A AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E O IN DUBIO PRO SOCIETATE À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ

A AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E O IN DUBIO PRO SOCIETATE À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ

1 de março de 2023 Off Por Cognitio Juris

THE ACTION OF ADMINISTRATIVE IMPROBITY AND THE IN DUBIO PRO SOCIETATE IN THE LIGHT OF THE JURISPRUDENCE OF THE SUPERIOR COURT OF JUSTICE – STJ

Artigo submetido em 15 de fevereiro de 2023
Artigo aprovado em 20 de fevereiro de 2023
Artigo publicado em 01 de março de 2023

Cognitio Juris
Ano XIII – Número 45 – Março de 2023
ISSN 2236-3009

Autor:
Enéas de Oliveira Dantas Junior[1]

RESUMO: A Lei n.º 8.429/1992 foi amplamente alterada pela Lei nº 14.230, de 2021, a qual implementou alterações importantes no contexto do processamento das ações de improbidade administrativa. A doutrina debate acerca da aplicação do in dubio pro societate no recebimento da petição inicial. Nesta linha, o objetivo deste trabalho é analisar os contornos da mudança legislativa à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ, além de apresentar premissas teóricas que fundamentam diversas discussões acerca da aplicação do in dubio pro societate, sem a finalidade de esgotar o tema.

PALAVRAS-CHAVE: Improbidade Administrativa. Petição Inicial. Jurisprudência.

ABSTRACT: Law Nº. 8.429/1992 was largely amended by Law Nº. 14.230 of 2021, which implemented important changes in the context of processing administrative impropriety actions. The doctrine debates about the application of in dubio pro societate upon receipt of the initial petition. In this line, the objective of this work is to analyze the contours of the legislative change in the light of the jurisprudence of the Superior Court of Justice – STJ, in addition to presenting theoretical premises that underlie several discussions about the application of in dubio pro societate, without the purpose of exhausting the theme.

KEYWORDS: Administrative dishonesty. Inicial petition. Jurisprudence.

  1. INTRODUÇÃO

A Lei n.º 8.429/92, que dispõe sobre os atos e a ação de improbidade administrativa foi alterada, em 25/10/2021, pela Lei nº 14.230, promovendo mudanças substanciais no âmbito do processamento da ação de improbidade administrativa.

A nova legislação nasce por meio de vasto debate doutrinário e da postura ativa da jurisprudência dos Tribunais Superiores, o que acarretou um rechaçamento de vários entendimentos jurisprudenciais firmados à luz da redação anterior à Lei nº 14.230/2021.

Assim, diante das novas alterações, em especial acerca da incidência do in dubio pro societate, no recebimento da petição inicial, há debates que apontam que a nova disciplina legal afasta totalmente a sua aplicação. Por outro lado, também há defesa de que houve uma mitigação ou temperamento na sua efetivação, estando, portanto, ainda presente.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui firme entendimento, com base na redação anterior à Lei nº 14.230/2021 de que a presença de indícios de cometimento de atos ímprobos autoriza o recebimento fundamentado da petição inicial nos termos do artigo 17, §§7º, 8º e 9º, da Lei nº 8.429/92, devendo prevalecer, no juízo preliminar, o princípio do in dubio pro societate.

Ademais, já na égide da redação dada pela Lei nº 14.230/2021, o Superior Tribunal de Justiça no AgInt no AgInt no REsp 968110/DF, julgado em 27/09/2022 e publicado em 23/11/2022, reafirmou, com ressalva, que presentes indícios de cometimento de ato ímprobo, afigura-se devido o recebimento da ação de improbidade, em franca homenagem ao princípio do in dubio pro societate, vigente nesse momento processual, sendo certo que apenas as ações evidentemente temerárias devem ser rechaçadas.

Nesse contexto, o presente trabalho visa abordar, de forma sucinta, os principais aspectos das alterações da Lei nº 14.230/2021 na Lei nº 8.429/92 (Improbidade Administrativa), no que concerne a aplicação doin dubio pro societate e como o STJ vem enfrentando o tema, conforme será trabalhado a seguir.

  • o in dubio pro societate nas ações de improbidade administrativa

A improbidade administrativa é regida pela Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa — LIA). As alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021 provocaram uma grande revolução no modelo até então adotado para apurar e coibir a prática de atos ímprobos que lesem o erário e/ou princípios nucleares à Administração Pública.

Os princípios da moralidade, legalidade e probidade devem pautar toda a atuação do administrador na esfera pública. Assim, ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro[2]:

Não é fácil estabelecer distinção entre moralidade administrativa e probidade administrativa. A rigor, pode‑se dizer que são expressões que significam a mesma coisa, tendo em vista que ambas se relacionam com a ideia de honestidade na Administração Pública. Quando se exige probidade ou moralidade administrativa, isso significa que não basta a legalidade formal, restrita, da atuação administrativa, com observância da lei; é preciso também a observância de princípios éticos, de lealdade, de boa‑fé, de regras que assegurem a boa administração e a disciplina interna na Administração Pública.

