QUALIDADE DE VIDA EM AMBIENTE DE TRABALHO: POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS AO PROFISSIONAL DA SAÚDE NO CONTEXTO DA COVID-19 EM JOÃO PESSOA-PB

QUALIDADE DE VIDA EM AMBIENTE DE TRABALHO: POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS AO PROFISSIONAL DA SAÚDE NO CONTEXTO DA COVID-19 EM JOÃO PESSOA-PB

14 de agosto de 2022 Off Por Cognitio Juris

QUALITY OF LIFE IN THE WORK ENVIRONMENT: PUBLIC POLICIES AIMED AT HEALTHCARE PROFESSIONALS IN THE CONTEXT OF COVID-19 IN JOÃO PESSOA-PB

Cognitio Juris
Ano XII – Número 42 – Edição Especial – Agosto de 2022
ISSN 2236-3009
Autores:
Giselly Sousa de Lima[1]
Flávia de Paiva Medeiros de Oliveira[2]
Paulo Henrique Tavares da Silva[3]

RESUMO: A qualidade de vida nos ambientes laborais deveria ser um dos preceitos mais importantes para os empregadores e gestores. No entanto, muitas vezes as observações às políticas públicas são limitadas e quando ocorre algo imprevisível, como a pandemia de Covid-19, os problemas já existentes se configuram em escala ainda maior. Nesse contexto, o objetivo principal deste estudo foi compreender a conduta adotada pela Prefeitura Municipal de João Pessoa, especificamente a Secretaria Municipal de Saúde, com relação aos profissionais no cenário de pandemia do Novo Coronavírus. Para isso, foram utilizados três tópicos para uma revisão bibliográfica e análise documental em que foram analisados conceitos de políticas públicas, política públicas de trabalhadores, legislações relacionadas à temática do artigo e ainda decretos publicados pela prefeitura da Capital paraibana. A partir de tais considerações, foi possível compreender que a administração pública de João Pessoa teve limitações para promover a saúde e qualidade de vida dos trabalhadores da área da saúde mediante políticas públicas no âmbito do município no contexto de pandemia.

Palavras-chave: Políticas Públicas. Trabalhadores. Trabalhadores da saúde. Covid-19. João Pessoa.

ABSTRACT: The quality of life in work environments should be one of the most important precepts for employers and managers. However, observations of public policies are often limited and when something unpredictable occurs, such as the Covid-9 pandemic, the existing problems are configured on an even greater scale. In this environment, the main objective of this study was to understand the conduct of the Municipality of João Pessoa, through public policies aimed at health professionals in the New Coronavirus pandemic. For this, three topics were used for a bibliographic review and document analysis in which concepts of public policies, public policy for workers, legislation related to the theme of the article and even decrees published by the city of the Capital of Paraíba were discussed. In view of what was found, it was possible to understand that the public administration of João Pessoa had limitations to promote the health and quality of life of health workers through public policies.

Keywords: Public Policies. Workers. Health workers. Covid-19. João Pessoa.

1 INTRODUÇÃO

            A pandemia do Novo Coronavírus apareceu sem que o mundo estivesse preparado para o surgimento de uma doença grave que instaurou um caos em grande parte dos sistemas de saúde e nos demais seguimentos sociais. Para Maffini (2021), a pandemia repercutiu de maneira jamais presumida em todo o mundo e trouxe grandes impactos tanto sociais, quanto econômicos. Além disso, o autor também pontuou que as consequências incalculáveis que o contexto pandêmico trouxe acarretou na necessidade de encontrar soluções para os momentos adversos.

            Dessa forma, é importante promover estudos relacionados aos impactos que os trabalhadores da área da saúde sofreram perante o contexto pandêmico, e observar o funcionamento de políticas públicas que protejam os direitos da classe trabalhista mesmo diante de tal situação adversa. Foi nesse contexto que surgiu a problemática desta pesquisa: qual a conduta da administração pública do Município de João Pessoa com relação à adoção de políticas públicas voltadas aos profissionais da saúde na pandemia do Novo Coronavírus?

            Desse modo, o objetivo principal deste estudo foi compreender a conduta da Prefeitura Municipal de João Pessoa a respeito da adoção de políticas públicas voltadas aos profissionais da saúde na pandemia do Novo Coronavírus. Para responder ao problema de pesquisa, seguiu-se para uma abordagem qualitativa, do tipo de revisão bibliográfica e documental, que foi desenvolvida a partir de buscas em portais de relevante aceitação científica, assim como também por legislações pertinentes a temática de estudo proposta neste artigo.

