UMA PERSPECTIVA COMPARATIVA DOS SISTEMAS DE PAGAMENTO M-PESA (QUENIANO) E PIX (BRASILEIRO) SOB A ÉGIDE DE SUAS CARACTERÍSTICAS COMPETITIVAS, CULTURAIS E REGULATÓRIAS
1 de junho de 2021A COMPARATIVE PERSPECTIVE OF M-PESA (KENYAN) AND PIX (BRAZILIAN) PAYMENT SYSTEMS UNDER THE Aegis OF THEIR COMPETITIVE, CULTURAL AND REGULATORY CHARACTERISTICS
Cognitio Juris Ano XI – Número 35 – Junho de 2021 ISSN 2236-3009 |
Autores: Émerson Santiago Pereira[1] Bruno Bastos de Oliveira[2] Jefferson Patrik Germinari[3] Jonathan Barros Vita[4] |
RESUMO
O presente artigo se pauta na adoção de pagamentos móveis por países em desenvolvimento, estes consistem no estabelecimento de uma nova diretriz de transação financeira, com utilização de aparelhos de telefonia móvel. O Banco Central do Brasil estabeleceu a operacionalidade do PIX – Pagamentos Instantâneos, com uma arquitetura centralizada e única de liquidação vinculada, possibilitando a diminuição de intermediários nos processos de pagamentos. Comparativamente, adotou-se o modelo de sucesso queniano, o M-Pesa, que se desenvolveu numa cultura e num cenário regulatório propicio para o seu triunfo, aliando desenvolvimento, inovação e tecnologia nas transferências de demandas latentes domésticas. Ante a necessidade regulatória existente e dada as dificuldades encontradas, em comparabilidade Brasil e Quênia, considerando as suas similaridades culturais e de desenvolvimento, organizou-se pensamentos que delimitam a utilização do PIX no território brasileiro. Utilizando-se do método comparado, com pesquisa bibliográfica, conclui-se que o Banco Central brasileiro está buscando a propositura de um ecossistema eficiente, competitivo, seguro e inclusivo, capaz de minimizar os riscos financeiros com sua centralização, estabelecendo regulamentações atinentes aos procedimentos reformatórios e de aperfeiçoamento tecnológico aguçados pela sociedade contemporânea. Através da Análise Econômica do Direito, pontuou- se a proteção dos utilizadores dos serviços, na teoria da escolha racional e eficiência de Pareto, fazendo uma análise conjuntural dos sistemas de pagamentos em análise.
PALAVRAS CHAVES: Pagamentos móveis. Centralização. Inovação. Regulamentação.
ABSTRACT:
This article is based on the adoption of mobile payments by developing countries, these consist in the establishment of a new guideline for financial transactions, using mobile telephony devices. The Central Bank of Brazil established the operation of PIX – Instant Payments, with a centralized and unique architecture of linked settlement, allowing the reduction of intermediaries in the payment processes. Comparatively, the Kenyan model of success was adopted, the M-Pesa, which developed in a culture and in a regulatory environment conducive to its triumph, combining development, innovation and technology in the transfer of domestic latent demands. In view of the existing regulatory need and given the difficulties encountered, in comparability between Brazil and Kenya, considering their cultural and developmental similarities, thoughts were organized that limit the use of PIX in Brazilian territory. Using the comparative method, with bibliographic research, it is concluded that the Brazilian Central Bank is seeking to propose an efficient, competitive, safe and inclusive ecosystem, capable of minimizing financial risks with its centralization, establishing regulations regarding the reform procedures and technological improvement sharpened by contemporary society. Through the Economic Analysis of Law, the protection of the users of the services was pointed out, in the theory of rational choice and efficiency of Pareto, making a conjunctural analysis of the payment systems under analysis.
KEYWORDS: Mobile payments. Centralization. Innovation. Regulation.
Introdução
Frente a um vasto mercado tecnológico ainda não explorado com a interlocução de atividades de telecomunicações e serviços bancários nas suas multiformes estruturais, propiciam a apresentação de um nicho tecnológico de pagamentos móveis.
Consolidar novas modalidades de pagamentos por meio de tecnologias alternativas para transações tradicionais possibilita superar entraves até hoje não solucionados e, por consequência, evitar que as inovações atuem como fator de retrocesso em contexto socioeconômico. Nesse sentido, o nascimento de uma nova arte na realização de transações de cunho financeiro com a utilização de mobilidade, segurança e conveniência corrobora para a mudança comportamental e cultural de uma sociedade.
Com viés tecnológico, os pagamentos móveis devem efetuar pagamentos de forma transfronteiriça, independentemente do local onde se encontra o utilizador, frente a sua característica móvel e acessível. Diante dessa demanda, há o surgimento das fintechs, com serviços financeiros tecnológicos capazes de transformar todo o sistema financeiro, rompendo todos os paradigmas e afetando diretamente as instituições bancárias.
O Banco Central anui a importância das fintechs no mercado financeiro, mesmo que em ambiente ainda pouco regulado. Nesse cenário inovador e repleto de tecnologia, analisar de forma ampla e intensa a cultura que cada localidade está exposta, em especial em especial quando a cultura expressa comportamentos sócioeconomicos não estáticos, torna-se um estimulante desafio para o desenvolvimento econômico.
Partindo dessa premissa, refletiu-se sobre os efeitos da regulação sobre os agentes, analisando a promoção da eficiência e a maximização do bem-estar social por meio da Análise Econômica do Direito, em que a difusão da cultura de pagamento retrata-se na proteção dos utilizadores, devendo levar em consideração como ela é implementada e a seguridade que ela proporciona.
Como se não bastasse a forte influência cultural, a regulação desses ecossistemas de pagamentos se mostra pouco efetiva em algumas localidades, tendo como pressuposto, que a legislação existente está apoiada nos modelos tradicionais, corroborando para a tratativa que inovar e regulamentar não possuem alinhamento, fortalecendo a ideia de que determinada regulação pode ocasionar ou não aumento do bem-estar para sociedade.
Não obstante, a intervenção dos órgãos reguladores se mostra imprescindível, tendo em vista que más condutas de fornecedores e agentes levam, em especial, os utilizadores de baixa renda à quebra de confiança e à inutilização dos sistemas de pagamentos móveis.
Compreender o funcionamento centralizado de uma área econômica de forma harmonizada administrativamente favorece a competição do mercado financeiro e à proteção dos utilizadores, tendo em vista que nem sempre os interesses das empresas estão alinhados com os interesses governamentais, em que a primeira possui como finalidade primordial a aferição de lucros e o segundo, deveria, o bem-estar-social.
Alguns mercados arquitetam as possibilidades de regulamentação através de acordo ou outras formas de escolha de transação e não por uma regulamentação específica pública. Em algumas localidades, a regulamentação é realizada por lei estadual de acordo em suas províncias e territórios e não por lei federal, causando divergência regulamentária.
Um dos pioneiros em pagamentos móveis, é o M-Pesa. Um sistema de pagamento queniano, que aliou desenvolvimento na integração de telefonia móvel e serviços financeiros, gerando um design de serviço inteligente e estratégia de execução comercial, onde chefes de famílias que se deslocam para os centros urbanos, tem a possibilidade de envio de dinheiro de forma ágil e segura.
O sucesso da Safaricom, empresa responsável pelo M-Pesa, deve-se também às demandas latentes de transferências domésticas, à baixa qualidade de serviços financeiros disponíveis e a um mercado regulamentador facilitado, ocasião em que elaborou um modelo regulatório em consonância com o Banco Central do Quênia, projetando o M-Pesa de maneira adequada.
A utilização do M-Pesa tornou o Quênia líder na utilização de pagamentos móveis, representando um salto tecnológico significativo diante de um país não considerado de expressividade na inovação. Atualmente, o mercado de pagamento móveis queniano vem se moldando diante do ambiente regulatório existente, em especial no que tange a proteção de dados e privacidade.
Frente a toda sistemática em inovação do mercado de pagamentos, o Banco Central brasileiro lançou o PIX – Pagamentos instantâneos, com tratativas de um universo de possibilidades. A arquitetura da plataforma do PIX é centralizada, proporcionando um ambiente eficiente, competitivo, seguro e inclusivo, minimizando os riscos financeiros.
Ao centralizar a estrutura, objetiva-se a diminuição de intermediários na relação financeira, conciliando a automatização e o fornecimento de novos mercados e modelos de negócios. Além disso, o PIX utiliza como chave de endereçamento o CPF/CNPJ, e-mail ou número do celular, compelidas a aderirem a esse ambiente as instituições financeiras e de pagamentos que possuem mais de 500 mil contas ativas.
Comparativamente, Quênia e Brasil possuem similaridades em sua cultura e em seu desenvolvimento, com determinantes na inclusão de pagamentos móveis. Não obstante, outras jurisdições se espelham no sucesso do M-Pesa, sempre buscando estabelecer mecanismos de regulamentação que não sufoquem as inovações ora propostas.
Contundentemente, ao introduzir regulamentos para desenvolvimento dos pagamentos móveis nos territórios analisados, reflete-se a eficiência de Pareto e Kaldor-Hicks, seus benefícios, custos e bem-estar para a sociedade.
Pagamentos móveis: o nascimento de um novo ecossistema de pagamentos.
Pagamentos móveis ou mobile payments representa o nascimento de uma nova arte na realização de transações financeiras, com ênfase na utilização de telefones móveis, no qual propiciam funcionalidades que sobejam as suas necessidades (BARBOSA, 2013, p. 90). Comporta-se, desta forma, como meio disruptivo de lógica institucional em meio a um ambiente transacional pluralista e dinâmico, coadunando-se com os processos de fluidez negocial absorvidos por novas culturas ligadas ao aprimoramento de tecnologias de inovação.
Os equipamentos móveis são dotados de funcionalidades que exorbitam em muito as necessidades e influenciam no desenvolvimento de novas metodologias e serviços móveis, agregando valor ao mercado e comércio móvel, possibilitando avanço e inovação nas multiformes de trabalho (HUBER, 2004, p.42).
Trajamos o potencial de classificar pagamento móvel, como a transferência de um meio de pagamento eletrônico do pagador ou beneficiário, através de um dispositivo móvel mantido pelos menos por um utilizador, sem vinculação a lugar, enviando e recebendo informações, sendo que formulários são representados eletronicamente e os processos são totalmente eletrônicos (HUBER, 2004, p.3).
Historicamente, apresentam-se como popular e comum as compras realizadas nas modalidades: dinheiro, cheques, cartões de débito e crédito. Com a evolução social e cultural, faz-se necessário o desenvolvimento de mecanismos atentos às evoluções e às inovações, em especial nos serviços e comércios móveis, sendo que a interferência na adoção de serviços de pagamento móvel é fundamental (DAHLBERT et al, 2006, p.10).
A evolução das modalidades de compras atreladas a novos comportamentos sociais, baseada em novas tecnologias, é mencionada por Lazari e Mello (2019, p. 15-16), tais como o uso de dispositivos de armazenamento digital de dados bancários providos com tecnologia NFC – Near Field Communication –, ou seja, comunicação em área próxima para utilização. Asseveram que “esse sistema de pagamentos ainda não dispensa a existência de um intermediário para a realização das operações”, justamente o ponto que se dispõe superar o sistema em estudo, qual seja, reduzir a intermediação entre pagador e efetivo recebedor.
Os pagamentos móveis proporcionam uma aproximação entre os utilizadores, tendo em vista que as transações bancárias em tempo real, combinadas com a utilização de um dispositivo móvel, estreitam a relação entre os utilizadores (URBINO, 2016, p. 119).
Converge como um equipamento móvel que realiza transação de pagamento, diretamente ou via um intermediário, incluindo nessa esfera, qualquer pagamento que se iniciou, ativou-se ou confirmou-se, enquadrando-se como pagamento móveis. (BARBOSA, 2013, p.102)
O processamento digital e acesso à internet através de dispositivo móvel permitiu a criação de um cenário, onde todas as classes sociais podem ter acesso, devido ao manejo e serviços rápidos (URBINO, 2016, p. 114 e 115).
Estudo realizado pela Escola de Administração de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, revela que no ano de 2020 a densidade per capita do número de dispositivos móveis em uso no Brasil quadruplicou comparado à última década, o que representa 424 milhões de aparelhos distribuídos no território nacional, dentre eles, tablets, telefones, computadores e televisores (MEIRELLES, 2020, p. 48). Tais indicadores refletem em aumento do consumo de dados e, por consequência, propiciam condições favoráveis à realização de transações digitais, dentre elas, a difusão e a consolidação das modalidades de pagamentos móveis.
Contudo, desafios são enfrentados dentro desse ecossistema, com a inclusão de novos participantes e diferenças significativas de cada país nas áreas financeiras e sua estrutura, com viés no atendimento das necessidades de seus utilizadores, projetando estratégias contumaz e assertiva (GUPTA, 2013, p. 3). Inovar tecnologicamente origina-se da introdução de produtos com características ou usos diferentes dos habituais, recombinando tecnologias existentes ou melhoria de produtos, com uma performance congruente e compatível (BARBOSA, 2013, p.92).
A potencialidade de exploração de novos mercados proporcionou o surgimento de novos agentes, como as start-ups, a fim de desbloquear este vasto mercado ainda pouco explorado, tendo cada qual buscado o seu próprio modelo de negócio. Esta dinâmica não uniforme reflete em certos desarranjos, provocando utilização pouco esclarecida e descoordenada.
Ao abordar sobre pagamentos móveis se observa um rol de questões legais a ser consideradas. Segundo Huber (2004, p. 28), “[…]deve-se levar em consideração a regulamentação do mercado, questões de proteção ao cliente, como crédito oferta e fraude, lavagem de dinheiro e transações transfronteiriças, sendo as mais importantes”.
A transmutação social e cultural dos utilizadores, importa diretamente no comportamento de compras e, consequentemente, na imposição de novos sistemas de pagamento, adequados ao estilo de vida, principalmente na maior mobilidade das pessoas e na apreciação do entretenimento (DAHLBERT et al, 2006 p. 6).
Para aceitação ampla, os serviços de pagamentos móveis devem existir a possibilidade de efetuar os pagamentos transfronteiriços na mesma proporção e facilidade que os pagamentos locais, independentemente do local do utilizador (PIMENTA, 2015, p. 9).
A maior dificuldade e obstáculo para os pagamentos móveis será na mudança cultural dos utilizadores no experimento inicial, ou seja, experimentarem pela primeira vez, envolvendo assim uma mudança apreciável e significativa em seus comportamentos (PIMENTA, 2015, p. 20). Configura-se, em outra mão, desafio de ordem institucional, uma vez desburocratizar práticas econômicas e, com efeito, refletir significativamente na redução das intermediações bancárias.
A cultura local como fator determinante para adoção de pagamentos móveis.
Ao serem retratadas as potencialidades e as possibilidades de pagamentos móveis, devemos analisar de forma ampla e intensa a cultura que cada localidade está exposta. Nesse cenário, adequar-se aos sistemas de pagamentos à cultura de pagamento é de particular interesse e relevância, em especial quando a mudança cultural está em transformação. Além disso, a cultura deve ter a funcionalidade de parâmetro de inovação, tendo em vista que muitas vezes ela se torna um “estimulante” e fomento para o desenvolvimento econômico (BÖHLE; KRUEGER, 2001, p. 8).
O mercado bancário nos países em desenvolvimento se limita a pessoas “ricas”, ou seja, os incentivos para bancarização de pessoas “pobres” são baixos, tendo em vista, principalmente aos custos significativos em estabelecer esses serviços (MALALA, 2013, p. 2).
A cultura de pagamentos ainda se pauta em outras experiências, como a inflação, moeda fraca ou até mesmo a alta taxa de criminalidade local, no qual de forma abrangente, influencia diretamente na adoção de pagamentos pela comunidade (BÖHLE; KRUEGER, 2001 p. 9).
Em um contexto de acessibilidade e qualidade de pagamento, se há existência de várias “ofertas”, torna-se dificultoso atrair, compenetrar os usuários a novos serviços (CHUHAN-POLE; ANGWAFO, 2011, p. 358).
Observa-se que de forma conjuntural, os aspectos que se tornam relevantes para a disfunção da cultura de pagamentos, pode-se retratar a proteção do utilizador, ou seja, a forma como ela é implementada e necessária ganha espaço primordial na adoção de pagamentos móveis (BÖHLE; KRUEGER, 2001, p. 8).
Culturalmente, um dos obstáculos para adoção de pagamentos móveis se relaciona a seguridade existente contra falências bancárias, ou seja, pessoas ainda acumulam quantias, em termos, classificam-se como “nest egg” (BÖHLE; RADER; RIEHM, 1999, p. 105).
Pelo fato da renda ser volátil e diariamente flutuante, o dinheiro se torna a principal barreira da inclusão financeira, onde as pessoas denominadas pobres, tendem a coletar depósitos de baixo vulto, porém, a partir do momento que estas pessoas começam a ter acesso aos meios de pagamento eletrônicos, pode ser rentável para as instituições. Chuhan-Pole argumenta: “[…]A falta de boas opções financeiras é, sem dúvida, uma das razões pelas quais as pessoas pobres estão presas na pobreza” (CHUHAN-POLE; ANGWAFO, p. 367, tradução nossa).
Observa-se que em jurisdições distintas, as maiores taxas de adoção de usuários em pagamentos móveis foram originárias de utilizadores menos favorecidos, em especial jovens que não tinham acesso ao mundo bancarizado.
A existência de uma rede já consolidada, facilita o desenvolvimento de iniciativas de pagamentos móveis, possuindo maiores e melhores chances de sucesso (KAWAMOTO, 2019, p. 128).
Frente ao cenário inovador, os reguladores precisam enfrentar e propor medidas que não gerem incerteza. Malala afirma: “[…] à luz dessa inovação contínua, os reguladores precisam encontrar estruturas regulatórias que lhes permitam lidar melhor com a incerteza”. (MALALA, 2013, p. 21, tradução nossa).
Não obstante, a regulação dos pagamentos móveis deve promover segurança jurídica, verificando se os benefícios ora propostos serão maiores que os custos gerados conforme a eficiência proposta de Kaldor-Hicks TABAK, 2015, p. 324).
Os impactos provocados por sua regulação.
Nos ordenamentos jurídicos existentes, a vasta literatura acadêmica denota a proteção do utilizador dos serviços. Em que pese tal quesito, este se deve ao fato do consumidor ou utilizador dos serviços ser considerado a parte mais fraca ou hipossuficiente da relação, presumindo que estes sejam incapazes de proteger seus interesses, por saberem menos sobre os produtos contratados que os profissionais que assim o fabricaram e desenvolveram (MALALA, 2013, p. 22 e 23).
A regulação dos pagamentos móveis nos países em desenvolvimento, possui grande falha, tendo em vista, que a lei existente tem êxito em modelos tradicionais, corroborando para a situação de inovação versus regulamentação que nem sempre estão alinhadas (MALALA, 2013, p. 4).
Na União Europeia observa-se apenas as leis de um único país e não do condado. Nesse sentido, podemos compreender que uma área econômica pode funcionar sem estar centralizada e harmonizada administrativamente, além disso, sistemas não integrados podem ser bons para competição (BÖHLE; KRUEGER, 2001, p. 47).
Na regulação dos serviços móveis e suas inovações, pode haver a limitação da liberdade do operador, restringindo a implantação de aplicativos de dinheiro móvel, em contrapartida, ajuda garantir a confiança em novos esquemas transacionais (CHUHAN-POLE; ANGWAFO, 2011, p. 358).
Na Suíça, os denominados intermediários financeiros não estão sujeitos a regulamentos inerentes a bancos, sendo assim, possuem uma regulação menos restritiva, relacionados a lei de lavagem de dinheiro (HUBER; SCHWABE, 2004, p. 29).
Em linhas de pesquisa, alguns mercados denominados modernos arquitetam as possibilidades de regulamentação através de acordo ou outras formas de escolha de mercado e não por uma regulamentação específica pública (MALALA, 2013 p. 11).
Na regulamentação existente no EUA, esta é lastreada por lei estadual, divergindo da maioria dos países europeus, que são regulados por leis federais. Frente a este problema, a Uniform Money Services Act (UMSA) forneceu uma estrutura uniforme que harmonizasse os regulamentos estaduais (HUBER; SCHWABE, 2004, p. 29).
Em relação ao território canadense, cada província e território possui legislação de proteção ao consumidor, podendo haver semelhança, com objetivo de proteger os consumidores.
Regulamentar os pagamentos móveis deve se fundar no objetivo de estabelecer uma cultura de segurança, confiança e efetiva privacidade, com viés na proteção do utilizador, fortalecendo a comunicação transfronteiriça entre indústrias financeiras e telecomunicações (MALALA, 2013, p. 44).
Contumaz a divergência na regulamentação nos EUA por lei estadual, onde operadoras de telefonia móvel oferecem serviços em todo território nacional, por haver regulamentação por lei estadual, haveria uma restrição de oportunidades, como exemplo na Califórnia, onde somente é permitido cobrar serviços relacionados a telefonia, como jogos, ringtones e similares, restringindo as operadoras de telefonia móvel agregação de faturamento (HUBER; SCHWABE, 2004, p. 30).
Sob a ótica de eficiência de Pareto[5], pressupõe que nesse cenário regulatório deve beneficiar ambas as partes, possibilitando aos utilizadores a proteção necessária para a utilização de pagamentos móveis.
M-PESA: a transformação de serviços bancários no Quênia.
A grande massa populacional “sem banco” transformou a maneira de visualização dos serviços bancários no Quênia. A inovação aliou-se ao desenvolvimento queniano no que tange a integração de telefonia móvel e serviços financeiros (MALALA, 2013, p. 1).
O M-Pesa é o sucesso do mercado queniano, ocasião em que, por meio de telefones celulares comuns, pode ser realizado pagamentos de pequeno valor, graças as condições pré-existentes, um design de serviço inteligente e estratégia de execução comercial, atingindo uma massa de clientes, afligindo de forma positiva o mercado de sistema de pagamentos móveis (CHUHAN-POLE; ANGWAFO, 2011, p. 353).
Frente ao desequilíbrio financeiro existente no Quênia, estabelecer uma estreita parceria entre Banco Central, Vodafone e Safaricom avaliaria as oportunidades e os riscos envolvidos, sendo que uma regulamentação prematura poderia sufocar a inovação. Nesse sentido, o Banco Central queniano optou pelo monitoramento e ensaios do M-Pesa, e posteriormente formulou os regulamentos necessários (CHUHAN-POLE; ANGWAFO, 2011, p. 354).
Segundo Carlos Jorge Gomes Pimenta, “não obstante o desenvolvimento tecnológico, existem soluções bem-sucedidas onde a tecnologia não é o mais importante, mas sim o desenho do serviço, é o caso do M-Pesa” (PIMENTA, 2015, p. 2).
No sistema M-Pesa, o cliente individual tem suas contas mantidas em um servidor que pertence e é gerenciado pela empresa Vodafone, proporcionando redução na implantação, maior comodidade e redução de custos de acesso em comparação com outros serviços (CHUHAN-POLE; ANGWAFO, 2011, p. 353 e 354).
Além disso, no Quênia os pagamentos móveis são difundidos de forma ampla, sendo que um número reduzido da população adulta, possui conta em instituição financeira, tornando a taxa de adesão é alta em relação aos pagamentos móveis, tendo em vista o modelo a ser seguido pelos demais países em desenvolvimento.
O sucesso da Safaricom com o M-Pesa se deve também às demandas latentes de transferências domésticas, à baixa qualidade de serviços financeiros disponíveis e a um mercado regulamentador que permitiu experimentar diversos modelos e canais de pagamento móveis. Contudo iniciou a sua trajetória de sucesso com a frase send money home, tendo em vista a grande demanda de migração existente, onde chefes de famílias acabam indo para centro urbanos, separando-se de suas famílias (CHUHAN-POLE; ANGWAFO, 2011, p. 357 e 358).
A lei bancária existente no Quênia, possibilita ao Banco Central a autoridade para regulamentar as atividades bancárias, em contrapartida, ela não define a proteção específica referente ao utilizador. Além disso, a precariedade na regulamentação se deve ao fato de que os pagamentos móveis se desenvolveram num cenário regulatório inexistente ou indefinido e somente em 2012, com a promulgação da Law Parliament passed the Consumer Protection é que foi introduzida uma proteção ao consumidor (MALALA, 2013, p. 13).
Indiscutivelmente, o M-Pesa além de fornecer conveniência nas transações bancárias, traz uma proteção financeira para seus usuários, lastreando uma rede de pagamentos instantâneos com alta demanda (CHUHAN-POLE; ANGWAFO, 2011, p. 355). Outra determinante do M- Pesa é no sentido, que esse sistema não está limitado somente aos quenianos, mas pode ser operado por estrangeiros e turistas que não possuem vínculo permanente no Quênia (KAWAMOTO, 2019, p. 103).
Outro objetivo traçado pelo M-Pesa, foi o de construir uma plataforma transacional de baixo custo, onde os clientes podem ter uma gama de necessidades atendidas, além disso, a importância da projeção da receita baseada na utilização e não em flutuação de modelos de serviços, tendo em vista, que a sua maior promessa era a de estender os seus serviços, através da tecnologia móvel ao maior número de pessoas, e em sua grande parte, as consideradas “pobres” desbancarizadas. Em relação a redução de custos, o M-Pesa adentrou na questão da utilização do SIM dos aparelhos móveis como grande validador para autenticar os usuários, reduzindo assim os custos, atraindo a massa populacional pobre, sendo que este público era considerado pelas instituições financeiras como clientes não rentáveis com base em seus saldos bancários (CHUHAN-POLE; ANGWAFO, 2011, p. 357).
Apesar da criatividade das pessoas na utilização dos serviços oferecidos pela Safaricom através do M-Pesa, o envio de dinheiro para casa, ainda é o principal produto utilizado, tendo em vista, os riscos e altos custos que associados ao envio de dinheiro praticado anteriormente (veículos, correios e etc.) (CHUHAN-POLE; ANGWAFO, 2011, p. 360).
No desenvolvimento dos pagamentos móveis no Quênia, possuímos a figura dos agentes. Estes são considerados as pontes de dinheiro, ou canais da inclusão financeira, sendo a figura que irá realizar a interface com o cliente, onde estes são considerados princípio fundamental para terceirização dos pagamentos móveis (MALALA, 2013, p. 31).
No início da operação do M-Pesa pela Safaricom, não existia regulamentação específica, ou seja, iniciou a operação com uma “Objection’ letter agreement with the Central Bank of Kenya” (MALALA, 2013, p. 6).
Considerando a atuação do governo, as regulamentações e legislações, o Quênia era tido como um violador de direitos de propriedade intelectual, além disso, como denotado, antes do início de operação do M-Pesa, não havia qualquer regulamentação no sentido de pagamento móveis, tendo o seu início com um investimento na faixa de £ 1 milhão, para desenvolvimento de ações de inovações nas regiões antes não assistidas (KAWAMOTO, 2019, p. 105 e 106).
Durante um vasto lapso temporal, o monopólio exercido pelas empresas de telecomunicações até a privatização completa, refletia diretamente na estruturação regulatória. Convergir os interesses oriundos dessas novas indústrias dificultou a regulamentação dos serviços, tendo em vista a gama de serviços ofertados (MALALA, 2013, p. 19).
A Safaricom elaborou um modelo regulatório em consonância com o Banco Central do Quênia, projetando o M-Pesa de maneira adequada. Além disso, os depósitos que são realizados no M-Pesa não são supervisionados pelo Banco Central, além das facilidades que os seus clientes possuem em sacar seus fundos, limitando assim a capacidade de acumular grandes saldos bancários (CHUHAN-POLE; ANGWAFO, 2011, p. 367).
Frente ao sucesso do M-Pesa, o governo queniano estreou os cartões Huduma, uma iniciativa de uma fintech que visa alcançar parcerias com a Mastercard e vários bancos importantes, com fundamento na inscrição de mais cidadãos aos serviços governamentais, como seguro de saúde e agilização de distribuição de serviços.
O crescimento do M-Pesa ocorreu de forma rápida, levando em consideração toda a cultura existente no território, saltando de 19.671,00 mil clientes em março de 2007, para o total de 22.600.000,00 milhões em março de 2019 (SAFARICOM, 2020).
Atualmente, o mercado de pagamento móveis queniano vem se moldando diante do ambiente regulatório existente, em especial no que tange a proteção de dados e privacidade. Existe em discussão perante o poder legislativo de duas leis de proteção de dados, uma já na casa do Senado e outra em uma força tarefa ministerial. O projeto de lei do Senado prevê que uma comissão nacional de direitos humanos supervisione a aplicação de proteção de dados. Já na força tarefa ministerial, propõe-se o estabelecimento de uma nova instituição capaz de supervisionar a proteção de dados no Quênia (SAFARICOM, 2019, p. 40).
PIX: um universo de possibilidades. O sistema brasileiro de pagamentos instantâneos.
Num cenário inovador, os brasileiros tendem a se comportar como não adeptos a inovação, fazendo com que o Brasil seja considerado um país seguidor e não inovador, tendo que se espelhar em cases de sucesso no mundo exterior (KAWAMOTO, 2019, p. 100). A resistência à inovação é mencionada por Geoffrey Moore (2001) na obra intitulada Crossing the Chasm, ao afirmar que o uso de novos produtos tecnológicos de inovação, para serem assimilados à rotina dos usuários, devem lhes exteriorizar ganho de vantagens no desempenho.
Importa salientar ainda a latente demanda social por mecanismos que impliquem maior segurança jurídica nas transações, diante de um contexto de distintas vulnerabilidades. Nesse sentido, não apenas o princípio da segurança jurídica, mas o da lealdade e da boa-fé “ou o da proteção à confiança legítima, são da própria essência do Direito” e devem se coadunar com tais inovações (MELLO, 2009, p. 179).
Frente as necessidades inerentes do território brasileiro e o avanço tecnológico oriundos dos sistemas de pagamento, o Banco Central Brasileiro lançou a nova plataforma de pagamentos instantâneos. Com o slogan “PIX – pagamentos instantâneos, um universo de possibilidades”, o Banco Central do Brasil lançou o mais novo serviço bancário, visando a competição de mercado, inclusão de pessoas, facilidade de transações e redução de custos para os utilizadores, com um conceito visual baseado em tecnologia, propondo o rompimento dos limites do sistema financeiro (BANCO CENTRAL, 2020, p. 2 e 5).
Bem recordam Santiago, Zanetoni e Vita (2020, p. 128-129) que o Brasil, como signatário da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento das Nações Unidas de 1986, “reconhece o direito ao desenvolvimento como um direito humano inalienável e coloca a pessoa humana como sujeito central do desenvolvimento enquanto participante ativo e beneficiário direto”. Assim sendo, as novas funcionalidades são conformadoras com os objetivos ratificados pelo Estado, na medida em que estimulam a consolidação de práticas monetárias pautadas na liberdade econômica.
O marketing do “PIX” traduz-se na facilidade dos serviços ofertados: tão fácil como um bate-papo, para pagar um serviço ou para acertar com os amigos, para compras simples ou complexas, seja pequenos negócios ou grandes negócios. Além disso, o sistema de pagamento possuirá uma plataforma similar de outras jurisdições com arquitetura centralizada, fomentando um diálogo amplo com o mercado no processo de implantação do ecossistema de pagamento (BANCO CENTRAL II, 2020, p. 13 a 21).
A Portaria 97.909 de 03 de maio de 2018 objetivou a criação de Grupo de Trabalho Temático, com viés na contribuição para construção de um ecossistema de pagamentos instantâneos que seja eficiente, competitivo, seguro e inclusivo, estabelecendo assim os requisitos essenciais e fundamentais para o bom desenvolvimento das ações de ajuste (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2018).
O estabelecimento das regras do ecossistema, ficará a encargo do Banco Central, sendo que, esta será centralizada e de forma única. O Documento Requisitos Fundamentais para o Ecossistema de Pagamentos Instantâneos Brasileiro preceitua: A existência de uma infraestrutura centralizada e única de liquidação é necessária por maximizar os ganhos de escala e os ganhos advindos da internalização das externalidades de rede típicas dessa indústria. Isso implica que a existência de uma infraestrutura única de liquidação maximiza a eficiência do ecossistema, diminuindo o custo da sociedade com a realização de pagamentos. Esse desenho, em que existe cooperação na camada de liquidação, com a existência de uma única infraestrutura, é observado em todos os países que possuem soluções de pagamento instantâneo (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2018a, p. 4).
Um dos objetivos da centralização dos pagamentos e sua liquidação é a garantia de neutralidade necessária, facilitando o processo de liquidação das transações, minimizando os riscos financeiros advindos, sendo este em tempo real (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2018ª, p. 4).
Além disso, o Banco Central do Brasil, em seu Comunicado nº 32.927 de 21 de dezembro de 2018, aborda “que atuará na liderança do desenvolvimento dos pagamentos instantâneos no Brasil, com o objetivo de criar, de uma perspectiva neutra em relação a modelos de negócio ou participantes de mercado específicos […]” (BANCO DO BRASIL II, 2018a, p. 1).
As transferências oriundas dos pagamentos instantâneos ocorreram diretamente na conta do usuário pagador para o usuário recebedor, não tendo intermediários, proporcionando uma redução de custos e velocidade nas transações, alavancando a competitividade e a eficiência do mercado (BANCO CENTRAL III, 2020).
As principais características são a disponibilidade, velocidade, conveniência, segurança e ambiente aberto com uma estrutura flexível, garantindo acesso e surgimento de medidas inovadoras. Além disso, fornece uma multiplicidade de uso e um fluxo de dados com informações agregadas capazes de conciliar e facilitar a automatização e surgimento de novos mercados e modelos de negócio (BANCO CENTRAL III, 2020).
Para a utilização do serviço, a chave de endereçamento será composta de Celular, CPF/CNPJ ou e-mail, adotando o QR Code estático ou dinâmico (BANCO CENTRAL, 2020, p. 25-27).
As instituições financeiras e de pagamento que estão obrigadas a integrar e fornecer a seus clientes o serviço de pagamento móveis, são aquelas que possuem em sua estrutura uma carteira de contas superior a 500 mil ativas, sendo que as demais, de forma facultativa poderão participar desde o início do PIX – Pagamentos Instantâneos (BANCO CENTRAL DO BRASIL III, 2020)
Análise comparativa dos sistemas de pagamento queniano (M- PESA) e brasileiro (P.I.X.).
Demonstra-se relevante observar a cultura onde se desenvolverá os sistemas de pagamentos para fins de adoção de modalidades transacionais móveis. Nesse sentido, conhecer a estrutura territorial, populacional e cultural é fundamental para uma adesão fortificada e assertiva. Abaixo podemos considerar as principais diferenças existentes entre o Quênia, país responsável pelo M-Pesa e o Brasil, no qual encontra-se em processo de desenvolvimento do PIX.
Tabela 1: Principais diferenças existentes entre o Quênia e Brasil
Descrição | Quênia | Brasil |
População | 53.527.936 | 211.715.973 |
Tipo de Governo | República presidencial | República presidencial federal |
Capital | Nairóbi | Brasília |
Divisão Administrativa | 47 municípios | 26 estados (singular, estado) e 1 distrito federal |
Independência | 12 de dezembro de 1963 (do Reino Unido) | 7 de setembro de 1822 (de Portugal) |
Constituição | 27 de agosto de 2010 | 5 de outubro de 1988 |
Sistema jurídico | Sistema jurídico misto de direito comum inglês, direito islâmico e direito consuetudinário. | Lei civil; nota – um novo código de direito civil foi promulgado em 2002 substituindo o código de 1916 |
Poder Legislativo | Senado e Assembleia Nacional | Congresso Nacional bicameral |
População abaixo da linha de pobreza | 36,1% (2016 est.) | 4,2% (2016 est.) |
Ano Fiscal | 1 de julho a 30 de junho | ano civil |
Fonte: Central Intelligence Agency.
Como observados, as características culturais existentes, refletem de forma significativa na adoção dos sistemas de pagamentos, tendo em vista que ao realizarmos uma análise populacional abaixo da linha de pobreza, considerando como fator de delimitação da aplicação dos serviços, o Quênia, frente a sua massa populacional possui um percentual alto, considerando que estes foram os principais alvos do M-Pesa.
Estabelecido o foco nesse público de baixa renda, permitiu ao Quênia o sucesso da empreitada M-Pesa. O Brasil inicia a sua experiência com foco inicial em um público já bancarizado, tendo em vista, que o serviço inicialmente será obrigatório para as instituições que possuem acima de 500 mil contas ativas.
Em contrapartida, em uma perspectiva posterior, o Banco Central visa expandir o PIX para pagamento de salários, benefícios sociais como Bolsa Família e demais funcionalidades hoje consideradas habituais.
Em relação ao ambiente regulatório encontrado, a FDIP – Financial and Digital Inclusion Project[6], em sua última publicação, apresentou várias alterações nos scores, sendo que estes se devem ao fato de que ajustes são particularmente demorados para desenvolver e implementar, além de ter que ser ajustado conforme cada território (LEWIS; VILLASENOR; WEST, 2017, p. 8 e 9).
Os pagamentos móveis desenvolveram-se no Quênia num cenário regulatório inexistente, onde a Safaricom conseguiu expandir o M-Pesa atendendo os anseios locais, respeitando e utilizando os traços culturais existentes.
Além disso, devido essa precariedade regulamentar dos pagamentos móveis, propiciou a criação do sistema de pagamento adequado ao território queniano, graças ao apoio do Banco Central do Quênia sendo este fundamental, tendo em vista que o objetivo do M-Pesa era alcançar a população de baixa renda, no qual utilizava mecanismos de envio de dinheiro precários e arriscados.
Diferentemente do Quênia, o Brasil já inicia a sua experiência em pagamentos móveis através do PIX, com um ecossistema previamente regulamentado, com estudos, cases, fóruns e experiências de outras nações, a fim de garantir a proteção adequada que utilizador brasileiro necessita.
Como se não bastasse, a cultura difundida no Brasil e comparativamente considerar que o Brasil é um país seguidor, não tendo a característica inovadora, é necessário dentro desse contexto cultural, onde a regulamentação em um país marcado pela corrupção, lavagem de dinheiro e demais restrições de direito, é totalmente necessário estabelecer anteriormente uma diretriz a ser seguida.
Outra facilidade encontrada na regulamentação dos países comparados, é que sua regulamentação se origina dos Bancos Centrais, uniformizando a regulamentação, tendo em vista, que em alguns territórios, a regulamentação ocorre em níveis estaduais, território ou condado, e não em um nível federal.
Em relação a regulação de proteção de dados, observamos que no Quênia a base de dados dos utilizadores permanece em um servidor da empresa Vodafone, sendo que no Brasil a base de dados será centralizada no Banco Central brasileiro, onde serão inseridas e armazenadas como chave de endereçamento o número do CPF/CNPJ, e-mail ou telefone.
Ademais, observa-se que nesse cenário a existência de uma regulamentação específica sobre proteção de dados pessoais, a Lei nº 13.709 de 14 de agosto de 2018, dissemelhante do cenário queniano, onde está em tramitação um projeto de lei relacionado.
Nesse sentido, a centralização das informações em um ambiente privado, pode trazer infrações a direitos de liberdade e privacidade dos envolvidos, tendo em vista, que a empresa Vodafone pode utilizar-se dessas informações, para mapear clientes e demais envolvidos no processo de pagamentos móveis, direcionando esses dados para outras finalidades.
Não obstante, por não haver uma proteção sobre esses dados vigente no território queniano, não se observa as condições e garantias mínimas de proteção, em especial no que tange a segurança e sigilo dos dados ora ali inseridos. Ainda assim, por não ser uma base centralizada governamental, considerando que no Quênia os pagamentos móveis desenvolveram-se posteriormente ao serviço, pode-se retratar um déficit na proteção ao consumidor. Contudo, considerando a “experiência queniana” em pagamentos móveis, o Brasil se mostra avançado em nível de proteção de dados.
No modelo de pagamentos móveis no Quênia, impulsionado pelo seu forte compromisso e avanço na inclusão financeira, ficou no topo do Scorecard do FDIP – Financial and Digital Inclusion Project (LEWIS; VILLASENOR; WEST, 2017, p. 7).
Essa posição, se deve as taxas consideráveis de adoção do dinheiro móvel entre adultos e mulheres de baixa renda, com um aumento em 50% (cinquenta por cento) na inclusão financeira comparado com a década anterior, além de várias ações de inclusão financeira e expansão do ecossistema financeiro digital (LEWIS; VILLASENOR; WEST, 2017, p. 27).
O Brasil, perante alguns países em desenvolvimento, em comparação a pesquisa anterior, avançou uma posição, ficando somente atrás do inspirador queniano (LEWIS; VILLASENOR; WEST, 2017, p. 7).
Considerações finais
O surgimento de uma nova tecnologia em transações financeiras considera-se desafiador e complexo. Devido aos aspectos culturais, sociais e econômicos existentes no território, estes não propiciam um contexto para adoção de inovações tecnológicas, em especial quando retratado na esfera financeira.
Outrossim, inovar em um país considerado seguidor, propõe um desafio aos órgãos regulamentadores, devendo este, atinar para as necessidades de forma abrangente. Como se não bastasse, a introdução de produtos com características e usos diferentes dos habituais e o surgimento das fintechs, trazem percepções e considerações a serem elucidadas na elaboração dos regulamentos de pagamentos móveis.
É necessário examinar de forma abrangente a estratégia e eficácia utilizada nas intervenções seguras adotadas para difusão de novos sistemas financeiros. Construir um cenário regulamentado pautado na proteção do cliente, levando em consideração lavagem de dinheiro, transações transfronteiriças, fraude, más condutas de fornecedores e questões de crédito, resulta em um emaranhado de conflitos de interesses.
Nesse sentido, a propositura de um ecossistema centralizado e com uma plataforma única de liquidação, criado e operacionalizado pelo Banco Central do Brasil, possibilita a diminuição de intermediários no processo e garante a neutralidade necessária, tendo em vista que as informações armazenadas por chaves ou apelidos servirão para identificação das contas transacionais.
Ainda assim, todo o ambiente previamente regulamentado pelo Banco Central, permite o controle das atividades e ações, permitindo a redução de custos, lavagem de dinheiro e outras similaridades oriundas de transações financeiras.
Divergentemente do cenário regulatório oferecido no Quênia, o Brasil inicia a sua experiência em pagamentos instantâneos, com um ambiente previamente regulamentado, já pautados na proteção do utilizador consolidada, como sendo a parte mais fraca da relação.
Por outro lado, a viabilidade empregada no Quênia diante do cenário regulatório inexistente ou indefinido, proporcionou experimentar diversos modelos e canais e posteriormente a elaboração regulamentária dos pagamentos móveis.
Nesse campo regulatório, a infraestrutura de pagamentos móveis queniana norteou a aceitação e utilização desta tecnologia, frente a sua conveniência e onipresença, tornando a sua implantação corpórea.
Diante disso, o mercado vem se moldando, sendo ao mesmo tempo considerado uma oportunidade para os fornecedores de serviços financeiros em um ambiente regulatório já existente, assumindo a devida proteção aos utilizadores, com a consequente discussão perante o poder legislativo de novas leis de proteção de dados.
Em algumas localidades, a falta de agrupamento de regulamentação a nível federal, proporciona conflitos na idealização e consolidação dos pagamentos móveis, onde, as operadoras devem observar as diretrizes estabelecidas para cada estado, condado ou território, dificultando a uniformização e neutralidade existenciais dos pagamentos.
Como mensurado, o ambiente regulatório traçado de forma deturpada pode ocasionar o congelamento de processos de inovações. O Brasil deve se abster de regulamentos aprisionados, rompendo os modelos tradicionais existentes de pagamentos e ajustando suas regulamentações conforme demandas da sociedade e processos de inovação.
Para atrair os utilizadores de serviços, é necessário criar condições para que os pagamentos móveis sejam tão atrativos como em outras localidades, atendendo todas as classes sociais e adequação, não possibilitando a segregação da utilização dos sistemas de pagamentos de forma ampla.
A eficiência proposta por Kaldor-Hicks se mostra mais apresentável e indicado que a de Pareto, pois existe uma assimetria entre os utilizadores e instituições que irão ofertar o PIX, e os benefícios sociais que serão possibilitados serão maiores que os custos sociais.
Ainda assim, a regulamentação do PIX possibilitará a maximização do bem estar da sociedade, podendo ser considerada uma regulação eficiente, proporcionando proteção, regulação e inovação em um único projeto.
REFERÊNCIAS
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[1] Advogado, Mestrando em Direito pela Universidade de Marília, Especialista em Recursos Humanos. E-mail: emersonrosisamuel@gmail.com
[2] Professor da Graduação, do Mestrado e do Doutorado em Direito da Universidade de Marília – UNIMAR. Professor convidado de Pós-Graduação, da Escola Superior da Advocacia e de Cursos preparatórios para concursos e Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Advogado, Consultor Jurídico e Palestrante. Membro dos Grupos de Pesquisas Organizações Competitivas e Inovadoras e Compliance nas Organizações da Região de Marília e o Incremento de Competitividade Organizacional. Autor, organizador e participante de obras jurídicas. E-mail: bbastos.adv@gmail.com.
[3] Servidor Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cargo Escrevente Técnico Judiciário. Mestre em Direito pela Universidade de Marília – UNIMAR. Membro dos Grupos de Pesquisas Organizações Competitivas e Inovadoras e Compliance nas Organizações da Região de Marília e o Incremento de Competitividade Organizacional. Autor de obra jurídica. E-mail: jeffersonpgerminari@gmail.com.
[4] Coordenador e Professor do Mestrado e do Doutorado em Direito da Universidade de Marília – UNIMAR.
[5] O conceito de eficiência de Pareto é muito utilizado pelos economistas para denotar uma situação em que não é possível melhorar a situação de um agente sem piorar a situação de, pelo menos, outro agente. Por exemplo, se for possível promover uma redistribuição da riqueza entre os agentes, de modo que alguns fiquem em situação melhor sem que haja piora na situação dos outros agentes, temos uma melhoria de Pareto. Pode-se associar a eficiência de Pareto à unanimidade. Ao introduzir determinada política pública ou norma legal se todos os agentes que são afetados estão em situação melhor ou pelo menos igual, considera-se que essa introdução foi eficiente no sentido de Pareto. O problema dessa definição é que, em geral, a introdução de normas jurídicas leva a que existam agentes que são afetados estão em situação melhor ou pelo menos igual, considera-se que essa introdução foi eficiente no sentido de Pareto. O problema dessa definição é que, em geral, a introdução de normas jurídicas leva a que existam.
[6] Projeto de Inclusão Financeira e Digital, com objetivo de construir um ambiente seguro e inclusivo ecossistema financeiro global. O Booking examina esforços de diversos países para acesso e uso avançados de informações seguras, acessíveis e serviços financeiros entre populações carentes.