O fundamento constitucional está no art. 37, §4º, da Constituição da República Federativa do Brasil, sendo a fonte normativa principal sobre a matéria, conforme ensina José dos Santos Carvalho Filho[3]:

Atualmente, é o art. 37, § 4o, da Constituição, a fonte normativa principal sobre a matéria. Segundo o dispositivo, os atos de improbidade administrativa provocam a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário sem prejuízo da ação penal cabível. Trata-se, sem dúvida, de sanções severas e necessárias à tutela jurídica alvejada (embora, lamentavelmente, nem sempre aplicadas). Há, ainda, outros mandamentos dotados de conteúdo correlato, como, por exemplo, o art. 37, caput (que inclui a moralidade como princípio); o art. 37, § 5 o (prazos de prescrição para ilícitos que causem prejuízos ao erário); e o art. 85, V (crime de responsabilidade do Presidente da República por ato que atente contra a probidade na Administração).

O diploma regulador da improbidade administrativa é a Lei nº 8.429/92 e já no seu art. 17 trata do rito da ação de improbidade, a qual a Lei 14.230/2021 deu nova redação ao §6º, a fim de impor que a petição inicial da ação de improbidade observe o dever de individualizar a conduta do réu e apontar os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência das hipóteses dos arts. 9º, 10 e 11 da referida Lei e de sua autoria, salvo impossibilidade devidamente fundamentada. Exige, ainda, a necessidade de instrução com  documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições constantes dos arts. 77 e 80 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

Na antiga redação legal, o juiz determinava a notificação do requerido para defesa prévia. Tal ato ocorria antes de o juiz receber a petição inicial, pois a defesa prévia ocorria antes da contestação.

Já no regramento vigente, o magistrado examina se a petição inicial deve ser recebida. Em caso positivo, ele determina a citação da parte, a fim de que esta apresente contestação, já que não mais existe a previsão de defesa prévia, conforme §7º do art. 17  da Lei nº 8.429/92. Não obstante, o juiz continua tendo o dever de analisar se recebe ou rejeita a petição inicial. Esse exame é feito antes da citação e de qualquer defesa do réu, por força do novo § 6º-B do art. 17 da Lei nº 8.429/92[4]:

§ 6º-B A petição inicial será rejeitada nos casos do art. 330 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), bem como quando não preenchidos os requisitos a que se referem os incisos I e II do § 6º deste artigo, ou ainda quando manifestamente inexistente o ato de improbidade imputado.

Importante destacar, por outro lado, que, mesmo depois da apresentação da contestação o juiz poderá rejeitar o pedido de condenação formulado na ação de improbidade administrativa, conforme §11 do art. 17 da Lei nº 8.429/92:

§ 11. Em qualquer momento do processo, verificada a inexistência do ato de improbidade, o juiz julgará a demanda improcedente.

Nessa linha, em relação ao in dubio pro societate, a doutrina conceitua o instituto nas hipóteses em que havendo dúvida por parte do magistrado, deve ser priorizado o impulso processual para a fase instrutória, em prol da sociedade. No processo penal, o instituto é comumente aplicado, em especial no recebimento da denúncia e na decisão de pronúncia. Assim, ensina Edilson Mougenot Bonfim[5]:

O juiz pronunciará o réu caso se convença da existência do crime e de indícios suficientes de autoria, dando os motivos de seu convencimento. Até 1941 – ano da promulgação do Código de Processo Penal – as legislações anteriores cobravam para a pronúncia, a par da prova da materialidade delitiva, a presença de “indícios veementes” de autoria, expressão que a partir de então, substituiu-se por “indícios suficientes”, fórmula agora mantida na edição da nova lei. A “suficiência dos indícios” é, pois, menos do que a “veemência indiciária” – que pode haver, evidentemente, mas não é conditio sine qua non para a pronúncia –, mas, inquestionavelmente, é mais que um simples “mero indício”. Há, aqui, uma ascensão na escala probatória, que nasce da simples suspeita e conjectura, passa por indícios e, daí, aos “indícios suficientes” até indícios veementes e à certeza conclusiva pelo raciocínio dedutivo. […] Cobrou, pois, a lei no que se refere à pronúncia, um majus em relação à presença de um simples indício, e um minus em relação à veemência desses. Por isso mesmo, à evidência, não exigiu certeza nessa fase. Donde concluir que a pronúncia não deve conter uma análise profunda do meritum causae. Assim, nessa decisão “apenas se reconhece a existência de um crime e a presença de indícios suficientes da responsabilidade do réu, apontando-se a direção a ser seguida pela ação penal”. Na dúvida, cabe ao juiz pronunciar-se, encaminhando o feito ao Tribunal do Júri, órgão competente para o julgamento da causa. Nessa fase vigora a máxima in dubio pro societatis.