            Assim, para assegurar o efeito organizacional de leitura, além desta introdução, tem ainda o tópico As Políticas Públicas para Trabalhadores da Saúde que se sustentou em trazer conceitos e definições para políticas públicas, tipos de políticas públicas, atores sociais dessas políticas, entre outros. Foi desenvolvido ainda o tópico A restrição de direitos aos profissionais da Saúde na Pandemia, que fez reflexões acerca dos direitos trabalhistas e de como os trabalhadores tiveram alguns de seus direitos restringidos em prol da não disseminação da Covid-19. Outro tópico de contextualização e teoria foi A restrição de direitos aos profissionais da saúde na pandemia da covid-19, em que foram referenciados alguns decretos da administração da capital paraibana.

            Diante de todo o exposto, cabe acrescentar ainda que umas das considerações mais importantes que foram encontradas no decorrer desta pesquisa é de que os direitos trabalhistas dos profissionais da saúde do município de João Pessoa foram restritos, mas não existiu contrapartida do poder executivo da capital paraibana, como por exemplo, em assegurar a saúde emocional, ou qualquer valor promocional que pudesse servir de incentivo para esses profissionais da saúde.

2 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA TRABALHADORES

O momento atual de excepcionalidade suscita uma série de debates relevantes socialmente. Sabe-se que essas discussões englobam as mais diversas temáticas, trazendo a necessidade de retornar às feituras e valores que as políticas públicas caracterizam nas mudanças sociais. Nesse contexto, intervenções, decisões, mudança de paradigmas, assim como também estratégias de resolução de problemas são balizadas por meio das tão necessárias políticas públicas (GIANEZINI et al., 2017). “O entendimento do que é uma política pública deve começar pela compreensão do que lhe é essencial: as demandas sociais vinculadas a problemas políticos” (SCHMIDT, 2018, p. 122).

Para Reinaldo Dias e Fernanda Matos (2012, p. 3) as políticas públicas existem para permitir uma “pacífica convivência entre pessoas diferentes, com interesses particulares e que buscam a felicidade para si”, o que deve assim ser considerado como medida proponente do Estado, que também podem ser consideradas como normas procedimentais expressas por relações de poder, intencionando resolver conflitos de forma pacífica.

Entender as políticas públicas em toda a sua abrangência e compreender o papel do Estado nessas ações requer um construto teórico de informações concernentes a tal temática. Nesse contexto, Gianezini et al. (2017) consideraram que, até a metade do XIX, o Estado menosprezava os indivíduos no sentido de não lhes atribuir direito algum. O autor ainda enfatizou que apenas em 1883, a Prússia elaborou um plano de seguridade social para questões trabalhistas. O motivo para tal estratégia foi o fortalecimento dos movimentos socialistas da época que culminaram em uma crise industrial.

Os estudos relacionados às políticas públicas ganharam nuances importantes a partir do término da 2ª Guerra Mundial nos Estados Unidos – EUA. Desse modo, foi a partir de então que as políticas públicas se tornaram uma subárea das ciências políticas dos EUA por volta dos anos de 1950, que pôde promover uma grande mudança de enfoque, haja vista que até então investigavam as estruturas políticas e iniciaram os estudos relacionados com quais ações os governos estavam realizando (SCHMIDT, 2018).

Lima; Steffen e D’Ascenzi (2018) enfatizaram que o principal objetivo das políticas públicas é promover mudanças sociais. Todavia, no que cabe às definições conceituais acerca das políticas públicas em uma análise das construções brasileira, assim como cita Gianezini et al. (2017), está nas palavras de Teixeira (apud GIANEZINI et al., 2017, p. 1071):

(…) diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado. São, nesse caso, explicitadas, sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de financiamento), orientam ações que normalmente envolvem aplicações de recursos públicos. Nem sempre, porém, há compatibilidade entre as intervenções de declarações de vontade e as ações desenvolvidas.

O estudo das bases relacionadas às políticas públicas enfatiza aspectos a respeito da eficiência da participação do cidadão e da diferenciação das complexidades em uma gestão pública. É de suma importância que o cidadão entenda as proposituras legais das políticas públicas que lhe dizem respeito, quem são os responsáveis por sua formulação e de que forma está sendo implementada, haja vista que assim o indivíduo consegue participar ativamente dessas políticas públicas, mas de uma maneira mais qualificada (SCHMIDT, 2018).

