só isso dará sentido aos dois primeiros; A educação deve ser considerada como um processo interactivo entre as pessoas e as estruturas sociais, uma vez que se influenciam mutuamente; mas essa interação não é fixa, pois é preciso estar sempre meditando sobre que tipo de ser humano, sociedade e educação você deseja.

REFERÊNCIAS

ANGOULVENT, Anne Laure. Hobbes e a moral política. ed.9. Editora Papirus. Campinas, 2024.

BOBBIO, Norberto. O problema da guerra e as vias para a paz. Tradução de Álvaro Lorencini. ed.6. Editora UNESP. São Paulo, 2023.

EISENBERG, José. O político do medo e o medo da política. ed.5. Editora Lua Nova. São Paulo, 2022.

HOBBES, Thomas. Os Elementos da Lei Natural e Política. Tradução de Bruno Simões. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

HOBSBAWM, Eric J. Sobre história. ed.7. Editora Companhia das Letras. São Paulo, 2023.

KAYSER, Marcos. A mecânica do desejo no desencadeamento da ação no Leviatã de Thomas Hobbes. ed.4. Editora Atlas. São Paulo, 2022.

LIMONGI, Maria Isabel. Hobbes. ed.6. Editora Jorge Zahar. Rio de Janeiro, 2022.

MACPHERSON, C. B. Teoria política do individualismo possessivo de Hobbes até Locke. ed.15. Editora Paz e Terra. Rio de Janeiro, 2019.

MONTEIRO, João Paulo. A ideologia do Leviatã hobbesiano. ed.2. Editora Saraiva. São Paulo, 2023.

PERELMAN, Chaïm. Ética e Direito. ed.8. Editora Martins Fontes. São Paulo, 2022.

POLIN, Raymond. O Indivíduo e o Estado. O Pensamento Político Clássico: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau. ed.12. Editora Queiroz. São Paulo, 2020.

PORTELA, Luis César Yanzer. Natureza humana e ciência política em Thomas Hobbes. Ensaios de Ética e Política. ed.4. Editora Edunioeste. Cascavel, 2022.

RIBEIRO, Renato Janine. Ao leitor sem medo: Hobbes escrevendo contra seu tempo. ed.9. Editora UFMG. Belo Horizonte, 2019.

SALGADO, Gisele M. Contrato como transferência de direitos em Thomas Hobbes. ed.4. Editora Juruá. Curitiba, 2023.

SANTOS, Murilo Angeli Dias dos. O conceito de justiça em Thomas Hobbes e suas consequências jusfilosóficas. ed.4. Editora USJT. São Paulo, 2022.

TUCK, Richard. Hobbes. Tradução de Udail Ubirajara e Maria Stela Gonçalves. ed.6. Editora Loyola. São Paulo, 2021.

VILLANOVA, Marcelo Gross. Hobbes: Natureza, história e política. Marcelo Gross Villanova e Douglas Ferreira Barros. ed.3. Editora Discurso. São Paulo, 2019. WEFFORT, Francisco C. Os Clássicos da Política. ed.9. Editora Ática. São Paulo, 2021.


[1] Militar da Reserva, Professor Doutorando em Filosofia do Direito, Advogado Especialista em Direito Processual Civil, Direito Administrativo, Direito da Pessoa com Deficiência e Concurso Público, Escritor e Palestrante. E-mail: ricardonfernandes@hotmail.com