
A CONTRIBUIÇÃO DOS MOVIMENTOS POPULARES NA ELABORAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
14 de maio de 2025THE CONTRIBUTION OF POPULAR MOVEMENTS IN THE DRAFTING OF THE 1988 FEDERAL CONSTITUTION
Artigo submetido em 06 de maio de 2025
Artigo aprovado em 09 de maio de 2025
Artigo publicado em 14 de maio de 2025
Cognitio Juris Volume 15 – Número 58 – 2025 ISSN 2236-3009 |
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Autor(es): Gustavo Raymondi Chaves[1] |
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RESUMO: O texto aborda o papel essencial dos movimentos populares na criação da Constituição Federal de 1988, que marcou a transição democrática no Brasil após a Ditadura Militar. Durante o regime militar, a repressão e a falta de canais de participação motivaram a formação de movimentos sociais que, com apoio de instituições como a Igreja Católica e sindicatos, lutaram pela redemocratização e ampliação dos direitos civis. Com o fim do regime, os movimentos organizaram-se para influenciar a Assembleia Nacional Constituinte, pressionando por uma Constituição inclusiva que assegurasse direitos sociais e justiça. A Igreja Católica desempenhou um papel de destaque no apoio à mobilização popular, auxiliando na coleta de assinaturas para emendas populares, o que permitiu a participação direta da sociedade no processo constitucional. Essa mobilização culminou na criação de novos direitos sociais relacionados à educação, saúde, trabalho, lazer, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados, fortalecendo a democracia ao introduzir mecanismos de participação popular, como plebiscitos e referendos. A Constituição de 1988, portanto, não só consolidou o Estado Democrático de Direito, mas também representou um pacto social que reconheceu os direitos fundamentais da população brasileira, promovendo uma cidadania ativa.
Palavras-chave: movimentos populares, Constituição de 1988, redemocratização, participação popular, Assembleia Nacional Constituinte.
ABSTRACT: The text addresses the essential role of popular movements in the creation of the 1988 Federal Constitution, which marked the democratic transition in Brazil after the Military Dictatorship. During the military regime, repression and the lack of participation channels motivated the formation of social movements that, with the support of institutions such as the Catholic Church and unions, fought for redemocratization and the expansion of civil rights. With the end of the regime, the movements organized themselves to influence the National Constituent Assembly, pressing for an inclusive Constitution that would guarantee social rights and justice. The Catholic Church played a prominent role in supporting popular mobilization, helping to collect signatures for popular amendments, or allowing society’s direct participation in the constitutional process. This mobilization culminated in the creation of new social rights related to education, health, work, leisure, social security, motherhood and childhood protection and assistance to the helpless, strengthening democracy by introducing mechanisms of popular participation, such as plebiscites and referenda. The 1988 Constitution, therefore, not only consolidated the Democratic Rule of Law, but also represented a social pact that recognized the fundamental rights of the Brazilian population, promoting active citizenship.
Keywords: popular movements, 1988 Constitution, redemocratization, popular participation, National Constituent Assembly.
- Introdução
O texto apresenta uma análise detalhada da criação da Constituição Federal de 1988 e do contexto democrático que a originou, após o longo período de Ditadura Militar (1964-1985). Durante o regime militar, houve repressão intensa constra a sociedade em geral e o fechamento dos canais de participação popular, o que incentivou o surgimento de movimentos sociais que lutavam pela restauração da liberdade e dos direitos civis. Esses movimentos, ao lado de instituições como a Igreja Católica e entidades sindicais, foram fundamentais na mobilização popular em prol de uma nova Constituição que garantisse justiça social e inclusão.
A abertura política gradual, iniciada por Ernesto Geisel e consolidada sob João Figueiredo, culminou na eleição de Tancredo Neves, que não chegou a tomar posse devido ao seu falecimento, levando José Sarney a assumir e convocar a Assembleia Nacional Constituinte. Sob forte pressão popular, foram instituídos mecanismos de participação inéditos, como as emendas populares, que permitiram à sociedade contribuir diretamente para a redação do novo texto constitucional. A Igreja Católica desempenhou um papel de destaque ao apoiar a coleta de assinaturas para essas emendas, mobilizando suas bases e defendendo os direitos humanos e a justiça social.
A Constituinte reuniu representantes de diversas forças políticas e sociais. Os debates entre partidos e movimentos refletiam o desejo de um texto democrático e inclusivo, voltado ao reconhecimento dos direitos sociais como saúde, educação, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados, além de assegurar a participação de trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários fossem objeto de discussão e deliberação.
A Constituição de 1988 consagrou o Estado Democrático de Direito e fortaleceu o conceito de soberania popular, assegurando direitos sociais, políticos e econômicos. Ela refletiu a pressão dos movimentos sociais que, ao longo da década de 1980, intensificaram a luta por participação política e direitos fundamentais, criando uma nova consciência de cidadania por parte da sociedade. Esses movimentos contribuíram para estabelecer uma base de apoio popular e legitimação da Constituição, que passou a ser vista como um pacto entre o povo e o Estado, garantindo proteção aos direitos humanos e consolidando a democracia no Brasil.
A promulgação da Constituição Federal de 1988 representou uma vitória para a sociedade brasileira, marcando o fim do autoritarismo e o início de um regime democrático. Ela criou instrumentos de participação direta, como a iniciativa popular, o referendo e a ação popular, permitindo ao povo interferir diretamente nas decisões políticas. Mesmo com alguns desafios e limitações, o novo texto constitucional consagrou valores fundamentais para o desenvolvimento social e político do Brasil, reafirmando a dignidade humana e a justiça social como pilares do Estado brasileiro.
- Organização e atuação dos movimentos sociais durante o período pré- Constituinte
Ao longo dos anos que o país esteve submetido ao último regime militar, os movimentos populares foram os principais responsáveis pela mobilização do povo em torno da contestação da eficácia do referido regime, o qual subtraiu direitos e perpetrou abusos sob a justificativa de manter a ordem social no país.
Os cidadãos que desejavam e que detinham coragem para se opor ao regime e mudar o status quo começaram a se organizar em pequenos agrupamentos, tendo como principais objetivos a volta do regime democrático de direito no Brasil e o reconhecimento e respeito à norma constitucional e legislação vigentes.
Pode-se afirmar que os movimentos populares são regidos pela solidariedade expressa através de interesses partilhados dentro de uma estruturação comum, onde a mobilização popular é resultado de crenças pessoais enfatizadas no papel da ideologia e dos valores (Alonso, 1994, p. 78) ou seja, a mobilização do povo ocorre quando dentro de uma classe social ou na ideologia de todo um conjunto de cidadãos ocorre a mesma percepção e a mesma idealização de mudanças acerca da situação que os incomodam.
