A CONSTITUCIONALIDADE DA INCLUSÃO DAS TARIFAS TUST E TUSD NA BASE DE CÁLCULO DO ICMS

A CONSTITUCIONALIDADE DA INCLUSÃO DAS TARIFAS TUST E TUSD NA BASE DE CÁLCULO DO ICMS

28 de novembro de 2023 Off Por Cognitio Juris

THE CONSTITUTIONALITY OF THE INCLUSION OF TUST AND TUSD RATES IN THE ICMS CALCULATION BASIS

Artigo submetido em 19 de outubro de 2023
Artigo aprovado em 30 de outubro de 2023
Artigo publicado em 28 de novembro de 2023

Cognitio Juris
Volume 13 – Número 50 – Novembro de 2023
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Jeferson Rasteiro Carlos [1]
Flávia Piccinin Paz [2]
Thaynã Davilla Savio [3]

RESUMO: O objetivo deste estudo foi analisar a constitucionalidade da inclusão das tarifas TUST e TUSD na Base de Cálculo do ICMS. Assim, procurou avaliar o poder de tributar dos estados e discorrer sobre os princípios referentes ao tema em questão; apontar a classificação de tributo, notadamente do ICMS; verificar se é constitucional incluir as tarifas TUST e TUSD na base de cálculo do ICMS. Foi utilizada a pesquisa bibliográfica e os métodos dedutivo e de procedimento monográfico. Com o resultado da pesquisa foi possível concluir que houve mudanças recentes sobre a constitucionalidade ou não da inclusão das tarifas TUST e TUSD na base de cálculo do ICMS, e ficou entendido que o Ministro Fux apenas forneceu aos Estados a possibilidade de poder incidir tais tarifas na base de cálculo do ICMS, porém, ainda é uma liminar, devendo aguardar as resoluções posteriores. Porém, em 2017 esta incidência não estava mais autorizada a ser calculada, mas os Estados estavam tendo um prejuízo enorme com tal lei. Desta feita, à energia elétrica fornecida deve ser aplicado o princípio da seletividade, reduzindo o mesmo à categoria de bem essencial e, desta forma, aplicando-se alíquotas reduzidas em suas operações tributadas pelo ICMS, sem ignorar que este tributo somente deve incidir sobre a energia elétrica efetivamente consumida.

Palavras-chave: tarifas, energia elétrica, ICMS.

ABSTRACT: The objective of this study was to analyze the constitutionality of the inclusion of TUST and TUSD tariffs in the ICMS Calculation Base. Thus, it sought to evaluate the states’ taxing power and discuss the principles relating to the topic in question; point out the tax classification, notably ICMS; check whether it is constitutional to include TUST and TUSD tariffs in the ICMS calculation basis. Bibliographical research and deductive and monographic procedure methods were used. With the results of the research, it was possible to conclude that there had been recent changes regarding the constitutionality or otherwise of the inclusion of TUST and TUSD tariffs in the ICMS calculation basis, and it was understood that Minister Fux only provided States with the possibility of being able to apply such tariffs in the ICMS calculation basis, however, is still an injunction and must await subsequent resolutions. However, in 2017 this incidence was no longer authorized to be calculated, but the States were suffering enormous losses with this law. Therefore, the principle of selectivity must be applied to the electrical energy supplied, reducing it to the category of essential good and, in this way, applying reduced rates to its operations taxed by ICMS, without ignoring that this tax should only apply to the electrical energy actually consumed.

Keywords: tariffs, electricity, ICMS.

1         INTRODUÇÃO

A base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é o valor sobre o qual é aplicada a alíquota do imposto para determinar o montante a ser pago. Em geral, a base de cálculo do ICMS é o valor da operação de circulação de mercadorias ou prestação de serviços, incluindo o valor do produto ou serviço, os encargos financeiros, os seguros, as despesas acessórias e o próprio valor do imposto. No caso de venda de mercadorias, a base de cálculo é, em princípio, o valor da operação, ou seja, o preço da venda. Porém, em determinadas situações, a legislação pode estabelecer regras específicas para a determinação da base de cálculo.

As tarifas de uso dos sistemas de transmissão (TUST) e distribuição (TUSD) são cobradas no setor elétrico brasileiro e têm como objetivo remunerar as empresas responsáveis pela operação e manutenção das redes de transmissão e distribuição de energia elétrica. É importante ressaltar que tanto a TUST quanto a TUSD são regulamentadas e fiscalizadas pela ANEEL, que define os critérios para o cálculo e a aplicação dessas tarifas. Os valores cobrados são atualizados periodicamente, por meio de processos de revisão tarifária, e podem variar de acordo com diferentes fatores, como a localização geográfica, o perfil de consumo e os custos operacionais das concessionárias de energia.

As regras de base de cálculo do ICMS podem variar entre os estados brasileiros, uma vez que o ICMS é um imposto estadual. Cada estado possui autonomia para definir sua legislação tributária, incluindo a base de cálculo do imposto. Alguns estados entendem que as tarifas TUST e TUSD não devem compor a base de cálculo do ICMS, pois não se caracterizam como consumo efetivo de energia elétrica. No entanto, outros estados entendem que essas tarifas devem ser incluídas na base de cálculo do imposto.

Vale observar que o valor pago pela pessoa jurídica a título de ICMS é agregado à mercadoria e, ao final da cadeia, o mesmo é repassado ao consumidor que, por sua vez, irá arcar com todo o ônus do imposto, daí o ICMS estar na classificação de ser imposto sobre o consumo.

2.       INCLUSÃO DAS TARIFAS TUST E TUSD NA BASE DE CÁLCULO DO ICMS

O ICMS surgiu com a Emenda nº. 18/65 à Constituição de 1946, em substituição ao Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC), duramente criticado pelos juristas e economistas da época, em razão do seu efeito “cascata” sobre a economia (MORATO; SILVA, 2000).

