O DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO E O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE

O DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO E O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE

28 de novembro de 2023 Off Por Cognitio Juris

THE RIGHT TO AN ECOLOGICALLY BALANCED ENVIRONMENT AND CONVENTIONALITY CONTROL

Artigo submetido em 13 de novembro de 2023
Artigo aprovado em 26 de novembro de 2023
Artigo publicado em 28 de novembro de 2023

Cognitio Juris
Volume 13 – Número 50 – Novembro de 2023
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Mércia Nogueira Monteiro Alves [1]

RESUMO: A pesquisa concluiu que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser tratado como um direito fundamental a partir da hermenêutica jurídica, então passa a ser possível a aplicação do controle de convencionalidade, com tratados internacionais sobre matérias ambientais adquirindo o status de tratados sobre direitos humanos. Foi apresentada a construção histórico-filosófica do usufruto de um meio ambiente equilibrado enquanto um direito fundamental que está atrelado à saúde, à qualidade de vida, à moradia e à segurança. Sob essa perspectiva, foram analisados alguns dos tratados internacionais que versaram sobre o tema, bem como a constitucionalização da proteção ambiental com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em ato de concessão de fundamental importância e prioridade ao meio ambiente. Obteve-se como resultado da pesquisa, em convergência com decisão recente do Supremo Tribunal Federal, a conclusão de que os tratados sobre questões ambientais devem ser privilegiados no ordenamento jurídico brasileiro, a partir de critérios de interpretação da norma jurídica (hermenêutica).

Palavras-chave: Direito ambiental; Controle de Convencionalidade; Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; Hermenêutica Jurídica.

ABSTRACT: This research concluded that the right to an ecologically balanced environment should be treated as a fundamental right based on legal hermeneutics, so it becomes possible to apply conventionality control, with international treaties on environmental matters acquiring the status of treaties on human rights . The historical-philosophical construction of the enjoyment of a balanced environment was presented as a fundamental right that is linked to health, quality of life, housing and security. From this perspective, some of the international treaties that dealt with the subject were analyzed, as well as the constitutionalization of environmental protection with the 1988 Constitution of the Federative Republic of Brazil, in an act granting fundamental importance and priority to the environment. As a result of the research, in line with the recent decision of the Federal Supreme Court, the conclusion was reached that treaties on environmental issues should be privileged in the Brazilian legal system, based on criteria for interpreting the legal norm (hermeneutics).

Keywords: Environmental law; Conventionality Control; Right to an ecologically balanced environment; Legal Hermeneutics.

INTRODUÇÃO

O século XX desperta a consciência para uma grave crise ambiental. Trata-se do reconhecimento do caráter problemático da relação do homem com a natureza, que “não surgiu nos nossos tempos e nem pode ser definido como um mero subproduto da sociedade pós-Revolução Industrial”. São, portanto, claros os sinais de que estamos ultrapassando os limites oferecidos pelo planeta, com o esgotamento de recursos da fauna e da flora.

Há, por exemplo, questões relacionadas à contaminação de recursos hídricos por agrotóxicos, escassez de água potável, esgotamento de lençóis freáticos, diminuição da vegetação por desmatamento, queimadas e erosões. A nível internacional, a materialização da preocupação com o meio ambiente se dá a partir da realização da primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, no período entre 05 a 16 de junho de 1972.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao incorporar as preocupações internacionalmente manifestas, trouxe expressamente o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, pertencente a presentes e futuras gerações. Há a adoção da perspectiva de que o meio ambiente está diretamente relacionado à qualidade de vida.

Diante do necessário reconhecimento do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental, é importante reconhecer o status jurídico dos tratados referentes aos direitos humanos na Constituição da República Federativa do Brasil. E esse entendimento está relacionado à adoção de uma hermenêutica jurídica ambiental, em que as normas ambientais são interpretadas e hierarquizadas de acordo com a sua importância para a materialização de direitos fundamentais.

A partir desse entendimento, será estudada a possibilidade do procedimento do controle de convencionalidade das leis e atos normativos produzidos no Brasil, quando esses se mostrarem contrários a tratados internacionais que disponham sobre o direito humano fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, com a compreensão dos efeitos produzidos a partir de então.

