A JURISDIÇÃO JUDICIAL NA DOUTRINA DE TOMÁS DE AQUINO

A JURISDIÇÃO JUDICIAL NA DOUTRINA DE TOMÁS DE AQUINO

10 de dezembro de 2022 Off Por Cognitio Juris

JURISDICTION IN THE DOCTRINE OF TOMÁS DE AQUINO

Artigo submetido em 21 de novembro de 2022
Artigo aprovado em 1 de dezembro de 2022
Artigo publicado em 10 de dezembro de 2022

Cognitio Juris
Ano XII – Número 44 – Dezembro de 2022
ISSN 2236-3009
Autor:
Claudio Pedrosa Nunes[1]

RESUMO: O presente artigo objetiva descortinar a doutrina de Tomás de Aquino a respeito da jurisdição judicial então em voga na Idade Média tardia. Trata-se de estudo incipiente e que propõe a apresentação dos principais aspectos e procedimentos do processo judicial medieval-tomista, realçando sobretudo as questões relativas à justiça dos julgamentos, ao preparo dos juízes, à formalidade das acusações, à importância do princípio in dubio pro reo e à colheita e valoração da prova. Destaca-se, ademais, o sentido ético da jurisdição judicial e sua formulação como categoria destinada a combater os processos ordálios e os procedimentos dos tribunais da Inquisição. Por fim, o estudo exibe uma resumida conexão entre os institutos jurídico-processuais medievais e os institutos correlatos do direito processual contemporâneo, realçando os primórdios do que hoje se convencionou chamar due process of law. Trata-se de pesquisa conduzida sob o método dedutivo, com pesquisa de natureza histórico-filosófica e dissertativa e fonte de dados documental e bibliográfica.

PALAVRAS-CHAVE: Jurisdição, Juízes, Processo, Medieval, Tomista.

RESUMEN: El presente artículo tiene por objeto descortinar la doctrina de Tomás de Aquino acerca de la jurisdicción judicial em vigor en la Edad Media tardía. Se trata de un estudio incipiente y que propone la presentación de los principales aspectos y procedimientos del proceso judicial medieval-tomista, subrayando sobre todo las cuestiones relativas a la justicia de los juicios, a la preparación de los jueces, a la formalidad de las acusaciones, a la importancia del principio in dubio pro reo y la valoración de la prueba. Se destaca, además, el sentido ético de la jurisdicción judicial y su formulación como categoría destinada a combatir a los procesos de mandos y los procedimientos de los tribunales de la Inquisición. Por último, el estudio muestra una breve conexión entre los institutos jurídico-procesales medievales y los institutos conexos del derecho procesal contemporáneo, resaltando los primordios de lo que hoy se ha convenido llamar due process of law. Se trata de una investigación conducida bajo el método deductivo, con investigación de naturaleza histórico-filosófica y disertiva y fuente de datos documental y bibliográfica.

PALABRAS-CLAVE: Jurisdicción, Jueces, Proceso, Medieval, Tomista.

1. Introdução

A jurisdição judicial mereceu apurado estudo de Tomás de Aquino no contexto da virtude da Justiça e de sua filosofia jurídica. Assim é que o aquinatense dedicou um capítulo da Suma Teológica, sua obra de excelência, aos atos praticados pelos juízes (Questões 60 e seguintes, secunda secundae), considerando que a atividade do juiz consiste na efetivação da justiça. A justiça, por sua vez, pressupõe julgamentos justos e dirigidos à construção do bem comum. Pode-se perceber dessa doutrina jurídica de Tomás que a justiça é objeto da jurisdição, porque a jurisdição consiste no conjunto de atos que perfaz a atuação do juiz, designadamente o ato de dizer o Direito.

Nesse panorama, Tomás de Aquino construiu as bases edificantes de um dos instrumentos mais importantes do Direito Processual ainda hoje em vigor, qual seja, a jurisdição judicial. Com efeito, já na Baixa Idade Média e especialmente no período exuberante da Escolástica tardia, o julgamento proferido pelos juízes atraiu as atenções do aquinatense e revelou-se assunto de destaque naquele momento medieval de forte questionamento dos processos ordálios e dos julgamentos promovidos pelos padres da Inquisição.

Em outras palavras, Aquino formulou uma doutrina jurídica voltada a combater os atos dos padres da Inquisição medieval e primou pelo descortino do que atualmente se concebe por jurisdição judicial a partir da atuação de juízes imparciais, não religiosos, investidos especificamente do ministério público do julgar. Assim é que Aquino vinculou a justiça dos julgamentos dos súditos, ou seja, do povo em geral, à instauração e atuação de tribunais e juízes especialmente preparados e imparciais, alheios aos padres da Igreja Romana.