Por outro lado, há quem afirme acerca da inexistência do princípio no ordenamento jurídico, a exemplo da doutrina do Professor Paulo Rangel[6]:

Na pronúncia, segundo a doutrina tradicional, a qual não mais seguimos, impera o princípio in dubio pro societate, ou seja, na dúvida, diante do material probatório que lhe é apresentado, deve o juiz decidir sempre a favor da sociedade, pronunciando o réu e o mandando a júri, para que o conselho de sentença manifeste-se sobre a imputação feita na pronúncia. Não deve, como já dissemos, o juiz entrar no mérito nessa decisão, pois este compete aos jurados. Havendo os requisitos exigidos pela lei para a pronúncia (indícios suficientes de autoria ou de participação e indicação da materialidade do fato), deve ser julgada admissível a acusação. Entendemos que, se há dúvida, é porque o Ministério Público não logrou êxito na acusação que formulou em sua denúncia, sob o aspecto da autoria e materialidade, não sendo admissível que sua falência funcional seja resolvida em desfavor do acusado, mandando-o a júri, onde o sistema que impera, lamentavelmente, é o da íntima convicção. O processo judicial, em si, instaurado, por si só, já é um gravame social para o acusado, que, agora, tem a dúvida a seu favor e, se houve dúvida quando se ofereceu a denúncia, o que, por si só não poderia autorizá-la, não podemos perpetuar essa dúvida e querer dissipá-la em plenário, sob pena de essa dúvida autorizar uma condenação pelos jurados.

            A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no âmbito do processo penal, também reconhece a aplicação do in dubio pro societate:

A propositura da ação penal exige tão somente a presença de indícios mínimos de autoria. A certeza, a toda evidência, somente será comprovada ou afastada após a instrução probatória, prevalecendo, na fase de oferecimento da denúncia o princípio do in dubio pro societate. STJ. 5ª Turma. RHC 93.363/SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 24/05/2018.

            No mesmo sentido, é o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF):

Na fase de deliberação quanto à possibilidade de recebimento da denúncia, na qual vigora o princípio do in dubio pro societate, afigura-se como suficiente para que se autorize a instauração da ação penal tão somente a existência de indícios suficientes de autoria e materialidade. STF. 1ª Turma. AO 2275, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 23/10/2018.

            Verifica-se, assim, que o instituto é fruto de uma construção doutrinária e jurisprudencial, inexistindo previsão legal sobre a sua existência no ordenamento jurídico brasileiro.

Desse modo, apesar das críticas da doutrina, a qual afirma que o in dubio pro societate fere às garantias individuais do cidadão, a exemplo da presunção de inocência, a jurisprudência continua aplicando esse princípio, em especial o Superior Tribunal de Justiça, conforme julgados acima mencionados.

Por sua vez, no contexto do Direito Administrativo Sancionador, a aplicação do instituto é uma realidade, em especial no âmbito da improbidade administrativa, considerando a proximidade entre as ações penais e as ações de improbidade administrativa.

Ressalta-se que as peculiaridades do instituto da improbidade impedem a instauração de ação sem a presença de requisitos mínimos que ensejem a plausibilidade da condenação. Assim se passa pela dimensão essencialmente punitiva da referida ação, que é orientada não especialmente a obter provimento de natureza patrimonial[7], sem olvidar da relevância da gravidade da imputação, a qual pode acarretar a execração pública do imputado. Desta forma, a cautela deve imperar na atuação do magistrado e do autor da ação de improbidade.

Diante da similitude da ação de improbidade com as ações penais, a Lei 14.230/2021, implementou exigências mais densas para o ajuizamento de ações de improbidade, a fim de evitar a banalização do sancionamento. Não se pode admitir que a ação de improbidade seja instaurada sem a exposição de fatos que se subsumam às hipóteses normativas ou sem a existência de um mínimo de provas suficientemente consistentes para evidenciar a materialidade do ato ímprobo e para ser o nexo que indique um sujeito à sua prática e ocorrência.

O professor Marçal Justen Filho, ensina acerca da tese do in dubio pro societate[8]:

Na ação de improbidade, o postulado do “in dubio pro societate” somente pode ser aplicado se houver respeito às garantias constitucionais reconhecidas ao acusado. No momento da instauração do processo, ainda não existe a constituição completa e perfeita das provas. É necessário que os fatos sejam típicos e que haja provas para gerar um mínimo de credibilidade para a acusação.