1. A CONSTRUÇÃO DO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL

De acordo com Soares, (2001), a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, de 1972, consolida os esforços internacionais em torno da discussão ambiental. Para o autor, a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, advinda da referida Conferência, possui a fundamental importância de constituir um guia e parâmetro para se definir princípios existentes nas legislações domésticas e tratados internacionais (SOARES, 2001).

Surge então a questão do que vem a ser um direito fundamental. Na lição de Silva (2005), o direito fundamental se refere a situações e proteções jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza e, excepcionalmente, sequer sobrevive. Para Sampaio (2004) são direitos humanos básicos pertencentes a cada indivíduo, os quais são indispensáveis para a própria realização da vida humana.

Mello (2001) consigna que a proteção internacional do meio ambiente deve estar ligada aos direitos fundamentais pertencentes a cada homem. Bulzico (2009) menciona que a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas entende, inclusive, que tais direitos devem ser considerados indivisíveis, sejam eles de natureza civil, política, econômica, social ou cultural. Assim comenta sobre o assunto (2009, p. 107):

Ainda no âmbito da Assembléia Geral da ONU, duas outras Resoluções vieram a reforçar a idéia de inter-relação de todos os Direitos Humanos: a Resolução 39/145, de 1984 e a 41/117, de 1986. Assim, a proteção de uma categoria de direitos não exime o Estado do dever de resguardar os demais. Mais recentemente, essa abordagem encontrou expressão na Declaração e Programa de Ação de Viena, adotada pela II Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, realizada em junho de 1993. Seus resultados vieram a reiterar a questão do universalismo dos Direitos Humanos e dos esforços contemporâneos no sentido de garantir a indivisibilidade desses direitos na prática, sobretudo para os grupos com maior necessidade de proteção.

É importante superar a classificação dos Direitos Humanos em gerações, pois esses são interrelacionados (TRINDADE, 2003)). Mais do que isso, a aceitação dos direitos humanos como fragmentados, de gerações, leva à convalidação das disparidades, tolerando a ineficiência no combate às discriminações econômicas e sociais. E há pelo menos três concepções em torno de um direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (BULZICO, 2009).

A primeira concepção adota uma postura mais crítica, rígida, no sentido de que todos os direitos fundamentais pressupõem a proteção ambiental para que possam ser concretizados. Há uma segunda corrente, porém, que entende que não há conexão entre o meio ambiente e os direitos fundamentais, diante da dificuldade de criar conexões. Por fim, “a terceira corrente defende uma ponderação entre as duas anteriores, reconhecendo o meio ambiente como um Direito Humano, sem separá-lo ou uni-lo dos demais” (BULZICO, 2009, p. 111).

Para o autor Rodriguez-Rivera (2001) há um direito humano à proteção ambiental. O raciocínio é formulado a partir da compreensão de que diversos instrumentos jurídicos internacionais, de forma explícita ou implícita, reconhecem a necessidade de proteger esse bem jurídico para que outros direitos possam inclusive exigir. Como anota Bulzico (2009, p. 112), “o que se pretende é proteger o maio ambiente tendo em vista seu valor inestimável para a existência de vida humana na Terra”.

Segundo Dommen (1998), embora sem que tenha uma menção expressa, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos há certos dispositivos dos principais tratados que evidenciam a existência do meio ambiente como um direito da pessoa humana. Rodriguez-Rivera (2001) menciona que essa interpretação é extraída na Declaração Universal dos Direitos Humanos mais especificamente nos seus artigos 3º, 22, 24, 25 e 28 (ONU, 1948).

Idêntico raciocínio pode ser observado em relação ao Pacto Internacional de Direitos Econômicos e Sociais, de 1966, firmado na assembleia Geral das Nações Unidas em 19 de dezembro. As menções implícitas podem ser encontradas no artigo 1º, 7º, 11, 12 e 15, que dispõem, respectivamente, sobre a livre disposição das riquezas e recursos naturais, direito a ambiente de trabalho saudável, nível de vida adequado, o que inclui moradia e alimentação, direito à saúde e de participar do progresso científico e suas aplicações (ONU, 1966).

Bulzico (2009, p. 114), ao tratar do reconhecimento do direito ao meio ambiente equilibrado, pontua sobre as diversas manifestações da Assembleia Geral das Nações Unidas em que se “enfatizou a relação existente entre sua proteção e a realização dos Direitos Humanos”. Silva (2005) relaciona a Declaração de Estocolmo, por exemplo, com os textos das constituições seguintes de diversos países.

