A PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO ATRAVÉS DA PEJOTIZAÇÃO NO BRASIL

A PRECARIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO ATRAVÉS DA PEJOTIZAÇÃO NO BRASIL

28 de novembro de 2023 Off Por Cognitio Juris

THE PRECARIZATION OF WORK RELATIONSHIPS THROUGH PEJOTIZATION IN BRAZIL

Artigo submetido em 8 de novembro de 2023
Artigo aprovado em 17 de novembro de 2023
Artigo publicado em 28 de novembro de 2023

Cognitio Juris
Volume 13 – Número 50 – Novembro de 2023
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Marcos da Silva Rabelo[1]
Leonardo Navarro Aquilino[2]

RESUMO: O processo de pejotização é um fenômeno decorrente da flexibilização das relações do trabalho, a qual tem ocorrido desde as últimas três décadas do século XX em países de todo o mundo. Sendo assim, o presente trabalho busca discutir sobre a pejotização e a precarização das relações de trabalho no Brasil. Quanto a metodologia de pesquisa, utilizou-se a pesquisa bibliográfica, a qual utilizou livros e artigos de natureza científica, bem como legislações, sendo esses oriundos de bases de dados online. A pesquisa foi realizada a partir de um breve histórico do direito trabalhista no Brasil, até chegar aos fenômenos atuais da precarização e da pejotização. Realiza-se um aprofundamento quanto às ocorrências da pejotização no Brasil para posteriormente realizar uma leitura deste fenômeno sob o prisma dos princípios do direito do trabalho. Buscou-se identificar as diferenças existentes entre a pejotização e a terceirização, bem como a interpretação judicial destas relações de trabalho.

Palavras-chave: Pejotização. Precarização. Relações de Trabalho. Direito do Trabalho.

ABSTRACT: The pejotization process is a phenomenon resulting from the flexibilization of labor relations, which has occurred since the last three decades of the 20th century in countries around the world. Therefore, this work seeks to discuss the pejotization and precariousness of work relations in Brazil. As for the research methodology, bibliographical research was used, which used books and articles of a scientific nature, as well as legislation, which came from online databases. The research was carried out based on a brief history of labor law in Brazil, until arriving at the current phenomena of precariousness and pejotization. An in-depth analysis of the occurrences of pejotização in Brazil is carried out to later carry out a reading of this phenomenon from the perspective of the principles of labor law. We sought to identify the differences between pejotização and outsourcing, as well as the judicial interpretation of these work relationships.

Keywords: Pejotization. Precariousness. Work relationships. Labor Law.

1     INTRODUÇÃO

O estudo em tela tem como objeto a análise do processo de pejotização. O termo “pejotização” tem sua origem em pessoa jurídica e foi criado diante da utilização de pessoas jurídicas para a contratação de pessoas físicas, visando mascarar relações de trabalho existentes. Assim, o empregador ao invés de contratar determinado funcionário através da CLT, com a carteira de trabalho assinada, contrata uma pessoa jurídica, ou seja, uma empresa do funcionário, em muitos casos criada apenas para aquele fim.

A pejotização é um fenômeno decorrente da flexibilização das relações do trabalho, a qual tem ocorrido desde as últimas três décadas do século XX em países de todo o mundo (ROSSO, 2017). O processo da flexibilização diminui a rigidez das formas de contratação de empregados, sendo representada pelas jornadas de trabalho parcial, por tempo determinado, e principalmente pela terceirização.

Verifica-se assim um processo global de retração de direitos e garantias trabalhistas outrora conquistados devido ao discurso neoliberal da necessidade de se flexibilizar e retirar direitos a fim de garantir a criação de novas vagas de emprego e assim diminuir a informalidade e o desemprego. No Brasil, o cenário não foi diferente: a reforma trabalhista implementada em 2017 não se limitou a alterar textos da CLT, mas ainda instituiu princípios de proteção ao capital e não ao trabalhador (LEITE, 2019).

Os princípios trabalhistas, possuem uma grande importância na aplicação do direito trabalhista, principalmente em decorrência da sua proteção ao trabalhador, que se vê em uma posição hipossuficiente frente ao empregador. No ordenamento jurídico os princípios são os preceitos que irão nortear o desenvolvimento de determinada área em que estejam inseridos, desta forma os princípios possuem uma função interpretativa e normatiza, de modo que as leis devem ser lidas e interpretadas seguindo os princípios (RODRIGUEZ, 2004).

Desta maneira, os princípios do direito do trabalho precisam ser aplicados não somente na leitura, mas também na aplicação das normas trabalhistas, não sendo diferente no fenômeno da pejotização, o qual deve ser visto sob o prisma de referidos princípios. Constitui assim, o objeto da presente pesquisa, que visa a análise do fenômeno da pejotização no Brasil sob o prisma dos princípios do direito do trabalho.

Como objetivos da pesquisa temos: analisar a explanação da pejotização no Brasil; definir os possíveis responsáveis; e apresentar os efeitos e consequências gerados na justiça trabalhista. O problema científico a ser estudo é se nos atos de pejotização, o empregado apresenta-se como uns dos protagonistas da fraude trabalhista. que no momento da contratação de pessoas jurídicas para a prestação de serviços que poderiam ser realizados por pessoas físicas, buscando ilidir uma relação de emprego.

Para a realização da presente pesquisa utiliza-se como questões norteadoras: o que é o fenômeno da pejotização no Brasil; o que a justiça tem feito para inibir esse tipo de conduta; empregado e empregador se beneficiam conjuntamente com intuito de obterem vantagens diversas para se esquivarem dos encargos; e o empregado realmente é uma mera vítima mera vítima em todo o aludido processo?

Como metodologia, optou-se pela pesquisa bibliográfica, sendo realizada uma revisão da literatura até o momento publicada sobre a temática para fundamentar posterior reflexão e debate sobre o fenômeno da pejotização no Brasil.

Deste modo, a pesquisa busca realizar um breve debate, questionando a prática desta forma de contratação que tem se tornado cada dia mais comum no ordenamento jurídico brasileiro, sendo muitas vezes desmascarada apenas judicialmente, através de processos trabalhistas nos quais os empregados precisam demonstrar a fraude existente em sua contratação, a fim de ver seus direitos e garantias plenamente atendidos pelo empregador.

2     O CONTEXTO HISTÓRICO DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

O trabalho produtivo passou por diversas mudanças a partir da Revolução Industrial em 1760, as quais eram direcionadas para atingir a meta principal do capitalismo: aumentar o lucro. Para além dos avanços tecnológicos e da modernização da produção, houve também a implementação de novas formas de organização do trabalho, na busca de otimização do trabalho realizado pela mão de obra assalariada a fim de elevar a mais valia gerada e, consequentemente, o lucro dos detentores de capital (ANTUNES, 2015).