A dúvida, que pode ser resolvida em favor da instauração do processo, é aquela decorrente de indícios sérios e consistentes, fundados em evidências satisfatórias quanto à existência e à autoria de conduta ímproba subsumível às hipóteses previstas nos arts. 9°, 10 e 11 da Lei. Ou seja, deve haver prova suficiente para respaldar a acusação. Não se aplica o “in dubio pro societate” quando não existirem provas ou quando forem destituídas de credibilidade mínima.

A relevância das repercussões da instauração do processo para punição por improbidade implica a necessidade de plausibilidade jurídica da imputação e de provas suficientes quanto à existência do ilícito e da consumação da infração pelo acusado.

Nesse sentido, é indispensável que para a instauração de ação de improbidade, os autos venham acompanhados de evidências suficientes quanto à existência do ato de improbidade, a fim de que haja demonstração, de modo plausível, acerca da existência do ilícito e de sua autoria, a qual deve ser feita de modo individual, não apenas narrando os fatos relevantes e pertinentes, mas, acima de tudo, individualizando a conduta de cada autor, além de apontar sua conduta no enquadramento específico dos artigos 9º, 10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa.

À luz da doutrina de Marçal Justen Filho[9]:

Acrescente-se que a consagração do postulado do “in dubio pro societate” não se relaciona com a avaliação da existência ou da inexistência de ato de improbidade administrativa.

(…)

Existindo dúvida sobre a configuração da improbidade, será viável a instauração do processo. Mas a condenação do acusado somente será admissível se, durante o processo, a dúvida tiver sido eliminada. Portanto, infringe a Constituição que se instaure um processo reconhecendo a existência de dúvida e que se produza a condenação do acusado sem a produção de provas adequadas e satisfatórias a afastar as dúvidas iniciais.

Diante dessas considerações doutrinárias, a possibilidade de aplicação do in dubio pro societate no ordenamento jurídico é tema de amplo debate e críticas, razão pela qual para melhor compreensão acerca dos requisitos para admitir o impulso processual da ação de improbidade administrativa, passa-se à análise da jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça.

  • O IN DUBIO PRO SOCIETATE À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui diversos (anteriores à Lei nº 14.230/2021) julgados afirmando que, se o magistrado entender que há meros indícios do cometimento de atos enquadrados como improbidade administrativa, deve receber a petição inicial, a fim de primar pelo interesse público, tendo em vista que nesse momento processual impera o in dubio pro societate.

Nesse sentido, mister se faz colacionar os principais julgados do STJ:

Consoante orientação sedimentada nesta Corte, na fase de recebimento da inicial da ação civil pública de improbidade administrativa, basta a demonstração de indícios da prática de ato ímprobo, ou, fundamentadamente, as razões de sua não apresentação, em observância ao princípio do in dubio pro societate.STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1761220/PR, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 11/10/2021.

Esta Corte Superior possui o entendimento de que é suficiente a demonstração de indícios razoáveis de prática de atos de improbidade e autoria para que se determine o processamento da ação, em obediência ao princípio do in dubio pro societate, a fim de possibilitar maior resguardo do interesse público.STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1609723/MG, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 23/09/2021.

            Antes de passar à análise dos julgados mais recentes, importante ressaltar que a crítica doutrinária acerca da mera invocação do in dubio pro societate, na jurisprudência do STJ, está relacionada, em especial, acerca da ausência ou deficiência de fundamentação à luz das provas juntadas com a inicial.

            Ademais, em sede de Recursos Especiais, o STJ, tem um histórico firme de aplicação do in dubio pro societate, a exemplo do REsp n. 1.940.837/RJ; 1.816.809/RS; 1.820.025/PB; 1.770.305/RJ; 1.786.187/SP; 1.836.329/CE; 1.840.060/MG; 1.808.323/PB, conforme consulta no sítio eletrônico do Tribunal[10].