Esses países reconhecessem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito humano fundamental. Para Bulzico (2009, p. 119) “esse instrumento teve o mérito de estimular a criação de um novo paradigma no âmbito do Direito Internacional dos Direitos Humanos e do Direito Internacional Ambiental”.

Bonavides (1997, p. 523) defende que a proteção ao meio ambiente “tem por primeiro destinatário o gênero humano como valor supremo em termos de existencialidade concreta”. E o Brasil, a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, reconheceu em seu artigo 225 o direito fundamental ao meio ambiente. Sobre o tema Benjamin (2008, p. 41-42) comenta:

Uma Constituição que, na ordem social (o território da proteção ambiental), tem como objetivo ‘assegurar o bem-estar e a justiça sociais’ (art. 193 – grifamos) não poderia, mesmo, deixar de acolher a proteção do meio ambiente, reconhecendo-o como bem jurídico autônomo e recepcionando-o na forma de sistema, e não como um conjunto fragmentário de elementos – sistema que, já apontamos, organiza-se como ordem pública constitucionalizada.

Na adoção desta concepção holística e juridicamente autônoma, o constituinte de 1988, ao se distanciar de modelos anteriores, praticamente fez meia-volta, admitindo que (a) o meio ambiente apresenta os atributos requeridos para seu reconhecimento jurídico expresso no patamar constitucional, (b) proteção, esta, que passa, tecnicamente, de tricotômica a dicotômica (pois no novo discurso constitucional vamos encontrar apenas dispositivos do tipo ius cogens e ius interpretativum, mas nunca ius dispositivum) – o que banha de imperatividade as normas constitucionais e a ordem pública ambiental; além disso, trata-se de (c) salvaguarda orgânica dos elementos a partir do todo (a biosfera) e (d) do todo e seus elementos no plano relacional ou sistêmico, e já não mais na perspectiva da sua realidade material individualizada (ar, água, solo, florestas, etc), (e) com fundamentos éticos explícitos e implícitos, entre aqueles a solidariedade intergeracional, vazada na preocupação com as gerações futuras e, entre estes, com a atribuição de valor intrínseco à Natureza, (f) tutela viabilizada por instrumental próprio de implementação, igualmente constitucionalizado, como a ação civil pública, a ação popular, sanções administrativas e penais e a responsabilidade civil pelo dano ambiental – o que não deixa os direitos e obrigações abstratamente assegurados ao sabor do acaso e da má vontade do legislador ordinário.

Conclui-se que há um reconhecimento do meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito humano fundamental, essencial para que a humanidade possa usufruir da adequada qualidade de vida, da liberdade, do pleno exercício do seu direito de moradia, alimentação e lazer. Ou seja, ao mesmo tempo que serve a cada indivíduo, o direito a um meio ambiente saudável é essencial para toda a coletividade humana.

Reconhecido o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental humano, tem-se a necessária leitura do texto constitucional, a fim de que esse seja encarado como equivalente à norma constitucional. Diante dessa característica, há a necessidade da correta compreensão do procedimento de controle de convencionalidade e a sua possibilidade de realização em controle difuso.

2. O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE EM FACE A VIOLAÇÕES AO DIREITO AO MEIO AMBIENTE EQUILIBRADO

Mazzuoli (2011, p. 26) destaca a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 como um “marco significativo para o início do processo de redemocratização do Estado brasileiro e de institucionalização dos direitos humanos no país”. A Carta Magna elevou a dignidade da pessoa humana e a prevalência dos direitos humanos ao status de princípios fundamentais da República Federativa do Brasil.

Mazzuoli (2011) extrai essa compreensão a partir do artigo 5º, § 2º da Carta Magna, além daqueles pertinentes a disposições sobre garantias fundamentais individuais. A leitura sistemática da Constituição revela, inclusive, direitos e garantias que estão implícitos, decorrentes de princípios basilares do ordenamento jurídico. Há, ainda, como destaca o autor, a incorporação dos direitos e garantias que advêm com o firmamento de tratados internacionais por parte do Estado brasileiro.