No entanto, a mobilização do povo não é algo construído rapidamente, sendo necessário que ao longo do tempo se construa a vontade popular de mudança do padrão então vigente, fazendo com que essa mesma vontade esteja inserida dentro do conjunto social e os cidadãos estejam plenamente convictos que a mobilização de todos é necessária para a mudança idealizada.
De um lado, temos as classes populares como interlocutoras dos movimentos populares e, de outro, o Estado e a classe participante do poder, havendo, indiretamente, uma disputa entre classes com posições divergentes e conflitantes quanto a determinado assunto, no caso, o regime político vigente no período estudado.
A ideia de povo como um sujeito único se intensificou à medida que a Igreja Católica, os segmentos da intelectualidade acadêmica e os agrupamentos de esquerda procuravam em seus discursos demonstrar a capacidade ativa do povo, promovendo-o a personagem natural da vida política (Doimo, 1995, p. 77).
Os três atores sociais citados conseguiram resgatar o poder popular que poderia estabelecer um diálogo crítico com a cultura política autoritária brasileira, conseguindo, por fim, estruturá-lo para que se iniciasse o período de busca de melhoria das condições de vida dos cidadãos e mais liberdade para a sociedade. Ou seja, descobriu-se por meio desses atores sociais que “somente o povo poderia, “de baixo para cima”, produzir as necessárias transformações histórias” (Doimo, 1995, p. 75).
Os movimentos representavam uma quebra dos instrumentos de participação popular disponíveis até então, como os partidos políticos, associações e outros. Dessa forma, a espontaneidade desses movimentos, surgidos no meio do povo por meio da sua organização primária pela sociedade descontente com a estrutura política vigente da época, resgatou a ruptura do sistema político em si, pois eles surgiram como uma alternativa aos que não participavam ou não participariam, por quaisquer motivos, dos instrumentos de participação existentes.
Corroborando ao elemento inovador dos movimentos populares quanto à maneira de se opor ao regime militar, é coerente afirmar que eles vieram à tona para preencher um espaço vazio dentro da sociedade, devido ao regime ter bloqueado todos os canais de representação popular possíveis (Cardoso, 2004, p .82).
O sentimento popular expresso pelos pequenos movimentos que estavam a surgir exprimiam o desejo de reivindicar direitos e penetrar no universo dos direitos políticos, sociais e fundamentais. Os movimentos, inicialmente, foram formados por militantes dispersos pela repressão e se caracterizavam por manifestações que buscavam melhorias em creches, transporte público, etc.
Entretanto, esses movimentos reprimidos com extrema violência e rigidez pelo regime, o que lhes dava ampla visibilidade política. Qualquer reivindicação realizada por manifestações populares era considerada um ato de desobediência civil, que “colocava em xeque o arbítrio do poder central” (Maués; Abramo, 2006, p. 156), sendo essa a justificativa pela repressão exercida pelos militares.
Os movimentos através de suas reivindicações conseguiam interferir na política exercida pelos militares no Brasil e, dessa forma, acabavam conquistando espaços e adeptos a ponto de conseguir levar adiante o processo de abertura política e de conquistas de direitos. A repressão realizada pelo governo militar acabou por, indiretamente, criar uma visibilidade pública muito maior aos movimentos sociais, pois ao agir com extrema violência às mais básicas reivindicações eles conferiam legitimidade à ação, corroborando para que cidadãos descontentes com o regime se reunissem cada vez mais para combatê-lo através de manifestações melhor organizadas e mais preparadas para o embate contra o Estado.
Os movimentos populares fazem parte de um processo histórico do povo brasileiro referentes às lutas por demandas sociais (saúde, educação, transporte, moradia, etc.), através das quais as classes subalternas buscavam reafirmar ou construir a sua identidade social e a identidade de seus membros como cidadãos a partir da ampliação dos direitos ao povo reconhecidos pelo Estado, ao mesmo tempo em que buscavam aumentar sua participação política e sua autonomia perante a forma de atendimento de suas demandas pelo Estado (Alondo, 1994, p. 77).
O povo, aos poucos, começou a perceber que não é uma massa amorfa que se deixava manipular e cooptar, mas sim um coletivo organizado e predisposto à participação continuada na luta por seus interesses, ou seja:
de um ser subordinado ao Estado-nação e às vanguardas políticas, brota o ser autônomo e independente; de mero objeto das instituições de representação política, emerge o sujeito realizador da democracia de base e direta e propositor de políticas alternativas em torno dos direitos humanos e sociais (Doimo, 1995, p. 124).
Os movimentos reivindicativos organizados a fim de refutar o Estado, bem como o sistema político em geral, convergiram no resgate da capacidade ativa do povo de recusar o que lhe é imposto, isto é, o crescimento dos movimentos populares e a sua ampla divulgação pela mídia ou qualquer outro veículo de comunicação corroborou para que a sociedade percebesse que o Estado é fruto de sua vontade geral e não apenas de uma elite ou grupo político que está no poder.
Dessa forma, o Estado deveria atender aos anseios do povo, porém não foi isso o que ocorreu durante a vigência do regime militar no Brasil, um dos motivos pelos quais o povo se organizou para buscar seus direitos perante aquele. Durante os anos 1980, os movimentos populares e sociais se organizaram, os sindicatos se fortaleceram e as reivindicações de direitos para uma sociedade mais justa e igualitária projetaram-se para fora da sociedade, que procurou através das manifestações, primeiramente, e pelas emendas populares na Assembleia Nacional Constituinte, posteriormente, conquistar esses direitos na promulgação da Constituição de 1988, onde os movimentos populares se tornaram interlocutores políticos da sociedade (Paoli; Telles, 2000, p. 103).
A união das forças de oposição possibilitou a construção de propostas e frentes de lutas. Havia um clima de esperança, de crença na necessidade de retomada da democracia, da necessidade da participação dos indivíduos na sociedade e na política. Havia também a crença na força do povo, das camadas populares, quando organizadas, para realizarem mudanças históricas que outros grupos sociais não tinham conseguido realizar no passado. Os moradores das periferias, das favelas, cortiços e outros submundos saem da penumbra e das páginas policiais para se tornarem os depositários das esperanças de ser novos atores históricos, sujeitos de processos de libertação e de transformação social (Gohn, 1995, p. 111).
A sociedade civil passou por um processo de reformulação quanto à sua capacidade de organização, sendo que diversos grupos de cidadãos passaram a se mobilizar face à descrença na política nacional buscando atuar de maneira independente em defesa daquilo que consideravam relevantes.
A priori, não se visava uma transformação social radical, mas sim o “desejo de alterações pontuais, o desejo de liberdade e de autodeterminação para a expressão das individualidades” (Gohn, 1995, p. 207), isto é, a sociedade procurava através das mobilizações que o Estado atendesse às suas demandas sociais como o direito à vida (comida, abrigo e roupa), direitos relativos ao gênero, sexo, raça e etnia.