É nesse sentido que se espraia o presente estudo, embora incipiente. Em matéria de Direito Processual em geral a jurisdição judicial oficial e justa é fenômeno de especial relevância que remonta ao período áureo da Escolástica medieval-tomista e se projeta praticamente íntegra na contemporaneidade. Coube a Tomás de Aquino, com as sensibilidades e clarividência que lhe são singulares, apontar e corrigir os defeitos dos processos e julgamentos promovidos pela Igreja Romana por meio dos padres da Inquisição e que, não raro, expunha os súditos a veredictos injustos e sem acusação formal.

Em apelo de problematização, o estudo sugere uma revisitação dos princípios e características da jurisdição judicial como hoje pronunciados em matéria de Direito Processual e os põe em diálogo com a filosofia e doutrina jurídico-processual de Tomás de Aquino para fins de constatar-se ou não sua densidade dogmática. E, nisso, indaga-se: é correto ou não afirmar que a dogmática da jurisdição judicial é instituto imanente à contemporaneidade e ao positivismo kelseniano, sem qualquer conexão ou diálogo com a doutrina jurídica de Tomás de Aquino? Trata-se, outrossim, de pesquisa conduzida sob o método dedutivo, com pesquisa de natureza histórico-filosófica e dissertativa e fonte de dados documental e bibliográfica.

 2. Direito processual e seus prolegômenos medievais

Não se olvida que os institutos de Direito Processual concernentes à jurisdição judicial são de elevada importância para eficiente e justa prestação jurisdicional. É missão do Estado promover o que a teoria do direito processual contemporânea denomina acesso à justiça e à ordem jurídica justa. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2008, p. 39).

Não se trata, porém, de novidade ínsita aos estudiosos contemporâneos nem criação do direito positivo tradicional de origem kelseniana. Tomás de Aquino, na Idade Média tardia e sob a atmosfera exuberante da Escolástica, já o pronunciava como doutrina de justiça e objeto de promoção do bem comum.

O estudo do processo segundo o pensamento tomista, embora embrionário, realça, portanto, o sentido histórico-jurídico-filosófico de verificação da necessidade de uma jurisdição judicial justa para pacificação social e alcance do bem comum. Tomás de Aquino, com apurado senso de justiça distributiva e mesmo comutativa, debruçou-se sobre a necessidade de imprimir aos julgamentos judiciais o objetivo central de descoberta da verdade real de modo a dar a cada um o que é seu na medida dos méritos e deméritos. E, com isso, não se esquivou de criticar os julgamentos assaz duvidosos dos padres da própria Igreja a que se devotou, ao tempo em que abriu ensanchas para o desenvolvimento da temática no porvir (MORRIS, 2002, p. 50).

Aliado a isso, o estudo em foco levado a efeito por Tomás revela-se precioso como a partir de sua invocação como fonte histórico-filosófica de auxílio aos estudos de Direito Processual em matéria de jurisdição judicial e como meio de percepção da evolução dos institutos processuais desde os tempos áureos da filosofia medieval-tomista, pondo por terra o mito pejorativo e impróprio de repulsa a tudo que diz respeito à Idade Média. Afinal, como bem realça Leonor Xavier (2007, p. 57),

A história do pensamento ocidental registra, em diversos momentos, múltiplas perspectivas de aproximação e até de harmonia que não significam anulação nem da filosofia pela religião nem da religião pela filosofia. Essas perspectivas não teriam sido possíveis se a filosofia tivesse excluído do seu horizonte matérias que são incontornáveis no foro da religião, como o sentido da divindade, a exigência da ética e os caminhos da espiritualidade.

3. A doutrina tomista da jurisdição judicial       

Na doutrina de Tomás de Aquino a jurisdição é o ato de dizer a justiça, porque a justiça é o objeto dos atos do juiz, isto é, o objeto da jurisdição. Vê-se aqui que a atuação do juiz não se limita ao mero ato de aplicar a lei, tal qual esta se manifesta. A lei é o parâmetro que confere às decisões do juiz a qualidade de coatividade, de coerção, mas a ela não se vincula o juiz quando divorciada da justiça natural que encerra o Direito Natural.

A ideia do juiz em Tomás conduz a que seja confundido com a própria justiça. O juiz é a justiça viva e a justiça se confunde com a figura do juiz. Não é à toa, portanto, que Aquino adverte que os homens recorrem ao juiz como se buscasse a justiça viva (AQUINO, 2005, p. 85). Assim se pronuncia:

“Ora, o juiz significa aquele que diz o direito. Mas, o direito é objeto da justiça, com já ficou explicado. Segue-se que o julgamento, na acepção primeira do termo, implica uma determinação ou definição do que é justo ou do direito (…). Assim, o homem casto decide bem o que respeita à castidade. Logo, o julgamento que implica a determinação reta do que é justo pertence propriamente à justiça. Eis por quê o Filósofo diz: 1recorre-se ao juiz como à justiça viva’.