Nesse sentido, Gianezini et al. (2017) demonstraram que os processos de construção de políticas públicas, baseado em Paul Spicker, tem as seguintes etapas constantemente reformuladas: implementar, reavaliar, avaliar o ambiente, identificar objetivos, considerar métodos alternativos, examinar possíveis consequências e ainda selecionar métodos.

Os processos acima descritos podem ser implementados nas mais diversas tipologias de políticas públicas. Veja na próxima figura que os tipos estão distribuídos entre Políticas Regulatórias; Políticas Distributivas; Políticas de Segurança e ainda as Políticas Redistributivas.

Nesse sentido, cabe o destaque para os atores envolvidos nas políticas públicas. Identificam-se os atores de uma determinada política pública ao observar os grupos que tem determinados interesses atingidos por determinadas ações. Para exemplificar melhor, baseia-se em quem pode ganhar ou quem pode perder, nas palavras de Rua (1998, apud LIMA; STEFFEN E D’ASCENZI, 2018).

Nessa perspectiva, os atores sociais “são aqueles indivíduos e/ou grupos, organizados ou não, formalizados ou não, mas que tenham algum interesse na política pública, a ponto de mobilizarem esforços para criá-la, suprimi-la ou modificá-la” (LIMA; STEFFEN E D’ASCENZI, 2018, p. 40). Os atores comumente participam dos processos envolvidos nas políticas públicas, pois os resultados delas interferem nas atividades desses indivíduos atores. “Isso significa que a relação entre os atores envolve conflito, necessariamente, uma vez que disputam os recursos que são movimentados nos processos das políticas” (LIMA; STEFFEN E D’ASCENZI, 2018, p. 40).

Veja próxima figura que se relaciona com a diversidade de atores que estão envolvidos nos processos de políticas públicas.

A figura acima demonstrada é a configuração da classificação dos atores envolvidos nos processos de políticas públicas, haja vista que é de extrema importância saber quem são esses atores para que assim seja possível “mapeá-los, seja para analisar, planejar ou implementar uma política” (LIMA; STEFFEN E D’ASCENZI, 2018, p. 42).

Todavia, no contexto apresentado anteriormente, cabe enfatizar as políticas públicas voltadas aos trabalhadores, como Políticas Regulatórias e Distributivas. Silva (2018) afirmou que a Constituição Federal de 1988 foi importante no que concerne aos novos direitos e garantias para a classe trabalhadora. No entanto, o autor atentou para o fato de que essas políticas públicas voltadas para os trabalhadores dificilmente são implantadas de maneira harmoniosa, pois há certo conflito de interesse no panorama das relações entre empresários, classe trabalhadora e o Estado.

À luz da Constituição Federal, há a previsão do direito à saúde como um direito social em seu 6º artigo; e ainda a asseguração de que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado em seu artigo 196. Neste artigo, a lei especifica que o governo deve garantir à saúde mediante políticas públicas sociais e econômicas para a redução de doenças e de agravos, promovendo ainda acesso igualitário às ações de promoção, proteção e recuperação da saúde do indivíduo (BRASIL, 1988). Nesse sentido, cabe aqui refletir acerca das políticas públicas relacionadas à saúde do trabalhador, haja vista ser um direito que o Estado deve promover a todos, com total equidade.

A lei supracitada é direcionada a todos os trabalhadores urbanos que tem suas remunerações salariais. A CLT abarca muitas garantias ao trabalhador, entre elas: salário mínimo, férias, teto por jornada de trabalho, entre outras (BRASIL, 1943). No entanto, cabe ainda referenciar a Convenção nº. 155 da Organização Internacional do Trabalho, que observou a relação estabelecida entre saúde e trabalho e especificou na ocasião que ela “abrange não só a ausência de afecções ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene do trabalho” (BRASIL, 1994).

No entanto, no que diz respeito às ideias neoliberais e a força do setor privado, foi dado início a contrarreforma das leis dos direitos sociais do Estado, a exemplo da Reforma Trabalhista, promulgada no ano de 2017, que regulou o trabalho intermitente[4] e aceitação de gestantes em ambientes insalubres em níveis baixo e médio[5] (DUMS; CAMARGO, 2021).