O fordismo foi uma das técnicas utilizadas para a produção em massa, com a especialização dos trabalhadores em atividades específicas da cadeia de produção, de modo que nenhum destes tinham conhecimento de todo o processo de produção. A utilização desta técnica de linha de produção viabilizou a formação de estoque excedente de produção, barateando a produção e elevando a acumulação de capital (ANTUNES, 2015).

Este cenário proporcionou crescimento econômico ao permitir que as indústrias não produzissem apenas para alimentar o comércio local, mas também para sua exportação, sem, contudo, perder um estoque de reserva dos produtos. Este período foi marcado por uma empregabilidade mais estável.

Neste período, a aceleração do processo de acumulação do capital e o ininterrupto crescimento econômico promoveram a consolidação de uma relação salarial estável e homogênea, bem como funcionamento do mercado de emprego segundo regras uniformes e previsíveis (MAEDA, 2014, p. 13).

Verifica-se durante este período maior garantia de direitos trabalhistas para os trabalhadores industriais, os quais foram elaborados de modo a proteger o empregado da super exploração de seu empregador, tendo em vista que diante de sua posição de hipossuficiência frente ao detentor dos meios de produção precisava cumprir jornadas extenuantes determinadas por aquele que tinha o poder de demiti-lo a qualquer momento.

A expansão econômica permitiu então um desenvolvimento do direito do trabalho, com o aumento das garantias trabalhistas e sociais, de modo que o trabalhador passou a ter o tempo de sua jornada regulamentado, bem como receber valor extra para aquele trabalho além da jornada contratada.

Após a 2ª Guerra Mundial, houve um grande desenvolvimento do Direito do Trabalho, principalmente nas décadas de 50 e 60, até o início dos anos 70, época marcada pela grande expansão econômica, especialmente nos países da Europa pela presença do Estado de Bem Estar Social (Welfare State), que investia em benefícios sociais (MAEDA, 2014, p. 13).

No Brasil, a maior representação da conquista de garantias dos trabalhadores foi a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT – promulgada em 1943. Embora não garantisse os direitos trabalhistas de forma irrestrita para todas as profissões e classes de trabalhadores, a CLT representa um avanço na garantia de direitos trabalhistas no Brasil, permanecendo em vigor até os dias atuais.

A legislação trabalhista no Brasil, desde a década de 1930, estabelece o registro em “carteira de trabalho” como fundamento do reconhecimento de direitos trabalhistas. Inicialmente restritos aos trabalhadores urbanos, esses direitos foram estendidos aos trabalhadores rurais apenas nas décadas de 1960 e 1970, quando estes já se transformavam em minorias. Mesmo categorias urbanas numericamente significativas, como a das trabalhadoras e dos trabalhadores domésticos, só muito recentemente foram contempladas pelo conjunto dessa legislação (MATTOS, 2019, p. 85).

Todavia, este cenário de expansão econômica teve fim nos anos 70 com a instauração da crise econômica mundial. O cenário de crise econômica afetou principalmente as indústrias, que já viviam uma redução da oferta de empregos regulamentados diante da automatização de sua produção, a qual foi possível diante dos avanços tecnológicos.

O surgimento e o desenvolvimento da legislação trabalhista ocorreram à luz do trabalho realizado nas grandes indústrias, caracterizado pela produção em massa, pela especialização das atividades, por uma rígida organização hierárquica e por contratos por tempo indeterminado. A crise econômica dos anos 70, o advento de novas tecnologias e a globalização promoveram alterações no sistema produtivo com significativa influência nas relações trabalhistas (MAEDA, 2014, p. 128).

A crise gerou então uma reorganização do capital, que adotou políticas neoliberais para a sobrevivência frente à crise econômica, implementando medidas como a privatização do estado e a desregulamentação dos direitos do trabalho (MAEDA, 2014). É neste contexto que há o surgimento do Toyotismo como uma nova forma de organização de trabalho, que visa retomar o aumento de sua acumulação de capital, a partir da implementação da flexibilização do direito do trabalho.

Direitos flexíveis, de modo a dispor desta força de trabalho em função direta das necessidades do mercado consumidor. O toyotismo estrutura-se a partir de um número mínimo de trabalhadores, ampliando-os, através de horas extras, trabalhadores temporários ou subcontratação, dependendo das condições de mercado (ANTUNES, 2015, p. 47).

O trabalho estável, que até então era o trabalho dominante do século XX, perdeu seu poder, sendo substituído por outras formas de “contratação”, que visam a flexibilização do trabalho, seja através da redução da jornada de trabalho ou ainda por outras formas não regulamentadas de relações de trabalho (ANTUNES, 2015).

O trabalho estável torna-se, então, informalizado e por vezes, dada a contigencialidade, quase virtual. Estamos vivenciando, portanto, a erosão do trabalho contratado e regulamentado, dominante no século XX, e assistindo a sua substituição pelas diversas formas de “empreendedorismo”, “cooperativismo”, “trabalho voluntário”, “trabalho atípico” (ANTUNES, 2015, p. 129).

A precarização e a informalidade aumentaram em diversos países, fazendo com que diversos trabalhadores deixassem de ter certeza quanto aos percebimentos e trabalhos mensais. Verifica-se neste momento, a superação do trabalho estável presente majoritariamente durante o século XX, iniciando novas formas de flexibilização dos direitos trabalhistas conquistados pelos trabalhadores. A flexibilização das relações do trabalho esteve presente desde as três últimas décadas do século XX nos países capitalistas industrializados, estando também presente nos países de capitalismo recente, principalmente através do elevado número de trabalhadores informais (ROSSO, 2017).

Nos países capitalistas industrializados, a flexibilidade se reporta, pelo menos, até as três últimas décadas do século XX. No contexto dos países de capitalismo recente e nas periferias do sistema, lança raízes pela história afora mediante as práticas da informalidade e a inobservância dos preceitos do direito laboral (ROSSO, 2017, p. 10).

A flexibilidade do trabalho gera um “processo de precarização estrutural do trabalho, os capitais globais estão exigindo também o desmonte da legislação social protetora do trabalho” (ANTUNES, 2015, p. 130). Além da flexibilização, identificou-se também a desregulamentação das leis trabalhistas em vários países, sendo um fenômeno mundial conforme levantamento feito pela Organização Mundial do Trabalho.

De acordo com estudo publicado em 2017 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), foram realizadas reformas legislativas laborais e de mercado de trabalho em 110 países entre 2008 e 2014. As mudanças legais nas normas trabalhistas são, portanto, um movimento global (GEMELLI; CLOSS; FRAGA, 2020, p. 417).

O discurso da necessidade de flexibilizar e de retirar direitos para garantir empregos foi utilizado como motor da implementação das modificações legislativas. No Brasil, a reforma trabalhista aprovada em 2017, trouxe o enfraquecimento do movimento sindical e a retirada de direitos trabalhistas, teve como fundamento maior a necessidade de reduzir os encargos trabalhistas a fim de diminuir os custos do empregador, e consequentemente possibilitar a criação de novas vagas de emprego em um cenário de crise econômica.

No contexto universal a transmutação da econômica mundial e também o enfraquecimento das políticas internas de cada país, vem sendo uma das justificativas para a flexibilização, uma vez que aquelas elevam os índices de desemprego mundial e subempregos de vários trabalhadores. Diante desse panorama crítico surge o fenômeno da flexibilização que constitui uma opção de harmonizar os severos preceitos dos atos normativos trabalhistas como uma alternativa de manutenção das empresas, para que os empregos possam ser resguardados (GARCES et al, 2019, p. 146).

Houve uma “expansão dos trabalhadores parciais, precários, temporários, subcontratados, etc.” (ANTUNES, 2015, p. 65). É neste cenário que outra forma de precarização da classe trabalhadora passa a ganhar força no Brasil: a contratação através de pessoa jurídica, também conhecido como o fenômeno da pejotização.

Enfim, diante de um ambiente favorável com um novo regime de acumulação de capital, uma nova organização produtiva e uma nova ideologia do trabalho, que favorecia a utilização de contratos de trabalho de ordem individualista, mais ligados ao trabalho autônomo e que valorizava a autonomia, a liberdade, a igualdade, a mobilidade e o empreendedorismo; com o abandono do papel do Estado como agente regulador do mercado e com a escassez de postos de trabalho na forma de emprego, além de outros elementos, a classe empresarial pode agir livremente para reconstruir ou construir um instituto sociojurídico denominado de “pejotização”, o qual está associado à organização do capital e do trabalho. Tal fenômeno se estruturou em torno de interesses e valores sociais, em especial de cunho patronal, de modo a gerar uma organização própria no cenário brasileiro (ORBEM, 2016, p. 153).

A pejotização envolve a contratação de pessoas jurídicas, no caso empresas, para a prestação de serviços que seriam realizados por trabalhadores regularizados com carteira assinada. O problema é que muitas das vezes as pessoas jurídicas contratadas não são empresas reais, mas sim criadas tão somente para determinada contratação.

Segundo a lógica implementada pela pejotização, o trabalhador passa a ter autonomia para negociar de igual para igual com o seu, até então, empregador apenas por estar sob o respaldo de possuir uma empresa, ainda que seja uma forma de sociedade empresária individual.

Ela encontra-se inscrita no âmbito da lógica da organização flexível do trabalho e tem como suporte discursivo e ideológico a imagem do empresário de si mesmo, espraiando-se para os mais variados setores econômicos, atingindo tantos trabalhadores não qualificados como os mais qualificados (ORBEM, 2016, p. 154).

Verifica-se assim, um cenário de crescente precarização das relações de trabalho, não somente com a flexibilização das mesmas, mas também com a diminuição dos direitos e garantias trabalhistas conforme legislação específica.

Portanto devido à busca incessante pelo lucro e a competitividade no mercado capitalista, as empresas tendem a burlar o cumprimento da legislação trabalhista, que no ordenamento jurídico brasileiro, visa de forma amplamente significativa a proteção do empregado o qual é considerado a parte hipossuficiente do pacto laboral (GARCES et al, 2019, p. 148).

Resta caracterizado então um novo quadro dos trabalhadores: “Desemprego ampliado, precarização exacerbada, rebaixamento salarial acentuado, perda crescente de direitos, esse é o desenho mais frequente da nossa classe trabalhadora” (ANTUNES, 2015, p. 127).

3     PEJOTIZAÇÃO NO BRASIL

Como já fora abordado no Brasil, o trabalhador contratado regularmente através de sua carteira de trabalho possui os direitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho e no artigo 7º da Constituição Federal.

A contratação com a assinatura da carteira de trabalho pode ser como mensalista – com carga horária de trabalho e salário mensal determinado – e como horista. O/A trabalhador/a horista, de acordo com a CLT (Art. 58-A e §§ 3º, 4º, 5º, 6º e 7º), é aquele/a que recebe o salário mensalmente, porém determinado pelo valor-hora. Essa/Essa profissional tem todos os direitos e obrigações dos/as demais empregados/as, com algumas peculiaridades, como, por exemplo, pagamento do repouso semanal remunerado em separado do valor das horas trabalhadas; rendimento mensal variável de acordo com os dias do mês; cálculo da remuneração de férias, 13º salário e aviso prévio indenizado a partir das médias de horas trabalhadas (GEMELLI; CLOSS; FRAGA, 2020, p. 420).

A flexibilização das relações trabalhistas trouxe, porém, novos contratos atípicos, como a pejotização “na qual a empresa contratante para a efetivação da contratação exige que o trabalhador, pessoa física, constitua uma pessoa jurídica, que pode ser uma firma individual ou uma sociedade empresária, para a prestação de serviços de natureza personalíssima” (ORBEM, 2016, p. 144-145).

Para os detentores dos meios de produção, a contratação de profissionais através de pessoas jurídicas diminui os encargos trabalhistas e previdenciários a serem recolhidos, o que traz benefícios para o acúmulo de capital através da majoração do lucro obtido na produção.

Para a empresa que contrata um “pejota” não haverá pagamento dos encargos trabalhistas e fiscais, passando a usufruir de uma carga tributária reduzida, além de contar com uma prestação de serviço ininterrupta pelos 12 meses do ano, já que a empresa contratada não tem direito ao gozo de férias. Desta forma, estará liberada do pagamento da contribuição de 20% para o INSS sobre a folha, da contribuição para o Sistema “S” sobre este prestador de serviços, não precisará pagar a alíquota de 8% referente ao FGTS, nem a indenização de 40% sobre o total dos valores depositados em caso de rescisão contratual, como também estará livre do aviso-prévio proporcional ao tempo de serviço e, por fim, como não há pagamento de salário não estará obrigada a efetuar o reajuste salarial na data base. Por conseguinte, ao deixar de utilizar uma relação de trabalho para usar uma relação comercial a empresa contratante reduz custos com suas operações, visto que tal modalidade de contratação não aparecerá mais no setor de recursos humanos, mas sim no setor de compras da empresa (ORBEM, 2016, p. 145).

A empresa contratante então, ao celebrar uma contratação de prestação de serviços de outra empresa, ainda que seja uma empresa individual, se exime das responsabilidades quanto aos riscos e condições de trabalho. O empregado que se torna uma pessoa jurídica passa a ser responsável pelo recolhimento próprio da contribuição previdenciária, pelos custos de eventuais acidentes de trabalho, dentre outros custos que no cenário de uma relação de emprego caberiam ao empregador.

O termo “pejotização” vem do termo Pessoa Jurídica. Esse fenômeno representa a contratação de trabalhadores e prestadores de serviços através de um contrato com uma Pessoa Jurídica, ou seja, através de uma microempresa deste trabalhador ou prestador de serviço. O fenômeno da pejotização reforça a ideia neoliberal, passando os riscos do negócio para o trabalhador pejotizado, que pode ser dispensado ou chamado a qualquer momento, tendo que estar à disposição do contratante, sem receber nada por isso.

No caso de docente que atua como Pessoa Jurídica, não há relação de emprego e, como o contrato é interempresarial, não gera direitos trabalhistas e recolhimentos previdenciários. O/a profissional é quem assume a maior parte dos custos e dos riscos, visto que, caso não haja abertura de novas turmas por baixo número de matrículas, seu trabalho é dispensado pela instituição de ensino. Além desses fatores, a pejotização também contribui para o fortalecimento da ideia neoliberal da prevalência da autonomia e da vontade em detrimento da legislação trabalhista (ORBEM, 2016). Esta ideia neoliberal é reafirmada pela constituição de si como empresa, que individualmente, por conta e risco, deve estar sempre atualizada e pronta para entrar em cena (GAULEJAC, 2007; MEDEIROS; SIQUEIRA, 2019). (GEMELLI; CLOSS; FRAGA, 2020, p. 430).

A pejotização teve maior utilização a partir da facilidade de abrir Micro Empresas Individuais, de responsabilidade limitada, as chamadas MEI”s[3]. Isto se deve porque a contratação de trabalhadores como pessoa jurídica “geralmente, envolve trabalhadores mais qualificados, que percebem salários mais altos” (MAEDA, 2014, p. 11). Desta forma, é possível que tais trabalhadores abram empresas sozinhos, sem depender da formação de uma sociedade empresária, sendo ao mesmo tempo o trabalhador e o patrão, prestando o serviço para a empresa que lhe contratou.

A pejotização é utilizada da mesma forma que se utiliza a terceirização, de forma a diminuir os custos de mão de obra e encargos trabalhistas e previdenciários devidos pelo empregador. Há aqueles que entendem que a pejotização é inclusive uma forma de terceirização.

A pejotização é uma forma de terceirização em que o/a trabalhador/a, pessoa física, presta o serviço em uma empresa através da constituição de uma pessoa jurídica, utilizando um contrato de prestação de serviços de natureza civil, sem a incidência de qualquer direito trabalhista. Trata-se se de uma modalidade de externalização das atividades na qual, para que haja a contratação ou a manutenção do posto de trabalho, a empresa contratante exige do/a trabalhador/a, pessoa física, que este/a constitua uma pessoa jurídica (GEMELLI; CLOSS; FRAGA, 2020, p. 420).

Todavia enquanto na terceirização há a interposição de uma empresa intermediadora entre a mão de obra contratada e a empresa para qual irá o serviço será prestado, na pejotização isto geralmente não ocorre, sendo na maioria das vezes empresas de responsabilidade individual. Assim, outros doutrinadores defendem que terceirização e pejotização são institutos diferentes.

Salienta-se que a “pejotização” e a terceirização são institutos diferentes que se assemelham apenas por se trataram de modalidades de externalização. Enquanto na terceirização existe uma relação triangular entre a empresa contratante, a empresa interposta, tomadora/terceirizada, e o trabalhador terceirizado, na qual a empresa principal transfere parte de suas atividades, as não essenciais, para que empregados de uma empresa terceirizada os executem; na “pejotização” há uma relação bilateral, na qual uma empresa contrata uma pessoa física, que prestará serviços de forma pessoal, sob a forma de uma pessoa jurídica (ORBEM, 2016, p. 145).

O direito do trabalho visa a proteção da pessoa física, que vende a sua mão de obra para os detentores de meios de produção, que é vista como uma pessoa hipossuficiente frente a estes, ao se considerar a sua inferioridade quanto à acumulação de capital. Deste modo, pelo direito do trabalho não seria possível contratar uma pessoa jurídica como empregado, sendo necessário ser pessoa física.

O Direito do trabalho tutela a pessoa física, não havendo a possibilidade de uma pessoa jurídica ser um empregado. Conforme o conceito de empregado extraído do artigo 3° da CLT, encontramos essa exigência, além do fato do contrato ser intuito personae, isto é, o contrato é personalíssimo, não podendo ser executado por pessoa diversa daquela que o pactuou; no momento em que se vislumbra a presença da pessoa jurídica no pólo que deveria ser do empregado, é configurada uma locação de serviços, ou um contrato de empreitada, temporário, terceirização, trabalhador autônomo, etc. Em suma, a pejotização é um instituto antagônico ao típico empregado do direito laboral (OLIVEIRA, 2013, p. 26).

A necessidade da contratação de pessoa física para a configuração de uma relação de trabalho faz parte dos elementos considerados integrantes das relações de trabalho, quais sejam: não eventual, onerosidade, pessoalidade, subordinação (DELGADO, 2015).

Ao mesmo tempo em que a constituição de pessoa jurídica para a prestação de serviços intelectuais se mostra amparada pelo princípio constitucional da livre inciativa (art. 170, caput, da CF) eis que melhor adequada às necessidades de um mercado mais dinâmico, pode, também, ser utilizada como forma de burlar a aplicação da legislação trabalhista ao camuflar uma verdadeira relação de emprego (MAEDA, 2014, p. 09).

Em ambos os casos, verifica-se que a pejotização é utilizada como uma fraude. Mediante a leitura do artigo 9º da CLT pode-se compreender que o instituto da pejotização é fraude nas relações trabalhistas. Assim dispõe referente artigo “Art. 9º – Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação” (BRASIL, 1943, n.p.).

De um lado estão doutrinadores e juízes trabalhistas que defendem a posição de que a “pejotização” é uma prática fraudulenta, pois, entendem que esta só existe quando há a transformação de um trabalhador, pessoa física, em pessoa jurídica para burlar, fraudar a legislação trabalhista, previdenciária e fiscal. Portanto, a “pejotização” é reconhecida com uma relação de trabalho ilícita, que utiliza um contrato de trabalho transmudado em um contrato civil, para mascarar, camuflar a relação de emprego. Deste modo, há a transformação do trabalhador empregado em prestador de serviços por intermédio da constituição de uma pessoa jurídica (ORBEM, 2016, p. 146).

A contratação de trabalhador através da pejotização deve ser considerada nula (OLIVEIRA, 2013). Para evitar a prática da fraude trabalhista o artigo 5º C da Lei 13.467 de 2017, também conhecida como lei da reforma trabalhista, determinou que o empregado demitido só pode prestar serviços para o mesmo empregador na condição de pessoa jurídica, após o período de 18 (dezoito) meses do seu efetivo desligamento. Essa determinação legal, visa evitar pejotização indiscriminada, com a substituição de parte da mão de obra com carteira de trabalho assinada, por pessoas jurídicas. Todavia, não impede a demissão de pessoas regularmente contratadas e a sua substituição através da contratação de novas pessoas, para as quais é imposta a necessidade de criação de pessoa jurídica para a contratação.