A jurisdição, entretanto, está sujeita a certos limites, o que lhe confere autoridade e legitimidade. Assim é que a jurisdição é exercida na medida dos poderes de um juiz. Em outras palavras, o ato de julgar do juiz não é ilimitado e lhe é atribuído para o julgamento de certas e especificadas questões. Evidente que aqui está o embrião do que hoje, no Direito Processual, entende-se por competência, ou seja, o limite da jurisdição. Grinover (2005, p. 229) formula preciso conceito de competência, na orbe processual, ombreando-a às lições tomistas. São suas as palavras:

A jurisdição como poder estatal é uma só, não comportando divisões ou fragmentações: cada Juiz, cada tribunal, é plenamente investido dela. Mas o exercício da jurisdição é distribuído, pela Constituição e pela lei ordinária, entre os muitos órgãos jurisdicionais; cada qual então a exercerá dentro de determinados limites (ou seja, com referência a determinado grupo de litígios). Chama-se competência essa qualidade de jurisdição cujo exercício é atribuído a cada órgão ou grupo de órgãos (Liebman).

Ainda segundo Tomás (2005, p. 94), outro limite da jurisdição está em que só a pessoa legalmente investida do poder de julgar pode ser juiz, ou seja, pode exercer a jurisdição. Só é justo o julgamento proferido por pessoas especificamente designadas para exercer o ofício público de julgar. Vejam-se suas palavras:

Como a lei não pode ser feita a não ser pela autoridade pública, assim também o julgamento só pode ser proferido pela autoridade pública, que tem poder sobre os membros da comunidade. Portanto, como seria injusto obrigar alguém a observar uma lei não sancionada pela autoridade pública, assim também seria injusto compelir alguém a sujeitar-se a um julgamento que não é proferido pela autoridade pública.

Tais ponderações do aquinate conduz ao que hoje, em Direito Processual, concebemos por investidura legal do titular da jurisdição, do que redunda o princípio do juiz natural. Na esteira dessa doutrina, Alexandre de Morais (2002, p. 304) assim se manifesta na espécie:

Princípio do Juiz Natural (…). O Juiz natural é somente aquele integrado no Poder Judiciário, com todas as garantias institucionais e pessoais previstas na Constituição Federal. Assim, afirma José Celso de Mello Filho que somente os juízes, tribunais e órgãos jurisdicionais previstos na Constituição se identificam ao juiz natural, princípio que se estende ao poder de julgar também previsto em outros órgãos, como o Senado, nos casos de impedimento de agentes do Poder Executivo. O referido princípio deve ser interpretado em sua plenitude, de forma a não só proibir a criação de tribunais ou juízos de exceção, como também exigir respeito absoluto às regras objetivas de determinação de competência, para que não seja afetada a independência e a imparcialidade do órgão julgador.

A doutrina do juiz natural de Aquino representou grande desafio aos tribunais da Inquisição, onde os julgamentos, inclusive no tocante a aplicação e execução da pena de morte, eram realizados por clérigos. Noutras palavras, Tomás considerou ilegítimos os julgamentos efetuados por sacerdotes, porque estes não ostentavam a condição de juízes legalmente investidos do ofício estatal de julgar (Questão 64, Artigo 4, secunda secundae, da Suma Teológica). Nesse sentido, Tomás (2005, p. 136) afirma:

Aos clérigos não é lícito matar, por dupla razão. 1º São escolhidos para o serviço do altar, no qual se representa a paixão de Cristo imolado, ‘que, ao ser espancado, não espancava’. Portanto, não compete aos clérigos espancar e matar (…). 2º Outra razão é que aos clérigos se confia o ministério da Lei Nova, que não comporta pena de morte ou mutilação corporal.

Vê-se, nesse aspecto, uma doutrina assaz técnica do Santo Doutor, o que redundou, como dito, em profunda contestação à atuação da Inquisição.

A justiça como objeto da jurisdição obedecerá a preceitos de promoção da igualdade e do equilíbrio, eventualmente rompidos entre os atos humanos. A jurisdição terá a missão de restabelecer a igualdade rompida. Nesse mister, não deve o juiz considerar as pessoas envolvidas no julgamento, mas as provas que conduzam à justiça reclamada na controvérsia. Tem-se aqui um precedente fundamental do que hoje, em Direito Processual, concebemos como teoria da prova, ou seja, a consideração e apreciação dos elementos que conduzam ao restabelecimento do status quo, consistente no desfazimento da violação do direito de alguém ou na respectiva e devida compensação. Segundo Marinoni (2005, p. 259),

Comumente a definição de prova vem ligada à idéia de reconstrução (pesquisa) de um fato que é demonstrado ao magistrado, capacitando-o a ter’certeza’ sobre os eventos ocorridos e permitindo-lhe exercer sua função. Assim, por exemplo, manifesta-se LESSONA, dizendo que ‘provar’, neste sentido, significa ‘fazer conhecidos’ para o Juiz os fatos controvertidos e duvidosos, e ‘dar-lhe a certeza’ do seu modo preciso de ser. Nessa mesma linha, LIEBMAN define prova como sendo ‘os meios que servem para dar conhecimento de um fato e por isso para fornecer a demonstração e para formar a convicção da verdade de um fato específico.

Por outro lado, a jurisdição judicial não pode reduzir o juiz a um mero agente de aplicação literal de textos legais, especialmente quando o comando legal se revela colidente com princípios de justiça e de promoção do bem comum. Ao comentar o que chama “novo projecto de justiça racionalista”, Reis Marques (2013, p. 206) adverte:

Ao invés de uma jurisprudência criativa, protagomista e gestora de um complexo de fontes sedimentadas no tempo, pugna-se pela promoção de um ordenamento que limite a liberdade dos tribunais, isto é, por um ordenamento jurídico constituído por legislação uniforme, clara e simples. No novo projecto, existe uma confiança ilimitada no legislador. Os seus comandos devem produzir os efeitos previstos na sua formulação literal. 

Induvidoso, outrossim, que, ao exercer a jurisdição, o juiz não pode desprezar integralmente os parâmetros legais; deve, entretanto, avaliar a justiça desses parâmetros, no todo ou em parte, para bem julgar. Os princípios humanitários, de promoção do bem comum e de equilíbrio emergentes do Direito Natural constituem o bálsamo que deverá direcionar a ação dos juízes no ato de aplicar a lei durante determinado julgamento.

Em Tomás também é importante observar que o resultado dos julgamentos judiciais deve primar pela possibilidade real de cumprimento da pena ou condenação civil. Em outras palavras, não se pode cogitar de imposição de determinada condenação em volume ou intensidade que se revele impossível de cumprir.

Essa concepção do aquinate se extrai de sua análise da lei na Suma Contra Gentiles, segundo a qual a lei concebida pelo Criador ao homem já ostenta qualidades e aptidões que permitam aos destinatários seu natural e regular cumprimento. Assim discorre o angélico (2007, p. 434):

A todo legislador toca estabelecer por ley aquello sin lo cual no se puede cumplir la ley. Como la ley se propone a la razón, el hombre no la observaria se todo lo concernente a él no se sometiera a la razón. De aquí que toque a la ley divina mandar que todo lo del hombre se someta a la razón.

Na contemporaneidade jurídica, tanto as disposições de lei quanto os julgamentos judiciários primam pela individualização da pena e ressocialização dos condenados. As condenações em pecúnia, decorrentes de indenizações civis, objetivam o ressarcimento dos danos de conformidade com a capacidade econômica do condenado[2]. Vê-se, pois, que a teoria da jurisdição judicial em foco tem raízes bem definidas na doutrina de Aquino construída desde a escolástica do século XIII.

Tem-se, por outro lado, a cultura de que a jurisdição atua sob um direito preexistente por natureza e se destina essencialmente a declarar esse direito (iurisdictio). Não há uma necessidade premente de criação do Direito, de índole positivista, porque ele naturalmente se manifesta nos costumes e na ordem natural das coisas. Nesse aspecto, Grossi (2014, p. 167) expõe que

…a conclusão a que inevitavelmente se chega é simples: se a essência do poder político medieval, inclusive da Idade Média sapiencial, consiste no ius dicere, em dizer o direito; se esse poder continua relativamente indiferente à produção do ius, é porque o direito é uma realidade preexistente que o poder não cria, não pretende criar, não seria capaz de criar, que apenas pode dizer, declarar.

Disso se extrai que a jurisdição judicial no medievo sapiencial, onde um dos expoentes intelectuais por excelência é Aquino, logrou alcance bem mais extenso que seu congênere da atualidade, considerando sobretudo a densidade do direito costumeiro, infenso à ação nem sempre virtuosa do Estado, ao mesmo tempo em que liberta o Direito de fórmula legais que muitas vezes acabam por conspirar contra a ordem natural das coisas.

Sem dúvida, a jurisdição judicial no medievo tomista reúne Direito e costume em plano horizontal. Não só a lei mas também as regras emanadas da comunidade são as fontes jurídicas que devem nortear os veredictos. Dizer o Direito (iurisdictio) é expressar a vontade sedimentada pelo coletivo com sentido de obrigatoriedade. A atividade interpretativa do juiz também se alinha ao prestígio das normas consuetudinárias. E obviamente não se cogita de dizer o Direito sem prévia atividade interpretativa. Com efeito, Aquino (2005, p. 600) assim se manifesta:

Portanto, também pelos atos, maximamente multiplicados, que constituem o costume, pode a lei ser mudada e ser exposta, como também ser causado algo que adquira força de lei, a saber, enquanto por atos exteriores multiplicados o movimento interior da vontade e o conceito da razão são declarados de modo o mais eficaz, uma vez que, quando algo se faz muitas vezes, parecer provir do deliberado juízo da razão. E de acordo com isso, o costume tem força de lei, e abole a lei, e é intérprete das leis.     

De realçar, entretanto, que a autoridade do costume jurídico a que se refere o aquinate não se destina senão à lei humana ou positiva. A lei natural conserva sua superioridade normativa, seja sobre a lei humana, seja sobre o costume. Nesse sentido é a seguinte afirmação de Tomás (2005, p. 600):

…deve-se dizer que a lei natural e divina procede da vontade divina, como foi dito. Por isso, não pode ser mudada pelo costume que procede da vontade do homem, mas só pode ser mudada pela autoridade divina. E daí é que nenhum costume pode adquirir força contra a lei divina ou a lei natural. 

4. Função social do processo judicial medieval-tomista

Na concepção tomista do Direito e da justiça natural deve o juiz, diante do caso concreto, determinar, por exemplo, que o Estado estimule e até conceda trabalho remunerado ao trabalhador, vagas nas escolas às crianças, policiais educados e preparados em número adequado para dar segurança nas ruas, assim como hospitais com vagas disponíveis e devidamente aparelhados para socorrer e cuidar da saúde dos enfermos.

Os exemplos lastreados são apenas enunciativos e, embora concebidos originariamente sob ares medievais-tomistas, se espraiam, entre muitos outros, como diretrizes de direitos fundamentais e sociais constantes do atual texto constitucional brasileiro[3]. Trata-se do que Mauro Schiavi (2015, p. 135) intitula “função social do processo”, com alusão específica ao processo do trabalho. Assim discorre:

Em razão do caráter publicista do processo do trabalho e do relevante interesse social envolvido na satisfação do crédito trabalhista, a moderna doutrina tem defendido a existência do princípio da função social do processo trabalhista. Desse modo, deve o Juiz do Trabalho direcionar o processo no sentido de que este caminhe de forma célere, justa e confiável, assegurando-se às partes igualdades de oportunidades, dando a cada um o que é seu por direito, garantindo-se a efetividade processual, mas preservando-se, sempre, a dignidade da pessoa humana tanto do autor como do réu, em prestígio da supremacia do interesse público. 

Todas essas situações fáticas que mencionamos são indicativo de que a doutrina jurídico-processual de Aquino conduz o juiz a atuar corretamente, adotando comportamento e decisões que transcendam aos textos imperfeitos da lei e primando pela realização da razão de ser e missão substrato de sua existência, ou seja, promover o equilíbrio e harmonia sociais (bem comum) por meio da jurisdição. Observe-se a atualidade dos ensinos tomistas no particular, na dicção de Helena Diniz (2015, p. 391):

Bem comum. Teoria Geral do Direito. 1. É o resultante da harmonização da liberdade, paz, justiça, segurança, solidariedade e utilidade social feita pelo juiz ao aplicar a lei ao caso concreto. 2. É a ordem jurídica, pois, como ensina Goffredo da Silva Telles Jr., é o único bem que todos os participantes da sociedade política desejam necessariamente, uma vez que sem ordem jurídica não há sociedade. 3. É o fim da própria vida social, por ser a ratio formalis quae do direito, que se obtém com a harmonização dos bens particulares com o da comunidade. Na idéia de ‘bem comum’ há um dualismo: a) o bem comum determinante do sentido valorativo da ordem jurídica; e b) o bem comum de caráter social, fundamento das noprmas de direito, que atenderão ao interesse social, tendo por fim a garantia da paz e da justiça social. A fórmula ‘bem comum’ visa limitar o poder ‘criador’ do órgão judicante, fazendo com que, ao prolatar sua decisão, considere as valorações positivadas na sociedade, sem atentar às suas pessoais.

É justo o julgamento baseado na lei, exceto quando esta é injusta. Como a lei deve expressar o que é direito, reto e bom, segue-se que a base de um julgamento tecnicamente justo é a obediência aos preceitos da lei. Tal disciplina integra o que Chalmeta (p. 207-208) chama Justiça legal, não obstante reconheça faculdades interpretativas amplas ao julgador, eis que

“la mayor descentralización posible de la actividad del gobierno (…), o a atribuir amplias facultades interpretativas a los jueces (…), aspecto de la virtud de la prudencia que guía el descubrimiento del espíritu de la ley más allá de su aplicación literal (…)”.

Tomás de Aquino (2005, p. 576), por sua vez, arremata:

Nas coisas humanas diz-se que que algo é justo pelo fato de que é reto segundo a regra da razão. A primeira regra da razão, entretanto, é a lei da natureza, como fica claro que acima dito. Portanto, toda lei humanamente imposta tem tanto de razão de lei quanto deriva da lei da natureza. Se, contudo, em algo discorda da lei natural, já não será lei, mas corrupção da lei.

A justiça como objeto da jurisdição, isto é, objeto da atividade do juiz, não se desfaz quando o julgador é induzido a erro pela atuação aleivosa das partes ou corrupção de testemunhas. Nesse sentido, Tomás sustenta que a eventual imputação de injustiça do juiz não se confunde com o fato dele ter sido induzido a erro.

A injustiça, nesse caso, é proveniente daquele ou daqueles que traem a confiança do juiz e, por isso, ainda que o julgamento tenha sido equivocado, não há injustiça praticada pelo Juiz. É dizer que o antecedente defeituoso não vincula nem compromete a conduta do juiz no consequente. O equívoco a que é levado o juiz não afasta, senão confirma, sua intenção de decidir com justiça, quando tal equívoco é provocado intencionalmente por quem dele se aproveita. Nesse sentido são as palavras de Aquino (2005, p. 176):

“Tratando-se de um caso particular, porém, a informação lhe vem mediante as peças, os testemunhos e os demais documentos legítimos, que hão de ser seguidos no julgamento mais do que a ciência que o juiz adquire como pessoa privada. Essa ciência, no entanto, poderá ajudá-lo a discutir mais rigorosamente as provas aduzidas e a desvendar-lhes os defeitos. Mas se não conseguir se desfazer delas pelos caminhos jurídicos, deverá basear nelas o seu julgamento.

 5. Jurisdição judicial e o justo racional medieval-tomista 

Jurisdição com justiça pressupõe fundamentalmente boa-fé e comprometimento do julgador com o restabelecimento do equilíbrio e da harmonia entre os litigantes. São fatores que conjugados no íntimo, consciência e preparo do juiz perfazem um julgamento justo e correto. Como ressaltado, a jurisdição judicial conforme a doutrina de Tomás de Aquino confere especial relevância à atuação dos juízes e à racionalidade de seus veredictos. Assim leciona o aquinate (2005, p. 87):

O julgamento é lícito na medida em que é um ato de justiça. Ora, como já se explicou, para que o julgamento seja um ato de justiça, se requerem três condições: 1º que proceda de uma inclinação vinda da justiça; 2º que emane de autoridade competente; 3º que seja proferido segundo a reta norma da prudência. A falta de qualquer desses requisitos torna o juízo vicioso e ilícito.

A superação e a extinção dos processos ordálios e dos procedimentos da Inquisição representaram o início das preocupações do aquinate em promover a redenção da doutrina cristã a partir da análise racional das coisas, elevando a fé a preceito palpável ao homem sem lhe corromper a natural epifania.

A atribuição à realeza da função jurisdicional, embora com possibilidade de delegação, consistia na cultura medieval de considerá-la atividade de grande importância e de elevada nobreza, digna portanto do próprio titular do reino, isto é, o príncipe. É nela que o rei julga como juiz natural e com posição de independência diante dos outros investidos de segmento do poder e de superioridade em relação aos súditos. Essa concepção medieval-tomista de jurisdição perdura praticamente incólume na contemporaneidade dos estudos jurídicos e é matéria recorrente nas faculdades de Direito[4]. Vejam-se as lições de Grossi (2014, p. 162) no particular:

Iurisdictio, em sentido estrito, é a função de julgar própria do juiz ordinário, mas também – e sobretudo – algo maior e mais complexo: é o poder daquele – pessoa física ou jurídica – que ocupa uma posição de autonomia diante dos outros investidos de poder e de superioridade diante dos súditos. E não é este ou aquele poder (numa visão espasmodicamente fragmentária que é própria de nós, modernos, mas não foi a dos medievais), mas sim uma síntese de poderes que não se teme ver condensada num único sujeito.

Em que pese, como dito, condensada na figura do titular do reino, o príncipe, já no medievo tomista a jurisdição não se confundia com a prerrogativa de legislar, também imanente ao governante. Ela é função própria e específica e se alinha à definição técnico-jurídica hoje em voga. Jurisdição e ato de legislar, portanto, concentram esferas distintas da atuação do governante régio, sendo aquela superior a esta.