Carvalho (2017), em um trabalho que traz uma visão geral sobre a Reforma Trabalhista, considerou que mesmo havendo a necessidade de alterações na legislação, ela não poderia ser feita de maneira desorganizada e contraditória, pois assim os resultados não serão os esperados. O autor ponderou ainda que as alterações concernentes ao direito do trabalhador devem ser baseadas em fatos concretos, na tentativa de considerar a natureza do direito do trabalho. Dessa forma “a discussão do custo-benefício de qualquer legislação trabalhista nunca deve estar dissociada de qual é o objetivo que a legislação deve alcançar” (CARVALHO 2017, p. 92).

A partir da apresentação contextualizada, cabem as palavras de Duarte (2018) quando observou que embora existam políticas públicas de atenção ao trabalho, elas estão dispersas dentro do ordenamento jurídico. No entanto, o autor ainda observou que o bem-estar geral do trabalhador se relaciona ao direito fundamental à saúde, sendo assim, essencial para a vida de qualquer indivíduo.

3 A RESTRIÇÃO DE DIREITOS AOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE NA PANDEMIA DA COVID-19

            A pandemia do novo Coronavírus, provocada pela disseminação do vírus Sars-Cov-19 e que acarreta a Covid-19, doença que pode evoluir para a síndrome respiratória aguda grave (SRAG), complicando ainda mais o quadro de infecção; gerou uma necessidade de restrições aos direitos dos trabalhadores da saúde (OMS, 2020). Nesse contexto, a doença se configurou como uma pandemia de crise humanitária, pois as medidas necessárias para conter a disseminação do vírus acarretaram efeitos socioeconômicos incalculáveis e imprevisíveis (SANTOS et al., 2020).

            Nesse entorno, é certo que no decorrer da pandemia foi necessário desenvolver estratégias no enfrentamento da Covid-19, pelo que os direitos trabalhistas foram um dos mais afetados em muitos países em todo o mundo. A disseminação do novo coronavírus trouxe uma configuração completamente nova no âmbito das regulamentações legislativas brasileiras e deixou empregadores, trabalhadores e sindicatos com desafios antes inimagináveis.

            Trabalhadores como técnicos de enfermagem, enfermeiros, fisioterapeutas e médicos, por exemplo, estiveram na linha de frente nessa crise de saúde pública, trabalhando incansavelmente, se expondo e expondo seus familiares aos perigos do vírus (AGUIAR SOARES, 2020). No período pandêmico, a força do trabalho da saúde foi de importante destaque, ganhando reconhecimento que até então não era observado. Essa visibilidade se deu pela necessidade de manter essa força de trabalho ativa e evitando ao máximo a diminuição do quadro funcional seja com mortes, seja pelo adoecimento (SANTOS et al., 2020).

            Nesse contexto, no entanto, foi observado algumas restrições aos direitos dos trabalhadores durante a pandemia do novo Coronavírus, a partir da Medida Provisória (MP) publicada em 22 de Março de 2020, de nº. 927, que dispôs acercas das medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública que foi reconhecida a partir do Decreto nº. 6, do dia 20 de Março de 2020. O governo considerou a MP como alternativas trabalhistas com base no enfrentamento do estado de emergência de saúde pública a nível internacional, mediante a Covid-19 (BRASIL, 2020).

            Com base nas medidas que puderam ser impostas pelos empregadores no decorrer do estado de calamidade pública, é possível ver no quadro a seguir as informações mais relevantes da MP nº. 927:

Quadro 1- Principais medidas dispostas na MP nº. 927/2020

MEDIDAS MP nº 927/2020
CAPÍTULOMEDIDADESCRIÇÃO
CAPÍTULO IITeletrabalhoO empregador pôde alterar o regime de trabalho de forma presencial para o teletrabalho, trabalho remoto ou qualquer outro trabalho a distância; sem depender de acordos individuais ou coletivos, sem necessitar de prévio registro nos contratos individuais de trabalho.
CAPÍTULO IIIAntecipação de férias individuaisO empregador pôde antecipar férias de seus funcionários com antecedência de no mínimo 48 horas, as quais não puderam ser por mais de 5 dias. Para os profissionais da saúde, por exemplo, os empregadores puderam suspender férias e licenças não remuneradas, a partir de comunicação formal da decisão ao profissional, “por escrito ou por meio eletrônico, preferencialmente com antecedência de quarenta e oito horas”.  
CAPÍTULO IXDiferimento e recolhimento do fundo de garantia e tempo de serviçoFoi suspensa a exigência de recolhimento do FGTS, independente do número de empregados, do regime tributário, natureza jurídica, atividade econômica e adesão prévia.
CAPÍTULO XOutras disposições e matérias trabalhistasIndependentemente de jornada de 12 horas de trabalho, por 36 horas de descanso, os estabelecimentos de saúde puderam, mediante acordo individual escrito prorrogar a jornada de trabalho, fazer “adoção de escalas de horas suplementares entre a décima terceira e a vigésima quarta hora do intervalo interjornada, sem que haja penalidade administrativa, garantido o repouso semanal remunerado”. O artigo 29 ainda observou que “casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal”.  Além disso, no artigo 3, ficou disposto que acordos e convenções coletivas “vencidos ou vincendos, no prazo de cento e oitenta dias, contado da data de entrada em vigor desta Medida Provisória, poderão ser prorrogados, a critério do empregador, pelo prazo “de noventa dias, após o termo final deste prazo”.  

Fonte: BRASIL, 2020.

            Algumas determinações por parte do poder público no decorrer da pandemia não foram bem aceitas, em especial a Medida Provisória nº. 927/2020, pois nela ficou expresso que quando um trabalhador da área da saúde estava acometido pela Covid-19, este não era considerado como um acidente de trabalho. Diante disso, Machado, Almeida e Freitas (2020) apontaram que, nesse caso, não há observância ao princípio da fraternidade[6] nas relações trabalhistas, haja vista que a MP não considerou a Covid-19 como um acidente de trabalho nos profissionais da saúde, sem reconhecer que estes estavam expostos diariamente ao risco de contraí-la, em face do ambiente de trabalho.

            Em face do artigo 29, surgiram seis Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI nº 6342; ADI nº 6344; ADI nº 6346; ADI nº 6352; ADI nº 6354; e ADI nº 6375) para suspender a eficácia do citado artigo, haja vista a dificuldade das provas de nexo causal quando um trabalhador fora infectado pelo novo Coronavírus nas interdependências das atividades laborais (MACHADO, ALMEIDA E FREITAS, 2020). Assim, no dia 29 de Março de 2020, o plenário do Supremo Tribunal Federal se reuniu e o Ministro Alexandre de Moraes considerou o artigo supracitado como ofensivo “aos inúmeros trabalhadores de atividades essenciais que continuam expostos aos riscos, como enfermeiros, técnicos de enfermagem, cujo nexo poderia ser mais fácil” (STF, 2020).

          Nessa via, no que concerne a defesa de Saúde dos trabalhadores no decorrer da pandemia, a Frente Ampla em Defesa da Saúde dos Trabalhadores publicou uma nota técnica no dia 7 de Abril de 2020, reafirmando os direitos dos trabalhadores da saúde e visou o esclarecimento dos funcionários, assim como suas representações sindicais e os Conselhos perante Covid-19 e os trabalhadores da saúde (FRENTE AMPLA EM DEFESA DA SAÚDE DOS TRABALHADORES, 2020).

          A nota técnica conjunta (1) da Frente Ampla conteve as orientações sobre os direitos de trabalhadores em geral dos serviços de saúde, vistos como grupo vulnerável prioritário no episódio pandêmico. Nessa via:

A definição do diagnóstico clínico-ocupacional de uma doença ou agravo requer a investigação da relação entre a doença e o trabalho (nexo-causal entre doença e trabalho), que é definido a partir da evidência de exposição ocupacional. A natureza do trabalho em saúde, que neste momento implica o cuidado a pessoas com a doença COVID-19 ou a realização de tarefas nos ambientes de trabalho de unidades de assistência à saúde (recepção, higienização, laboratório e afins), resulta na exposição ocupacional de trabalhadores deste Setor – equipes de profissionais responsáveis pelo cuidado ao paciente; trabalhadoras e trabalhadores responsáveis por atividades de apoio e logística dentro das unidades de saúde – cuja presença e consequente exposição ocupacional são determinadas pela ocupação exercida (FRENTE AMPLA EM DEFESA DA SAÚDE DOS TRABALHADORES, 2020, p. 2).

           O direito a férias, por exemplo, ficou fragilizado no período pandêmico vivenciado a partir do ano de 2020. O Estado da Paraíba, nessa via, no dia 19 de Março de 2020, publicou em seu diário oficial o Decreto Nº 40.128, informando que estava suspenso em toda a administração direta e indireta na esfera estadual, a concessão de férias dos profissionais da Secretaria de Estado da Saúde, exceto casos excepcionais autorizados pelo Secretário de Estado da Saúde. (PARAÍBA, 2020). Estenderam-se essas restrições aos servidores da Capital da Paraíba por meio do Decreto nº 9460 de 17 de Março de 2020 que suspendeu as férias dos Profissionais trabalhadores da Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa, assim como também “da Secretaria de Segurança Urbana e Cidadania, Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil de João Pessoa (Compdec/JP) e dos Secretários Municipais e superintendentes das autarquias e fundação” (JOÃO PESSOA, 2020a).

          Nessa perspectiva, tais restrições podem implicar em violação ao Estatuto dos Servidores Públicos Municipais da cidade de João Pessoa, Lei nº. 2.380/1979, que no artigo 110, prevê que o funcionário deve utilizar regularmente 30 dias de férias a cada ano. Estas férias só podem ser reduzidas, na hipótese do servidor ter mais de nove faltas não justificadas, conforme preconiza o seu art, 20.

          Diante desse cenário, a pandemia revelou custos de cunho social, emocional, mental e físico, em especial para os profissionais da saúde que estiveram em jornadas excessivas de trabalho, mudanças na prática de abordagem ao paciente, uso de equipamentos de proteção individual (EPI), privação de sono, entre outros. Aliado à isso, os desafios impostos pela taxa de mortalidade elevada nas UTI’s de Covid-19, levou ao temor de se submeter aos riscos inerentes à exposição ao vírus, assim como também pela integridade de seus próprios familiares. Isso desencadeou a necessidade de tais profissionais se manterem distante de suas próprias famílias, o que ocasionou sensação de isolamento, acarretando em sentimentos de depressão em virtude da solidão (BARBA et al., 2021).

          Yunis e Santos (2021), observaram, no entanto, que as considerações apresentadas no contexto jurídico que regem as relações trabalhistas se afastam da precarização do trabalho e que “em um momento excepcionalíssimo e grave de pandemia mundial, até mesmo a interpretação acerca dos Direitos Fundamentais pode, também excepcionalmente, ser revisitada” (YUNIS; SANTOS, 2021, p. 100).

          Além disso, o trabalho sofreu os limites constitucionais da flexibilização juslaboral na pandemia do covid-19, e  mesmo que a pandemia venha a ter sido um momento de crise e de excepcionalidade “devem-se observar os limites constitucionais existentes quanto à flexibilização dos direitos trabalhistas, notadamente a irredutibilidade salarial e a negociação coletiva” (SOUZA; CARVALHIDO, 2021, p. 86).

          Além disso, outra importante colocação acerca da observação aos limites constitucionais das flexibilizações trabalhistas na pandemia, pode-se dizer:

A supressão dos direitos dos trabalhadores, que foram conquistados após anos de luta, constitui verdadeiro retrocesso no âmbito juslaboral e, no caso em questão, não pode ser pautada na excepcionalidade do momento, tampouco ser considerada a única alternativa de proteção ao desemprego (SOUZA; CARVALHIDO, 2021, p. 86).

            Em face da apresentação de todo o contexto, cabe observações aos direitos individuais e coletivos. O artigo 196 da Constituição vigente, prevê o direito fundamental à saúde, visto como um direito coletivo, sendo o Estado obrigado a ofertá-lo através de políticas públicas, promovendo acesso à toda e qualquer situação, e ainda observando o preceito de reduzir o aparecimento de doenças (BRASIL, 1988). Enquanto isso, “os direitos individuais nada mais são do que limitações impostas pela soberania popular aos poderes constituídos, resguardando todos os direitos que são indispensáveis à pessoa humana” (BRITO; ROCHA, 2021, p. 10).

               No mais, assim como ponderaram Brito e Rocha (2021), a pandemia da Covid-19 afetou toda a sociedade, culminando em problematizações na saúde, que foram transformadas assim em um direito coletivo, o qual foi superior aos direitos individuais, haja vista a necessidade de proteger toda a população contra a disseminação do novo Coronavírus.

4 A CONDUTA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE JOÃO PESSOA NO CONTEXTO DA PANDEMIA

            O Decreto nº. 9456, de 15 de Março de 2020, foi um dos primeiros a ser publicado pela Prefeitura Municipal de João Pessoa, no que diz respeito às medidas de enfrentamento à Covid-19, e dispôs sobre as medidas de “enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da infecção humana pelo novo Coronavírus (COVID-19), e dá outras providências” (JOÃO PESSOA, 2020b).         

Ademais, oDecreto nº. 9.460, de 17/03/2020, trouxe em seu artigo 18 a orientação para o teletrabalho, expressando que titulares da Administração Direta, Autarquias e Fundação deveriam, naquele momento, submeter-se ao regime de trabalho supracitado por 07 dias a partir do reingresso a função em casos de pessoas que regressaram do exterior em situação não endêmica; por 14 dias para aqueles que tenham regressado do exterior em uma área endêmica; ou ainda se apresentasse sintomas compatíveis com a infecção no Novo Coronavírus.

O artigo 18 também observou acerca do período de emergência para o teletrabalho para servidoras gestantes e lactantes; pessoas com mais de sessenta anos e ainda servidores expostos a doenças ou condições de risco no “desenvolvimento de sintomas mais graves decorrentes da infecção pelo Coronavírus (COVID-19), nos termos definidos pelas autoridades de saúde e sanitária” (JOÃO PESSOA, 2020b).

          Outra característica importante que foi expressa no Decreto nº 9.460 foi acerca das férias para determinados servidores municipais. O seu artigo 23 previu que ficava suspenso a partir então o gozo de férias dos profissionais da Secretaria Municipal de Saúde, “da Secretaria de Segurança Urbana e Cidadania, Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil de João Pessoa (Compdec/JP) e dos Secretários Municipais e superintendentes das autarquias e fundação” (JOÃO PESSOA, 2020a).

          Com o decorrer da pandemia, a Prefeitura Municipal de João Pessoa editou, publicou e revogou diversos Decretos. A grande maioria deles relacionados ao funcionamento de estabelecimentos da capital, como por exemplo, o Decreto nº 9537 de 24 de julho de 2020; funcionamento da Educação com o Decreto nº. 9.671/2021 de 18 de janeiro de 2021; as restrições de locomoção e o funcionamento de espaços públicos e privados com o Decreto n. 9.685 de 23 Fevereiro de 2021, entre outros. (JOÃO PESSOA, 2020c, 2021ª, 2021b).

          O Decreto nº. 9.711/2021 trouxe também considerações acerca do funcionamento de estabelecimento, mas outras denominações a respeito de atividades presenciais em órgãos e entidades que eram vinculadas ao Poder Executivo da Capital, expressando a suspensão das atividades presenciais (JOÃO PESSOA, 2021c).

Com relação ao Decreto nº 9.738/2021, o art. 17 trouxe as mesmas prerrogativas apresentadas no Decreto anterior relativamente ao funcionamento de estabelecimentos e atividades presenciais no período compreendido entre 03 e 18 de Junho de 2021; o Decreto subsequente, Decreto nº. 9.749/2021, desta vez no artigo 16 e no período entre 19 de junho de 2021 e 02 de julho de 2021 repetiu o conteúdo das normas anteriores. O Decreto nº. 9.754/2021 também trouxe as mesmas considerações mencionadas anteriormente, apontadas em seu art. 15, com vigência entre os dias 03 e 16 de julho de 2021. (JOÃO PESSOA, 2021d, 2021e, 2021f).

Desse modo, houve uma preocupação inicial com os servidores municipais, em especial as gestantes e lactantes, os idosos e ainda funcionários com maiores ricos de desenvolver os sintomas graves da Covid-19. No entanto, não se viu uma preocupação maior em promover as mínimas condições de qualidade de vida com os servidores da linha de frente, que de algum modo sofreram limitações a férias e a conviver livremente com seus familiares.

Para efeito sugestivo, cabe referenciar que a administração municipal de João Pessoa poderia ter implementado ações de cuidados aos profissionais da saúde, entre eles: assegurar a saúde emocional desses profissionais através de programas de acompanhamento psicológico, bem como assegurar a efetividade dos programas de medicina e saúde ocupacional, visto que além da Covid-19 há o acometimento de outras doenças, assim como estimular momentos de descanso e autocuidado, prover auxílio financeiro para aqueles que tiveram que sair de suas casas e/ou pagamento de adicional de insalubridade em patamar mais elevado.

 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Na ocasião da pandemia do Novo Coronavírus foi possível observar um planeta inteiro em estado de alerta. Problemas relacionados à área da saúde foram constantemente ressalvados no decorrer da grave crise pandêmica, mas outras questões concernentes a educação, qualidade de vida e trabalho humano também foram se mostrando cada vez mais complexas. Este artigo buscou fazer uma análise da literatura científica no que diz respeito à promoção de saúde e qualidade de vida dos trabalhadores, assim como também dos documentos, nesse caso a legislação, relacionados à temática da pesquisa e à conduta da Prefeitura Municipal de João Pessoa com relação aos profissionais da saúde.