Deve-se ressaltar que a utilização da pejotização para mascarar relações de emprego não traz prejuízos somente para o empregado, trazendo também prejuízos para o estado de sonegação fiscal, e para os contribuintes previdenciários, diante da do recolhimento a menor dos percentuais do INSS.

O uso ilícito de PJ também traz prejuízos decorrentes da sonegação fiscal, previdenciária e fundiária. A fraude atinge todos os beneficiários da Previdência Social, pois existe a sonegação de contribuições sociais, uma vez que o recolhimento sob a forma de PJ é menor do que a forma celetista. De igual modo, existe a sonegação em relação ao FGTS, de grande finalidade social, e que está acima do individual, tal como o INSS (TURCATO; RODRIGUES, 2008, p. 11).

Também é considerado crime de frustração de direito trabalhista, conforme mencionado no título dedicado aos Crimes contra a Organização do Trabalho, disposto no artigo 203 do Código Penal, (OLIVEIRA, 2013), o qual dispõe: “Art. 203 – Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho”.

Há ainda os que compreendem que a fraude cometida não é apenas do empregador, mas também do próprio trabalhador, que participaria de boa vontade da fraude a fim de receber uma remuneração líquida mais elevada. Todavia, deve-se considerar que a responsabilidade pela contratação legalmente correta é do empregador e não do empregado.

É responsabilidade do empregador observar a lei para a contratação de empregados. Ainda que o empregado se recuse a ser registrado, o registro da carteira de trabalho é obrigatório e, se não observado, o empregador é quem terá de responder, e não o empregado (TURCATO; RODRIGUES, 2008, p. 12).

Além do mais, na maior parte das vezes, diante de sua condição de hipossuficiência, o empregado não possui poder de negociação para com o empregador, sendo obrigado a aceitar as condições que lhe são impostas, pois precisa prover o sustento próprio e de sua família. Conforme defende OLIVEIRA (2013, p. 26) “de certa forma é uma repressão imposta pelos empregadores com o intuito de não aplicar a legislação trabalhista. O empregado acaba cedendo, pois é o seu modo de subsistência, além da dependência econômica face ao empregador”.

Embora existam estudos que comprovam que há empregados que preferem receber um salário menor, a ter que constituir uma pessoa jurídica, conforme imposição do empregador, não é possível generalizar esse posicionamento, sendo certo que há aqueles que gostam e são favoráveis à contratação através de pessoa jurídica.

Por fim, deve-se ressaltar que há aqueles que entendem pela legalidade da contratação de prestadores de serviços através da celebração de contrato para com empresas. Para esta parte da doutrina, é possível a realização de contratos de prestação de serviços por trabalhadores autônomos.

No entanto, existem empresários e também parcela minoritária da doutrina justrabalhista, inspirados no ideário neoliberal, que defendem a “pejotização” lícita. Estes compreendem que a constituição de uma pessoa jurídica para a prestação de serviços é uma modalidade legal de contratação, estando amparada pelo art. 129 da Lei nº 11.196/2005. Consequentemente, trata-se de uma relação de trabalho lícita, que usa de um contrato de prestação de serviço de natureza civil, com a prestação de serviço executado por um trabalhador autônomo, regulamentado como Microempreendedor Individual – MEI (ORBEM, 2016, p. 146).

A diferença entre a pejotização e a prestação de serviços é que “A prestação de serviço compreende o fornecimento de uma atividade lícita, realizada sem subordinação e com liberdade técnica por parte de quem presta o serviço mediante retribuição” (MAEDA, 2014, p. 80). Desta maneira, a prestação de serviços, e não pejotização, será identificada pelos seguintes elementos:

a) o prestador de serviço realiza uma atividade sem subordinação; b) o prestador de serviço pode ser tanto uma pessoa física como jurídica; c) o serviço pode ser realizado de uma forma eventual ou mesmo habitual a um determinado contratante; d) a prestação de serviço pode ser realizada de maneira personalíssima (MAEDA, 2014, p. 80).

Há que se ressaltar que para ser legal, referida contratação não pode conter os requisitos necessários para a configuração de uma relação de emprego, sendo necessário que o contratado possua de fato autonomia e não preste serviço de forma habitual. Cumpre ressaltar ainda que a leitura da Lei 11.196 de 2005 deve ser realizada com cautela, tendo em vista ser esta uma lei tributária e não trabalhista.

No entanto, cabe ressaltar que a Lei nº 11. 196/2005 é uma Lei de cunho tributário e não trabalhista. Portanto, no contexto do Direito do Trabalho a “pejotização” ainda não dispõe de viabilidade legal como forma de trabalho regulamentado por legislação trabalhista, não havendo a incidência de qualquer direito juslaboral (ORBEM, 2016, p. 147).

A doutrina majoritária compreende, porém que “o uso de PJ é lícito nos casos de contratação para prestação de serviços não habituais, não subordinados. Mas não quando pessoas são contratadas para exercer as atividades inerentes da empresa” (TURCATO; RODRIGUES, 2008, p. 11).

Por fim, cabe ressaltar que a pejotização não traz apenas efeitos nas relações individuais de trabalho, mas também nas relações coletivas. Segundo o direito coletivo de trabalho brasileiro, a associação de trabalhadores através de sindicatos só pode ser realizada quando estes são empregados. Assim, aqueles que são desempregados ou que são contratados através de pessoa jurídica não pode se vincular aos sindicatos representativos. Há, portanto, uma perda de sua identidade coletiva, de sua identidade de classe.

Na ocorrência do instituto há o nascimento de outro aspecto pouco suscitado, é a questão da dificuldade de sindicalização, e por conseguinte, a formação de acordos ou convenções coletivas para reivindicar direitos e impedir eventuais abusos patronais, sendo de fundamental importância para a categoria, enfraquecendo consideravelmente o setor (OLIVEIRA, 2013, p. 27).

Desta maneira, o empregado contratado através de pessoa jurídica estará por sua própria conta e risco na negociação para com a empresa, não possuindo um respaldo das organizações sindicais, as quais, através de acordos e convenções coletivas, buscam proteger e garantir direitos não previstos legalmente em nosso ordenamento jurídico.

A organização dos trabalhadores em sindicatos, federações e confederações, ao longo da história do direito do trabalho, foi de fundamental importância na luta pela garantia de direitos trabalhistas, sendo os movimentos grevistas responsáveis pela garantia e proteção dos trabalhadores. Ao se dificultar a organização coletiva do empregado, o empregador possui um maior poder na mesa de negociação das condições contratuais, enfraquecendo ainda mais o posicionamento do empregado que já vive uma situação de hipossuficiência.

4     A PEJOTIZAÇÃO SOB OS PRINCÍPIOS DO DIREITO DO TRABALHO

Os princípios exercem tríplice função no ordenamento jurídico brasileiro, possuindo as funções: informativa, interpretativa e normativa. “A função informativa é destinada ao legislador, inspirando a atividade legislativa em sintonia com os princípios e valores políticos, sociais, éticos e econômicos do ordenamento jurídico” (LEITE, 2019, p. 95). Já a função interpretativa “é destinada ao aplicador do direito, pois os princípios se prestam à compreensão dos significados e sentidos das normas que compõem o ordenamento jurídico” (LEITE, 2019, p. 95).

Por fim, temos a função normativa, a qual também é destinada ao aplicador do direito.

A função normativa, também destinada ao aplicador do direito, decorre da constatação de que os princípios podem ser aplicados tanto de forma direta, na solução dos casos concretos mediante a derrogação de uma regra por um princípio, por exemplo, o princípio da norma mais favorável aos trabalhadores (CF, art. 7º), quanto de forma indireta, por meio da integração do sistema nas hipóteses de lacuna (CPC, art. 126) (LEITE, 2019, p. 95).

Desta maneira, na seara trabalhista também devem ser levados em consideração os princípios gerais do direito do trabalho na interpretação e aplicação das leis trabalhistas.

Por fim, o direito do trabalho não serve apenas para regular as relações sociais entre trabalhadores e suas possíveis soluções, também é utilizado para tutelar o empregado, que na maioria das vezes encontra-se na situação de hipossuficiência, acabando por se sujeitar ao poder de comando arbitrário do empregador. Os princípios mostram-se muito importantes nessas ocasiões, visto que no mundo dos fatos os acontecimentos ocorrem mais rapidamente do que no campo do direito positivado, e recorremos a eles para o deslinde da situação, encontrando uma solução justa e equilibrada (OLIVEIRA, 2013, p.31).

Ao analisar os efeitos da pejotização sob o prisma dos princípios trabalhistas vemos que há uma violação de alguns destes princípios.

A pejotização ao mascarar uma realidade de relação de emprego com uma relação jurídica entre empresas fere o princípio da primazia da realidade. O princípio da primazia da realidade é considerado “um dos pilares do ramo laboral, no qual se detém a situação realmente existente à situação acordada pelas partes” (OLIVEIRA, 2013, p. 27).

Desta forma, o tribunal do trabalho acaba por se utilizar deste princípio ao interpretar o contrato existente entre as empresas, buscando se na realidade havia uma relação de emprego ou se era de fato apenas um contrato entre duas empresas. O princípio da primazia da realidade na verdade é uma proteção para ambas as partes, podendo ser invocado tanto pelo trabalhador, para desmascarar a fraude trabalhista, quanto pelo empregador, para provar qual era a relação de fato existente entre ambos.

O trabalho é um contrato-realidade, tendo em vista que o contrato não existe no acordo abstrato de vontades, mas sim na realidade da prestação de serviço realizada (RODRIGUEZ, 2004). Desta maneira, em seara trabalhista deve-se sempre primar pela verdade dos fatos ante acordos formais.

Assim, ao analisar a pejotização sob a ótica do princípio da primazia da realidade, irá se verificar o que verdadeira ocorre na relação entre as partes: um contrato de prestação de serviços; ou uma relação de emprego mascarada sob a forma de contratação de uma pessoa jurídica.

Outro princípio violado pela pejotização é o princípio da proteção. Segundo Rodriguez (2004), o princípio da proteção pode se desdobrar em três ideias: in dubio, pro operário; regra da aplicação da norma mais favorável; e regra da condição mais benéfica. Desta maneira, verifica-se que o princípio da proteção visa proteger o lado mais fraco da relação, qual seja o empregado.

Fato é que o detentor do capital, ou no caso em cena o empregador, detém o poder de contratar o trabalhador que lhe for mais conveniente, enquanto que o empregado possui a necessidade de vender sua mão de obra para o sustento próprio e de sua família. Assim, resta configurada a hipossuficiência do empregado frente ao empregador, não sendo possível falar em uma relação de igual para igual, tendo em vista que o empregador, diante do seu poder diretivo, pode coagir o empregado a aceitar determinadas condições que não lhe são favoráveis.

O princípio da proteção não assegura a igualdade jurídica, mas pelo contrário, busca proteger uma das partes a fim de se obter uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes. Ressalta-se que esta realidade é presente apenas no direito do trabalho, sendo que no direito comum busca-se, geralmente, a igualdade jurídica entre as partes (RODRIGUEZ, 2004).

Através do princípio da proteção, há um nivelamento das desigualdades existentes entre as partes (RODRIGUEZ, 2004). Desta forma, a leitura da pejotização através do princípio da proteção gera um posicionamento com inclinação para o empregado, favorecendo-o na interpretação do contrato existente entre ambos, tendo em vista que por vezes, devido à posição hipossuficiente do empregado, acaba sendo redigido conforme interesses patronais.

Mas a pejotização pode ser analisada ainda sob a ótica de outros princípios trabalhistas, tais como o princípio da imperatividade e da irrenunciabilidade.

O primeiro leciona que os direitos trabalhistas são indispensáveis, pois, as partes não podem afastá-los por pura de liberalidade de vontade tanto do empregado como do empregador, ou seja, não poderá ocorrer à exclusão do direito por parte de ambos, mesmo que seja livre suas manifestações. Já o Princípio da Irrenunciabilidade traduz que o trabalhador não poderá se privar, mesmo sem coação por parte do empregador, dos direitos inerentes a sua condição de obreiro, conforme determina a impossibilidade jurídica fundamentada pelo princípio da proteção do trabalhador (GARCES et al, 2019, p. 150).

O princípio da imperatividade representa o caráter imperativo das normas trabalhistas, as quais limitam a autonomia das partes na contratação. Por sua vez, o princípio da irrenunciabilidade garante ao empregado a proteção dos direitos trabalhistas, não sendo possível renunciá-los. Assim, referido princípio impede juridicamente que o trabalhador renuncie voluntariamente a vantagens concedidas pela legislação trabalhista em benefício próprio (RODRIGUEZ, 2004).

O princípio da irrenunciabilidade está baseado no princípio da indisponibilidade, o qual é derivado do caráter imperativo das normas trabalhistas (RODRIGUEZ, 2004). Há quem alegue ser uma forma de limitação da autonomia da vontade, porém ambos estão relacionados ao princípio da proteção do trabalhador, evitando que este acabe por renunciar direitos devido à coerção exercida por seu empregador.

Quanto à demissão do empregado para sua posterior contratação como pessoa jurídica, ainda que não houvesse vedação legal, poder-se-ia utilizar do princípio da inalterabilidade do contrato em prejuízo do trabalhador, tendo em vista que a mudança na forma de contratação de CLT para pessoa jurídica é prejudicial para o empregado, que se vê sem direito a garantias fundamentais, tais como férias e descanso remunerado (COSTA; TERNUS, 2012).

A leitura da pejotização através dos princípios gerais do direito do trabalho supra citados tem sido realizada jurisprudencialmente nas varas e nos tribunais regionais do trabalho. Quando há casos na Justiça do Trabalho em que há provas de que houve a utilização de pessoa jurídica para mascarar uma relação de trabalho existente, tem-se prevalecido o reconhecimento do vínculo de emprego, com o pagamento atrasado de todas as verbas trabalhistas devidas pela empresa, seguindo a leitura do princípio da primazia da realidade e da irrenunciabilidade das leis trabalhistas.

Uma vez demonstrados os requisitos legais para a caracterização da relação de emprego, esta é reconhecida pela Justiça do Trabalho com fundamento no princípio da primazia da realidade, no princípio da imperatividade das normas trabalhistas e no princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas (MAEDA, 2014, p. 12).

Verifica-se que a jurisprudência dos tribunais trabalhistas no Brasil, reconhece a fraude trabalhista através da pejotização e garante aos trabalhadores os direitos que lhe eram devidos e foram negados durante a relação contratual, respeitando sempre os prazos prescricionais prescritos em lei.

O aumento desta prática em empresas e negócios brasileiros demonstra a necessidade de se elevar as fiscalizações realizadas, ou ainda de se adotar medidas protetivas legislativas que coíbam esta prática por parte dos empregadores, de modo que dificultem a contratação de prestação de serviços como forma de mascarar a realidade da relação de emprego existente.

Por fim, verifica-se a importância dos princípios do direito do trabalho, através dos quais torna possível a leitura de fraude e a condenação do empregador ao pagamento dos direitos e garantias suprimidos do empregado. Todavia, cumpre destacar que o fenômeno da flexibilização e da precarização das relações de trabalho, acabou por afetar a CLT, que a partir da reforma trabalhista passou a prever princípios que protegem o capital e não o trabalhador.

Na verdade, sob o argumento da necessidade da “modernização” das relações trabalhistas, ela institui três princípios de proteção ao capital (liberdade, segurança jurídica e simplificação), invertendo os valores, os princípios e as regras de proteção ao trabalhador consagrados em diversas normas constitucionais e internacionais (LEITE, 2019, p. 39).

As modificações legislativas trazidas pela reforma trabalhista acabaram por diminuir a proteção garantida ao empregado legalmente, sendo ainda mais necessária a atuação do judiciário de forma a garantir que os princípios constitucionais de proteção ao trabalhador sejam preservados nas relações de trabalho existentes.

5     JURISPRUDÊNCIAS TRABALHISTAS SOBRE A PEJOTIZAÇÃO NO BRASIL

A jurisprudência trabalhista brasileira desempenha um papel crucial na análise de casos relacionados à pejotização, que é a prática de contratar trabalhadores como pessoas jurídicas (PJ) em vez de empregados com carteira assinada. A jurisprudência tem evoluído para distinguir entre casos legítimos de contratação por meio de PJ e situações em que a pejotização é considerada uma fraude trabalhista. Abaixo, apresento algumas jurisprudências relevantes que ilustram a posição dos tribunais brasileiros nesse assunto:

Caso 1: Decisão da 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) em 09/10/2020

No caso analisado pela 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ocorreu uma situação envolvendo a contratação de um analista de sistemas por meio de uma pessoa jurídica. A empresa empregadora argumentava que essa forma de contratação não estabelecia um vínculo empregatício direto entre as partes. No entanto, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) local reconheceu o vínculo empregatício, baseando-se na presença de elementos como subordinação e pessoalidade, que caracterizam uma relação de emprego.

O TST confirmou a decisão do TRT, reforçando a análise que havia sido feita anteriormente. O ponto-chave dessa decisão foi a ênfase na intenção da empresa de contornar ou fraudar direitos trabalhistas por meio do que é conhecido como “pejotização.”

A prática de pejotização pode ser utilizada como uma estratégia para evitar o cumprimento de obrigações trabalhistas, como pagamento de salários, benefícios, horas extras, férias remuneradas e contribuições previdenciárias. No entanto, a legislação trabalhista e a jurisprudência geralmente consideram que, mesmo em casos de contratação por meio de pessoa jurídica, se existirem elementos típicos de uma relação de emprego, como subordinação (quando o trabalhador recebe ordens e direcionamento do empregador) e pessoalidade (quando o trabalhador não pode ser substituído livremente por outra pessoa), o vínculo empregatício pode ser reconhecido.

A decisão do TST, ao confirmar o reconhecimento do vínculo empregatício, destacou que a pejotização é uma prática conhecida por tentar burlar os direitos trabalhistas, e que a análise deve ir além da forma contratual para considerar a realidade da relação entre as partes. A intenção da legislação trabalhista é proteger os direitos dos trabalhadores e garantir que eles sejam devidamente remunerados e tenham acesso aos benefícios trabalhistas e previdenciários.

Caso 2: Decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3) em 23/05/2018

No caso em questão, uma pessoa física decidiu estabelecer uma empresa individual com o propósito de celebrar um contrato de representação comercial com diversas empresas atuantes no ramo de cosméticos. Nesse contexto, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3) analisou o caso para determinar se havia a existência de um vínculo empregatício entre a pessoa física e as empresas contratantes, ou se a relação era, de fato, caracterizada como uma representação comercial.

A decisão proferida pelo TRT-3 foi no sentido de que não havia um vínculo empregatício entre as partes envolvidas. Essa conclusão foi fundamentada na análise dos pressupostos fático-jurídicos necessários para caracterizar uma relação de emprego sob a ótica das leis trabalhistas. Os tribunais brasileiros costumam considerar diversos elementos para determinar a existência de um vínculo empregatício, sendo alguns dos principais: subordinação, pessoalidade, horário de trabalho e remuneração.

Dessa forma, a decisão do TRT-3 enfatizou a importância de avaliar cuidadosamente todos os requisitos do vínculo empregatício em cada caso específico. A ausência de alguns desses elementos pode ser determinante para invalidar a relação de emprego. É importante destacar que as decisões judiciais em casos de vínculo empregatício são altamente dependentes das circunstâncias e provas apresentadas, sendo, portanto, avaliadas individualmente pelos tribunais.

Essas decisões refletem a posição dos tribunais brasileiros ao analisar casos de pejotização. Em geral, os tribunais consideram fatores como subordinação, controle de horário de trabalho, pessoalidade e outros aspectos para determinar se há um vínculo empregatício real. A jurisprudência trabalhista tende a combater a pejotização quando esta é utilizada para burlar os direitos trabalhistas e a subordinação e pessoalidade são evidentes. No entanto, também reconhecem que nem todas as relações de prestação de serviços por meio de PJ são fraudulentas, especialmente quando envolvem profissionais liberais altamente qualificados e independentes.