Há uma cláusula aberta no parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a qual admite o ingresso de tratados internacionais de proteção dos direitos humanos no mesmo grau hierárquico das normas constitucionais. Mello (2001) comenta que parte considerável da doutrina que considera os tratados de direitos humanos como de natureza supraconstitucional, dada a “força expansiva dos direitos humanos e a caracterização como norma jus cogens internacional”. Anota-se a lição de Trindade (2003, p. 623) sobre a incoerência em não se reconhecer os tratados de direitos humanos como equiparados às normas de natureza constitucional:

A tese da equiparação dos tratados de direitos humanos à legislação infraconstitucional – tal como ainda seguida por alguns setores em nossa prática judiciária – não só representa um apego sem reflexão a uma postura anacrônica, já abandonada em vários países, mas também contraria o disposto no art. 5.º(2) da Constituição Federal brasileira. Se se encontrar uma formulação mais adequada – e com o mesmo propósito – do disposto no art. 5.º (2) da Constituição Federal, tanto melhor; mas enquanto não for encontrada, nem por isso está o Poder Judiciário eximido de aplicar o art. 5.º (2) da Constituição. Muito ao contrário, se alguma incerteza houver, encontra-se no dever de dar-lhe a interpretação correta, para assegurar sua aplicação imediata; não se pode deixar de aplicar uma disposição constitucional sob o pretexto de que não parece clara.

Essas controvérsias doutrinárias, assim como algumas no âmbito do Poder Judiciário, levaram á promulgação da Emenda Constitucional nº 45, em dezembro de 2004. Restou consignado a partir da sua edição que os tratados e convenções internacionais, quando versarem sobre direitos humanos e garantias fundamentais, quando aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, adquirirão status similar aos das emendas constitucionais.

A partir de um olhar da hermenêutica jurídica, da busca pela compreensão da norma, percebe-se que a proteção ao meio ambiente, no texto da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, torna-se um pressuposto para a realização de direitos fundamentais. E esses direitos fundamentais são indispensáveis para a existência da dignidade humana (SALTZ, 2021).

Então o tratamento conferido aos direitos humanos deve ser estendido às normas que dispõem sobre o direito ambiental, em especial à sua proteção. Saltz (2021, p. 100) menciona que: “a tutela do ambiente surge também como um limitador da ordem econômica, e torna obrigatória a adoção de formas de exploração econômica menos lesivas ao ambiente.”

Então ao Estado não convém invocar limitações para impedir o acesso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, do contrário também estaria agindo contra os direitos fundamentais, que são base da própria República Federativa do Brasil.. Mazzuoli (2011), no entanto, pontua que há diferenças entre os tratados, mesmo que versem sobre direitos humanos, a depender de terem integrado o ordenamento jurídico pátrio na forma do parágrafo segundo ou terceiro do referido artigo. Conclui Mazuolli (2011, p. 52);

“status de norma constitucional” e dizer que eles são “equivalentes às emendas constitucionais”? No nosso entender a diferença existe e nela está fundada a única e exclusiva serventia do imperfeito § 3.º do art. 5.º da Constituição, fruto da Emenda Constitucional 45/2004. A relação entre tratado e emenda constitucional estabelecida por esta norma (já falamos) é de equivalência e não de igualdade, exatamente pelo fato de “tratado” e “norma interna” serem coisas desiguais, não tendo a Constituição pretendido dizer que “A é igual a B”, mas sim que “A é equivalente a B”, em nada influenciando no status que tais tratados podem ter independentemente de aprovação qualificada. Falar que um tratado tem “status de norma constitucional” é o mesmo que dizer que ele integra o bloco de constitucionalidade material (e não formal) da nossa Carta Magna, o que é menos amplo que dizer que ele é “equivalente a uma emenda constitucional”, o que significa que esse mesmo tratado já integra formalmente (além de materialmente) o texto constitucional. Assim, o que se quer dizer é que o regime material (menos amplo) dos tratados de direitos humanos não pode ser confundido com o regime formal (mais amplo) que esses mesmos tratados podem ter, se aprovados pela maioria qualificada ali estabelecida. Perceba-se que, neste último caso, o tratado assim aprovado será, além de materialmente constitucional, também formalmente constitucional. Assim, fazendo-se uma interpretação sistemática do texto constitucional em vigor, à luz dos princípios constitucionais e internacionais de garantismo jurídico e de proteção à dignidade humana, chega-se à seguinte conclusão: o que o texto constitucional reformado quis dizer é que esses tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil, que já têm status de norma constitucional, nos termos do § 2.º do art. 5.º, poderão ainda ser formalmente constitucionais (ou seja, ser equivalentes às emendas constitucionais), desde que, a qualquer momento, depois de sua entrada em vigor, sejam aprovados pelo quorum do § 3.º do mesmo art. 5.º da Constituição.

