A MOBILIDADE COMO UM SERVIÇO: UM INSTRUMENTO PARA A MELHORIA DA MOBILIDADE URBANA NO BRASIL

A MOBILIDADE COMO UM SERVIÇO: UM INSTRUMENTO PARA A MELHORIA DA MOBILIDADE URBANA NO BRASIL

10 de dezembro de 2022 Off Por Cognitio Juris

MOBILITY AS A SERVICE: AN INSTRUMENT TO IMPROVE URBAN MOBILITY IN BRAZIL

Artigo submetido em 6 de dezembro de 2022
Artigo aprovado em 9 de dezembro de 2022
Artigo publicado em 10 de dezembro de 2022

Cognitio Juris
Ano XII – Número 44 – Dezembro de 2022
ISSN 2236-3009
Autores:
Heverton Lopes Rezende[1]
Jonathan Barros Vita[2]

RESUMO: A urbanização desordenada e ausência de planejamento para os meios de transporte potencializam a ocorrência de impactos negativos no trânsito no meio urbano. Para tanto, o objetivo geral desta pesquisa é apresentar, à luz da análise econômica do direito, a perspectiva da “mobilidade como um Serviço”, como instrumento para melhoria da mobilidade urbana. No desenvolvimento do artigo são apresentados aspectos relacionados a mobilidade no direito urbanístico e da PNMU. Por meio do método dedutivo, pesquisa bibliográfica, bem como dados estatísticos de fontes secundárias, verificou-se que a “mobilidade como um serviço” tem potencial para ser uma importante ferramenta de planejamento nas cidades brasileiras, atendendo a crescente demanda pelo deslocamento; entretanto, alguns entraves precisam ser solucionados, como regulamentação, compartilhamento de informações, tecnologia para monitoramento etc.

Palavras chave: Planejamento urbano; Mobilidade urbana; Mobilidade como um serviço

ABSTRACT: The disorderly urbanization and lack of planning have an impact on traffic in urban areas. Therefore, the general objective of this research is to present the perspective of “mobility as a Service”, as an instrument for improving urban mobility. In the development of the article, aspects related to mobility in urban and PNMU law are presented, in the light of the law and economics method. Through the deductive method, bibliographic research, as well as statistical data from secondary sources, it was found that “mobility as a service” has the potential to be an important planning tool in Brazilian cities, meeting the growing demand for displacement; however, some obstacles need to be solved, such as regulation, information sharing, monitoring technology, etc.

Keywords: Urban planning; Urban mobility; Mobility as a service

INTRODUÇÃO:

          Como se sabe, a urbanização não planejada acarreta diversos impactos a mobilidade nas cidades, pois as soluções de transporte não costumam crescer na mesma proporção de sua demanda. O transporte público comumente não chega a todos os lugares, bem como possui falhas, embora seja uma das poucas alternativas para o deslocamento das pessoas.

          É certo que os problemas com o transporte público, seja pelo valor das tarifas, ou pela ausência de infraestrutura e manutenção têm gerado constantes discussões e protestos. É nesse contexto em que os meios de transportes alternativos como UBER, bicicletas, patinetes, entre outros, ganharam seu espaço nas cidades brasileiras; o que é incentivado pela a Política Nacional de Mobilidade Urbana.

          Há também uma tendência em diversos países pela concepção da mobilidade “como um serviço”, em detrimento da posse de veículos para o deslocamento urbano. Nesse sentido, a problemática levantada é: com o crescente aumento da população brasileira, principalmente a migração para as maiores cidades, a mobilidade como um serviço pode ser implementada no Brasil como um instrumento para a melhoria da mobilidade urbana?

          Destarte, o objetivo geral deste artigo é demonstrar, à luz da análise econômica do direito, como a mobilidade como um Serviço (MaaS, a partir daqui) pode ser uma alternativa para a melhoria da mobilidade urbana. Como objetivos específicos propõe-se apresentar sua relação entre o direito urbanístico e a PNMU, bem como propor uma discussão sobre a necessidade de regulamentação da MaaS no Brasil.

          Para tanto, o primeiro capítulo é dedicado a explanação sobre a mobilidade como um serviço, e nos capítulos seguintes abordaremos de forma sintética os objetivos específicos relacionados a mobilidade urbana.

          Justifica-se a pesquisa em razão da relevância jurídica e contemporaneidade do tema, que envolve mobilidade e planejamento urbano, bem como a utilização da tecnologia para implementar soluções alternativas para o atendimento da atual demanda por transporte público eficiente.

          A abordagem é inédita, o que pode ser confirmado pela diminuta bibliografia nacional utilizada para lastrear a pesquisa, reforçando a importância da temática na atualidade.

          A partir do questionamento proposto como problema, através do método dedutivo, pesquisa bibliográfica e exploratória, será apresentado um referencial teórico sobre o tema. Também serão analisadas a legislação e os dados estatísticos de fontes secundárias a fim de identificar lacunas e soluções para a mobilidade nas cidades brasileiras.

          Será utilizado ainda o sistema de referências da Análise Econômica do Direito (AED), considerando-se os resultados que se pretende atingir com  Política Nacional de mobilidade urbana, verificando-se o a relação entre o custo-benefício ou causa e efeito gerado.

1.       A mobilidade como um serviço

          A mobilidade como um serviço, também conhecida como MAAS (Mobility as a service), se trata de um serviço disponibilizado ao usuário numa plataforma digital, o qual é capaz de planejar um trajeto entre dois pontos, por meio da integração de diversos meios de transporte, públicos ou privados. O usuário pode escolher as opções de transporte disponíveis, bem como as combinações sugeridas, segundo sua preferência por preço, rapidez, comodidade etc.

          Para Kamargianni e Matyas (2017, p. 04) os usuários utilizam apenas uma interface para encontrar informações e selecionar o modo de transporte preferido para suas viagens. O operador MaaS pode propor a combinação ideal de modos de transporte para cada trecho, conhecendo as condições da rede em tempo real, bem como as preferências dos usuários. Em outras palavras, o provedor de MaaS pode otimizar a oferta e a demanda. 

          O serviço pode oferecer diferentes pacotes adaptados a diferentes perfis de usuário e, ao mesmo tempo, com custos diferentes; tudo depende dos serviços solicitados, que podem incluir um, vários ou todos os modos de transporte disponíveis na cidade, como transporte público, táxi , compartilhamento de carros ou aluguel de carros de alto padrão. (ATC, 2016, p. 46).

          A combinação desses diferentes meios de transporte é vista como uma chave para facilitar uma mudança de paradigma no transporte, reduzindo o uso “irracional” do carro particular, com o incentivo da mudança da perspectiva de “posse” pelo “uso”  (ATC, 2016, p. 46).

          Percebe-se portanto um cenário onde os usuários podem se deslocar com um custo menor do que se tivesse um automóvel particular, ou seja, a mobilidade é tratada “como um serviço” a ser contratado apenas quando necessário.

          Os deslocamentos serão realizados de forma mais rápida, eficiente e barata, inclusive com menor pegada ecológica, uma vez que, ao agregar transportes públicos, menos poluição será gerada (externalidade negativa); fortalecendo ainda o desenvolvimento regional com o incremento da prestação de serviço em todos os seguimentos envolvidos nesse processo (incentivo).

          Há também mais comodidade e flexibilização do pagamento, que não precisa ser em dinheiro, mas com cartões de crédito ou vinculando contas de pagamentos on line, como o PayPal (KAMARGIANNI; MATYAS, 2017). Ademais, possibilita o pagamento único na plataforma, que pode englobar todos os meios de transporte; o usuário pode optar por pagar apenas a viagem ou ainda, mensalmente.

          Quanto a tecnologia utilizada, os dados multidimensionais capturados com dispositivos móveis e sensores sobre serviços, infraestrutura e de usuários de que um provedor de MaaS requer, podem ser armazenadas e recuperados de maneira rápida, segura e confiável. (KAMARGIANNI; MATYAS, 2017, p. 08)

          Com o mapeamento da malha e análise em tempo real do fluxo e trânsito, aproveitando-se os dados do usuário, bem como dos operadores de transporte, nesse contexto, externalidades positivas; o sistema poderá fornecer o melhor serviço possível, com rotas cada vez mais precisas e eficientes. 

          Quanto a implementação do MaaS no mundo, em Helsinque, Finlândia, Goodall et al. (2017) ressalta que a empresa MaaS Global foi a primeira a oferecer esse serviço em 2017 com seu aplicativo “Whim”; oferece aos moradores da cidade finlandesa planos mensais personalizados para deslocamento com transportes combinados.

          Para se ter uma ideia dos valores/incentivos praticados na Finlândia, o plano mais barato, à época, custava €59,70, e o mais caro €499,00 mensais, os quais incluem viagens ilimitadas de bicicletas por toda a cidade. Além dos planos, também existe a possibilidade de contratação do serviço somente para as viagens realizadas, ou seja, conforme utilização; opção mais atraente para quem não precisa se deslocar muito pela cidade.

          Conforme Goodall et al. (2017), além de Helsinque, diversas cidades ao redor do mundo possuem ao menos um projeto piloto ou um meio de transporte público integrado a serviços de mobilidade combinada, como é o caso de Paris, Eindhoven, Gotemburgo, Montpellier, Viena, Hanover, Las Vegas, Los Angeles, Denver, Cingapura e Barcelona.

          Dessarte, veja-se alguns aplicativos de MaaS existentes e o local onde é utilizado: Whim app, Helsinque; UbiGo, Gotemburgo; Qixxit e Moovel, Alemanha; Beeline, Singapura; Smile app, Viena; Bridj, Boston, Kansas City e Washington DC; e Communauto/Bixi, Quebec Canada. (GOODALL et al., 2017).

          Acerca dos aplicativos em operação, há uma pesquisa desenvolvida por Jittrapirom et al. (2017), onde os autores investigaram vários aplicativos existentes e identificaram diversos atributos semelhantes, como customização, opções tarifárias, informações em tempo real, planejamento, dentre outros; bem como constataram os efeitos positivos a mobilidade.

          Esses pontos são interessantes pois demonstram que experiência de outros países é muito importante, não apenas para a confiança do usuário, mas para compartilhamento de conhecimento e utilização de boas práticas por ocasião de eventual implementação da ferramenta no Brasil. 

2.       Direito Urbanístico e a mobilidade urbana:

          Atualmente a maior parte da população brasileira vive nas cidades. Conforme IBGE (2019), esse número representa mais de 85% da população; e chama a atenção o fato de mais da metade dos habitantes se concentra em apenas 5,8% dos municípios, que são aqueles com mais de 100 mil pessoas.

          Além disso, em apenas 48 municípios com mais de 500 mil habitantes concentram quase um terço da população, o que denota a macrocefalia urbana em diversas cidades brasileiras, o que impacta diretamente em problemas urbanísticos e desigualdades sociais.  

          Esse aumento da população urbana, aliado a especulação imobiliária, faz com que as pessoas tenham que realizar um número maior de deslocamentos e com trajetos mais longos, o que faz com que os sistemas de transportes representem um papel importante na qualidade de vida nas cidades. (ALVES, 2014, p. 41).

          O impacto dos problemas de urbanização desordenada é sentido no trânsito; conforme Pereira, Morais e Ferreira (2012), o crescimento urbano ocorreu paralelamente à expansão dos corredores de transporte, sobretudo o rodoviário, que resultou na ampliação territorial das cidades, formando áreas periféricas (subúrbios), que passaram a receber mais pessoas e atividades econômicas, aumentando diariamente o número de viagens das pessoas.

          As cidades se desenvolveram baseadas em um modelo insustentável de mobilidade, onde  a prioridade de utilização está nos meios de transporte individuais, em detrimento dos não motorizados ou no transporte público; embora estes sejam mais utilizados por grande parte da população residente nas áreas periféricas dos centros urbanos (ALVES, 2014, p. 42).

          Obviamente, uma das soluções para problemas de mobilidade seria a utilização do transporte público. Mas conforme Quaresma et al. (2017) há alguns entraves: os atrasos constantes verificados na prestação de serviços de transporte público, em especial por ônibus, têm gerado constantes discussões e protestos pela parcela da população que, em grande parte, possui somente esse tipo de transporte como alternativa. Tais problemas podem ser explicados principalmente pelo mau gerenciamento do sistema de transporte público, fato que pode ser melhorado por meio da utilização das novas tecnologias da informação.

          Nesse aspecto, Marrara (2018, n.p.) salienta que a baixa mobilidade de muitas cidades brasileiras decorre da falta de investimento em soluções de transporte coletivo de qualidade e meios mais sustentáveis de transporte individual; além da falta de planejamento e precariedade na gestão do transporte público. Esses problemas são sentidos há décadas, principalmente nas grandes metrópoles e, recentemente, nas cidades de médio porte.

          Os problemas relacionados a mobilidade prejudicam até mesmo que a cidade cumpra suas funções, atingindo as trocas em sentido amplo, que incluem a cultura, informações, lazer e força de trabalho (MARRARA, 2018, n.p.)

          Nesse sentido, Garcias e Bernardi (2008) anotam que as funções sociais da cidade são agrupadas em três categorias: Funções Urbanísticas (habitação, trabalho, lazer e mobilidade), Funções de Cidadania (educação, saúde, proteção e segurança ) e Funções de Gestão (prestação de serviços, planejamento, preservação do patrimônio cultural e natural e sustentabilidade urbana).

          Percebe-se, portanto, que a mobilidade está incluída na função social da cidade, a qual se consubstancia no bem-estar de seus habitantes. Devido a importância do tema, as diretrizes gerais para que a política urbana ordene o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade estão previstas no (Estatuto da Cidade) art. 2º da Lei nº.  10.257/2001 (BRASIL, 2021).

          Lado outro, interessante salientar que a regulamentação urbanística não provém do urbanismo, mas sim do Direito Urbanístico, cuja competência para legislar é da união. Esse ramo do direito tem características e princípios que o individualizam no âmbito do Direito Público.    

          Veja-se o que afirma Romano (2017, p.1):

O Direito Urbanístico é estudado sob a forte influência das novas teorias Geopolíticas ou de Política Ambiental, enfocando-se nos problemas históricos e geográficos das grandes cidades brasileiras como conurbação, alta densidade demográfica (que causa conflitos de terras) e também problemas ambientais que envolvem o Código de Trânsito Brasileiro, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, a Lei de Parcelamento do Solo Urbano, demais dispositivos esparsos sobre organização administrativa pública, ambiental, de manejos geográficos das cidades em matéria tributária.

          Essa influência citada pelo autor pode ser observada pela aplicaçãoda legislação reguladora da atividade urbanística, ou seja, planejamento, gestão e disciplina do uso, ocupação e parcelamento do solo, desenvolvimento urbano e ordenação do território. Seu espeque principal é na Constituição Federal (art. 182 e 183), bem como nas Leis nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), 6.766/1973 (Parcelamento do Solo), e 12.651/2012 (Código Florestal, art. 25). 

          Para Fernandes (2006, p. 7), uma grande conquista da sociedade brasileira foi a inserção, pela primeira vez na história constitucional brasileira, de capítulo destinado a política urbana. São dois artigos que reconhecem que o Brasil já se encontra plenamente urbanizado, e que as formas de organização socioeconômica e político-territorial do país não são da mesma ordem que aquelas previstas no Código civil de 1916.

          O artigo 182 da Constituição Federal estabelece que a política de desenvolvimento urbano, a ser executada pelos municípios, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, além de garantir o bem-estar de seus habitantes. Esse dispositivo estabelece ainda que o Plano Diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, esclarecendo que a propriedade urbana atende sua função social quando atende ao que estipula o plano diretor.

          Com efeito, o art. 2º do Estatuto da Cidade verificam-se as diretrizes gerais da política urbana, cujo objetivo é ordenar o desenvolvimento das funções sociais da cidade. Entre as diretrizes verifica-se a garantia do direito às cidades sustentáveis.