Portanto, a jurisprudência trabalhista no Brasil está se adaptando para enfrentar a complexidade da pejotização, considerando cada caso individualmente e avaliando se há um verdadeiro vínculo empregatício ou se a contratação por meio de PJ é uma escolha legítima. Essas decisões refletem o esforço dos tribunais em equilibrar os direitos dos trabalhadores com a flexibilidade necessária para a contratação de serviços por meio de PJ.

Caso 3: O Entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da Pejotização (STF) em 2023

O Supremo Tribunal Federal (STF) vem tendo uma visão mais flexiva em relação às decisões dos tribunais de primeira instância, sobre o tema “Pejotização”, no qual a corte julgou através de ações direitas e recursos extraordinários a constitucionalidade da nova lei de terceirização e dispositivos sobre o tema constante na nova lei da reforma trabalhista de 2017. Com isso o Tema nº 725, da sistemática da repercussão geral do STF, no que pese ser “lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas“.

No caso em questão, o que se discutia até então nesses processos, era única e simplesmente a constitucionalidade da norma que permitiam à terceirização de atividades fim, entretanto, uma série de decisões proferidas para supostamente preservar o entendimento da corte de chancelar a terceirização, as duas turmas do STF fixaram um entendimento de que trabalhadores contratados por meio de pessoas jurídicas por eles constituídas não pode questionar a legalidade da contratação da Justiça do Trabalho, mas com algumas ressalvas.

Em um caso emblemático julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), o litigue aplicado, foi a de um médico que trabalhou como “Pejota” em uma rede hospitalar, no qual o profissional da saúde buscou o reconhecimento do vínculo empregatício e todas as verbas decorrentes asseguradas pela CLT, onde obteve êxito em primeira instância e posteriormente no tribunal, porém a questão chegou ao Supremo Tribunal Federal por meio de recursos, onde prevaleceu o entendimento de ser licita a terceirização de todas as atividades, com base no Tema 725 de repercussão geral.

Ou seja, se você não é uma empresa com funcionários, mas sim uma pessoa que é obrigada a constituir um CNPJ para trabalhar em uma empresa, não há motivo para questionar essa relação, pois a contratação de empresa terceirizada para atividade fim é constitucional.

Nesse sentido, Supremo Tribunal Federal tem caminhado no sentindo de ser licito a contratação por meio da terceirização através da “pejotização” para profissionais liberais, desde que o empregado preste o serviço intelectual e detenha patamar salarial bem elevado. Dessa forma, embora a corte tenha apresentando os seus requisitos para aceitação da PJ, essa decisão é equivocada, pois a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7°, XXXII, proíbe a distinção entre trabalho, intelectual, manual e técnico ou entre profissional respectivo.

Portanto, o caso em questão serve como um exemplo de como os tribunais brasileiros pode reconhecer um vínculo empregatício mesmo em situações em que a contratação foi realizada por meio de uma pessoa jurídica, quando ficar evidente que essa forma de contratação foi utilizada para contornar os direitos trabalhistas. Na oportunidade, o STF tem observado que a pejotização é contrário à CLT em apenas quando se tratam de trabalhadores hipossuficiente, e adepto com trabalhadores hipersuficiênte. A decisão reforça a importância de avaliar cada situação individualmente e considerar os elementos reais da relação de trabalho, independentemente da estrutura contratual utilizada.

6     CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa permitiu caracterizar a pejotização como uma fraude trabalhista, de modo que o empregador contrata uma pessoa física através de uma pessoa jurídica para não ter que cumprir com determinadas garantias e direitos trabalhistas previstos legalmente. Em vários casos, o empregado é obrigado a aceitar tal tipo de contratação, não tendo a opção de escolher a forma pela qual será contratado.

O empregado não pode ser visto como sujeito integrante da fraude trabalhista, tendo em vista que na maior parte das vezes ele não possui a opção de escolher a forma pela qual será contratado, já que a sua negatória em ser contratado via pessoa jurídica pode ensejar a sua não contratação pelo empregador. Todavia, tal posicionamento não pode ser generalizado, já que há aqueles trabalhadores que preferem e gostam da contratação através de pessoa jurídica, caso no qual podem ser considerados como parte integrantes da fraude.

Embora muitas vezes o salário seja maior na pejotização, o valor não cobre os direitos e garantias trabalhistas previstos no ordenamento jurídico, de modo que não vale a pena a longo prazo para o empregado este tipo de contratação. O empregado contratado através de pessoa jurídica não terá o recolhimento previdenciário, a não ser que o faça por conta própria, não terá direito a décimo terceiro salário, férias remuneradas, descanso remunerado, hora extraordinária, estabilidade para mulheres que engravidarem, dentre tantos outros direitos.

A prática da pejotização acabou por se tornar mais fácil com a criação de figuras como a MEI – Micro Empresa Individual – ao facilitar a abertura de pessoa jurídica por pessoas físicas, não sendo obrigatória a formação de uma sociedade empresarial. Todavia, quando o caso de pejotização é levado para a justiça, busca-se reconhecer qual era a realidade fática do empregado junto à empresa, e quanto resta configurada a relação empregatícia, é feito o reconhecimento da relação de emprego e a determinação e condenação da empresa para que efetue todos os recolhimentos devidos ao longo do contrato de trabalho, dentro do prazo prescricional.

A leitura e interpretação judicial sobre a realidade de emprego se baseia nos princípios gerais do trabalho, os quais visam proteger o trabalhador frente a sua situação de hipossuficiência econômica frente ao empregador. Quando há esse reconhecimento pela justiça de que houve uma fraude trabalhista, o empregador acaba por ter um gasto maior, já que os valores a serem pagos devem ser devidamente atualizados monetariamente, além de serem aplicados juros de 12% ao ano, o que encarece o custo total do empregador.

REFERÊNCIAS

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[1] Graduando em Direito pela Faculdade Serra do Carmo – FASEC. Email: marcosrabelo790@gmail.com.

[2] Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de Rio Preto (1997). Professor nas áreas de Direito Empresarial e Processo Civil, havendo ministrado aulas em Direito Civil, Direito Empresarial, Direito Tributário e Prática Forense. Professor da Faculdade Serra do Carmo, ministrando Direito Empresarial. Email: prof.leonardoaquilino@fasec.edu.br.

[3] A Micro Empresa Individual – MEI – foi criada a partir da promulgação da Lei Complementar nº 128 de 19 de dezembro de 2008. O Microempreendedor Individual – MEI – é o empresário individual a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, que tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$ 81.000,00 (oitenta e um mil reais), optante pelo Simples Nacional e que não esteja impedido de optar por esta sistemática.