            Foi possível, assim, realizar um levantamento de teorias pertinentes à área e trazer conceitos e definições para políticas públicas, quais objetivos dessas políticas e discorrer sobre quem são os atores dessas mesmas políticas. Além disso, também foi demonstrada a literatura no que concernem as restrições dos direitos dos trabalhadores da saúde no período pandêmico, onde foi expresso que os direitos trabalhistas foram ao mais afetados nesse período de pandemia.

            Ademais, no tópico referente à conduta da administração pública de João Pessoa, foi analisado precisamente grande parte dos decretos publicados a partir da explosão do número de casos de Covid-19 na capital do Estado, período no qual o Prefeito precisou iniciar as restrições de enfrentamento e combate ao Novo Coronavírus. Um dos primeiros feitos da administração foi publicar considerações de como ficariam as relações de teletrabalho, necessárias para muitos profissionais naquele período pandêmico. Além disso, também foram expressas as restrições de férias aos trabalhadores da área da saúde. No entanto, o grande problema foi a não observância de assegurar a qualidade de vida e promoção de saúde desses profissionais que foram tão precisos e necessários no contexto pandêmico no município de João Pessoa.

            É necessário ressalvar que a autora entrou em contato com a Secretaria de Saúde do Município de João Pessoa, mas não obteve respostas quanto a qualquer conduta da administração pública para promover o bem estar dos profissionais da saúde do município no período pandêmico.

            Perante o contexto apresentado, há uma literatura contundente relacionada às políticas públicas voltadas para os trabalhadores da área da saúde, e ainda uma extensa relação de decretos publicados pela Prefeitura Municipal de João Pessoa que serviram, ambas, para que a autora pudesse aprofundar os próprios conhecimentos nos mais diversos conceitos de políticas públicas, promoção de saúde e qualidade de vida dos trabalhadores. Além desses, foi possível observar que houve restrição de direitos trabalhistas sem nenhuma contrapartida para os profissionais atingidos.

REFERÊNCIAS

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[1] Mestranda em Direito e Desenvolvimento pelo Centro Universitário de João Pessoa (UNIPE). Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ (2010). ADVOGADA, OAB PB Nº 15.917. Possui título de Especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública. Foi Gerente de Núcleo Administrativo Geral do Instituto Cândida Vargas. Atuou como Assessora Jurídica na área trabalhista da empresa SIMPLESTEC e-Government Solutions. Foi Assessora Jurídica da Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa, tendo atuado na Comissão Permanente de Licitação. Foi Diretora Administrativa e Financeira do Hospital Municipal Santa Isabel, em João Pessoa. Atuou como Assessora e Chefe de gabinete da Pró-reitoria Acadêmica do UNIPÊ. Atualmente é Coordenadora de Estágios Institucional e Convênios, Gestora Acadêmica Hospitalar e Gestora do Ubtech Office do Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ. Representa a comunidade acadêmica no Conselho Municipal de Saúde do Município de João Pessoa.

[2] PossuiDoutorado em Direito pela Universitat Valencia-Espanha (2005), diploma revalidado pela Universidade federal da Paraíba (UFPB). Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Advogada desde outubro de 1999. Possui graduação em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (1999). Atualmente é professor titular da Universidade Estadual da Paraíba e do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPE). Professora do MESTRADO em Direito e Desenvolvimento do UNIPE.

[3] Possui graduação em Direito – Institutos Paraibanos de Educacao (1989), mestrado em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (2002) e Doutorado em Direitos Humanos e Desenvolvimento pela UFPB (2013). Ocupa o cargo de Juiz Titular da 5a. Vara do Trabalho de João Pessoa. Professor Titular no Unipê (Centro Universitário de João Pessoa), na cadeira de Direito do Trabalho II (graduação) e do Programa de Pós-Graduação em Direito (mestrado). Professor Adjunto da UFPB. Professor convidado da Esmat 13 (Escola Superior da Magistratura Trabalhista da Paraíba/Especialização Lato Sensu em Direito Material e Processual do Trabalho). Coordenador Acadêmico do PPGD/Unipê (mestrado em Direito).

[4] O trabalhador recebe sua remuneração de acordo com os dias em que foi trabalhado.

[5] Em 2019, no entanto, o STF declarou a inconstitucionalidade dessa prerrogativa da Reforma Trabalhista. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5447065.

[6] O princípio da fraternidade é um alicerce caracterizado como um forte aliado na adaptação da sociedade, sem negligenciar os direitos da pessoa humana.