          Para ser sustentável a cidade precisa atender aos objetivos sociais, ambientais, políticos e culturais, bem como os objetivos físicos e econômicos de seus cidadãos. Deve operar conforme um modelo de desenvolvimento urbano que procure balancear os recursos necessários ao seu funcionamento. (LEITE, 2012, p. 135). 

          Para Leite (2012, p.136) as cidades também devem ser inteligentes. Essa “inteligência” se refere a um modelo baseado em um eficiente sistema de mobilidade urbana que conecte os núcleos adensados em rede, promovendo maior eficiência nos transportes públicos, e consequentemente gerando um desenho urbano que encoraje a caminhada e o ciclismo.

          Nalini e Silva Neto (2017, p. 06) aduzem que uma cidade inteligente é aquela capaz de criar estruturas de gestão capazes de serem ativadas para atender a todas as demandas próprias do caráter problemático que o espaço urbano reproduz.

          Essas estruturas visualizam a cidade como um sistema complexo que deve ser interligado por redes de comunicação, as quais podem detectar problemas, disparar alarmes e direcionar fluxos de trabalho humano com foco na eficiência dos serviços públicos (NALINI; SILVA NETO, 2017, p. 06).

          A cidade também é inteligente, portanto, quando monitora constantemente o fluxo de automóveis a fim de eliminar os “gargalos”, bem como implementando práticas sustentáveis, oportunizando-se um transporte público com maior qualidade e oferecendo rotas mais rápidas.

          Note-se que o Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001) também prevê um instrumento denominado “Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança”; cuja função é identificar aspectos positivos e negativos da instalação de empreendimentos, inclusive as que impactem no trânsito em determinada região.

          Veja-se que estabelece os artigos 36a 38 da referida lei:

Art. 36. Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal.

Art. 37. O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das seguintes questões:

I – adensamento populacional;

II – equipamentos urbanos e comunitários;

III – uso e ocupação do solo;

IV – valorização imobiliária;

V – geração de tráfego e demanda por transporte público;

VI – ventilação e iluminação;

VII – paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.

Parágrafo único. Dar-se-á publicidade aos documentos integrantes do EIV, que ficarão disponíveis para consulta, no órgão competente do Poder Público municipal, por qualquer interessado.

Art. 38. A elaboração do EIV não substitui a elaboração e a aprovação de estudo prévio de impacto ambiental (EIA), requeridas nos termos da legislação ambiental. (grifo nosso)

          O EIV é um documento composto de laudos multidisciplinares que indicam pontos positivos e negativos em relação a empreendimentos, além de indicar medidas a serem tomadas com o fito de mitigar seu impacto negativo ou, até mesmo, evitar a ocorrência desse impacto (VIEIRA, 2012, p. 349).

          Outrossim, a Lei nº. 12.587 de 2012 (BRASIL, 2012) instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), a qual foi definida como instrumento da política de desenvolvimento urbano nos termos do inciso XX do art. 21 e o art. 182 da Constituição Federal.

          O art. 2º da PNMU estabelece que a Política Nacional de Mobilidade Urbana tem por objetivo contribuir para o acesso universal à cidade, além do fomento e a concretização das condições que ajudem na efetivação dos princípios, objetivos e diretrizes da política de desenvolvimento urbano, por meio do planejamento e da gestão democrática do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana.

          Além das definições importantes citadas acima, a lei elenca políticas públicas a serem adotadas, dentre elas as diretrizes para a regulamentação dos serviços de transporte público coletivo e para o planejamento e gestão dos sistemas de mobilidade urbana.

          Dessa forma, todas as cidades com mais de 20 mil habitantes devem elaborar seus planos de mobilidade urbana, inclusive prevendo instrumentos de apoio a mobilidade. As diretrizes do plano estabelecem a prioridade aos meios de transportes não motorizados e dos serviços de transporte público coletivo, além da integração entre os modos e serviços de transporte urbano, dentre outras providências.

          Oportuno citar o trabalho de Mendes e Ceroy, onde os autores tratam da mobilidade, e relatam sua percepção em relação a diminuição da utilização de veículos próprios, em razão da implementação da economia compartilhada.  

          Os autores argumentam que é necessário incluir a economia compartilhada à Lei de Mobilidade Urbana, a fim de que seja positivada no Direito como um novo mecanismo para promover a circulação de pessoas. Essa seria uma alternativa principalmente nas grandes cidades, permitindo a reutilização de veículos, reduzindo demandas por estacionamentos, tráfego urbano e emissão de gases poluentes. (MENDES; CEROY, 2015, p. 14).

          Com efeito, sob a ótica da Análise Econômica do Direito, percebe-se que a Política de Mobilidade Urbana, observadas as peculiaridades regionais, e mesmo com algum viés político, pretende estimular o uso do transporte público nas cidades em detrimento da utilização de veículos individuais.

          Com amparo no método da pesquisa é possível identificar que o “custo” dessa tendência é o potencial prejuízo a indústria automotiva com a queda na venda de veículos, e de outro lado, o “benefício” que é a diminuição do tráfego de veículos, demanda por estacionamento, poluição ambiental, entre outros; o que coaduna inclusive com os princípios da defesa do meio ambiente e redução das desigualdades regionais e sociais estampados no art. 170 da Constituição.         

          Essa tendência pela escolha do “bem maior” pode ser observada principalmente nos art. 5º, III, da PNMU que trata como “Princípio” o acesso  dos cidadãos ao transporte público coletivo, bem ainda o art. 6º que estabelece como diretriz da Política Nacional a “prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado”. Ou seja, o resultado da análise é que a política ao menos foi planejada buscando a eficiência.

          Dito isto, em que pese eventuais problemas ou deficiências com o transporte público brasileiro, principalmente baixa oferta e poluição, nesse contexto, externalidades negativas, percebe-se a existência de uma tendência mundial de que as pessoas busquem o transporte público, em detrimento dos carros.

          Assim afirma Farr (2013, p. 106) em relação ao contexto norte-americano, no sentido de que desde 1995, o uso do transporte público aumentou 25%, e no ano de 2005 seus usuários nos Estados Unidos fizeram mais de 9,7 bilhões de deslocamentos. Conforme o autor, hoje existem 3.349 estações de transporte coletivo naquele país, e todas as regiões estão construindo ou planejando construir novos sistemas ferroviários ou expandir os sistemas já existentes.

          Os dados trazidos pelo referido autor são impressionantes, e denotam que essa pode ser uma tendência global, o que obviamente, inclui a procura dos brasileiros pelo transporte público. 

          Isto posto, anota-se que para Hannon et al. (2019 n.p.), a tecnologia associada a mobilidade tem potencial para criar diversas oportunidades para as cidades. É nesse cenário que se destaca a mobilidade como um serviço.

3.       Perspectivas da MaaS no Brasil

          Em que pese o MAAS não esteja devidamente implantado no Brasil, há experiências positivas com a integração no transporte público, como o que ocorre com os ônibus e metrô de São Paulo.

          Além disso, o uso do UBER e de outros aplicativos de transporte, das bicicletas compartilhadas e dos patinetes está bastante difundido, inclusive há pouco tempo o município de São Paulo regulamentou por decreto o uso dos patinetes.

          Sobre o UBER, interessante destacar que em 2019 a plataforma anunciou que em seu aplicativo serão incluídas informações sobre o transporte público em São Paulo, incluindo ônibus, metrô e trens da CPTM, para facilitar a escolha das combinações que o usuário deseja fazer ao longo de sua viagem. O aplicativo não integra os meios de transporte, mas dá o primeiro passo para que essa integração seja implementada futuramente.  (LOBEL, 2019, n.p.)

          Entretanto, mesmo com o interesse dos usuários e um cenário aparentemente favorável a implementação da MaaS, pensamos que, além de vontade política, o aspecto tecnológico seria o maior entrave para a implementação da MaaS no Brasil, o que inclui compartilhamento de informações e análise em tempo real do fluxo de trânsito, uma vez que nem todos os meios de transporte possuem dispositivos que viabilizem sua posição na malha e, portanto, não podem fornecer uma estimativa confiável do trajeto.

          Diante de todo o exposto, como pode ser observado, a mobilidade como um serviço tem potencial para atender as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, ao tornar a cidade mais inteligente, com um fluxo mais contínuo e eficiente de veículos, mediante o atendimento da população de forma mais sustentável.

          Quanto a regulamentação do serviço, o poder público possui papel importante na relação entre usuário e o modelo Maas, pois é quem deve regulamentar as práticas de mercado, pagamento de tributos, evitando assim abusos aos direitos do consumidor e também prejuízos aos operadores do sistema, dificultando a operabilidade.

          No Brasil aplica-se ao contrato de transporte de pessoas o art. 734 e seguintes, bem como art. 927 da lei 10.406/2002 (código civil), bem assim as disposições atinentes a relação de consumo previstas na Lei 8.078/1990 (código de defesa do consumidor). Ou seja, entendemos que ao ser  implantado o MaaS, aplica-se a legislação relacionada ao contrato de transporte enquanto não sobrevenha regulamentação específica.

          Interessante salientar que a lente da Análise Econômica do Direito, seu viés econômico sempre com espeque na eficiência, deve ter papel relevante por ocasião da regulamentação, inclusive a repercussão econômica de eventuais tributos a serem criados, bem como as consequências sociais da norma. 

          Isso porque o intérprete jurídico, ao se deparar com situações jurídicas difíceis de regulamentar, em virtude das possíveis lacunas normativas, a análise das externalidades, custo de oportunidades (relação custo-benefício) devem ser consideradas, dentre várias categorias oriundas da ciência econômica (ALMEIDA; VITA, 2018).

Considerações finais

          A MaaS representa uma mobilidade inteligente que envolve diversos modais de transporte; é centrada no usuário, proporcionando a ele maior liberdade na escolha pela melhor rota ou meio de transporte adequado para o seu deslocamento.

          É um modelo já testado em operação em diversas cidades ao redor do mundo, o que é um ponto positivo para sua implementação no Brasil, mormente em razão da diversificação dos referidos modais e melhorias no acesso ao serviço, pois a mobilidade urbana brasileira deve ser pensada considerando as peculiaridades que permeiam os processos de urbanização desordenada, o que ocasiona impactos significativos no trânsito, prejudicando ainda às funções sociais das cidades.

          Constatou-se que alguns instrumentos previstos na lei, incentivos ou externalidades positivas, podem auxiliar o poder público no planejamento e identificação de problemas nas cidades, como o Plano Diretor, obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes, bem como o Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança, a ser apresentado pelos empreendimentos cuja atividade provoque efeitos na qualidade de vida da população.

          Após uma breve análise da Política Nacional de Mobilidade Urbana, com espeque na análise econômica do Direito, constatou-se que a lei foi planejada buscando a melhor eficácia dos sistemas de transporte, inclusive estimulando o uso de transporte público e dos não motorizados como opções de mobilidade urbana, cujo benefício auferido é maior que os custos econômicos da implementação das medidas previstas.

          A mobilidade urbana bem integrada, pode representar uma diminuição expressiva no tráfego de veículos, de forma que é possível conceber que num futuro próximo, possuir um automóvel será desnecessário se considerado que os custos para mantê-lo serão bem maiores que o deslocamento por transporte público.

          A MaaS, portanto, tem o potencial para ser uma importante ferramenta de planejamento de mobilidade urbana no Brasil, desde que as deficiências apontadas sejam sanadas, como a falta de regulação específica, utilização da tecnologia da informação para monitoramento de fluxo e  posicionamento dos veículos e políticas públicas que fomentem integração dos meios de transporte.

REFERÊNCIAS

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[1]    Doutor em Ciências Jurídicas pela Universidade del Museo Social Argentino e Mestre em Direito pela Universidade de Marília.

[2]    Advogado, Consultor Jurídico e Contador. Mestre e Doutor pela PUC-SP e Mestre em Segundo Nível pela Universidade Comercial Luigi Bocconi, Milão, Itália. Coordenador e professor titular do Mestrado e Doutorado em Direito da UNIMAR.