A autoridade de julgar, por conduto divino, é também fundamento filosófico que norteia a função jurisdicional medieval e tem sua razão de ser na promoção do bem e do justo. Pedrero-Sanchéz (2000, p. 120), a esse propósito e parafraseando o livro bíblico dos Romanos, assevera, com acuidade:

Todo homem se submete às autoridades constituídas, pois não há autoridade que não venha de Deus, e as que existem foram estabelecidas por Deus. De modo que aquele que se revolta contra a autoridade, opõe-se à ordem estabelecida por Deus. E os que se opõem atrairão para si a condenação. Os que governam incutem medo quando se pratica o mal, não quando se faz o bem. Queres então não ter medo da autoridade? Pratica o bem e dela receberás elogios, pois ela é instrumento de Deus para te conduzir ao bem. Se, porém, praticares o mal, teme, porque não é à toa que ela traz a espada: ela é instrumento de Deus para fazer justiça e punir quem pratica o mal.

Pelo que podemos pressentir desse tópico da doutrina tomista, o juízo exercido por autoridade não oficialmente investida do ministério de julgar constitui violação da Justiça natural, isto é, a justiça pautada em premissas racionais. Com isso, estar-se-á pondo o direito e a justiça no lugar natural que possuem e para que foram criados, constituindo sua própria razão de ser. É sob tal referencial teórico-processual medieval-tomista que se deve lastrear todo estudo da jurisdição na contemporaneidade.

Aquino ainda se debruça sobre a ordenação das ações do homem por conduto da razão e da virtude, o que obviamente remete ao julgamento justo. Assim se pronuncia o Santo Doutor (2007, p. 433-434):

Del mismo modo que la mente del hombre se ordena bajo Dios, así se ordena el cuerpo bajo el alma y las tendencias inferiores bajo razón. Esta atañe a la providencia divina, uma de cuyas formalidades propuestas al hombre es la ley divina consistente em que cada cosa ocupe su sitio. Por lo cual, el hombre ha de ser ordenado por ella de modo que las tendencias bajas estén sometidas a la razón, y el cuerpo al alma, y las cosas externas estén a su servicio.

A jurisdição judicial segundo Tomás de Aquino certamente se espraia como teoria de justiça, conjugando o elemento jurídico ao teológico-filosófico. E, nessa atmosfera, confere as diretrizes fundamentais do que a posteridade idealizou e afirmou como função típica do poder judiciário. A orientação pelo justo e pelo ético é a tônica, a base e o bálsamo do judiciário de Tomás.

A submissão do julgador à justiça, seja esta a mais elevada das virtudes, é demasiado exigível ao juiz mais que à própria autoridade da lei escrita. Em outras palavras, a lei é o norte de que se deve orientar o julgador; quando, porém, houver colidência entre o justo e a norma, deve-se primar pelo primeiro. Assim se pronuncia o Doutor de Aquino (2005, p. 85):

Chama-se propriamente julgamento o ato do juiz como tal. Ora, juiz significa aquele que diz o direito. Mas o direito é objeto da justiça, como já ficou explicado. Segue-se que o julgamento, na acepção primeira do termo, implica uma determinação ou definição do que é justo ou do direito. Ora, o que leva a definir o que convém nas ações virtuosas é o habitus da virtude. Assim, o homem casto decide bem o que respeita à castidade. Logo, o julgamento que implica a determinação reta do que é justo pertence propriamente à justiça.   

6. Considerações finais

Pelo que foi exposto, verifica-se que Tomás de Aquino formulou uma filosofia jurídico-processual que, pela autoridade de seus princípios reitores, possui importante utilidade também nos dias de hoje. O sentido do justo é, em Tomás, não apenas uma qualidade da ordem natural das coisas, mas também, definitivamente, uma premissa de aplicação no mundo jurídico através dos institutos e categorias jurisdicionais construídos para utilidade no dia-a-dia das relações humanas e sociais.

Ao mesmo tempo, a ideia dos julgamentos justos e pautados em autoridade competente converteu as decisões dos juízes em diretrizes dignas de credibilidade e natural aceitação aos olhos de seus destinatários, nobres e súditos, numa concepção comparável à admissão dos mistérios da fé. Noutras palavras, Tomás promoveu uma redescoberta da autoridade dos julgamentos a partir da sensibilidade extraível da lógica e da razão empíricas dos juízes para proveito real e não fictício da comunidade.

Nesse panorama, a axiologia da jurisdição judicial segundo a doutrina de Tomás de Aquino perpassa pelo julgamento reto e racional (justo por assim dizer), pela importância do princípio segundo o qual in dubio pro reo, pela hermenêutica voltada à ordem natural das coisas a partir da dinâmica da natureza criada e, finalmente, pela adequada colheita e valoração da prova com alicerce na razão do bem ínsita ao homem. Sem dúvida, trata-se, já no Medievo, na construção da cultura do que hoje denominados due process of law.

7. Referências

AQUINO, T. Suma contra los gentiles, vol. II. Trad. De Laureano Robles Carcedo y Adolfo Robles Sierra, Madrid: Biblioteca de los Autores Cristianos, 2007.