            No REsp n.º 1.786.187/SP, o STJ enfrentou o tema da corrupção e ratificou a aplicação do in dubio pro societate, na defesa do interesse público para o esclarecimento de fatos relacionados à atuação dos servidores e gestores públicos, vejamos a ementa:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DIRETA DE SERVIÇOS EDITORIAIS. PEDIDO DE RESSARCIMENTO INTEGRAL DO DANO AO ERÁRIO. ACÓRDÃO QUE, EM AGRAVO DE INSTRUMENTO, RECHAÇOU A TESE DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. RECURSO QUE NÃO LOGROU IMPUGNAR ESPECIFICAMENTE OS FUNDAMENTOS DO JULGADO HOSTILIZADO. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF. AUSÊNCIA DE COTEJO HÁBIL A DEMONSTRAR A SIMILITUDE FÁTICO-JURÍDICA ENTRE OS CASOS POSTOS EM CONFRONTO. DEFICIENTE FUNDAMENTAÇÃO DO RECURSO. SÚMULA 284/STF. MATÉRIA DE MÉRITO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA, NA FASE INSTRUTÓRIA. IMPRESCINDIBILIDADE DO REEXAME DE FATOS E PROVAS. INVIABILIDADE NA VIA ELEITA. REVISÃO. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Sobressai, na argumentação desenvolvida no Recurso Especial, que as razões do apelo não expressam, com clareza e objetividade, os motivos que levam a parte recorrente a postular a reforma da decisão recorrida. Omissão que dificulta a exata compreensão da controvérsia no plano jurídico-legal. 2. A via estreita do Recurso Especial exige a demonstração inequívoca da ofensa ao dispositivo inquinado como violado, bem como a sua particularização, a fim de possibilitar o seu exame em conjunto com o decidido nos autos, sendo certo que a falta de indicação dos dispositivos infraconstitucionais tidos como violados caracteriza deficiência de fundamentação, em conformidade com o Enunciado Sumular 284 do STF. 3. A presença de indícios de cometimento de atos de improbidade autoriza o recebimento da petição inicial da Ação Civil Pública destinada à apuração de condutas que se enquadrem à Lei 8429/1992 . Deve, assim, prevalecer o princípio do in dubio pro societate. Precedentes do STJ. 4. No caso em concreto, foi com base no conjunto fático e probatório constante dos autos que o Tribunal de origem entendeu pela presença de indícios de prática de improbidade administrativa pela parte ora Recorrente, a autorizar o recebimento da petição inicial. A revisão de tais fundamentos é inviável na via recursal eleita, a teor do que dispõe a Súmula 7/STJ. 5. É necessária regular instrução probatória a fim de que haja a demonstração quanto à efetiva presença de elemento subjetivo exigido para a configuração do ato de improbidade administrativa, o que reforça, por sua vez, a necessidade de recebimento da petição inicial. 6. A divergência jurisprudencial deve ser comprovada, cabendo a quem recorre demonstrar as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, com indicação da similitude fática e jurídica entre eles. Indispensável a transcrição de trechos do relatório e do voto dos acórdãos recorrido e paradigma, realizando-se o cotejo analítico entre ambos, com o intuito de bem caracterizar a interpretação legal divergente. O desrespeito a esses requisitos legais e regimentais (art. 541, parágrafo único, do CPC e art. 255 do RI/STJ) impede o conhecimento do Recurso Especial, com base na alínea c do inciso III do art. 105 da Constituição Federal. 7. Recurso Especial não conhecido. (STJ – REsp: 1786187 SP 2018/0302496-7, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 01/10/2019, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/10/2019). (grifos não constantes do original)

            Por outro lado, no REsp de nº 1.894.881/PR, o STJ refutou a incidência do in dubio pro societate:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 1.022 DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS, NO ACÓRDÃO RECORRIDO. INCONFORMISMO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REJEIÇÃO DA PETIÇÃO INICIAL, EM RELAÇÃO A UM DOS RÉUS. ACÓRDÃO IMPUGNADO QUE, FUNDAMENTADAMENTE, ENTENDEU PELA AUSÊNCIA DE INDÍCIOS MÍNIMOS DA PRÁTICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, QUANTO AO RECORRIDO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO, E, NESSA EXTENSÃO, IMPROVIDO. I. Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015. Incidência do Enunciado Administrativo 3/2016, do STJ (“Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC”). II. Na origem, o Ministério Público do Estado do Paraná, ora recorrente, ajuizou Ação Civil Pública, postulando a condenação do recorrido – ex-Diretor da Receita Estadual do Paraná – e de outros vinte réus pela prática de atos de improbidade administrativa. Tal ação representa um dos desdobramentos da denominada “Operação Publicano” e ‘tem por objeto especificamente a promoção, constituição e integração dos requeridos em organização criminosa incrustada no âmbito da Receita Estadual do Estado do Paraná, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, especialmente econômica, mediante a prática de crimes diversos, em especial contra a Administração Pública (arts. 9º e 11, ambos da Lei nº 8.429/92) envolvendo um grupo pontual de empresas do ramo de veículo e autopeças”. Recebida a inicial, contra todos os réus, o ora recorrido interpôs Agravo de Instrumento. No acórdão objeto do Recurso Especial, o Tribunal de origem deu provimento ao Agravo de Instrumento, para rejeitar a inicial, em relação ao recorrido, ensejando a interposição do presente Recurso Especial. III. Não há falar, na hipótese, em violação ao art. 1.022 do CPC/2015, porquanto a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, de vez que os votos condutores do acórdão recorrido e do acórdão proferido em sede de Embargos de Declaração apreciaram fundamentadamente, de modo coerente e completo, as questões necessárias à solução da controvérsia, dando-lhes, contudo, solução jurídica diversa da pretendida. IV. Com efeito, no que se refere à alegada omissão do acórdão, “uma vez que não considerou circunstâncias que demonstram a existência de indícios para o recebimento da inicial, a vigência nesta fase do princípio in dubio pro societate e o requerimento inicial para a produção de provas”, o Tribunal de origem foi expresso ao registrar, “(i) a ausência de menção do nome do embargante como participante da organização criminosa pelos empresários abordados pelos auditores fiscais Wuelinton Guilherme da Silva, Danielly Saderi Garcia, e pelos delatores Luiz Antônio de Souza e Rosângela de Souza Semprebom; (ii) a imputação genérica da distribuição de propinas a todos os auditores que ocuparam cargo de hierarquia da Receita Estadual, sem a devida distinção, pelo delator; (iii) a existência de absolvição no juízo criminal do embargado que, após a devida apreciação da prova testemunhal, colhida sob o crivo do contraditório, não comprovou que o embargado integrasse a organização criminosa (…) A regular instrução processual era desnecessária para concluir pela existência de ato ímprobo, já que as provas produzidas apontaram pela ausência de participação do embargado no ilícito praticado no âmbito da Receita Estadual (…) Verifica-se, portanto, da petição inicial da ação de improbidade administrativa que as imputações ao embargado deram-se de forma abstrata, não se evidenciando a justa causa para a ação de improbidade (…) Inexiste, assim, prova que o embargado tenha praticado o ilícito noticiado na inicial. Alia-se, ainda, que nenhum documento ou testemunha se referem ao embargado (…) a força do princípio do in dubio pro societate é temperada pelas hipóteses previstas para indeferimento da inicial, no já citado art. § 8º do art. 17 da Lei de Improbidade Administrativa (…) se não houver indícios mínimos de autoria e materialidade aptos a demonstrar a possibilidade de procedência da pretensão, deve-se rejeitar em seu nascedouro a ação de improbidade administrativa”. V. Na forma da jurisprudência do STJ, não se pode confundir decisão contrária ao interesse da parte com ausência de fundamentação ou negativa de prestação jurisdicional. Nesse sentido: STJ, REsp 801.101/MG, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 23/04/2008; REsp 1.672.822/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 30/06/2017; REsp 1.669.867/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 30/06/2017. VI. No caso, o Tribunal de origem, com base nas provas dos autos, concluiu, motivadamente, pela ausência de indícios mínimos, suficientes para o recebimento da petição inicial, ao fundamento de que “ao contrário do alegado pelo Ministério Público não existem indícios da prática de ato ímprobo a justificar o recebimento da inicial da ação de improbidade administrativa em relação ao agravante (…). O nome do agravante não foi expressamente mencionado pelas vítimas/réus empresários (…). Denota-se que não há participação direta do agravante nas abordagens feitas por auditores fiscais ímprobos aos empresários. (…) Não bastasse isso, cumpre observar que (…) fora absolvido no Juízo Criminal, por não existir prova suficiente para a condenação, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código Penal. Tal fato, porém, não vincula o juízo cível e a rejeição da inicial de improbidade, porque a absolvição somente ocorreria se comprovada a ausência do fato ilícito ou a autoria. (…) A sentença criminal apurou que a prova testemunhal, colhida sob o crivo do contraditório, não comprovou que o agravante (…) integrasse a organização criminosa. Ou seja, não ficou demonstrado que o agravante participou ou se beneficiou dos fatos alegados pelo autor, recebimento de propinas, ou mesmo que integrou a organização criminosa. Assim sendo, neste caso em específico, não há como autorizar o recebimento da inicial da ação de improbidade administrativa em relação ao agravante por inexistirem indícios suficientes da prática de ato ímprobo. (…) Da detida análise dos autos, verifica-se que as provas apresentadas pelo Ministério Público do Estado do Paraná não demonstram sequer indícios do cometimento de ato ímprobo pelo agravante (…). Verifica-se, portanto, da petição inicial da ação de improbidade administrativa que as imputações ao embargado se deram de forma abstrata, não se evidenciando a justa causa para a ação de improbidade. Isto porque não há a necessária descrição em concreto de sua conduta. Tampouco se buscou demonstrar, com base nos fatos, a existência do elemento subjetivo e do nexo de causalidade, isto é, a parte autora não indicou como seria possível extrair a presença de dolo ou culpa do embargado na prática de ato ímprobo voltado a lesar a Receita Estadual, em benefício próprio. Ao contrário, a denúncia está calcada tão só no argumento singelo e frágil segundo o qual ‘o embargado, por ter exercido o cargo de Diretor da Receita Estadual, integrou organização criminosa com intuito de lesar o erário”. VII. Nos termos em que a causa foi decidida, infirmar os fundamentos do acórdão recorrido, para acolher a pretensão do agravante – no sentido de que haveria indícios da prática de atos de improbidade administrativa pelo recorrido – demandaria o reexame de matéria fática, o que é vedado, em Recurso Especial. Nesse sentido: STJ, AgRg no REsp 1.398.938/RN, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 30/11/2016; AgInt no REsp 1.600.403/GO, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 31/08/2016; AgRg no REsp 1.370.342/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 11/10/2013. VIII. No mesmo sentido decidiu a Segunda Turma do STJ, ao negar provimento ao recurso do Ministério Público do Estado do Paraná, no AgInt no REsp 1.897.071/PR (Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, DJe de 18/12/2020), envolvendo as mesmas partes, em outra ação de improbidade administrativa, também derivada da denominada “Operação Publicano”, mas envolvendo um grupo pontual de empresas do ramo de supermercados – no presente caso, os fatos envolvem empresas do ramo de veículo e autopeças -, julgamento no qual, tal como na situação em análise, a inicial fora recebida, em 1º Grau, quanto ao réu H H O, mas o Tribunal a quo, em acórdão com idênticos fundamentos do aresto ora impugnado, concluiu, motivadamente, pela ausência de indícios mínimos para o recebimento da petição inicial, em relação ao ora recorrido. IX. Recurso Especial parcialmente conhecido, e, nessa extensão, improvido. (STJ – REsp: 1894881 PR 2020/0235497-8, Relator: Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Data de Julgamento: 23/03/2021, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/04/2021). (grifos não constantes do original).