Antes de adentrar no estudo concreto da possibilidade de controle de convencionalidade difuso dos tratados de direitos humanos, em matéria do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, importa a compreensão da diferença entre a vigência e a validade da norma jurídica. Como se destaca do trabalho de Mazuolli (2009, p. 135), “a dogmática positivista clássica confundia vigência com a validade da norma jurídica”.

Em conformidade com o ensinamento de Ferrajoli (1999, p. 20), a identificação da validade de uma norma jurídica não está apenas relacionada a sua existência e cumprimento de aspectos formais (vigência). Liga-se a uma compreensão complexa do conceito de legalidade no Estado constitucional de direito. O autor (1999) conclui que os direitos fundamentais e princípios, em certa medida, vinculam o legislador no processo legislativo, assim como o fazem para se verificar os efeitos da lei. Diz o autor que (1999, p. 21):

pode ser facilmente explicada distinguindo-se duas dimensões da regularidade ou legitimidade das normas: a que se pode chamar ‘vigência’ ou ‘existência’, que faz referência à forma dos atos normativos e que depende da conformidade ou correspondência com as normas formais sobre sua formação; e a ‘validade’ propriamente dita ou, em se tratando de leis, a ‘constitucionalidade’ [e, podemos acrescentar, também a ‘convencionalidade’], que, pelo contrário, têm que ver com seu significado ou conteúdo e que depende da coerência com as normas substanciais sobre sua produção.

Telles Júnior (2001) defende que a vigência da lei se dá com a sua promulgação, com o prazo estabelecido em caso de omissão ou aquele determinado em seu teor. E é somente após a sua existência (vigência) é que se pode verificar a sua validade, para então, em um último momento, a sua eficácia. De acordo com Schnaid (2004, p. 62), a eficácia é a forma como se dá aos jurisdicionados a confiança “de que o Estado exige o cumprimento da norma, dispõe para isso de mecanismos e força, e os tribunais vão aplicá-las”. Para Gomes (2008, p. 75):

a complexidade do sistema constitucional e humanista de Direito, que conta com uma pluralidade de fontes normativas hierarquicamente distintas (Constituição, Direito Internacional dos Diretos Humanos e Direito ordinário). As normas que condicionam a produção da legislação ordinária não são só formais (maneira de aprovação de uma lei, competência para editá-la, quorum de aprovação etc.), senão também, e sobretudo, substanciais (princípio da igualdade, da intervenção mínima, preponderância dos direitos fundamentais, respeito ao núcleo essencial de cada direito etc.)”. Deve-se afastar, também, os conceitos de “vigência.

Schnard (2004) defende que a norma válida é aquela que respeita o princípio da hierarquia. Reale (1994) identifica que toda a forma de legislação. deve operar com os limites de validade abordados pela Constituição da República Federativa do Brasil e com os tratados internacionais, como é o caso da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Reconhecida que a validade da norma jurídica deve ser avaliada em relação à Constituição e aos tratados internacionais que versem sobre direitos humanos, como é o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, nasce o instituto do controle de convencionalidade, que é “complementar e coadjuvante (jamais subsidiário) do conhecido controle de convencionalidade” (MAZUOLLI, 2011, p. 132). Diz o autor que o controle de convencionalidade “tem por finalidade compatibilizar verticalmente as normas domésticas (as espécies de leis, lato sensu, vigentes no país) com os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Estado e em vigor no território nacional”. Segundo o Mazzuoli (2011, p. 133):

Nesse sentido, entende-se que o controle de convencionalidade (ou o de supralegalidade) deve ser exercido pelos órgãos da justiça nacional relativamente aos tratados aos quais o país se encontra vinculado. Trata-se de adaptar ou conformar os atos ou leis internas aos compromissos internacionais assumidos pelo Estado, que criam para este deveres no plano internacional com reflexos práticos no plano do seu direito interno.123 Doravante, não somente os tribunais internacionais (ou supranacionais)124 devem realizar esse tipo de controle, mas também os tribunais internos.125 O fato de serem os tratados internacionais (notadamente os de direitos humanos) imediatamente aplicáveis no âmbito do direito doméstico, garante a legitimidade dos controles de convencionalidade e de supralegalidade das leis no Brasil

O primeiro tratado ratificado, válido em plano internacional, e aprovado pelo Congresso no rito estabelecido pelo parágrafo 3º do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil foi o tratado referente aos direitos fundamentais de que gozam as pessoas deficientes. Dessa forma, importa o estudo do controle de convencionalidade de caráter difuso.