AQUINO, T. Suma teológica, São Paulo: Edições Loyola, 2005.

BÖCKENFÖRDE, E. História da filosofia do direito e do estado: antiguidade e idade média, São Paulo: Antônio Fabris, 2011.

CARPINTERO, F. Justicia y ley natural: Tomás de Aquino y los otros escolásticos, Madrid: Servicio de Publicaciones de La Facultad de Derecho de La Universidad Complutense de Madrid, 2004.

CHALMETA, G. La justicia política en Tomás de Aquino: una interpretación del bien comúm político, Pamplona: EUNSA, 2002.

CINTRA, A. C. A.; GRINOVER, A. P.; DINAMARCO, C. R. Teoria geral do processo, 22ª ed., São Paulo: Malheiros, 2008.

DINIZ. M. H. Dicionário jurídico, 2ª ed., vol. 4, São Paulo: Saraiva, 2008.

GILSON, E. A filosofia na idade media, São Paulo: Martins Fontes, 2005.

GONÇALVES, M. V. R. Direito processual civil esquematizado, São Paulo: Saraiva, 2011.

GONZADA, T. A. Tratado de direito natural. Trad. de Keila Grinberg, São Paulo: Martins Fontes, 2004.

GROSSI, P. A ordem jurídica medieval. Trad. de Denise Rossato, São Paulo: Martins Fontes, 2014.

KAUFMANN, A. Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito contemporâneas, Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1999.

KELSEN, H. Teoria pura do direito. Trad. de João Batista Machado, 8ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2009.

KENNY, A. Filosofia medieval, vol. II, Lisboa: Gradiva, 2010.

MORAIS, A. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional, São Paulo: Atlas, 2007. 

MARINONI, L. G.; ARENHART, S. C.. Manual do processo de conhecimento, 4ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. 

MARQUES, M. A. P..O modelo de justiça racionalista: uma construção para iludir o tempo?Direito natural, justiça e política, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 2005.  

MORRIS, C. Os grandes filósofos do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

 NUNES, C. P. A conceituação de justiça em Tomás de Aquino: um estudo dogmático e axiológico, Curitiba: Juruá, 2013.

NUNES, C. P. Nótulas para uma filosofia jurídico-processual em Tomás de Aquino. Revista Ágora Filosófica, Recife, a. 11, n. 2, p. 7-37, jul./dez. 2011.

PEDRERO-SÁNCHEZ, M. G. História da Idade Média: textos e testemunhas, São Paulo: Editora UNESP, 2000.

PÉPIN, J. São Tomás de Aquino e a filosofia do século XIII. História da filosofia. De Platão a São Tomás de Aquino, vol. I, Lisboa: Dom Quixote, 1995.

SCHIAVI, M. Manual de Direito Processual do Trabalho, 9ª ed., São Paulo: LTr, 2015.

ULLMANN, R. A. A universidade medieval, 2ª ed., Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.

VILLEY, M. Questões de Tomás de Aquino sobre direito e política, trad. De Ivone Benedetti, São Paulo: Martins Fontes, 2014. XAVIER, M. L. Questões de filosofia na idade média. Lisboa: Edições Colibri, 2007.


[1]   Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra. Doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Professor Associado da UFCG. Juiz do Trabalho.

[2]     Nesse sentido é o artigo 928 do Código Civil em vigor, verbis: “O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependam”. De igual forma, prescreve o artigo 944 da mesma codificação: “A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização”. Já o artigo 496 da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei nº 5.452/1943) prescreve: “Quando a reintegração do empregado estável for desaconselhável, dado o grau de incompatibilidade resultante do dissídio, especialmente quando for o empregador pessoa física, o tribunal do trabalho poderá converter aquela obrigação em indenização devida nos termos do artigo seguinte. E o artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal, assevera: “A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes…”.   

[3]     Nesse contexto, o artigo 1º, inciso IV, da Constituição Federal, prescreve: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…). IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”. E o artigo 5º, inciso LIV, da Constituição prescreve: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. O artigo 7º da multicitada Constituição prescreve ainda que “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…). IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”. Por sua vez, o artigo 144 da mesma Constituição expõe: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. Ademais, o artigo 170, inciso VIII, da mesma Lei Fundamental prescreve ser princípio fundamental da ordem econômica a “busca do pleno emprego”. Por fim, o artigo 196 da citada Constituição Federal estabelece: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

[4]     Nesse sentido, Marcus Vinícius Rios Gonçalves assenta o seguinte conceito de jurisdição: “Função do Estado, pela qual ele, no intuito de solucionar os conflitos de interesse em caráter coativo, aplica a lei geral e abstrata aos casos concretos que lhe são submetidos”.