            Ademais, no REsp 1.570.000-RN, decidiu o STJ: A decisão de recebimento da petição inicial da ação de improbidade não pode limitar-se ao fundamento de in dubio pro societate. STJ. 1ª Turma. REsp 1.570.000-RN, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. Acd. Min. Gurgel de Faria, julgado em 28/09/2021 (Info 711). Nas razões de decidir deste julgado, percebe-se que o Tribunal afirmou que o juiz deve, ao menos, antes de invocar o in dubio pro societate, tecer comentários acerca dos indícios de autoria e da causa de pedir da ação de improbidade. Deste modo, não se está aqui a afastar de forma cabal à aplicação do instituto, o que se quer destacar é a necessidade de maior fundamentação na decisão de recebimento da inicial.

            Já na égide da nova redação dada pela Lei nº 14.230/2021, o Superior Tribunal de Justiça, no AgInt no AgInt no REsp 968110/ DF, reafirmou o precedente do Tribunal quanto à aplicação do in dubio pro societate, ressalvando as ações temerárias, conforme ementa:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. RECEBIMENTO DA INICIAL. INDÍCIOS. AUSÊNCIA. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE.

1. Conforme pacífico entendimento jurisprudencial desta Corte Superior, presentes indícios de cometimento de ato ímprobo, afigura-se devido o recebimento da ação de improbidade, em franca homenagem ao princípio do in dubio pro societate, vigente nesse momento processual, sendo certo que apenas as ações evidentemente temerárias devem ser rechaçadas.

2. Hipótese em que, em face das premissas fáticas assentadas no acórdão objurgado, que não reconheceu a existência de evidências capazes de autorizar o recebimento da inicial com relação aos procuradores do GDF, responsáveis pela elaboração de pareceres jurídicos, a modificação do entendimento firmado pelas instâncias ordinárias demandaria induvidosamente o reexame de todo o material cognitivo produzido nos autos, desiderato incompatível com a via especial, nos termos da Súmula 7 do STJ.

3. Agravo interno de Cybele Lara da Costa Queiroz, Dilma Monteiro, José Luciano Arantes e Márcia Carvalho Gazeta provido.

(AgInt no AgInt no REsp n. 968.110/DF, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 23/11/2022.). (grifos não constantes do original)

            Nas razões de decidir do AgInt no AgInt no REsp 968110/ DF, o STJ não afastou o princípio do in dubio pro societate, mas afirmou a necessidade de motivação, bem como que “o legislador quis impedir o ajuizamento de ações temerárias, evitando, com isso, além de eventuais perseguições políticas e o descrédito social de atos ou decisões político-administrativos legítimos, a punição de administradores ou de agentes públicos inexperientes, inábeis ou que fizeram uma má opção política na gerência da coisa pública ou na prática de atos administrativos, sem má-fé ou intenção de lesar o Erário ou de enriquecimento”. E deixou explícito: “Nessa linha, convém anotar que a decisão de recebimento da inicial da ação de improbidade não pode limitar-se à invocação do in dubio pro societate, devendo, antes, ao menos, tecer comentários sobre os elementos indiciários e a causa de pedir, ao mesmo tempo que, para a rejeição, deve bem delinear a situação fático-probatória que lastreia os motivos de convicção externados pelo órgão judicial.”