Assim, as mobilizações ganharam proporções inimagináveis e dentro de poucos anos haviam tomado as ruas em defesa da liberdade e da cidadania, sendo que ao ganharem o status de representantes diretos do povo, os movimentos conseguiram a legitimidade de representá-los perante a Assembleia Nacional Constituinte (ANC) na apresentação e defesa das emendas populares à nova Constituição.
Os movimentos populares conseguiram organizar a sociedade em torno daquilo que ela almejava e com isso criou uma canalização de seus anseios que foram repassados, posteriormente, ao texto constitucional aprovado. Em suma, os movimentos sociais exigiram a “democracia institucional tradicional” como única forma de democratização do país, sendo importantíssimos na trajetória da redemocratização do país.
Por meio da busca pelos direitos em si, iniciou-se o processo gradativo de cidadania, sendo que durante o fim da década de 1980 e início da de 1990 esse será o principal objetivo a ser conquistado e difundido por todo o país, o reconhecimento da cidadania como fruto do reconhecimento dos direitos. A incessante busca por esse reconhecimento fez com que ocorresse um paradoxo em relação a sociedade e o Estado, onde aquela buscava extirpá-lo, devido à sua baixa representação perante ela, e ao mesmo tempo requeria através do reconhecimento dos direitos pelo Estado, o lado provedor deste (Doimo, 1995, p. 128).
As mudanças almejadas eram referentes à carência econômica atrelada ao desejo de mudança política, indicando, assim, um novo paradigma das ações sociais buscadas pelos cidadãos, isto é, “reivindicou-se não apenas os bens que estavam em falta, mas porque esses bens eram direitos sociais” (Gohn, 1995, p. 204). Essa consciência acerca dos direitos sociais foi certamente difundida por todo o país, entretanto, pode-se afirmar que ela não surtiu efeitos em todas as regiões geográficas, onde determinados locais ainda é recorrente a solicitação de alguns direitos como sendo bens em falta para aquela determinada região, não se caracterizando esse bem como direito social reconhecido.
Questões como educação, saúde, trabalho, lazer, proteção à maternidade e à infância, dentre outros, foram durante o processo constituinte reconhecidos pelo povo como direitos sociais a serem atendidos pelo Estado e, por isso, criou-se uma estrutura mobilizadora pelos movimentos populares que culminou na pressão sobre os constituintes para que esses direitos fossem concedidos e garantidos pelo novo texto constitucional.
Os movimentos populares de segmentos menos radicais conseguiram melhores desempenhos se comparados àqueles de cunho mais radical, pois eles reconheceram os limites entre as esferas pública e privada, formalizando novos direitos sociais, instauração de novos formatos diretos e semi-diretos de participação e apelo à cidadania (Doimo, 1995, p. 218), ou seja, mesmo com a denominada “transição democrática conservadora”, os movimentos sociais, em geral, conseguiram representar a sociedade perante os constituintes, e estes atenderam aos principais almejos do povo.
Pode-se dizer que “os movimentos sociais, populares ou não, expressaram a construção de um novo paradigma de ação social, fundado no desejo de se ter uma sociedade diferente, sem discriminações, exclusões ou segmentações” (Gohn, 1995, p. 203), sendo que as ações coletivas observadas durante o regime militar foram impulsionadas pelos anseios de redemocratização do país, pela busca de mais participação popular e pelo reconhecimento de direitos que dariam novamente ao povo sua condição de cidadão.
Uma particularidade que se percebeu durante a década de 1980 foi a constituição de diversos grupos de redes sociais, formando uma integração entre milhares pessoas aptas a participarem dos movimentos populares. Essas redes sociais soavam como uma nova maneira dos cidadãos participarem da política nacional mesmo que de forma independente, isto é, elas não estavam interligadas a nenhum grupo político, agrupamento político de esquerda ou acadêmico, sindicatos e nem à Igreja Católica.
De fato, é possível que essas redes sociais tenham tido relações transversais com os agrupamentos citados, entretanto não estavam ligadas diretamente e não seguiam uma cartilha previamente imposta pelos agrupamentos supras. Muitas dessas redes tiveram uma interação próxima com as ONGs que apresentavam uma base social dispersa e indefinida, ou seja, tanto as ONGs quanto as redes sociais eram formadas por pessoas que detinham valores comuns e estavam predispostas a participarem de movimentos reivindicativos.
Essas redes que se estabeleceram na esfera privada das relações serviam como contestação ao regime militar, e mesmo se mantendo longe das grandes instituições políticas acabaram sendo atraídas aos poucos para instituições como a igreja, os sindicatos e até mesmo o Estado (Doimo, 1995, p. 152), não significando que elas tenham se desvirtuado quanto aos seus valores e objetivos, mas sim que para a sua própria sobrevivência perante a sociedade e o Estado necessitaram se aliar a instituições bem estruturadas para se manterem ativas.
As redes sociais foram importantes para que se valorizassem as relações cotidianas promovendo as articulações entre diversos movimentos existentes e induzindo os indivíduos a se “sentirem sujeitos de suas próprias ações e a duvidarem dos formatos convencionais de representação política” (Teixeira, 2003, p. 39).
Os movimentos sociais populares surgiram, principalmente, com o intuito de criar um círculo reivindicativo acerca do imenso rol de carências que assolava a sobrevivência nas áreas geográficas que atuavam, dentre essas carências podemos citar o alto custo de vida, a falta de moradia, desemprego, déficit de saúde pública e precariedade do transporte coletivo (Doimo, 1995, p. 118). Ao se depararem com essas causas e organizarem manifestações cobrando o Executivo Nacional para que as resolvessem essas carências, os movimentos acabaram influenciando os demais cidadãos de que algo teria que ser feito para mudar o status quo, pois o regime militar além de não atender as reivindicações combatia com extremo rigor e violência as manifestações.
Os diversos movimentos pulverizados pelas cidades convergiam de forma a formar grupos que se comunicavam e davam apoio aos que mais necessitavam, entre instituições que apoiavam estruturalmente e disponibilizavam espaços para reuniões e diversos materiais para as campanhas está a Igreja Católica, importante instituição que atuou junto aos movimentos reivindicativos de ação-direta estabelecendo condições de continuidade dos mais diversos.
A Igreja Católica se sobressaiu como estrutura desses movimentos pelo fato de ter uma ampla estrutura física e de ser um território internacional dentro do Estado, ou seja, essas prerrogativas confluíram para que os movimentos pudessem ter o respaldo de uma instituição fortemente inserida nas comunidades populacionais, além de contar com o apoio físico estrutural das igrejas bem como do poder das palavras de bispos, padres, freiras e demais participantes diretos da religião católica.
Os motivos pelos quais a Igreja apoiava diretamente os movimentos populares se baseiam no fato de que ela sempre foi promotora dos direitos humanos, acolhendo os excluídos que eram discriminados e esquecidos pelo poder público. Todavia, podemos também analisar outro fator que pode ter corroborado para que a Igreja apoiasse os movimentos, como a sintonia com os almejos da sociedade, por exemplo, a questão das moradias, saúde pública, direitos sociais etc, a fim de difundir a religiosidade dentro dessa comunidade.
Dessa forma, os cidadãos acreditariam mais na benevolência da Igreja, pois durante o período ela estava em sintonia com suas vontades. Não podemos dizer que povo e Igreja também estavam em sintonia quanto às diversas emendas apresentadas e defendidas pela instituição religiosa que engessavam a nova Constituição a reconhecer como ilegais algumas práticas patrocinadas pela religião católica como imorais, ou seja, durante a apresentação das emendas populares podemos questionar essa congruência entre os anseios de ambas as instituições, sendo que o lobby da Igreja Católica era poderoso demais a ponto de assustar ou reprimir a vontade de alguns constituintes.
É evidente que essa é apenas uma questão a mais a ser abordada acerca da contribuição da Igreja Católica junto aos movimentos sociais, contudo, é inegável a sua importância frente a esses movimentos como estimuladora social diante do regime militar.
Os movimentos reivindicativos surgidos nos bairros de todas as cidades floresciam a todo o momento em busca de direitos sociais e questionavam a legitimidade do regime de exceção, esses mesmos movimentos não teriam sido difundidos e nem conseguiriam manter a proposta a que foram idealizados se a Igreja Católica não tivesse dado respaldo, sendo que “sua ação foi persistente e sensivelmente redobrada durante o período de liberalização do sistema político” (Doimo, 1995, p. 149).
A importância e o papel da Igreja Católica e de seus organismos na coleta de assinaturas durante o processo constituinte indica que ela, longe de se envolver apenas na discussão da temática religiosa, teve influência em quase todos os temas constantes do rol do processo constituinte, com presença destacada nas questões sociais (Doimo, 1995, p. 196).
3 A influência dos movimentos sociais na Assembleia Nacional Constituinte
Em meados de 1985, comitês e movimentos pró-participação popular na Assembleia Nacional Constituinte – organizações voltadas especificamente para o processo constituinte, formadas em torno de sindicatos, organizações religiosas, movimentos de moradores e associações profissionais existentes – passaram a se reunir a fim de assegurar mecanismos diretos de participação popular na elaboração do texto constitucional, estruturando-se por meio de uma secretaria nacional de coordenação e assessorados por ONGs como CEAC/UNB, CEDAC, FASE, IBASE e outras (Doimo, 1995, p. 194).
A mobilização popular através desses movimentos se iniciou timidamente, contudo, com o apoio das instituições destacadas acima se viabilizou a construção de movimentos fortemente enraizados na sociedade e dispostos a lutar para que o povo pudesse ter influência direta por intermédio de projetos apresentados e defendidos pelo mesmo.
Esses movimentos espalhados por todos os Estados do Brasil se organizaram para construir uma coordenação que os assessorassem para os fins específicos, dessa forma, a grande interação entre os movimentos populares do país inteiro viabilizou o projeto para assegurar mecanismos de participação da sociedade na elaboração da Carta Constitucional.
Ao longo da década de 1980 houve demasiadas ações concretas para garantir regimentalmente ao processo constituinte a incorporação das emendas populares no Regimento Interno, ações que contaram com o apoio da Igreja Católica a qual manteve uma equipe de trabalho em Brasília com vistas ao acompanhamento dos trabalhos.
Uma nova reorientação da relação Estado e sociedade civil estava sendo formada, pois a cada dia “ganhava força de que era necessário democratizar os espaços de decisão já existentes e criar novos espaços onde a sociedade civil pudesse ter maior participação” (Teixeira, 2003, p. 43). O período Constituinte se configurou como um espaço de discussão acerca da participação direta do povo marginalizado no que concerne ao processo de tomada de decisões.
Esse processo culminará na inserção da iniciativa de emenda popular ao Regimento Interno da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), para que a sociedade pudesse participar da elaboração da Constituição propondo emendas ao novo texto constitucional e criando novos direitos. A sociedade se conscientizou de que a eleição direta para representantes na ANC não significava que seus anseios seriam atendidos, pelo menos os principais, visto que havia muitos interesses em jogo dada a importância do texto a ser aprovado, dessa forma o povo procurou defender diretamente suas propostas perante a Comissão de Sistematização a fim de assegurar que suas vontades seriam discutidas pelos constituintes.
A articulação entre os movimentos populares e os constituintes criaram condições favoráveis no desenvolvimento das negociações, favorecendo o povo contra as forças detentoras dos privilégios.
Nessa mobilização, ocorreu uma mudança qualitativa, com repercussões provavelmente ainda mais profundas: a emergência das camadas sociais populares como protagonistas da luta democrática de interesses, em embates institucionais decisivos (Whitaker; Coelho; Michelis; Vieira Filho; Veiga; Prado, 1989, p. 37).
O artigo 24 do Regimento Interno (RI) da ANC assegurava a apresentação de propostas de emenda popular ao projeto de Constituição desde que subscrita por trinta mil ou mais eleitores brasileiros em listas organizadas, por no mínimo, 3 entidades associativas, legalmente constituídas e que se responsabilizariam pela idoneidade das assinaturas[2].
Essa foi uma das principais conquistas do povo durante a década de 1980, pois ao constar um artigo no RI estabelecendo regras para a participação popular no processo constituinte se assegurou que a participação era garantida e de extrema importância para o estabelecimento de um Regime Democrático de Direito.
Assim sendo, iniciou-se o processo de assinaturas das mais diversas emendas propostas, podendo destacar nesse processo a efetiva contribuição da Igreja Católica através de sua mobilização para as coletas nos lugares mais longínquos, a fim de que todos os cidadãos pudessem participar e apoiar a conquista de participar diretamente do processo constituinte.
Para os ativistas, o processo constituinte abriu novas perspectivas de interferência sobre a elaboração da nova Constituição, ou seja, por meio da garantia da participação popular no mesmo foi possível a apresentação e defesa das suas vontades, colocando em “xeque” os constituintes que deveriam atender aos anseios do povo ou da elite detentora dos poderes. Em suma, podemos afirmar que os instrumentos de participação popular na elaboração do texto constitucional foram “o aproveitamento da oportunidade aberta pela disputa em torno da soberania e da exclusividade da Constituinte” (Brandão, 2011, p. 97)
Além das sugestões de emendas pelos cidadãos, o RI também previa a possibilidade de sugestões de Legislativos estaduais e municipais, Tribunais Federais e Estaduais, bem como entidades associativas. Outras conquistas asseguradas podem ser destacadas como: as audiências públicas nas subcomissões e a possibilidade de que as citadas Casas Legislativas, Tribunais e entidades representativas de segmentos da sociedade enviassem sugestões às comissões e à Presidência da ANC (Brandão, 2011, p. 146).
As emendas populares, como dito anteriormente, foram umas das principais conquistas do povo durante o processo de redemocratização do país, sendo o principal mecanismo de legitimação e de conquista de poder dos movimentos sociais. Garantiu-se, portanto, a participação popular no processo constituinte além de reconhece a legitimidade dos movimentos populares como entidades representativas dos cidadãos.
Entre as regras referentes à apresentação de emendas pela sociedade estava a exigência da participação de, no mínimo, 3 entidades associativas responsáveis pela formulação das listas de assinaturas bem como de garantir a idoneidade das subscrições.
São duas as vantagens dessa prescrição que talvez, na sua origem, nem tivesse sido feita com essa intenção: primeiro, a valorização da cidadania coletiva e não exercida individualmente. Em segundo, com três ou mais entidades proponentes, aumentava a base de sustentação social e, com ela, até mesmo um prévio exercício de negociação e de busca de consenso – que, mais tarde, na Constituinte, seria intenso (Whitaker; Coelho; Michelis; Vieira Filho; Veiga; Prado, 1989, p. 85)
A conquista do povo ao poder participar do processo Constituinte não era das tarefas mais fáceis, visto que as regras impostas às emendas populares a serem apresentadas dificultavam os trabalhos das entidades responsáveis pelas coletas de assinaturas.
A exigência do mínimo de 3 entidades associativas representativas por cada emenda popular ajudou a sustentá-la socialmente perante as diversas classes, porém outra regra imposta era a subscrição de cada emenda por pelo menos trinta mil eleitores, sendo que cada eleitor poderia, no máximo, subscrever 3 emendas. A partir dessa premissa podemos destacar algumas das dificuldades apresentadas na coleta de assinaturas, entre elas:
o desconhecimento, pela população, desse novo instrumento que dispunha; o descrédito da própria Constituinte, graças à divulgação tendenciosa que os meios de comunicação de massa faziam dos trabalhos até então realizados; a falta de confiança na possibilidade real de interferir, através de uma emenda popular, nesse processo e na própria solução dos problemas vividos pela população; as dificuldades financeiras enfrentadas pelas entidades promotoras para cobrir despesas desde impressão de formulários, tarifas postais, materiais de propaganda até maiores como viagens, atos públicos etc; a escassez de braços para coordenar a distribuição e arrecadação, na volta, dos papéis distribuídos a mil e um lugares (Whitaker; Coelho; Michelis; Vieira Filho; Veiga; Prado, 1989, p. 95)
O inciso I do artigo 24 do RI da ANC[3] determinava que os dados identificadores do título de eleitor do cidadão deveriam acompanhar seus dados na folha específica subscrita, de modo que o inciso citado colocava mais uma barreira à participação popular na apresentação perante as subcomissões das emendas populares.
Mesmo sendo necessária a identificação correta dos cidadãos que subscrevessem as emendas, destacamos que em meados da década de 1980 não era comum, e não continua sendo, os eleitores portarem seus respectivos documentos eleitorais, de forma que os cidadãos depois de anos impedidos de votar não se habituaram a portar ou fazê-lo no cartório eleitoral correspondente. Devido a essa problemática quanto ao porte do documento eleitoral, foram organizadas diversas campanhas por entidades a fim de que conscientizassem os eleitores a portarem seu título eleitoral para que pudessem apoiar as emendas a serem enviadas para apreciação pelas comissões da ANC.
Considerando o RI e o número total de assinaturas de todas as emendas enviadas às subcomissões (12.265.854 assinaturas) temos duas hipóteses extremas acerca do numero de cidadãos que contribuíram com suas assinaturas, isto é, de um lado se considerarmos que cada eleitor subscreveu apenas uma emenda teremos 12.265.854 cidadãos participando ativamente do processo, todavia se considerarmos que cada eleitor assinou três emendas, conforme destaca o artigo 24 do regimento, teremos um total de 4.088.618 cidadãos participantes.
De um total de 69.166.810[4] eleitores, temos segundo as duas hipóteses levantadas uma porcentagem variável entre 6% e 18% do número total de eleitores participantes das assinaturas das emendas. Muito provavelmente a porcentagem de eleitores nas assinaturas foi em torno de 10% e 12% considerando as duas práticas de coletas de assinaturas realizadas no período, sendo que a primeira adotou a estratégia de passar 3 ou mais emendas simultaneamente, oferecendo ao cidadão um razoável número de emendas expostas em praças, logradouros públicos, etc, ficando a cargo do eleitor decidir em qual(is) votar, já a segunda modalidade se caracterizou pelo interesse singular das entidades que limitaram-se a apresentar uma única emenda de sua produção em ambientes de previsível aceitação (Whitaker; Coelho; Michelis; Vieira Filho; Veiga; Prado, 1989, p.104 e 105).
Em síntese, foi possível analisar através dos números expostos que em torno de um décimo dos cidadãos brasileiros ajudaram diretamente na promoção das emendas e na sua viabilização junto às Comissões Temáticas da ANC. Indubitável que o porcentual de cidadãos participantes é demasiadamente alto, dadas as dificuldades de conscientizar o povo quanto a importância da sua participação no processo constituinte e da mudança de atitude no que concerne ao porte do documento exigido para subscrever as propostas de emendas.
A estratégia de ação pública dos movimentos populares para a campanha de assinaturas das propostas de emendas se estendeu para praças, ruas, faculdades, centro de convenções, igrejas, locais com grande circulação de pessoas etc. Durante os meses de junho e julho de 1987 os movimentos frequentemente saiam às ruas para coletar assinaturas e divulgar as emendas, entre os locais de coleta, um dos mais significativos foram as Igrejas, as quais tiveram grande importância na luta pela participação do povo no processo constituinte e na ajuda aos movimentos populares desde a sua formação.
As organizações da Igreja Católica se engajaram no trabalho de coleta de assinaturas das emendas propostas por organizações sindicais, como a dos direitos dos trabalhadores, da reforma agrária e da reforma urbana (Whitaker; Coelho; Michelis; Vieira Filho; Veiga; Prado, 1989, p. 115), mas também promoviam as emendas de entidades ligadas à mesma como a Comissão Pastoral da Terra e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
Entre as táticas utilizadas para as coletas de assinaturas tivemos, dentre outros, o “Domingo da Constituição” promovido pela Igreja Católica a fim de instigar os fiéis a levar seus respectivos títulos eleitorais às missas e promover as emendas ligadas à Igreja. Outra mobilização para a coleta de assinaturas foi promovida pelo Plenário Pró-Participação Popular na Constituinte, onde se utilizou a Sala do Estudante do CA XI de Agosto da Faculdade de Direito da USP promovendo a chamada “Noite de Autógrafos”, quando artistas, políticos e membros da comunidade acadêmica ofereceram autógrafos para quem assinasse alguma emenda popular (Brandão, 2011, p. 100 e 101).
As campanhas de coleta de assinaturas foi um sucesso em todo o Brasil, sendo que 122 emendas foram apresentadas pela população às suas respectivas subcomissões e todas foram aprovadas para apreciação em Plenário, entretanto 39 emendas populares apresentadas não conseguiram cumprir as exigências regimentais de subscrição mínima de 30 mil cidadãos, número do título de eleitor dos signatários e/ou apresentação por pelo menos 3 entidades, de maneira que para contornar essa situação se procurou o apoio de alguns constituintes para que patrocinassem essas emendas (Brandão, 2011, p. 111).
Os temas sociais foram aqueles que mais mobilizaram os segmentos envolvidos com as emendas populares. Dentre esses temas destacaram-se o da educação (obrigação do Estado em fornecer ensino básico, ensino gratuito, percentual do orçamento da União destinado à educação, preservação do ensino profissionalizante, etc); direitos do menor (obrigações do Estado e direitos da criança); direitos relacionados à saúde e à previdência social; direitos dos aposentados e pensionistas (direitos para categorias específicas, proventos de aposentados, tempo de serviço para aposentadoria, etc.); e ainda temas ligados à religião (liberdade religiosa, direito ao ensino religioso) (Whitaker; Coelho; Michelis; Vieira Filho; Veiga; Prado, 1989, p. 112).
Os temas acima citados envolveram grande contingente de cidadãos apoiando-os, sendo que se classificarmos as emendas por temas verificaremos que alguns tiveram recorde de assinaturas ultrapassando a marca de um milhão de subscrições.
O tema da educação superou três milhões de assinaturas, o de direitos do menor, saúde e previdência social obteve dois milhões e meio de assinaturas, o de aposentadoria chegou a quase dois milhões de assinaturas, outros temas como ligado à família e questões relacionadas à mulher obtiveram a marca de mais de seiscentas mil assinaturas. No grupo dos temas políticos, os temas relacionados aos direitos de cidadania, participação popular ou direitos humanos totalizaram 21 emendas com um milhão e oitocentas mil assinaturas, temas envolvendo questões federativas, regionais ou comunitárias totalizaram 15 emendas com mais de um milhão de assinaturas (Whitaker; Coelho; Michelis; Vieira Filho; Veiga; Prado, 1989, p. 113 e 114).
Com base nos dados apresentados referentes à quantidade de emendas elaboradas e o número de assinaturas ratificando-as podemos afirmar que os anseios da sociedade significavam a mudança direta de seus direitos até então, ou seja, o povo buscou através das emendas ofertar aos constituintes um grande leque com as mudanças que ele acreditava ser fundamental para a redemocratização do país e no reconhecimento de direitos que até então não configuravam os textos constitucionais anteriores.
Whitaker e os demais organizadores do livro “Cidadão constituinte: a saga das emendas populares” realizaram um amplo estudo a fim de contabilizar as sugestões enviadas pela sociedade (Whitaker; Coelho; Michelis; Vieira Filho; Veiga; Prado, 1989, p. 62 e 63), Poderes Legislativos estaduais e municipais, Tribunais e entidades associativas, essa descrição se encontra na tabela abaixo:
NÚMERO DE SUGESTÕES ENVIADAS ÀS SUBCOMISSÕES TEMÁTICAS (Whitaker; Coelho; Michelis; Vieira Filho; Veiga; Prado, 1989, p. 62 e 63)
- COMISSÃO DA SOBERANIA E DOS DIREITOS E GARANTIAS DO HOMEM E DA MULHER
- Subcomissão da Nacionalidade, da Soberania e das Relações Internacionais – 181
- Subcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e Garantias – 419
- Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais – 832
- Subtotal – 1.432
- COMISSÃO DA ORGANIZAÇÃO DO ESTADO
- Subcomissão da união, Distrito Federal e Territórios – 232
- Subcomissão dos Estados – 186
- Subcomissão dos Municípios e Regiões – 328
- Subtotal – 746
- COMISSÃO DA ORGANIZAÇÃO DOS PODERES E SISTEMA DE GOVERNO
- Subcomissão do poder Legislativo – 639
- Subcomissão do Poder Executivo – 185
- Subcomissão do Poder Judiciário e ministério Público – 543
- Subtotal – 1.367
- COMISSÃO DA ORGANIZAÇÃO ELEITORAL, PARTIDÁRIA E GARATIA DAS INSTITUIÇÕES
- Subcomissão do Sistema Eleitoral e Partidos Políticos – 337
- Subcomissão da Defesa do Estado, da Sociedade e de sua Segurança – 243
- Subcomissão de Garantia da Constituição, Reformar e Emendas – 108
- Subtotal – 688
- COMISSÃO DO SISTEMA TRIBUTÁRIO, ORÇAMENTO E FINANÇAS
- Subcomissão dos Tributos, Participação e Distribuição das Receitas – 809
- Subcomissão de Orçamento e Fiscalização Financeira – 200
- Subcomissão do Sistema Financeiro – 145
- Subtotal – 1.154
- COMISSÃO DA ORDEM ECONÔMICA
- Subcomissão de Princípios Gerais, Intervenção do Estado, Regime de Propriedade
- do Subsolo e da Atividade Econômica – 634
- Subcomissão da Questão Urbana e Transportes – 157
- Subcomissão da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária – 282
- Subtotal – 1.073
- COMISSÃO DA ORDEM SOCIAL
- Subcomissão dos Direitos dos Trabalhadores e Servidores Públicos – 1.418
- Subcomissão da Saúde, Seguridade e do Meio Ambiente – 669
- Subcomissão dos Negros, populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias – 170
- Subtotal – 2.257
- COMISSÃO DA FAMÍLIA, DA EDUCAÇÃO, CULTURA E ESPORTES, DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA E DA COMUNICAÇÃO
- Subcomissão da Educação, Cultura e Esportes 511
- Subcomissão da Ciência e Tecnologia e da Comunicação 169
- Subcomissão da família, do Menor e do Idoso 373
- Subtotal 1.053
Total 9.770
Tomando por base o referido estudo organizado no livro destacado, podemos destacar as principais mudanças a que aqueles setores da sociedade buscavam, de forma que a linha social (Comissão da Ordem Social) recebeu ao todo 2.257 proposições, sendo que a sua subcomissão recordista foi justamente a que tratava dos direitos dos trabalhadores e servidores públicos coma elevada marca de 1.418 sugestões.
Em linhas gerais, as proposições às subcomissões das 8 Comissões Temáticas foram significamente baixas, com algumas exceções como a Subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais com 832 sugestões; Subcomissão de Tributos, Participação e Distribuição das Receitas com 809 sugestões; Subcomissão do Poder Legislativo com 639 sugestões.
A Comissão da Ordem Social foi a que mais recebeu proposições, visto que a mesma era formada por 3 subcomissões de extrema importância para a vida social dos cidadãos: Subcomissão dos Direitos dos Trabalhadores; Subcomissão da Saúde, Seguridade e do meio Ambiente; Subcomissão dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias. Essa Comissão se destacava pelo fato de seus efeitos atingirem diretamente a sociedade, pois as mudanças oferecidas nesta Comissão e na Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher tinham efeitos imediatos e diretos em torno da sociedade.
Em resumo, os anseios do povo de mudança se referem às suas condições de trabalho, saúde, seguridade social, direitos individuais e coletivos, dentre outros. Comissões como a da Organização do Estado; Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições receberam poucas sugestões se comparadas às outras devido à sua menor interferência no dia a dia da sociedade.
Após todo o processo de entrega das emendas à ANC o próximo passo foi a defesa em Plenário delas. O início da defesa das emendas foi um marco histórico para a sociedade brasileira, “que conseguiu ocupar a tribuna da Constituinte e fazer a defesa daquelas emendas que traziam a marca indelével da mobilização popular” (Whitaker; Coelho; Michelis; Vieira Filho; Veiga; Prado, 1989, p. 232).
De acordo com o inciso VI do artigo 24 do RI, cada emenda poderia ser defendida por 20 minutos no plenário por seus respectivos representantes[5], o que mobilizou sindicatos e movimentos populares a fim de escolher signatários que pudessem esclarecer pontos acerca da emenda e que tivessem boa oratória para tentar sensibilizar os constituintes.
Nesse período ocorria nos bastidores da ANC a disputa entre os setores sociais e a organização do setor empresarial em torno de pontos referentes às condições de trabalho e à estabilidade do emprego, isto é, havia a pressão de toda sociedade civil para que fossem aprovadas as mudanças referentes ao tema propostas pelas emendas. Por sua vez, o setor empresarial do país tentava fazer seu lobby para que a matéria não sofresse tantas reformas a fim de prejudicar os empresários do país. Esses embates eram recorrentes devido à importância que o texto constitucional exerce nas demais legislações, de forma que qualquer alteração na Constituição inviabiliza ou viabiliza, depende do objeto, reformas a serem implantadas pelo Legislativo.
A entrega das propostas de emendas à ANC não encerrou a participação dos movimentos populares na Constituinte, ou seja, após a entrega das emendas os movimentos continuaram em Brasília fazendo um lobby para que os anseios da sociedade expostos aos constituintes ganhassem adeptos e fossem aprovados.
Enormes obstáculos surgiam contra a mobilização popular, entre eles: o inóspito planalto central; os altos e baixos da mobilização social durante a Constituinte; as reivindicações pouco maduras de movimentos recém-surgidos; etc. Mesmo assim, de novembro de 1986 a setembro de 1988 foi possível identificar 225 eventos diferentes de ações coletivas relacionados com a Constituinte, isto é, uma média de 9,78 mobilizações sociais em torno da ANC durante o período exposto acima (Brandão, 2011, p. 81).
A grande mobilização popular verificada no período compreendido se deu em torno das articulações entre os movimentos sociais a fim de intensificar a mobilização do povo e assegurar um amplo movimento de apoio às reivindicações populares dirigidas à Constituinte (Whitaker; Coelho; Michelis; Vieira Filho; Veiga; Prado, 1989, p. 68), unificando os esforços de entidades para uma campanha nacional de apoio às emendas populares através da realização de shows, comícios, atos políticos e debates em diversos municípios.
Essas manifestações surgiam com o intuito estratégico de apresentar para o público em geral as propostas de emendas, acompanhando os debates se aproveitava para recolher as assinaturas necessárias para a apresentação do projeto junto à ANC.
Os movimentos populares acompanhavam de perto os trabalhos constituintes, de forma que a mídia divulgou diversas reuniões entre representantes desses movimentos. As reuniões demonstravam a força política e o comprometimento dos movimentos com a sociedade, isto é, os representantes de vários movimentos se reuniam com importantes figuras da Constituinte, entre elas o presidente da ANC, Ulysses Guimarães, o relator da Comissão de Sistematização, Bernardo Cabral, líderes partidários etc.
Evidente a íntima relação entre os constituintes e os movimentos populares, de forma que estes foram reconhecidamente legitimados como sujeitos políticos capazes de negociar matérias a ser votadas por aqueles, deixando de exercer apenas a função de interlocutores dos anseios do povo.
As reuniões entre os movimentos e os constituintes tiveram dois grandes picos: o primeiro foi em abril de 1987, quando os movimentos apresentaram suas propostas àqueles em audiências públicas nas subcomissões temáticas, e o segundo pico foi em fevereiro de 1988, quando se iniciou no Plenário o 1o turno de votação do Projeto A da Constituição (Brandão, 2011, p. 85). Os movimentos populares procuraram desenvolver estratégias a fim de maximizar suas influências sobre os deputados e aproveitar o poder de interferência direta no processo constituinte.
O principal impacto da mobilização social na Assembleia Nacional Constituinte foi a influência que os ativistas tiveram na aprovação de alguns dos direitos sociais presentes na nova carta magna. As emendas populares que tiveram maior impacto foram aquelas relativas ao meio ambiente, saúde, educação, reforma urbana, direitos das crianças e dos adolescentes, direitos da mulher, direitos dos trabalhadores e a emenda sobre a iniciativa popular de lei (Brandão, 2011, p. 161).
- Considerações finais
Não podemos negar a eficiência dos movimentos populares durante a redemocratização do Brasil, eles que aproveitaram das brechas durante o período constituinte para se aproximarem de políticos e seus respectivos partidos de modo a promover os desejos do povo e assegurar sua transformação em lei. A ligação entre os movimentos e a arena política institucional viabilizou a transformação de “demandas e discursos em itens programáticos nas plataformas de partidos políticos e, ocasionalmente em políticas públicas” (Teixeira, 2003, p. 41), onde diversos partidos políticos começaram a adotar em suas agendas partidárias a defesa e a representação de grupos e classes subalternos, incorporando discursos que antes só eram defendidos pelos movimentos populares.
Paralelamente à incorporação e apoio pelos partidos dos discursos dos movimentos populares, o Estado e a sociedade civil iniciaram um processo de parcerias que visava a formulação e a implementação de políticas sociais, ou seja, ocorreu na democratização do país e foi assegurado pelo texto constitucional as parcerias entre ambas as instituições de forma que na partilha do poder, antes reservada somente ao Estado.
Procurou-se com isso uma forma mais efetiva e um maior sucesso na resolução dos problemas que afligiam o país. Logo, as políticas públicas ganharam forças para que na partilha entre movimentos sociais e administração pública da atribuição de verificar as necessidades da sociedade, fossem resolvidos de forma mais rápida e da melhor maneira essas necessidades.
Toda a participação dos movimentos populares durante a Constituinte resultou em apelos reivindicativos populares para uma maior participação política, garantindo-se ao povo uma efetiva participação na elaboração de leis, além dos chamados orçamentos participativos em que a sociedade juntamente com o Governo define as prioridades de implementação do orçamento nas políticas públicas que mais carecem de necessidades.
Essas participações do povo com o Estado na implementação de políticas sociais rompeu “o corporativismo pontual das demandas locais e instaurou perspectivas integrativas para toda a coletividade, através de políticas regulatórias” (Doimo, 1995, p. 216). Vale ressaltar que essas divisões de tarefas entre a sociedade civil e o Estado, bem como a iniciativa popular de lei são garantidas pela Constituição de 1988 e contou com intensa articulação das redes de movimentos populares.
A trajetória dos movimentos populares esteve ligada à busca incessante de inscrever no novo texto constitucional direitos que tornassem os cidadãos mais presentes na elaboração de leis e nas tomadas de decisões políticas. Procurou-se com isso obter direitos que nunca foram concedidos, além de “incorporar instrumentos legais e jurídicos para o exercício de uma soberania popular redefinida e ampliada para além da prática do voto – iniciativa popular de lei, plebiscito e referendo popular, audiência pública e tribuna popular” (Paoli; Telles, 2000, p. 109).
Ainda que em condições discutíveis, o modelo democrático competitivo que resultou daí objetivou dotar a sociedade de mecanismos que permitiam garantir, minimamente, a participação dos cidadãos em certos graus de efetivo controle da atividade governamental, mas a participação limita-se a isso: não envolve propriamente os mecanismos de tomada de decisões (Moisés, 1990, p.)
A Constituição de 1988 universalizou os direitos sociais, entretanto, outros ganhos importantes configuraram o período compreendido pela ANC, um dos que podemos citar é a mobilização do povo que compreendeu melhor “as lutas, as correlações de força, as fragilidades e virtudes de seus próprios projetos, os mecanismos institucionais que impedem uma relação mais próxima entre representantes e representados, além de tornar mais evidentes as formas de pressionar, entrar em conflito ou em entendimento”[6].
A Constituição não somente reconheceu direitos, mas conseguiu por intermédio do seu processo constituinte que o povo tomasse consciência de cidadania, de que sua participação política é fundamental para o Estado Democrático de Direito, sendo que sua participação perante o Governo na defesa de seus ideais se obtém o reconhecimento de garantias que passarão a contribuir para a defesa dos direitos humanos e a dignidade da pessoa humana.
Pela insistência dos movimentos populares se promulgou no novo texto constitucional o caráter redistributivo das políticas sociais, bem como uma maior responsabilidade pública na sua regulação, produção e operação. Em síntese, percebemos a importância dos movimentos populares juntamente com outras instituições que os apoiaram na defesa dos direitos humanos, na promulgação de uma carta constitucional condizente com os anseios do povo e não elitista como sempre foi, bem como na busca de reconhecimento de direitos sociais e cidadania a todos brasileiros.
REFERÊNCIAS
ALONSO, Luiza Klein. Movimentos sociais e cidadania: a contribuição da psicologia social. In: SPINK, Mary Jane Paris (Org.). a cidadania em construção: uma reflexão transdisciplinar. São Paulo. Cortez. 1994
BRANDÃO, Lucas Coelho. Os movimentos sociais e a Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988: entre política e a participação popular. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). Departamento de Sociologia. Universidade de São Paulo. São Paulo. 2011
CARDOSO, Ruth Corrêa Leite. A trajetória dos movimentos sociais. In: DAGNINO, Evelina (Org.). anos 90: política e sociedade no Brasil. São Paulo. Brasiliense. 2004
DOIMO, Ana Maria. A vez e a voz do popular: movimentos sociais e participação política no Brasil pós-70. Rio de Janeiro.Relume Dumará: ANPOCS. 1995
GOHN, Maria da Glória. História dos movimentos e lutas sociais: a construção da cidadania dos brasileiros. São Paulo. Edições Loyola. 1995
MOISÉS, José Álvaro. Cidadania e participação: ensaio sobre o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular na nova Constituição. São Paulo. Marco zero. 1990
MAUÉS, Flamarion; ABRAMO, Zilah Wendel. Pela democracia, contra o arbítrio: a oposição democrática, do golpe de 1964 à campanha das Diretas Já. São Paulo. Fundação Perseu Abramo. 2006
PAOLI, Maria Célia; TELLES, Vera da Silva. Direitos sociais: conflitos e negociações no Brasil contemporâneo. In: ALVAREZ, Sonia E; DAGNINO, Evelina; ESCOBAR, Arturo (Orgs.). cultura e política nos movimentos sociais latino-americanos: novas leituras. Belo Horizonte. Editora UFMG. 2000
TEIXEIRA, Ana Claudia Chaves. Identidades em construção: as organizações não-governamentais no processo brasileiro de democratização. São Paulo. Annablume; Fapesp; Instituto Pólis. 2003
WHITAKER, Francisco; Coelho, João Gilberto Lucas; MICHILES, Carlos; VIEIRA FILHO, Emmanuel Gonçalves; VEIGA, Maria da Glória Moura da; PRADO, Regina de Paula Santos. Cidadão constituinte: a saga das emendas populares. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1989
[1] Bacharel em História pela Universidade de São Paulo e em Direito pela Escola Paulista de Direito – EPD. Pós-graduação lato sensu em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale.
[2] Art. 24. Fica assegurada, no prazo estabelecido no § 1o do artigo anterior, a apresentação de proposta de emenda ao Projeto de Constituição, desde que subscrita por 30.000 (trinta mil) ou mais eleitores brasileiros, em listas organizadas por, no mínimo, 3 (três) entidades associativas, legalmente constituídas, que se responsabilizarão pela idoneidade das assinaturas (…)
[3] Art. 24. (…)
I- a assinatura de cada eleitor deverá ser acompanhada de seu nome completo e legível, endereço e dados identificadores do seu título eleitoral;
[4] Segundo anuário estatístico de 1986 do IBGE. Pag 245. http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/monografias/GEBIS%20-%20RJ/AEB/AEB1986.pdf
[5] Art. 24. (…)
VI- na Comissão, poderá usar a palavra para discutir a proposta, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, um de seus signatários, para esse fim indicado quando da apresentação da proposta;
[6] TEIXEIRA, Ana Claudia Chaves. Op. cit. Pág 44.