Surge, então, o ICMS da necessidade de um imposto não cumulativo, que, incidindo somente sobre o valor agregado a cada etapa da produção, tem como corolário evitar o processo de inflação e de verticalização da economia, próprios dos impostos cumulativos anteriores à Emenda nº 18/65 (MORATO; SILVA, 2000).

O ICMS é um imposto que incide nas operações comerciais envolvendo mercadorias e serviços, respectivamente e, por esse motivo, deve ser analisado e adequado às novas transformações econômicas e sociais em que se vive nos dias de hoje. Trata-se de um imposto eminentemente econômico. Sua natureza mercantil é inegável, fazendo parte da pesada carga tributária brasileira. Onera as operações relativas à circulação de mercadorias, assim entendidas como coisas móveis destinadas ao comércio, bem como as prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (WOLF, 2000, p.2).

Wolf (2000, p.2) anota que:

As operações relativas à circulação de mercadorias devem implicar em mudança de titularidade, ou seja, as mercadorias devem circular, desde o produtor até o consumidor final. Aqui, para que incida o imposto, as palavras-chaves são, portanto, circulação, mercadorias e mudança de propriedade (WOLF, 2000, p. 2).

A operação é uma transação, ou uma continuidade sucessiva de atos próprios das transações comerciais, fazendo a mercadoria circular, desde a venda primitiva até o seu consumo final. A circulação significa o giro, o trânsito, a movimentação, visto que a circulação das mercadorias é o complexo das múltiplas, contínuas e sucessivas transferências, partindo originariamente do produtor (também fabricante ou exportador), até o consumidor final. A circulação é, por conseguinte, a dinâmica da movimentação das mercadorias para o seu consumo (FERREIRA, 2006).

No que tange à prestação de serviços somente dois tipos de serviços são passíveis de serem tributados pelo ICMS, que são os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, inclusive porque existe uma lista de serviços especificados pelo legislador e elencados no Decreto-lei 406/68, expressando que tais serviços fogem da alçada do ICMS, penetrando nas raias de incidência do ISS (Imposto Sobre Serviços (WOLF, 2000, p.2).

Com base no ensinamento de Carrazza (2013), o ICMS abriga pelo menos cinco impostos diferentes, no que se refere às hipóteses de incidência e bases de cálculo, a saber:

a) imposto sobre operações mercantis (circulação de mercadorias);

b) imposto sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal;

c) imposto sobre serviços de comunicação;

d) imposto sobre produção, importação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica;

e) imposto sobre a extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais.

Na instituição deste imposto devem-se observar as seguintes regras, segundo Carraza (2013):

Será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

-A isenção ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação:

a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;

b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores.

Poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços;

Resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação;

É facultado ao Senado Federal:

a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros;

b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse dos Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros;

Salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, “g”, do artigo 155 da Constituição Federal, as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais;

Em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços ao consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:

a) em relação alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto. Nesta hipótese, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;

b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele.

2.1.         Regras para instituição do ICMS

Na instituição deste imposto devem-se observar as seguintes regras:

Será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

A isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:

a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;

b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores.

Poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços;

Resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação;

É facultado ao Senado Federal:

a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros;

b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse dos Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros;

Salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, “g”, do artigo 155 da Constituição Federal, as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais;

Em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:

a) em relação alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto. Nesta hipótese, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;

b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele.

Conforme o artigo 3º da atual Carta Magna são objetivos fundamentais dos entes que formam a Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

A definição do termo competência tributária não se confunde com poder tributário, ainda que exista conexidade entre os dois. A competência tributária é “a manifestação da autonomia da pessoa política que a detém” (SABBAG, 2006, p.682), com apoio no princípio da Federação, consubstanciada no artigo 1º da atual Carta Magna de 1988, em que cada uma das pessoas políticas internas possui autonomia.

A competência tributária somente pode ser desempenhada tendo em vista a norma legal, segundo o princípio da legalidade tributária. A competência tributária e o poder de tributar são institutos que não podem ser confundidos, pois este advém da prevalência do interesse coletivo em prejuízo do particular, a competência tributária por sua vez, compreende somente o exercício desse poder por meio da instituição de tributos através da norma legal.

Os entes federados não surgem com a competência tributária. Ela é conferida pela própria Carta Política a cada um deles, os quais poderão estabelecer somente os tributos presentes dentro de seu competente campo de atuação. A Lei Maior não institui tributos, apenas adjudica feixes de competência a cada qual dos entes políticos.

A definição do termo competência tributária não se confunde com poder tributário, ainda que exista conexidade entre os dois. A competência tributária é “a manifestação da autonomia da pessoa política que a detém” (SABBAG, 2006, p.682), com apoio no princípio da Federação, consubstanciada no artigo 1º da atual Carta Magna de 1988, em que cada uma das pessoas políticas internas possui autonomia (SABBAG, 2006, p.728).

O ICMS é um imposto da competência dos Estados e do Distrito Federal. Sua função é predominantemente fiscal, ou seja, a de arrecadar verbas para os cofres públicos, se tornando uma fonte de receita muito expressiva para os Estados produtores em detrimento dos consumidores, pois é o Estado em que se realiza o fato gerador do imposto que tem competência para arrecadá-lo (WOLF, 2000).

Como previsto na Lei Maior, compete à normatização infraconstitucional determinar os fatores geradores do Imposto de Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços (ICMS), por meio de lei complementar (artigo 146), que, encontrou reforço do artigo 155, § 2º, inciso XII, exigindo uma norma de maioria absoluta.

Tendo em vista tais dispositivos, deixa evidente a intenção do constituinte originário, que foi a de trazer outra função à lei complementar, enfatizando a precisão de normas gerais de ligação, principalmente para os fins da legislação tributária. Assim, para cumprir tal missão constitucional, a Lei Complementar nº. 87, de 1996.

Não se pretende detalhar neste estudo todas as funções da lei complementar no ICMS, mas apenas, sua missão em relação à definição do seu fato gerador e os problemas que já advém do exercício de tal conceituação.

O fato de o fato gerador do imposto em análise encontra não só interpretações constitucionais, mas também no campo inconstitucional. Como nos órgãos do Poder Judiciário houve a definição do exame constitucional por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu-se por outro ângulo, ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) o dever de decodificar as leis federais.

Conforme as súmulas do Superior Tribunal Federal:

Súmula 536: são objetivamente imunes ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias os produtos industrializados, em geral, destinados à exportação, além de outros, com a mesma destinação, cuja isenção a lei determinar.

Súmula 572. No cálculo de ICM devido na saída de mercadorias para o exterior, não se incluem fretes pagos a terceiros, seguros e despesas de embarque.

Súmula 573. Não constitui fato gerador do ICMS a saída física de máquinas, utensílios e implementos a título de comodato.

Súmula 660. Até a vigência da EC 33/2001, não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não contribuinte do imposto.

Súmula 661. Na entrada de mercadoria importado do exterior, é legitima a cobrança do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro.

Súmula 662. É legítima a incidência do ICMS na comercialização de exemplares de obras cinematográficas, gravadas em fitas de videocassete (SUMULAS DO STJ, 2023).

Tendo em vista as súmulas do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

Súmula 129. O exportador adquire direito de transferência do credito do ICMS quando realiza a exportação dos produtos e não ao estocar a matéria prima.

Súmula 135. O ICMS não incide na gravação e distribuição de filmes e videteipes.

Súmula 152. Na venda pelo segurador, de bens salvados de sinistros, incide ICMS.

Súmula 155. O ICMS incide na importação de aeronave, por pessoa física, para uso próprio.

Súmula 166. Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.

Súmula 196. Na importação de veículo por pessoa física, destinado a uso próprio, incide ICMS.

Súmula 237. Nas operações com cartão de crédito, os encargos relativos ao financiamento não são considerados no cálculo do ICMS (SUMULAS DO STJ, 2023).

Assim, tais entendimentos sumulados devem nortear a interpretação combinada com o texto normativo, além da junção entre os posicionamentos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça quando se referirem sobre o assunto.

2.2. O ICMS e a energia elétrica na Constituição Federal e legislação complementar

A energia elétrica é considerada pela Constituição Federal de 1988 como mercadoria, embora possua características peculiares em se tratando da incidência do ICMS nas suas operações.

Segundo Carrazza (2013), é possível essa afirmação devido ao mencionado no art. 155, § 2º, inciso X, alínea “b” do texto constitucional, o qual determina a não incidência do ICMS sobre operações de energia elétrica destinadas a outros Estados; e, no § 3º do mesmo dispositivo constitucional, há uma limitação da incidência de tributo diversos do ICMS nas operações relativas à energia elétrica.

Explica o autor supracitado que se o constituinte impôs a restrição do § 2º é porque em operações distintas da mesma incidirá o tributo, ou seja, em se tratando de operações de energia elétrica, somente não incidirá o ICMS se for destinada a outros Estados (CARRAZZA, 2013).

Nesse ponto cumpre destacar que a Constituição de 1967, em seu art. 21, inciso VIII, criou o imposto único para a realização de tributação sobre a produção, importação, distribuição ou consumo de energia elétrica no Brasil. Na ocasião, outorgou a competência em favor da União, para que ela fizesse a instituição deste tributo e determinava, como regra, se ocorresse tributação em uma das operações mencionadas acima, as outras estariam livres da incidência de nova cobrança.

Segundo Carrazza (2013), com a retirada das operações relativas a combustíveis, lubrificantes e de energia elétrica da competência do antigo ICM e de outros impostos, mesmo os de competência residual da União, o objetivo era não permitir que Estados e Municípios viessem a fazer uma tributação arbitrária, impedindo assim uma expansão industrial no Brasil.

Na Constituição Brasileira de 1988 ocorreu uma mudança de competência, passando aos Estados e Distrito Federal a tributação da energia elétrica através do ICMS, bem como a supressão da regra de não tributação em todas as operações, desde que seja respeitado o princípio da não cumulatividade.

Assim, a Constituição vigente passa a tratar a energia elétrica como mercadoria, como já dito alhures, o que se reflete em outros diplomas legais, a exemplo do contido no art. 155 do Código Penal Brasileiro, que equipara a energia elétrica a bem móveis para fins de furto, assim como ocorre com o art. 83, inciso I, que considera as energias que tenham valor econômico como bens móveis.

Portanto, como defende Carrazza (2013), se presente à energia elétrica em um ciclo econômico-produtivo, ela receberá o status de mercadoria.

Apesar de só existir a possibilidade de consumo de energia elétrica se anteriormente houver sido produzida e distribuída, as distribuidoras não deveriam ser comparadas a um comerciante que revende a um consumidor final determinada mercadoria, pois não se tem como possível a estocagem dessa energia elétrica para venda posterior. Por isso Carrazza (2013) defende que só haverá tributação do ICMS referente às operações jurídicas de fornecimento de energia elétrica quando o interessado vier a consumi-la e transformar a mesma em alguma utilidade.

Assim ficariam as distribuidoras impedidas de serem contribuintes do ICMS, pois apenas dão suportes para que haja a uma ligação entre a produção da energia elétrica com seu consumidor final, não constituindo operações mercantis. O consumidor final que deverá figurar como contribuinte, tanto de direito como de fato (CARRAZZA, 2013).

Porém, esse conceito foi suprimido com o advento do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que no § 9º, do art. 32 dispõe que as distribuidoras devem ser responsabilizadas pelo pagamento do ICMS “desde a produção ou importação até a última operação” (BRASIL, 1988), e deve ser calculado o imposto sobre o que vier a ser praticados na operação final.

Com o advento da Lei Complementar nº 87/1996, restou consolidado tal entendimento no art. 9º, § 1º, inciso II. Questão controversa é o consumo de energia elétrica em operações interestaduais. Conforme a Constituição Federal, no art. 155, § 2º, inciso X, alínea “b”, o ICMS não deve incidir sobre essas operações, tornando-as imunes.

Já a Lei Complementar nº 87/1996 contrariou o supracitado dispositivo constitucional, explicitando que deve incidir o ICMS em relação à entrada de energia elétrica, petróleo e seus derivados, no território do Estado que venha a ser o destinatário, se não forem destinadas essas mercadorias para industrialização e comercialização (BRASIL, 1996), segundo o que dispõe o art. 2º, § 1º, inciso II.

Segundo Koch (2016), o objetivo da norma constitucional é prever uma melhor repartição em relação às receitas tributárias, impedindo a concentração apenas nos Estados produtores, e beneficiando os que são também destinatários.

Não obstante, ainda de acordo com Koch (2016), no plano prático vários problemas são evidenciados quando essas operações se destinam um comerciante ou industrial, eles promovem mais uma operação que será tributada no Estado onde a mercadoria viria ser consumida, mais quando o destinatário era a figura do destinatário final não ocorria a segunda operação, ficando livre da incidência do ICMS desde sua produção até o consumo.

Por essas razões que a Lei Complementar nº 87/1996, como já dito anteriormente, legislou em relação à incidência do ICMS no consumo de energia elétrica nas operações interestaduais.

Para Mattos (2006), a lei complementar em análise, quando restringe a imunidade conferida ao consumo de energia elétrica em operações interestaduais apenas as realizadas entre comerciantes, industriais ou produtores fere preceitos constitucionais, pois de acordo com o autor, essa imunidade seria ampla e irrestrita, não podendo a lei modificá-la.

A base de cálculo do ICMS sobre a energia elétrica deverá ser o valor da energia elétrica utilizada pelo consumidor final, e segundo Carrazza (2013), se esta contiver dados estranhos à realização mercantil que fora realizada estará o tributo sendo descaracterizado, como é o caso da inserção de subvenções oferecidas pelo Poder Público para os consumidores de baixa renda.

Já a alíquota praticada é o percentual do valor do seu fornecimento, que deverá ser fixado via lei ordinária pelos entes políticos que detém a competência do ICMS, devendo sempre ser observado os limites mínimos e máximos impostos pelo Senado Federal.

Em suma, a energia elétrica é tratada como mercadoria pela Constituição Federal, sendo passível da tributação do ICMS, desde que essa se apresente em um ciclo econômico-produtivo, estando às distribuidoras obrigadas ao pagamento do tributo, podendo também incidir nas operações de consumo de energia elétrica interestaduais. Tem como base de cálculo o valor da energia que vier a ser utilizado pelo consumidor final e alíquota definida por lei ordinária.

A “demanda contratada”, em si, que é imposta pelas normas reguladoras do setor elétrico, não implica a transferência da posse ou propriedade da mercadoria “energia elétrica” para o consumidor.

Feitas às considerações que precedem, vale dizer que o valor da operação, que é a base de cálculo lógica e típica no ICMS, como era no regime do ICM, terá de consistir, na hipótese de energia elétrica, no valor da operação de que decorrer a entrega do produto ao consumidor (art. 19, do Convênio ICM nº 66/88). E este é, sem a menor a possibilidade de dúvida o da energia elétrica efetivamente consumida, o que corresponde, no caso da energia elétrica, ao valor da operação de que decorreu a saída, que é a energia consumida (CANTO, 2002, p. 125).

Em vista disso, demonstra-se a não incidência do ICMS sobre as rubricas “demanda” e “demanda de ultrapassagem”, pois não há a efetiva materialização do negócio jurídico.

Para tanto, faz-se uso de um exemplo de uma situação análoga, na qual um consumidor dirigir-se-ia a uma loja, e lá chegando fez a reserva de uma camisa para efetuar a compra no dia seguinte. Porém, por algum entrave não mais fez a compra, ou seja, o negócio jurídico não se materializou.

Nesse cenário, pode o comerciante cobrar o imposto da camisa que não foi vendida, sendo apenas que apenas foi disponibilizada? Por óbvio a resposta seria não. Ocorre que em se tratando da cobrança do INSS na distribuição de energia elétrica o poder público se posiciona de forma diferente.

Tal exação fere vários critérios do Direito Tributário, sendo que um deles é a da falha na aplicação do critério espacial da hipótese tributária. Para que se dê a incidência de um tributo, devem ser preenchidos certos elementos, tanto da hipótese quanto do fato jurídico, e o critério espacial é um desses requisitos.

Em relação ao ICMS na legislação complementar e ordinária, o ordenamento jurídico pátrio é transparente ao definir o momento da ocorrência do fato gerador, qual seja, a circulação da energia elétrica.

Dispõe o art. 2º do Convênio nº 66/1988 que ocorre o fato gerador do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviço (ICMS):

[…]

V – na saída de mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular;

VI – na saída de mercadoria do estabelecimento extrator, produtor ou gerador, para qualquer outro estabelecimento, de idêntica titularidade ou não, localizado na mesma área ou em área contínua ou diversa, destinada a consumo ou à utilização em processo de tratamento ou de industrialização, ainda que as atividades sejam integradas (BRASIL, 1996).

No âmbito legal, a Lei Complementar nº 87/1996, seguindo o lapso do Convênio ICMS nº 66/1988, ou seja, não contemplou claramente a hipótese que seria aplicável à energia elétrica. As hipóteses de incidência específicas, que não a entrada ou saída, como fornecimento de alimentos e bebidas ou aquisição em licitações de bens apreendidos, não contemplam a eletricidade.

A Lei Complementar nº 87/1996, por sua vez, em seu art. 12, inciso I, determina que ocorre o fato gerador do ICMS no momento “da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular” (BRASIL, 1996).

Portanto, percebe-se que o legislador elegeu, nesta modalidade de incidência de ICMS, o momento da entrega da energia elétrica no estabelecimento do adquirente como o marco de tempo hábil a demarcar a incidência de norma jurídico-tributária.

Já em relação ao ICMS incidente nas operações decorrentes de efetiva entrega de energia elétrica ao consumidor, além de estar capitulada pelo art. 155, inciso I, § 3º, da Constituição Federal, também é regulada pela Lei Complementar nº 87, que veio a lume em 13 de setembro de 1996, e que em seu art. 2º, §1º, inciso III, define a incidência do imposto sobre operações com energia elétrica, dispositivo este já transcrito anteriormente.

A referida legislação regula a incidência do ICMS sobre a energia elétrica no âmbito da legislação especial. Porém, não se pode suprimir o Decreto-Lei n.º 406, de 31 de dezembro de 1968,[4] pois ele é de suma importância para a definição da base de cálculo do tributo em exame.

Ainda, no art. 8º, inciso II, § 4º, da Lei Complementar nº 87/1996, não há a descrição do fato gerador do ICMS, mas sim um dever jurídico de fazer um adiantamento consubstanciado no referido dispositivo legal, pois, a descrição de todos os elementos necessários para a caracterização do nascimento da obrigação tributária (ocorrência do fato gerador descrito na norma) se encontra disciplina nos arts. 12 e 13 do mesmo diploma legal.

Nesse contexto, o aspecto temporal ocorre no momento da saída da mercadoria do estabelecimento, conforme descrito no inciso I, do art. 12, enquanto o aspecto espacial caracteriza-se no estabelecimento do contribuinte, conforme disposto no mesmo inciso; e, por fim, o aspecto material e a base de cálculo são descritas no art. 13.

Anote-se, ainda, que a definição legal de que o fornecimento de energia elétrica constitui fato gerador do ICMS integra a hipótese de incidência dessa regra jurídica específica. Sua ocorrência corresponde ao descrito na letra “a”, acima, o que, por sua vez, dá ensejo mediante a incidência da regra sobre o fato, sua juridicização. Porém, salienta-se que se falará na juridicização da hipótese de incidência, não ocorrendo o fato gerador do imposto sobre as rubricas “demanda” e “demanda de ultrapassagem”.

Em vista disso, só então é que há de se pesquisar quanto aos efeitos jurídicos daí decorrentes. Portanto, é apenas nesse âmbito, quando tem aplicação o segundo elemento da estrutura lógica da regra jurídica, que estatui a regra de conduta pretendida pela Fazenda Pública, que cabe, assim, falar na definição da base de cálculo do tributo, cuja incidência é vista como legal pelo fisco nas rubricas “demanda” e “demanda de ultrapassagem”. É que, com efeito, a definição legal da base de cálculo do imposto, e assim também da respectiva alíquota que, sobre aquela aplicada, resultará no montante do tributo devido, insere-se, no esquema de Becker, no momento da determinação do objeto da prestação jurídica devida.

Entende-se ser essa a estrutura fundamental lógica que perfaz os elementos da hipótese de incidência, porém frisa-se que, há falha na aplicação do critério espacial dessa hipótese.

Além disso, foi introduzida, neste item do presente trabalho, a doutrina do justributarista Becker, porém a mais moderna teoria sobre os elementos da hipótese encontra-se descrita por Carvalho (2013).

Cumpre salientar que a parte dos elementos das hipóteses, se não é a mais importante, é uma das mais importantes partes que compõem o estudo da matéria tributária, pois a partir desse ponto se determina a correta incidência ou não de um tributo. E, acerca da definição de hipótese de incidência, Carvalho (2013, p. 245) ainda pontua:

[…] fato imponível seria aquela ocorrência que estivesse sujeita a imposição tributária, por isso imponível, quer dizer, passível de sofrer imposição. Não é, propriamente, o que se passa. Apenas surge o fato, constituído pela linguagem competente, e a incidência se dá, automática e infalível fazendo desabrochar a relação jurídica. Não existe fato anteriormente a incidência, de tal modo que, enquanto imponível, não é ainda fato e, após a incidência, de modo que concomitante com seu nascimento, já assumiu, na plenitude, os dons da sua juridicidade.

Para que haja a incidência da exação, alguns critérios da hipótese tributária hão de ser preenchidos, dos quais os critérios, material, espacial e temporal, assim como os critérios do fato tributário.

Há evidência de falha da aplicação do critério espacial, conforme a doutrina, pois não há de fato a entrega da energia ao contribuinte de direito, assim não se deve falar em incidência de ICMS sobre as rubricas “demanda” e “demanda de ultrapassagem”.

É patente a ofensa ao critério espacial da hipótese tributária, pois a energia elétrica, nesse caso, não foi entregue ao consumidor, não transpassou o limítrofe entre a empresa e a linha de transmissão. Portanto, levantada esta questão, fica evidenciada, portanto, a ofensa este elemento da hipótese, e assim, se não houve a transposição da mercadoria para o estabelecimento consumidor não há que se falar em ocorrência do fato gerador.

Assim definem-se os elementos da hipótese, conforme conceitua Carvalho (2013, p. 123):

Daí dizemos as hipóteses são conjuntos de critérios que nos permitem identificar fatos do universo físico, o que equivale a afirmar, com o mesmo significado, que se trata da descrição legal de eventos da realidade tangível. Desse modo, tomaremos “descrever” como “oferecer um conjunto de critérios para o reconhecimento de certo” objeto “ou, ainda, enumerar os caracteres que distinguem uma pessoa ou coisa”. Esse conjunto de critérios corresponde àquele princípio de simplificação a que se refere o jurista e filósofo Lourival Vilanova, maiúscula expressão do pensamento latino-americano.

Em vista disso, a omissão do aspecto temporal não ocorre quanto à regra matriz do ICMS sobre operações sobre energia elétrica, pois as normas reguladoras fixam, inequivocadamente, na entrega da energia ao consumidor, o marco do critério temporal, que reputa ocorrido o fato gerador do ICMS, incidindo sobre tal circulação de mercadoria.

Portanto, como sobre a “demanda” e “demanda de ultrapassagem” somente houve uma disponibilização de carga e uma multa pela sobrecarga respectivamente, não há de se falar em incidência, pois não houve a circulação da energia elétrica, apenas o tráfico jurídico, por ocasião de mero contrato.

Dessa forma, assentou-se o entendimento de que, de fato, a “situação jurídica” sobre a qual incide o Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviço (ICMS) é a circulação de energia elétrica, não simples contrato de fornecimento de energia elétrica por “demanda”, não podendo, desta feita, cobrarem o imposto sobre as rubricas “demanda” e “demanda de ultrapassagem” sob pena de ter que devolver ao contribuinte de fato os valores cobrados a maior.

Como bem salientado, há no contrato de fornecimento de energia um valor contratado, chamado de contrato de fornecimento por “demanda”, que nada mais é do que a capacidade máxima instalada, ou seja, é como se todos os equipamentos do estabelecimento consumidor estivessem ligados ao mesmo tempo. Assim efetua-se sua medição para fins de contrato de modo a aferir a capacidade máxima instalada.

É desta forma que é calculado o valor em quilowatts do contrato a ser celebrado entre a unidade consumidora e a concessionária de energia elétrica. E, a capacidade máxima instalada é medida como se todos os equipamentos pertencentes ao estabelecimento consumidor estivessem ligados ao mesmo tempo, exigindo o máximo de consumo de energia disposta para àquele estabelecimento (BRASIL, 2021).

Nesses moldes é que se celebram os contratos de fornecimento de energia elétrica entre os concessionários e os consumidores de energia do “Grupo A”. Por ser celebrado o contrato de energia elétrica em sua capacidade máxima instalada, é que o consumidor do “Grupo A” irá contratar um número de quilowatts menor do que seu real consumo exigido, pois dificilmente atingirá sua capacidade máxima instalada.

Assim, há nas faturas de energia elétrica três rubricas pertinentes ao presente trabalho: “consumo”, “demanda” e “demanda de ultrapassagem”.

O efetivo consumo está denominado sob a rubrica “consumo”, que é a medida do valor cobrado em espécie, de determinado montante de quilowatts celebrado mediante contrato e nunca o montante global pactuado. Assim, a rubrica “consumo” traduz-se como o valor cobrado pela efetiva entrega de energia elétrica do consumidor do “Grupo A” (BRASIL, 2021).

Não se contesta a incidência do ICMS sobre o consumo constante na fatura de energia elétrica, pois a mercadoria energia elétrica efetivamente circulou, mas sim, pela não incidência sobre as rubricas “demanda” e “demanda de ultrapassagem”, as quais não incidem a dita exação.

Nesse caso, o proceder que gera a incidência do ICMS é a realização da circulação de mercadoria (energia elétrica), e não a colocação, à disposição do consumidor, de determinada quota de potência. A “demanda contratada” e a “demanda de ultrapassagem”, em si, que são impostas pelas normas reguladoras do setor elétrico, não implicam a transferência da posse ou propriedade da mercadoria “energia elétrica” para o consumidor. O ordenamento jurídico pátrio é transparente ao definir o momento da ocorrência do “Fato Gerador” da circulação da energia elétrica.

A Lei Complementar nº 87/1996, por sua vez, em seu art. 12, inciso I, determina que ocorre o fato gerador do ICMS no momento da saída da mercadoria de estabilidade de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular (BRASIL, 1996). Assim, somente há incidência do ICMS sobre a rubrica consumo. Portanto, há incidência do ICMS sobre energia elétrica se de fato houve uma situação jurídica, pela efetiva circulação de energia elétrica no estabelecimento consumidor, sendo que o fato ocorre com efetivo consumo, e, não apenas pelo pacto contratual de reserva de potência.

A rubrica demanda representa o valor contratado e não consumido, motivo pelo qual se defende que não há incidência do ICMS sobre a demanda.

O centro da não incidência do imposto demanda ocasiona-se por não haver a circulação da mercadoria “energia elétrica”. Assim sendo, não há a incidência por não haver a tradição da mercadoria energia ao consumidor do “Grupo A”.

Se não houve a entrega da mercadoria – energia elétrica, portanto, não há de se falar em incidência do ICMS, pois não houve o fato gerador. Na verdade, isso somente ocorreu por falha na aplicação de um dos elementos da hipótese de incidência: o elemento critério espacial (LOBO; UHDRE, 2015).

Por haver essa falha na aplicação da hipótese de incidência, conclui-se que não havendo a entrega da energia elétrica conforme o valor pactuado em contrato, não há incidência do ICMS, pois o não preenchimento do referido critério indica que a “energia elétrica” não transpassou dos postes retransmissores e adentrou no estabelecimento consumidor, assim ocorrendo em falha para formação do fato gerador.

Vale lembrar que em todos os contratos de fornecimento de energia elétrica existe a demanda; e, como é de costume, a Fazenda Pública vem cobrando tributos a maior, ou seja, fazendo incidir o ICMS sobre essa parcela não utilizada pelo consumidor.

Nesses contratos, há uma previsão de consumo mínimo chamado de “demanda contratada” ou ainda pode ser denominada de “demanda residual de potência” que é assim definido pela Resolução nº 456, de 29 de Novembro de 2000, da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), em seu art. 2º, inciso IX.

A justificativa para a exigência desses “contratos de demanda” é o investimento realizado pela concessionária em equipamentos (acumuladores, transformadores etc.) para garantir o entendimento aos consumidores no volume de energia elétrica contratada, seja ela consumida ou não.

Em razão dos picos de produção, o consumo efetivo da energia pode variar, e quase sempre é diferente da “demanda contratada”, sendo o “consumo” maior que a “demanda”. Sobre esta diferença, não há de se falar em incidência de ICMS na rubrica “demanda” que aparece na fatura de energia elétrica.

Portanto, não tem incidência do dito imposto apenas sobre o tráfico jurídico, mas sim somente pelo real consumo, portanto, não há de ICMS sobre a rubrica “demanda”. E, os contribuintes que pactuam contrato de fornecimento por demanda contratada e não consomem toda energia que lhes é assegurada por este ajuste devem recorrer ao Poder Judiciário, a fim de que lhes seja garantido o direito de recolher o ICMS apenas e tão somente sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida.

Quando o consumo é maior do que a demanda de energia contratada, os consumidores pagam à quantidade de energia elétrica consumida (parcela da fatura denominada consumo) e, ainda são penalizados com o pagamento da demanda de ultrapassagem, que serve como inibidor de sobrecarga de consumo (quando tal ultrapassagem seja maior do que o tolerável em contrato). O que ocorre é que eles pagam uma multa pela sobrecarga de potência de ultrapassagem em relação ao valor contratado, ou seja, é um inibidor de sobrecarga.

A Resolução nº 456, de 29 de novembro de 2000, da ANEEL, em seu art. 2º, inciso X, especifica que a demanda de ultrapassagem é a “parcela da demanda medida que excede o valor da demanda contratada, expressa em (KW)” (BRASIL, 2000). O consumidor residencial, assim como a maioria das pequenas e médias empresas, que são cobradas pelo consumo, pela demanda e por baixo fator de potência, cujos consumidores podem ser enquadrados na tarifação convencional.

Portanto, a demanda de ultrapassagem nada mais é que uma sobrecarga de potência, visando inibir a ultrapassagem do valor em que o kW pactuado com a concessionária de energia, cuja medida visa inibir que o consumidor a utilização de um valor menor.

Essa medida, tomada como contrato por demanda, visa a que as usinas produtoras de energia elétrica não sofram prejuízos ocorridos pela produção de tal energia e os concessionários não garantam a compra. Assim, o consumidor final tem garantido, mediante o contrato firmado com o concessionário, de que a usina produtora poderá produzir e terá sua venda garantida.

A principal importância da demanda de ultrapassagem, portanto, é de que o consumidor contrate um número de quilowatts menor do que o realmente irá utilizar em seu estabelecimento consumidor. Assim, é de forma desleal que o consumidor sempre irá contratar mais do que realmente irá utilizar e, pagará uma multa, que é a demanda de ultrapassagem, pela sobrecarga consumida acima do valor expresso em seu contrato.

2.4. O princípio da capacidade contributiva e o ICMS

O princípio da capacidade contributiva consiste, segundo Carvalho (2013), na aplicação de carga tributária diversa na medida em que varia a capacidade econômica de contribuir do sujeito passivo. Para Machado (2012, p. 46), o princípio da capacidade contributiva, o qual está previsto no art. 145, §1°, da CF/88, deve ser aplicado sempre que se tratar de tributo pessoal, tendo em vista que nestes casos, é sempre possível a aferição da capacidade contributiva do contribuinte.

Assim, para se efetivar o princípio em tela, o legislador deve se ater aos fatos que detenham cunho representativo de signos de riqueza, podendo, enfim, distribuir a carga tributária uniformemente, respeitando o princípio da igualdade (CARVALHO, 2013). Percebe-se, de uma rápida análise da legislação que regulamenta o ICMS, fixando as alíquotas, que o legislador procurou, ao estabelecer o consumo como critério para a aplicação de alíquotas diferenciadas, satisfazer o princípio da capacidade contributiva. Assim, consequentemente, através deste princípio, buscou contemplar a seletividade prevista para o ICMS.

Todavia, o consumo não é o critério adequado para se consagrar nem a capacidade contributiva, nem o princípio da seletividade, tendo em vista que não é capaz de demonstrar qualquer signo de riqueza do contribuinte. Ademais, cabe a ele exceções, onde casos de pessoas com maior poder aquisitivo consumirão menos energia do que as que detém renda inferior (ALHO NETO, 2018).

O alegado acima pode ser verificado de maneira simples, tomando-se por exemplo dois domicílios: o primeiro trata-se de um “flat”, em um bairro nobre da cidade, sendo que o residente é um empresário bem-sucedido, solteiro e trabalha o dia todo, retornando apenas à noite, momento em que assiste televisão, alimenta-se e logo após adormece.

Noutro giro, em uma segunda residência, mora uma família, cuja renda mensal é de três salários-mínimos, onde apenas o marido trabalha fora, enquanto a sua mulher executa os serviços da casa, tais como passar roupa, lavar roupa, cozinhar, ao passo que o empresário citado acima possui serviço de lavanderia prestado pelo próprio “flat”. Seus filhos permanecem na escola por apenas meio período, sendo que no restante do dia estão assistindo televisão – a qual consome mais energia que a do exemplo anterior, tendo em vista que é de pior qualidade – abrem e fecham a geladeira com maior frequência, causando assim maior consumo de energia elétrica, enquanto o primeiro quase não a utiliza. (ALHO NETO, 2018).

Assim, com base o que foi exposto, por óbvio que a residência do segundo exemplo consumirá mais energia elétrica, podendo adentrar no patamar de 25%, enquanto a primeira, cujo morador possui maior capacidade contributiva poderá, em alguns casos, figurar no patamar dos 12%, pois tende a consumir energia elétrica que a segunda residência (ALHO NETO, 2018).

Percebe-se, assim, que é um critério vago e falho, pois o consumo não reúne condições necessárias para se aferir a renda de determinada pessoa. Com base no exposto, é possível verificar que a adoção do consumo como critério para aplicação de alíquotas diversas é violar tanto o princípio da capacidade contributiva, como o princípio da seletividade. Desta forma, é necessária a aplicação de um critério que leve em conta a natureza da mercadoria, no caso em tela sua essencialidade, e não sua origem ou destinação, o que é vedado pelo art. 152 da Constituição da República (CARRAZZA, 2013).

Destarte, a fim de se contemplar o princípio da seletividade, entende-se que a essencialidade da mercadoria é o melhor critério a ser aplicado na presente questão. Não há como negar que dentro do atual modelo econômico, inserido em um mundo globalizado, pode-se verificar com facilidade a essencialidade da energia elétrica tanto para as pessoas naturais, como para as pessoas jurídicas.

Nas residências, certamente é possível encontrar vários aparelhos que se utilizam da energia elétrica para funcionar, tais como geladeira para conservar alimentos, ferro elétrico para passar roupas, lâmpadas para iluminar a escuridão. Já no que tange às pessoas jurídicas, verifica-se que sem energia elétrica não há vendas, nem produção, nem a prestação de serviços (MACHADO, 2012, p. 73).

O mesmo autor ainda ressalta, no afã de evidenciar a essencialidade do bem em comento, que, sem energia elétrica “não se vive, mas sobrevive, e mal” (MACHADO, 2012, p. 73).

Comunga desse entendimento Brasileiro (2004, p. 130), ao afirmar que a energia elétrica é essencial assim como qualquer outro produto de primeira necessidade. Justifica tal apontamento no “apagão” ocorrido no ano de 2001, decorrente da crise energética, o que obrigou várias regiões do país a realizarem o racionamento de energia.

Por todos estes argumentos, se mostra de forma cristalina o caráter essencial da energia elétrica para a sociedade atual, tanto no âmbito das pessoas naturais, como para as pessoas jurídicas, que sem ela não são capazes de manter um mínimo de condições de vida e desenvolvimento.

3         CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ICMS é um imposto que incide nas operações comerciais envolvendo mercadorias e serviços, respectivamente e, por esse motivo, deve ser analisado e adequado às novas transformações econômicas e sociais em que se vive nos dias de hoje. Por todo o exposto no estudo realizado sobre o assunto em pauta, mesmo estando diante de uma bibliografia escassa, foi possível chegar a algumas conclusões.

Pelas considerações delineadas ao longo desta pesquisa, só foi possível a conclusão sobre a incidência ou não do ICMS na prestação de serviço de operações de energia elétrica, é necessário analisar a definição do próprio imposto em análise, bem como utilizar-se de conceitos clássicos do Direito Tributário Brasileiro.

Não é demais frisar, neste ponto, que muito embora os Estados membros estabeleçam alíquotas diferenciadas para o consumo de energia elétrica, há outras mercadores que possuem uma necessidade menor que a energia, e que encontram-se tributadas com alíquota ainda inferior, ou tributadas igualmente, a exemplo do que ocorre no Estado de Santa Catarina, onde o ICMS incidente sobre a energia elétrica está no mesmo patamar da alíquota aplicada à operações que envolvam a circulação de armas de fogo, munições, bebidas e cigarros, ou seja, atribuiu o legislador o mesmo caráter “essencial” para estas mercadorias.

São muitas incongruências. É, pois, incabível o fato de em um estado da federação a energia elétrica ser considerada essencial a ponto de suas alíquotas serem reduzidas, enquanto em outro a mesma mercadoria é equiparada, no tocante às alíquotas de ICMS, às armas de fogo, munições, bebidas e cigarros.

Importa lembrar que o ICMS, além de arrecadar fundos para os cofres públicos, deve ser seletivo, a ponto de satisfazer de modo adequado a relação inversamente proporcional existente entre as mercadorias e serviços e suas respectivas alíquotas, ou seja, quanto menor a essencialidade, maior a alíquota e da mesma forma do modo inverso. Assim, alimentos básicos, remédios, vestuário, devem ser tributados com alíquotas menores, enquanto bebidas alcoólicas, armas, munições, cigarros, devem ser mais onerados pelo ICMS.

Quanto as mudanças recentes sobre a constitucionalidade ou não da inclusão das tarifas TUST e TUSD na base de cálculo do ICMS, ficou entendido que o Ministro Fux apenas forneceu aos Estados a possibilidade de poder incidir tais tarifas na base de cálculo do ICMS, porém, ainda é uma liminar, devendo aguardar as resoluções posteriores. Porém, em 2017 esta incidência não estava mais autorizada a ser calculada, mas os Estados estavam tendo um prejuízo enorme com tal lei.

Desta feita, à energia elétrica fornecida deve ser aplicado o princípio da seletividade, reduzindo o mesmo à categoria de bem essencial e, desta forma, aplicando-se alíquotas reduzidas em suas operações tributadas pelo ICMS, sem ignorar que este tributo somente deve incidir sobre a energia elétrica efetivamente consumida.

REFERÊNCIAS

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[1] Acadêmico do Curso de Direito da Faculdade Educacional de Medianeira – UDC Medianeira.

[2] Doutora em Desenvolvimento Sustentável. Mestre em Direito. Professora do Curso de Direito da Faculdade Educacional de Medianeira – UDC Medianeira. flavia@gubertepaz.com

[3] Mestre. Professora do Curso de Direito da Faculdade Educacional de Medianeira – UDC Medianeira. taina@

[4] Estabelece normas gerais de direito financeiro, aplicáveis aos impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre serviços de qualquer natureza, e dá outras providências.