De acordo com Mazzuoli (2011), o controle de convencionalidade de normas de direito interno pode ser realizado por tribunais locais sem a necessidade de qualquer autorização internacional. Da mesma forma como ocorre o controle difuso de constitucionalidade, qualquer juiz e/ou tribunal pode – e tem o dever – de se manifestar a respeito. E isso significa que cada ato normativo em litígio deve ser compatibilizado com os tratados internacionais referentes a direitos humanos. Sobre a possibilidade de exercício de controle de convencionalidade concentrado Mazuolli comenta (2011, p. 135):

Mas, também, pode ainda existir o controle de convencionalidade concentrado no Supremo Tribunal Federal, como abaixo se dirá, na hipótese dos tratados de direitos humanos (e somente destes) aprovados pelo rito do art. 5.º, § 3.º, da Constituição (uma vez ratificados pelo Presidente, após essa aprovação qualificada). Tal demonstra que, de agora em diante, os parâmetros de controle concentrado (de constitucionalidade/convencionalidade) no Brasil são a Constituição e os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo governo e em vigor no país. Assim, é bom deixar claro que o controle de convencionalidade difuso existe entre nós desde a promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, e desde a entrada em vigor dos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil após essa data, não obstante nenhuma doutrina pátria (até o momento) ter feito referência a esta terminologia. Tanto é certo que o controle de convencionalidade difuso existe desde a promulgação da Constituição, que o texto do art. 105, III, a, da Carta de 1988 – tomando-se como exemplo o controle no Superior Tribunal de Justiça – diz expressamente que a este tribunal compete “julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência”

É importante destacar que o controle de convencionalidade também alcança a possibilidade das leis que sejam compatíveis com a Constituição, mas não com um tratado internacional sobre direitos humanos. A Constituição não pode excluir a aplicação dos tratados relativos a direitos humanos, assim como estes não excluem a incidência do texto da Carta Magna.

CONCLUSÃO

Como demonstrado, o nível de pressão exercida sobre os recursos ambientais, tensão essa que acompanha o homem ao longo de sua história, levou à recente consciência, que remonta apenas ao século XX, da necessidade de preservação dos recursos naturais, fundamentais para o exercício de outros direitos. Reconheceu-se, portanto, a finitude dos recursos naturais, da matéria prima.

Desde então, a comunidade internacional aprovou tratados internacionais de proteção ao meio ambiente, constituindo no âmbito do direito internacional o Direito ao meio ambiente equilibrado como um Direito fundamental humano, os quais constituem uma classe indivisível e essencial para o exercício da dignidade da pessoa humana. Esse entendimento decorre da existência explícita ou implícita do Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

O reconhecimento do Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como pertencentes a tratados internacionais sobre Direitos Humanos tem implicações no ordenamento jurídico pátrio. Por força do artigo 5º, parágrafo segundo da Constituição da República Federativa do Brasil, tais tratados devem ser equiparados à norma constitucional em seu aspecto material.

E a materialidade desses tratados impõe limites à validade da norma jurídica, independentemente da sua vigência. É necessário, afinal, a compatibilidade do ato normativo com os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil e, por conseguinte, com o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Disso deriva a hipótese do controle de convencionalidade.

O estudo demonstrou que, mesmo se houver a compatibilidade com o texto da Constituição, uma norma jurídica também deve estar em conformidade com os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, sob pena de declaração de ineficácia e invalidade do ato normativo, a partir do exercício do controle de convencionalidade difuso. Mesmo sem a autorização de um tribunal internacional, esse pode ser exercido por qualquer tribunal, seja um juiz ou órgão colegiado, em qualquer uma de suas instâncias.

Trata-se de importante ferramenta para subsidiar a proteção ambiental, de modo a resguardar direitos que se ligam à qualidade de vida, à moradia, à saúde, à alimentação e ao bem-estar da sociedade. Conclui-se que o instrumento deve ser mais utilizado no âmbito dos tribunais pátrios, especialmente em um contexto de aumento da degradação ambiental.

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[1] Mestranda em Direito Ambiental pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas. E-mail para contato: