O IMPACTO DA LEI Nº 14.532/2023 NO DELITO DE INJÚRIA RACIAL

O IMPACTO DA LEI Nº 14.532/2023 NO DELITO DE INJÚRIA RACIAL

1 de março de 2023 Off Por Cognitio Juris

THE IMPACT OF LAW No. 14.532/2023 ON THE CRIME OF RACIAL INJURY

Artigo submetido em 15 de fevereiro de 2023
Artigo aprovado em 21 de fevereiro de 2023
Artigo publicado em 01 de março de 2023

Cognitio Juris
Ano XIII – Número 45 – Março de 2023
ISSN 2236-3009

Autor:
Enéas de Oliveira Dantas Junior[1]

RESUMO: Tendo em vista a irradiação dos direitos fundamentais nas relações sociais, tendo como fundamento maior, o princípio da dignidade humana, a fim de coibir toda forma de discriminação, o presente trabalho tem como escopo central à análise da nova disciplina legal acerca da injúria racial, nos termos da Lei nº 14.532/2023, e os desdobramentos nas alterações realizadas na Lei nº 7.716/1989. Nessa linha, a nova legislação vem com o intuito de reforçar à criminalização de condutas discriminatórias e ofensivas, dando, por conseguinte, o mesmo tratamento que os Tribunais Superiores já vinham adotando, no que concerne à imprescritibilidade e inafiançabilidade destas condutas. Assim, o estudo tem como pretensão apresentar as premissas teóricas que fundamentam às discussões acerca do tema, este amplamente discutido no universo jurídico, além de apresentar uma visão crítica a respeito de alguns pontos da referida legislação, em decorrência das dúvidas no meio jurídico a respeito de sua aplicação prática, a qual será discutida, sem pretensão de esgotar o tema.

PALAVRAS-CHAVE: Injúria. Racismo. Imprescritibilidade. Jurisprudência.

ABSTRACT: In view of the irradiation of fundamental rights in social relations, having as its main foundation, the principle of human dignity, in order to curb all forms of discrimination, the present work has as its central scope the analysis of the new legal discipline about racial injury, pursuant to Law Nº. 14.532/2023, and the consequences of the amendments made to Law Nº. 7.716/1989. In this line, the new legislation is intended to reinforce the criminalization of discriminatory and offensive conduct, thus giving the same treatment that the Superior Courts had already been adopting, with regard to the imprescriptibility and non-bailability of these conducts. Thus, the study intends to present the theoretical premises that underlie the discussions on the subject, which is widely discussed in the legal universe, in addition to presenting a critical view about some points of the referred legislation, due to the doubts in the legal environment regarding of its practical application, which will be discussed, without intending to exhaust the theme.

KEYWORDS: Injury. Racism. Invalidity. Jurisprudence.

  1. INTRODUÇÃO

A Lei nº 14.532/2023 alterou o Código Penal e a Lei do Crime Racial (Lei nº 7.716/1989), para tipificar como crime de racismo a injúria racial, além de prever pena pena de suspensão de direito em caso de racismo praticado no contexto de atividade esportiva ou artística e pena para o racismo religioso e recreativo e para o praticado por funcionário público.

Ocorre que, a nova disciplina legal é fruto de diversos debates doutrinários e da postura ativa da jurisprudência dos Tribunais Superiores, uma vez que o Poder Judiciário, recentemente, foi instado a analisar o contexto da imprescritibilidade do crime de injúria racial, não havendo, portanto, distinção constitucional, acerca do tratamento que foi dado ao crime de racismo, neste ponto.

Com efeito, diante do novo texto legal, a injúria racial é inafiançável e imprescritível, assim como as outras modalidades de racismo, consolidando, assim, o entendimento do Supremo Tribunal Federal, sem falar de uma das principais características, qual seja, o crime passa a ser de ação penal pública incondicionada.

Pretende o novo diploma legal efetivar o art. 3º, inciso IV, da CRFB/88, o qual reza como um dos objetivos fundamentais da República a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Não obstante, visa, ainda, fortalecer a previsão do art. 5º, inciso XLII, da CRFB/88: “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”.

Nesse contexto, o presente trabalho visa abordar, de forma sucinta, os principais aspectos e alterações no Código Penal e na Lei do Crime Racial (Lei nº 7.716/1989), feitos pela Lei nº 14.532/2023, conforme será detalhado a seguir.

  • AS MODIFICAÇÕES NO DIPLOMA PENAL

Com base no art. 2º da Lei nº 14.532/2023, o §3º do art. 140 do Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação: Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Verifica-se, assim, que o Código Penal, depois da Lei 14.532/2023, não prevê as expressões “raça, cor, etnia, origem”. Em palavras simples, o § 3º do art. 140 “foi dividido”, justamente para que o crime de injúria racial agora possa pertencer ao bojo da Lei do Crime Racial (Lei 7.716/1989), realocado, portanto, para o art. 2º-A da Lei do Crime Racial (Lei 7.716/1989).

Desse modo, a tipificação foi realocada para outro diploma legal, não se podendo falar em descriminalização. A conduta permanece tipificada, mas em legislação topologicamente diversa da anterior. Em outras palavras, não há que falar em abolitio criminis, quiça descontinuidade normativo-típica, mas sim em continuidade normativo-típica. Neste ponto, o legislador retirou a menção à raça e etnia do item específico já existente do Código Penal (art. 140) e inseriu um novo artigo na Lei de Crimes Raciais.

Por outro lado, não foi realocado do §3º do art. 140 o preconceito religioso, que continua sendo punido com base nesta citada previsão. No entanto, o aplicador da norma deve analisar o caso concreto, pois se este retratar ofensas, incidirá o art. 140, §3º, do CP. Por outro lado, se indicar segregação ou incentivo à segregação, estamos diante da hipótese de crime previsto na Lei nº 7.716/89.

Ressalta-se que preconceito é uma opinião ou sentimento formado sem reflexão, concebido antecipadamente ou independentemente de experiência ou razão, sem levar em conta o fato que os conteste e, por extensão, suspeita, intolerância, ou aversão de outras raças e credos.

Já a discriminação, ao contrário do preconceito, que é estático, consiste em uma atitude dinâmica de separação, apartação ou segregação, seria a concretização do preconceito.

Por sua vez, o Estatuto da Igualdade Racial (Lei n. 12.888/2010) conceitua o que seria a discriminação racial: “Art. 1º, I – discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada.”[2]

O tema é de suma importância, tendo em vista que o constituinte originário o elencou como objetivo fundamental da República: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”[3]

Não obstante, ainda em âmbito constitucional, encontramos no artigo 5º, a indicação dos crimes de racismo como inafiançáveis e imprescritíveis.

A doutrina diferenciava as condutas com base nos aspectos práticos, pois enquanto o racismo é inafiançável, imprescritível e de ação penal pública incondicionada, a injúria sempre teve tratamento como crime afiançável, prescritível e de ação penal pública condicionada a representação da vítima.

No entanto, inicialmente, à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), este interpretou o delito de injúria racial no âmbito dos crimes de racismo, tornando-a imprescritível, pois cometida com sentido de segregação, somando-se às definições da Lei nº 7.716/89 (AgRg no REsp 686.965/DF), conforme ementa:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INJÚRIA RACIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA NOS AUTOS DE CERTIDÃO EMITIDA POR SERVENTUÁRIO DA JUSTIÇA ABRINDO PRAZO PARA A RESPOSTA AO REFERIDO RECURSO. TEMPESTIVIDADE DO AGRAVO AFERIDA EM CONFORMIDADE COM A SÚMULA N.448 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF. DECISÃO EXTRA PETITA. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO DE ARTIGOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INVIABILIDADE EM RECURSO ESPECIAL. IMPRESCRITIBILIDADE DO DELITO DE INJÚRIA RACIAL. DECADÊNCIA. INEXISTÊNCIA, IN CASU. RECURSO DESPROVIDO. 1. Não há que se falar em cerceamento de defesa, porquanto consta dos autos documento assinado por serventuário da justiça certificando que, em 22.1.2015, as partes foram intimadas para responderem, no prazo de 5 (cinco) dias, o recurso de agravo em recurso especial. 2. O agravo é tempestivo, pois consoante a Súmula n.448 do Supremo Tribunal Federal: “O prazo para o assistente recorrer, supletivamente, começa a correr imediatamente após o transcurso do prazo do Ministério Público.” In casu, sequer consta nos autos a informação de que o Ministério Público tenha sido intimado pessoalmente da decisão que inadmitiu o recurso especial. 3. O recurso da parte adversa traz tópico específico acerca da prescrição, não havendo que se falar em decisão extra petita, no ponto. 4. Não cabe, na via do recurso especial, a análise de suposta violação de artigos da Constituição Federal. De acordo com o magistério de Guilherme de Souza Nucci, com o advento da Lei n. 9.459/97, introduzindo a denominada injúria racial, criou-se mais um delito no cenário do racismo, portanto, imprescritível, inafiançável e sujeito à pena de reclusão. 5. A injúria racial é crime instantâneo, que se consuma no momento em que a vítima toma conhecimento do teor da ofensa. No presente caso a matéria ofensivo foi postada e permaneceu disponível na internet por largo tempo, não sendo possível descartar a veracidade do que alegou a vítima, vale dizer, que dela se inteirou tempos após a postagem (elidindo-se a decadência). O ônus de provar o contrário é do ofensor. 6. A dúvida sobre o termo inicial da contagem do prazo decadencial, na hipótese, deve ser resolvida em favor do processo. Agravo Regimental desprovido. (STJ – AgRg no AREsp: 686965 DF 2015/0082290-3, Relator: Ministro ERICSON MARANHO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), Data de Julgamento: 18/08/2015, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 31/08/2015). (grifos não constantes do original).

Já o Supremo Tribunal Federal (STF) seguiu a mesma linha no julgamento do Habeas Corpus de nº 154.248/DF. Segundo a Corte Suprema, a Constituição Federal, que é expressa a respeito da imprescritibilidade do racismo, não distingue quais tipos penais podem ser assim classificados, ou seja, não limita a incidência de medidas mais severas às condutas tipificadas na Lei 7.716/89, vejamos:

HABEAS CORPUS. MATÉRIA CRIMINAL. INJÚRIA RACIAL (ART. 140, § 3º, DO CÓDIGO PENAL). ESPÉCIE DO GÊNERO RACISMO. IMPRESCRITIBILIDADE. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. Depreende-se das normas do texto constitucional, de compromissos internacionais e de julgados do Supremo Tribunal Federal o reconhecimento objetivo do racismo estrutural como dado da realidade brasileira ainda a ser superado por meio da soma de esforços do Poder Público e de todo o conjunto da sociedade. 2. O crime de injúria racial reúne todos os elementos necessários à sua caracterização como uma das espécies de racismo, seja diante da definição constante do voto condutor do julgamento do HC 82.424/RS, seja diante do conceito de discriminação racial previsto na Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. 3. A simples distinção topológica entre os crimes previstos na Lei 7.716/1989 e o art. 140, § 3º, do Código Penal não tem o condão de fazer deste uma conduta delituosa diversa do racismo, até porque o rol previsto na legislação extravagante não é exaustivo. 4. Por ser espécie do gênero racismo, o crime de injúria racial é imprescritível. 5. Ordem de habeas corpus denegada. (STF – HC: 154248 DF 0067385-46.2018.1.00.0000, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 28/10/2021, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 23/02/2022). (grifos não constantes do original).

Nesse sentido, por força das decisões das Cortes Superiores, o Legislador andou bem por modificar o conteúdo da qualificadora do art. 140, §3º, do Código Penal, com a promulgação da nova lei em análise, excluindo-se, portanto, ofensas com elementos referentes a raça, cor, etnia ou procedência nacional, estas que foram transferidas para a Lei n.º 7.716/89.

Frise-se que a injúria religiosa ou contra a condição de pessoa idosa ou com deficiência ainda são reguladas pelo Código Penal, e não pela Lei n.º 7.716/89.

  • AS MODIFICAÇÕES LEGISLATIVAS NA LEI Nº 7.716/1989

Já no seu art. 1º, a Lei nº 14.532/2023 altera diversos dispositivos da Lei nº 7.716/89, vejamos[4]:

Art. 2º-A – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional.

Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada de metade se o crime for cometido mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas.

Art. 20 – § 2º Se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido por intermédio dos meios de comunicação social, de publicação em redes sociais, da rede mundial de computadores ou de publicação de qualquer natureza:

§ 2º-A Se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público:

Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e proibição de frequência, por 3 (três) anos, a locais destinados a práticas esportivas, artísticas ou culturais destinadas ao público, conforme o caso.

§ 2º-B Sem prejuízo da pena correspondente à violência, incorre nas mesmas penas previstas no caput deste artigo quem obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas.

§ 3º No caso do § 2º deste artigo, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência:

Art. 20-A. Os crimes previstos nesta Lei terão as penas aumentadas de 1/3 (um terço) até a metade, quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação.”

Art. 20-B. Os crimes previstos nos arts. 2º-A e 20 desta Lei terão as penas aumentadas de 1/3 (um terço) até a metade, quando praticados por funcionário público, conforme definição prevista no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las.”

Art. 20-C. Na interpretação desta Lei, o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência.”

Art. 20-D. Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a vítima dos crimes de racismo deverá estar acompanhada de advogado ou defensor público.”

            Antes de passar à análise dos dispositivos citados, merece destaque breves considerações acerca dos seguintes conceitos:

            Raça

            À luz das lições de Roberta Fragoso Menezes Kaufmann, sobre raça[5]:

A palavra raça pode ser empregada nas mais diferentes maneiras. Pode ter um sentido de fenótipo, a revelar um conjunto de características físicas, como cor da pele, cor e textura do cabelo, cor e formato dos olhos, formato do nariz e espessura dos lábios. Pode, ainda, significar uma região específica do planeta, como por exemplo, quando se fala em raça africana, raça oriental, raça ocidental. Ou, além, pode ter um sentido biológico, como a reunião de pessoas em grupos de indivíduos que possuam características específicas e distintas dos outros grupos. Até o final do século XIX, os cientistas promoveram diversas tentativas de classificar biologicamente as pessoas em raças distintas. Mas como afirma o geneticista Cavalli-Sforza: “Os resultados, muitas vezes contraditórios, constituem um bom indício da dificuldade do empreendimento. Darwin compreendeu que a continuidade geográfica frustraria toda tentativa de classificar as raças humanas. Ele observou um fenômeno recorrente ao longo da história: diferentes antropólogos chegaram a contagens totalmente discrepantes do número de raças – de três a mais de cem” (CAVALLI-SFORZA, Luigi Luca.2003: p. 37). O interesse científico em classificar os homens em raças biologicamente distintas chocava-se com a mobilidade com que as características raciais mudavam. Nesse sentido, o geneticista Sérgio Pena explicou que a espécie humana é “demasiadamente jovem e móvel para ter se diferenciado em grupos tão distintos” (PENA, Sérgio et. al. 2000: p. 17-25). E, ainda que se quisesse fazer uma aproximação da quantidade de raças existentes no mundo, os números poderiam ultrapassar um milhão de raças distintas (CAVALLI-SFORZA, Luigi Luca. 2003: p. 52). Nessa óptica, o mapeamento do genoma humano confirmou a impossibilidade de divisão dos homens em raças.(…) Na verdade, o conceito de raça subsiste, atualmente, porque, a despeito de não poder ser analisado sob o espectro biológico, permanece o interesse pela construção cultural do tema (Ver em FERREIRA, Nayara. (2007: p. 245). O fato de, biologicamente, não ser possível classificar as pessoas segundo as raças, não quer dizer que o conceito cultural de raça inexista. A importância da classificação advém do aspecto social, para estudarmos o modo como cada comunidade classifica seus indivíduos e analisarmos as razões que justificaram a opção pelos critérios eleitos em cada sociedade.

            Cor

            Nos termos da doutrina de Guilherme de Souza Nucci, valendo-se dos ensinamentos de Christiano Jorge Santos: Cor é termo melhor utilizado para definição cromática de qualquer matéria, do que propriamente para distinção de pessoas, embora seja empregado para definição da pigmentação epidérmica dos seres humanos[6].

            Etnia

            Afirma, ainda, Guilherme de Souza Nucci que a etnia “é o grupo de pessoas que apresenta homogeneidade cultural ou linguística[7]”. Em Ruanda, a título de exemplificação, existem duas etnias: tutsis e os hutus.

            Religião

            Ensina, ademais, Nucci, acerca da religião “é a crença em uma existência sobrenatural ou em uma força divina, que rege o Universo e as relações humanas em geral, embora de um ponto de vista metafísico, com manifestações através de rituais ou cultos. Ex.: religião católica”[8]

            Procedência Nacional

            Guilherme Nucci ensina sobre procedência nacional: “é a origem de nascimento de algum lugar do Brasil. Exemplos: paulista (nascido em São Paulo), carioca (nascido no Rio de Janeiro), gaúcho (originário do Rio Grande do Sul)”[9].

            Racismo

            Já no que concerne ao termo “racismo” geralmente expressa o conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre raças, entre etnias, ou ainda uma atitude de hostilidade em relação a determinadas categorias de pessoas. Pode ser classificado como o fenômeno cultural, praticamente inseparável da história humana. A “discriminação racial’, por seu turno, expressa a quebra do princípio da igualdade, como distinção, exclusão, restrição ou preferência, motivado por raça, cor, sexo, idade trabalho, credo religioso ou convicções políticas. Já o “preconceito racial” indica opinião ou sentimento, quer favorável, quer desfavorável, concebido sem exame crítico, ou ainda atitude, sentimento ou parecer insensato, assumido em consequência da generalização apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio, conduzindo geralmente à intolerância.[10]

            Pois bem. Feitas estas breves considerações conceituais, constata-se que os elementos referentes a raça, cor, etnia ou procedência nacional, estão agora previstos na Lei nº 7.716/89, no seu art. 2º, acima citado, sofrendo, portanto, as mesmas consequências do crime de racismo, quais sejam, imprescritibilidade, inafiançabilidade e incondicionalidade da ação penal pública.

            Além disso, por força do julgamento do Supremo Tribunal Federal, em sede de ADO nº 26, a injúria racial abrange a ofensa preconceituosa contra homossexuais e transexuais, conforme ementa:

E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO – EXPOSIÇÃO E SUJEIÇÃO DOS HOMOSSEXUAIS, TRANSGÊNEROS E DEMAIS INTEGRANTES DA COMUNIDADE LGBTI+ A GRAVES OFENSAS AOS SEUS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM DECORRÊNCIA DE SUPERAÇÃO IRRAZOÁVEL DO LAPSO TEMPORAL NECESSÁRIO À IMPLEMENTAÇÃO DOS MANDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DE CRIMINALIZAÇÃO INSTITUÍDOS PELO TEXTO CONSTITUCIONAL ( CF, art. 5º, incisos XLI e XLII)– A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONSTITUCIONAIS FRUSTRADAS, EM SUA EFICÁCIA, POR INJUSTIFICÁVEL INÉRCIA DO PODER PÚBLICO – A SITUAÇÃO DE INÉRCIA DO ESTADO EM RELAÇÃO À EDIÇÃO DE DIPLOMAS LEGISLATIVOS NECESSÁRIOS À PUNIÇÃO DOS ATOS DE DISCRIMINAÇÃO PRATICADOS EM RAZÃO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL OU DA IDENTIDADE DE GÊNERO DA VÍTIMA – A QUESTÃO DA “IDEOLOGIA DE GÊNERO” – SOLUÇÕES POSSÍVEIS PARA A COLMATAÇÃO DO ESTADO DE MORA INCONSTITUCIONAL: (A) CIENTIFICAÇÃO AO CONGRESSO NACIONAL QUANTO AO SEU ESTADO DE MORA INCONSTITUCIONAL E (B) ENQUADRAMENTO IMEDIATO DAS PRÁTICAS DE HOMOFOBIA E DE TRANSFOBIA, MEDIANTE INTERPRETAÇÃO CONFORME (QUE NÃO SE CONFUNDE COM EXEGESE FUNDADA EM ANALOGIA “IN MALAM PARTEM”), NO CONCEITO DE RACISMO PREVISTO NA LEI Nº 7.716/89 – INVIABILIDADE DA FORMULAÇÃO, EM SEDE DE PROCESSO DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE, DE PEDIDO DE ÍNDOLE CONDENATÓRIA FUNDADO EM ALEGADA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO, EIS QUE, EM AÇÕES CONSTITUCIONAIS DE PERFIL OBJETIVO, NÃO SE DISCUTEM SITUAÇÕES INDIVIDUAIS OU INTERESSES SUBJETIVOS – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, MEDIANTE PROVIMENTO JURISDICIONAL, TIPIFICAR DELITOS E COMINAR SANÇÕES DE DIREITO PENAL, EIS QUE REFERIDOS TEMAS SUBMETEM-SE À CLÁUSULA DE RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI EM SENTIDO FORMAL ( CF, art. 5º, inciso XXXIX)– CONSIDERAÇÕES EM TORNO DOS REGISTROS HISTÓRICOS E DAS PRÁTICAS SOCIAIS CONTEMPORÂNEAS QUE REVELAM O TRATAMENTO PRECONCEITUOSO, EXCLUDENTE E DISCRIMINATÓRIO QUE TEM SIDO DISPENSADO À VIVÊNCIA HOMOERÓTICA EM NOSSO PAÍS: “O AMOR QUE NÃO OUSA DIZER O SEU NOME” (LORD ALFRED DOUGLAS, DO POEMA “TWO LOVES”, PUBLICADO EM “THE CHAMELEON”, 1894, VERSO ERRONEAMENTE ATRIBUÍDO A OSCAR WILDE) – A VIOLÊNCIA CONTRA INTEGRANTES DA COMUNIDADE LGBTI+ OU “A BANALIDADE DO MAL HOMOFÓBICO E TRANSFÓBICO” (PAULO ROBERTO IOTTI VECCHIATTI): UMA INACEITÁVEL (E CRUEL) REALIDADE CONTEMPORÂNEA – O PODER JUDICIÁRIO, EM SUA ATIVIDADE HERMENÊUTICA, HÁ DE TORNAR EFETIVA A REAÇÃO DO ESTADO NA PREVENÇÃO E REPRESSÃO AOS ATOS DE PRECONCEITO OU DE DISCRIMINAÇÃO PRATICADOS CONTRA PESSOAS INTEGRANTES DE GRUPOS SOCIAIS VULNERÁVEIS – A QUESTÃO DA INTOLERÂNCIA, NOTADAMENTE QUANDO DIRIGIDA CONTRA A COMUNIDADE LGBTI+: A INADMISSIBILIDADE DO DISCURSO DE ÓDIO (CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, ARTIGO 13, § 5º)– A NOÇÃO DE TOLERÂNCIA COMO A HARMONIA NA DIFERENÇA E O RESPEITO PELA DIVERSIDADE DAS PESSOAS E PELA MULTICULTURALIDADE DOS POVOS – LIBERDADE RELIGIOSA E REPULSA À HOMOTRANSFOBIA: CONVÍVIO CONSTITUCIONALMENTE HARMONIOSO ENTRE O DEVER ESTATAL DE REPRIMIR PRÁTICAS ILÍCITAS CONTRA MEMBROS INTEGRANTES DO GRUPO LGBTI+ E A LIBERDADE FUNDAMENTAL DE PROFESSAR, OU NÃO, QUALQUER FÉ RELIGIOSA, DE PROCLAMAR E DE VIVER SEGUNDO SEUS PRINCÍPIOS, DE CELEBRAR O CULTO E CONCERNENTES RITOS LITÚRGICOS E DE PRATICAR O PROSELITISMO (ADI 2. 566/DF, Red. p/ o acórdão Min. EDSON FACHIN), SEM QUAISQUER RESTRIÇÕES OU INDEVIDAS INTERFERÊNCIAS DO PODER PÚBLICO – REPÚBLICA E LAICIDADE ESTATAL: A QUESTÃO DA NEUTRALIDADE AXIOLÓGICA DO PODER PÚBLICO EM MATÉRIA RELIGIOSA – O CARÁTER HISTÓRICO DO DECRETO Nº 119-A, DE 07/01/1890, EDITADO PELO GOVERNO PROVISÓRIO DA REPÚBLICA, QUE APROVOU PROJETO ELABORADO POR RUY BARBOSA E POR DEMÉTRIO NUNES RIBEIRO – DEMOCRACIA CONSTITUCIONAL, PROTEÇÃO DOS GRUPOS VULNERÁVEIS E FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO EXERCÍCIO DE SUA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL – A BUSCA DA FELICIDADE COMO DERIVAÇÃO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITA DO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – UMA OBSERVAÇÃO FINAL: O SIGNIFICADO DA DEFESA DA CONSTITUIÇÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO CONHECIDA, EM PARTE, E, NESSA EXTENSÃO, JULGADA PROCEDENTE, COM EFICÁCIA GERAL E EFEITO VINCULANTE – APROVAÇÃO, PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DAS TESES PROPOSTAS PELO RELATOR, MINISTRO CELSO DE MELLO. PRÁTICAS HOMOFÓBICAS E TRANSFÓBICAS CONFIGURAM ATOS DELITUOSOS PASSÍVEIS DE REPRESSÃO PENAL, POR EFEITO DE MANDADOS CONSTITUCIONAIS DE CRIMINALIZAÇÃO ( CF, ART. 5º, INCISOS XLI E XLII), POR TRADUZIREM EXPRESSÕES DE RACISMO EM SUA DIMENSÃO SOCIAL – Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da Republica, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe ( Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”). NINGUÉM PODE SER PRIVADO DE DIREITOS NEM SOFRER QUAISQUER RESTRIÇÕES DE ORDEM JURÍDICA POR MOTIVO DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL OU EM RAZÃO DE SUA IDENTIDADE DE GÊNERO – Os integrantes do grupo LGBTI+, como qualquer outra pessoa, nascem iguais em dignidade e direitos e possuem igual capacidade de autodeterminação quanto às suas escolhas pessoais em matéria afetiva e amorosa, especialmente no que concerne à sua vivência homoerótica. Ninguém, sob a égide de uma ordem democrática justa, pode ser privado de seus direitos (entre os quais o direito à busca da felicidade e o direito à igualdade de tratamento que a Constituição e as leis da República dispensam às pessoas em geral) ou sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero! Garantir aos integrantes do grupo LGBTI+ a posse da cidadania plena e o integral respeito tanto à sua condição quanto às suas escolhas pessoais pode significar, nestes tempos em que as liberdades fundamentais das pessoas sofrem ataques por parte de mentes sombrias e retrógradas, a diferença essencial entre civilização e barbárie. AS VÁRIAS DIMENSÕES CONCEITUAIS DE RACISMO. O RACISMO, QUE NÃO SE RESUME A ASPECTOS ESTRITAMENTE FENOTÍPICOS, CONSTITUI MANIFESTAÇÃO DE PODER QUE, AO BUSCAR JUSTIFICAÇÃO NA DESIGUALDADE, OBJETIVA VIABILIZAR A DOMINAÇÃO DO GRUPO MAJORITÁRIO SOBRE INTEGRANTES DE GRUPOS VULNERÁVEIS (COMO A COMUNIDADE LGBTI+), FAZENDO INSTAURAR, MEDIANTE ODIOSA (E INACEITÁVEL) INFERIORIZAÇÃO, SITUAÇÃO DE INJUSTA EXCLUSÃO DE ORDEM POLÍTICA E DE NATUREZA JURÍDICO-SOCIAL – O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito. COMPATIBILIDADE CONSTITUCIONAL ENTRE A REPRESSÃO PENAL À HOMOTRANSFOBIA E A INTANGIBILIDADE DO PLENO EXERCÍCIO DA LIBERDADE RELIGIOSA – A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero. TOLERÂNCIA COMO EXPRESSÃO DA “HARMONIA NA DIFERENÇA” E O RESPEITO PELA DIVERSIDADE DAS PESSOAS E PELA MULTICULTURALIDADE DOS POVOS. A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, POR REVESTIR-SE DE CARÁTER ABRANGENTE, ESTENDE-SE, TAMBÉM, ÀS IDEIAS QUE CAUSEM PROFUNDA DISCORDÂNCIA OU QUE SUSCITEM INTENSO CLAMOR PÚBLICO OU QUE PROVOQUEM GRAVE REJEIÇÃO POR PARTE DE CORRENTES MAJORITÁRIAS OU HEGEMÔNICAS EM UMA DADA COLETIVIDADE – As ideias, nestas compreendidas as mensagens, inclusive as pregações de cunho religioso, podem ser fecundas, libertadoras, transformadoras ou, até mesmo, revolucionárias e subversivas, provocando mudanças, superando imobilismos e rompendo paradigmas até então estabelecidos nas formações sociais. O verdadeiro sentido da proteção constitucional à liberdade de expressão consiste não apenas em garantir o direito daqueles que pensam como nós, mas, igualmente, em proteger o direito dos que sustentam ideias (mesmo que se cuide de ideias ou de manifestações religiosas) que causem discordância ou que provoquem, até mesmo, o repúdio por parte da maioria existente em uma dada coletividade. O caso “United States v. Schwimmer” (279 U.S. 644, 1929): o célebre voto vencido (“dissenting opinion”) do Justice OLIVER WENDELL HOLMES JR.. É por isso que se impõe construir espaços de liberdade, em tudo compatíveis com o sentido democrático que anima nossas instituições políticas, jurídicas e sociais, para que o pensamento – e, particularmente, o pensamento religioso – não seja reprimido e, o que se mostra fundamental, para que as ideias, especialmente as de natureza confessional, possam florescer, sem indevidas restrições, em um ambiente de plena tolerância, que, longe de sufocar opiniões divergentes, legitime a instauração do dissenso e viabilize, pelo conteúdo argumentativo do discurso fundado em convicções antagônicas, a concretização de valores essenciais à configuração do Estado Democrático de Direito: o respeito ao pluralismo e à tolerância. – O discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações e manifestações que incitem a discriminação, que estimulem a hostilidade ou que provoquem a violência (física ou moral) contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero, não encontra amparo na liberdade constitucional de expressão nem na Convenção Americana de Direitos Humanos (Artigo 13, § 5º), que expressamente o repele. A QUESTÃO DA OMISSÃO NORMATIVA E DA SUPERAÇÃO TEMPORAL IRRAZOÁVEL NA IMPLEMENTAÇÃO DE ORDENS CONSTITUCIONAIS DE LEGISLAR. A INSTRUMENTALIDADE DA AÇÃO DIRETA POR OMISSÃO NA COLMATAÇÃO E CONCRETIZAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONSTITUCIONAIS FRUSTRADAS, EM SUA EFICÁCIA, POR INJUSTIFICÁVEL INÉRCIA DO PODER PÚBLICO A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional (como aquela que deriva do art. 5º, XLI e XLII, de nossa Lei Fundamental)– qualifica-se como comportamento revestido de intensa gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados da Lei Fundamental. Doutrina. Precedentes ( ADI 1.458- -MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g .). – Nada mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente ou, então, do que a promulgar com o intuito de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem convenientes aos desígnios dos governantes ou de grupos majoritários, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos ou, muitas vezes, em frontal desrespeito aos direitos das minorias, notadamente daquelas expostas a situações de vulnerabilidade. – A ação direta de inconstitucionalidade por omissão, nesse contexto, tem por objetivo provocar legítima reação jurisdicional que, expressamente autorizada e atribuída ao Supremo Tribunal Federal pela própria Carta Política, destina-se a impedir o desprestígio da Lei Fundamental, a neutralizar gestos de desprezo pela Constituição, a outorgar proteção a princípios, direitos e garantias nela proclamados e a obstar, por extremamente grave, a erosão da consciência constitucional. Doutrina. Precedentes do STF (STF – ADO: 26 DF 9996923-64.2013.1.00.0000, Relator: CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 13/06/2019, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 06/10/2020).

            Por maioria, a Corte reconheceu a mora do Congresso Nacional para incriminar atos atentatórios a direitos fundamentais dos integrantes da comunidade LGBT.

            No mais, com as alterações da Lei nº 14.532/2023, compreende-se uma nova tipificação como crime de racismo em relação à injúria racial, bem como a previsão de pena de suspensão do direito em caso de racismo praticado no contexto de atividade esportiva ou artística, além de prever causas de aumento de pena para o racismo religioso, recreativo e o praticado por servidor público. A pena correspondente, agora, é de 2 (dois) a 5 (cinco) anos de reclusão, e multa.

            O crime de injúria racial tem como bem jurídico a honra do ofendido(a).

            A Lei nº 14.532/2023 criou causas de aumento de pena, a exemplo de a conduta ser praticada mediante o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas, conforme parágrafo único do art. 2º-A da Lei 7.716/89. Os delitos previstos na Lei 7.716/1989 terão as penas aumentadas de 1/3 (um terço) até a metade, quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação. Consta, ainda, que os tipos previstos nos arts. 2o-A e 20 terão as penas aumentadas de 1/3 (um terço) até a metade, quando praticados por funcionário público, conforme definição prevista no Código Penal, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-lo.

            A causa de aumento prevista no art. 20-A, deve ser interpretada de forma restrita, pois prevê aumento de pena nos crimes de racismo de 1/3 (um terço) até a metade, quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação. É indispensável, neste ponto, uma análise profunda do caso concreto, a fim de extrair o dolo da conduta, sob pena de ferir o sobredireito da liberdade de expressão, tendo em vista que o humor não pode ser passível de criminalização.

            Há previsão, ainda, de figuras qualificadas, nos termos do art. 20 da Lei nº 7.716/89, quando diante de práticas que induzam ou incitem a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, por intermédio dos meios de comunicação social, de publicação em redes sociais, da rede mundial de computadores ou de publicação de qualquer natureza; ou no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público (nesses casos é possível proibir a frequência, por 3 (três) anos, a esses locais).

            Importante destacar que incorre nas mesmas penas previstas no caput do art. 20 a Lei 7.716/89 quem obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas. Nesse caso, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: I – o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo; II – a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas, eletrônicas ou da publicação por qualquer meio; III – a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores.

            Ressalta-se que constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido.

            O Magistrado na interpretação da Lei nº 7.716/89, com redação dada pela Lei Lei nº 14.532/2023, deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência, conforme art. 20-C da Lei nº 7.716/89.

            Ademais, há inovação importante acerca da obrigatoriedade de acompanhamento da vítima por advogado ou defensor, por força da previsão legal do art. 20-D da Lei nº 7.716/89, quando afirma que em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a vítima dos crimes de racismo deverá estar acompanhada de advogado ou defensor público.

  • Considerações finais

            Em linhas gerais, constata-se significativa evolução normativa a partir da edição da Lei nº 14.532/2023, uma vez que consolida a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), a ponto de incluir a injúria racial no arcabouço da Lei nº 7.716/89, ou seja, nas hipóteses de racismo.

            Nesse aspecto, a nova disciplina legal passa a mensagem de repressão às condutas discriminatórias e ao racismo estrutural, enaltecendo, deste modo, os mandados de criminalização e os objetivos previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

            Com efeito, afirma a necessária compreensão que “face ao racismo, não há compromisso possível. Não há tolerância possível. Só há uma resposta: a tolerância zero. Esta resposta pode parecer radical, mas é a única resposta concebível se quisermos adotar, em relação a este problema, uma atitude coerente e eficaz”[11]

            A Lei nº 14.532/2023 entrou em vigor na data de sua publicação e é irretroativa, tendo em vista que suas disposições são mais gravosas do que aquelas já previstas pelo legislador, em respeito ao teor do art. 1º do Código Penal.

            Por fim, o presente artigo não possui a finalidade de exaurir o tema, objetivando-se, assim, instigar o pensamento e o debate crítico, tendo em vista que os desdobramentos fáticos e jurídicos ainda são pontuais, por força da prematuridade da norma.

REFERÊNCIAS

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TOURINHO FILHO, Fernando da. Processo penal. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.


[1] Assessor de Magistrado no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Aracaju/SE. Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Especialista em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Damásio de Jesus. Especialista em Direito Processual Penal pela Faculdade Signoreli. Pós-graduando em Direito Eleitoral e Direito Digital e Proteção de Dados pela UNIBAGOZZI. Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes.

[2]     BRASIL. Estatuto da Igualdade Racial. Instituído pela Lei n. 12.288 de 10 de julho de 2010. Brasília, 20 de julho de 2010; 189º da Independência e 122º da República. Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12288.htm>

[3]     BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Subchefia para Assuntos Jurídicos – Casa Civil – Presidência da República. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/>.

[4]     BRASIL. Lei dos Crimes de Preconceito de Raça ou Cor. Definidos pela Lei n. 7.716 de 05 de janeiro de 1989. Brasília, 5 de janeiro de 1989; 168º da Independência e 101º da República. Presidente José Sarney. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7716.htm

[5]     KAUFMANN, Roberta Fragoso Menezes. Ações afirmativas à brasileira: necessidade ou mito? R. Jur. UNIJUS. Uberaba- -MG, V.10, n. 13, p.117-144, novembro, 2007.

[6]     NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4ª ed. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais. 2009.

[7]     NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. Op. Cit.

[8]     NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. Op. Cit.

[9]     NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. Op. Cit.

[10]   ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação penal especial. 5 ed. rev. e atual. São Paulo. Saraiva. 2009.

[11] DELACAMPAGNE, Christian. História da Escravatura – Da Antiguidade aos nossos dias. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2013, p. 222.