            Por fim, o § 6º-B do art. 17, da Lei de Improbidade, inserido pela Lei nº 14.230/2021, reza que a petição inicial será rejeitada “quando manifestamente inexistente o ato de improbidade imputado”, nos casos do art. 330 do CPC e quando não preenchidos os requisitos do § 6º do art. 17 da Lei de Improbidade. Ocorre que, a nova redação é similar ao revogado[11] §8º do art. 17 da Lei de Improbidade, não havendo, portanto, razões, com base nos julgados acima colacionados, para afirmar que o STJ alterará seu histórico entendimento, por conta da novidade legislativa decorrente da Lei  n.º 14.230/2021.

  • Considerações finais

            Diante das variadas interpretações judiciais e das dúvidas acerca das imprecisões das normas contidas na Lei n.º 8.429/1992, a Lei n.º 14.230/2021 alterou de forma substancial toda a sistemática do processo de improbidade administrativa, em especial exigindo requisitos mais pormenorizados para o recebimento da petição inicial, o que leva a crer que houve um temperamento na incidência do in dubio pro societate.

            Nessa linha, a nova disciplina legal fornece um procedimento claro e detalhado para a admissibilidade da ação de improbidade e reforça a necessidade de observância dos direitos individuais. Não obstante, a jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça ainda é firme na aplicação do princípio, excepcionando as ações evidentemente temerárias, conforme AgInt no AgInt no REsp n. 968.110/DF, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 23/11/2022.

            Com efeito, as reformas da Lei de Improbidade Administrativa pela Lei nº 14.230/2021 foram amplas, divergentes e de profundo debate no seio jurídico, político e social. No entanto, a Jurisprudência dos Tribunais Superiores ainda caminha para o enfrentamento de mais casos à luz da vigência da nova redação dada pela Lei nº 14.230/2021. Não obstante, mister se faz a exigência de cautela e prudência na aplicação do in dubio pro societate, sem olvidar da devida fundamentação, diante da incidência do direito administrativo sancionador nas ações de improbidade administrativa.

            Ante o exposto, o estudo não possui a finalidade de exaurir o tema, objetivando-se, deste modo, instigar o pensamento crítico, haja vista que os desdobramentos fáticos e jurídicos ainda são pontuais, por força da prematuridade da nova redação da Lei de Improbidade Administrativa dada pela Lei n.º 14.230/2021.

REFERÊNCIAS

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CAVALCANTE, Márcio André Lopes. A decisão de recebimento da petição inicial da ação de improbidade não pode limitar-se ao fundamento de in dubio pro societate. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/b7c0c7d6ce233d0fe18625ea3cd5bdb1>. Acesso em: 05/02/2023

______________________________. Críticas ao princípio do in dubio pro societate na fase da pronúncia. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/0b7a9d54deeb611edc4540d286e9a042>. Acesso em: 05/02/2023

_____________________________. Princípio do in dubio pro societate nas ações de improbidade administrativa. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/53e3a7161e428b65688f14b84d61c610>. Acesso em: 02/02/2023

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FILHO, Marçal Justen. Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: Lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.

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RANGEL, Paulo. Tribunal do Júri: visão linguística, histórica, social e jurídica. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2015.


[1] Assessor de Magistrado no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Aracaju/SE. Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Especialista em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Damásio de Jesus. Especialista em Direito Processual Penal pela Faculdade Signoreli. Pós-graduando em Direito Eleitoral e Direito Digital e Proteção de Dados pela UNIBAGOZZI. Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes.

[2]     DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 33. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 1825.

[3]     FILHO. José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2020. p. 1882.

[4]     BRASIL. Lei de Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro, 2 de junho de 1992; 171° da Independência e 104° da República. Presidente Fernando Collor. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm

[5]     BONFIM, Edilson Mougenot. Júri: do inquérito ao plenário. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 176-177

[6]     RANGEL, Paulo. Tribunal do Júri: visão linguística, histórica, social e jurídica. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2015. p. 152

[7]          FILHO, Marçal Justen. Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: Lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 208.

[8]          FILHO, Marçal Justen. Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: Lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 211.

[9]             FILHO, Marçal Justen. Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: Lei 14.230, de 25 de outubro de 2021. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p. 40.

[10]   Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/. Acesso em: 05 de fevereiro de 2023.

[11] Revogado § 8o  Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.  (Vide Medida Provisória nº 2.088-35, de 2000)  (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)