AUTOPILOT – TESLA: TENDÊNCIAS REGULATÓRIAS E DESENVOLVIMENTO CONTÍNUO BASEADO NA INTELIÊNCIA ARTIFICIAL

AUTOPILOT – TESLA: TENDÊNCIAS REGULATÓRIAS E DESENVOLVIMENTO CONTÍNUO BASEADO NA INTELIÊNCIA ARTIFICIAL

1 de junho de 2021 Off Por Cognitio Juris

AUTOPILOT – TESLA: REGULATORY TRENDS AND CONTINUOUS DEVELOPMENT BASED ON ARTIFICIAL INTELLIGENCE

Cognitio Juris
Ano XI – Número 35 – Junho de 2021
ISSN 2236-3009
Autores:
Emerson Ademir Borges de Oliveira[1]
Marcelo Mazin[2]

RESUMO

A pesquisa consiste na abordagem dos aspectos regulatórios dos softwares de condução autônoma, em especial o autopilot da Tesla, dentro de uma perspectiva evolucionista. Ocorre que a automação da condução gera um novo arranjo à mobilidade urbana e, com a inserção da inteligência artificial (IA), ganha dimensão e complexidade. Assim, emergem racionalidades baseadas em redes neurais, formações inteligentes no trânsito, interações ativas entre veículos e autoaprendizado baseado na coleta de experiências. Com isso, torna-se imperioso o aprofundamento nas questões que envolvem a quebra de paradigmas, v.g., a forma convencional que há décadas é usada para se enxergar um veículo. Atualmente, esses veículos autônomos (VA’s) deixaram de ser propriamente veículos, em sua acepção clássica. Em verdade, esses novos veículos foram concebidos para serem “plataformas” aptas à utilização de funcionalidades high techs. Da mesma forma, o sistema de condução autônoma autopilot não é propriamente um acessório que se possa ter a propriedade e se dispor atrelado ao VA, mas sim, um “serviço” oferecido pela Tesla. Essa quebra de paradigmas se justifica no abandono da mudança geracional (obsolescência programada), na substituição de antigos métodos corporativos lineares e, na mudança de conceitos de aquisição da propriedade, evoluindo para a contratação de serviço. A regulamentação na busca por conferir interface efetiva com a nova realidade dos veículos operados pela AI, de fato, é o grande desafio à implantação e difusão dos VA’s. Disso decorre a confiabilidade e segurança, elementos definidores dos parâmetros mínios de fabricação, manutenção, logística e, notadamente, de incorporação de novas posturas dos usuários desses serviços. O artigo não se propõe a estabelecer uma relação de causa e efeito entre as temáticas tratadas, mas, tão somente, apresentar uma visão atualizada, e, sobretudo, prospectiva no sentido de se expor a importância regulatória dessa nova tecnologia. Para alcançar o escopo pretendido utiliza-se a pesquisa bibliográfica baseada em obras literárias correlacionadas à temática, trabalhos científicos, legislações, doutrinas especializadas e posicionamentos jurisprudenciais.

Palavras-chave: Autopilot. Inteligência artificial. Regulamentação.

ABSTRACT

The research consists of addressing the regulatory aspects of autonomous driving software, in particular the Tesla autopilot, within an evolutionary perspective. It happens that the automation of driving generates a new arrangement for urban mobility and, with the insertion of artificial intelligence (AI), gains dimension and complexity. Thus, rationalities based on neural networks, intelligent traffic formations, active interactions between vehicles and self-learning based on the collection of experiences emerge. As a result, it is imperative to deepen the issues surrounding the breaking of paradigms, e.g., the conventional way that has been used for decades to see a vehicle. Today, these autonomous vehicles (VA’s) are no longer vehicles, in their classic sense. In fact, these new vehicles were designed to be “platforms” capable of using high tech features. In the same way, the autopilot autonomous driving system is not exactly an accessory that you can own and be connected to the VA, but a, “service” offered by Tesla. This paradigm break is justified in the abandonment of generational change (programmed obsolescence), in the substitution of old linear corporate methods and in the change of concepts of property acquisition, evolving to contracting services. The regulation in the quest to provide an effective interface with the new reality of vehicles operated by AI, in fact, is the great challenge to the implementation and diffusion of VA’s. This results in reliability and safety, elements that define the minimum parameters of manufacturing, maintenance, logistics and, notably, the incorporation of new attitudes by the users of these services. The article does not propose to establish a cause-and-effect relationship between the themes dealt with, but only to present an updated, and, above all, prospective view in order to expose the regulatory importance of this new technology. To achieve the intended scope, bibliographic research based on literary works related to the theme, scientific works, legislation, specialized doctrines and jurisprudential positions is used.

Keywords: Autopilot. Artificial intelligence. Regulation.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Tesla autopilot: origens, definições e perspectivas; 2.1 Aspectos técnico-normativos; 3. Inteligência artificial: base do autopilot; 4. Tendências regulatórias do sistema de condução autônoma autopilot; 5. Um breve giro pelo globo; 5.1 Aspectos da responsabilidade e tendências regulamentares na União Europeia, China e Japão; 5.2 Responsabilidade e tendências regulatórias do Autopilot nos Estados Unidos; 5.3 Aspectos da regulamentação e expectativas de condução autônoma no Brasil; 6. Conclusão; 7. Referências.

INTRODUÇÃO

A tecnologia voltada à automação de tarefas comumente desempenhadas no cotidiano das pessoas, há tempos, tem sido buscada pelo esforço científico, bem como por extensos processos técnicos que integraram a história da evolução tecnológica.

Porém, nas últimas décadas houve uma quebra nesse paradigma de evolução lenta e progressiva. Pois, com o amadurecimento da Artificial Intelligence, baseada em sistemas de algoritmos estruturados em redes neurais, houve um impressionante avanço tecnológico em patamares só concebidos no roteiro da ficção científica, até então.

A inteligência artificial (IA) começou a tomar contornos de independência na tomada de decisões, sendo esse um fator marcante no desenvolvimento dos veículos autônomos em diversos níveis, indo de 0 a 5, no que se refere à independência e capacidade de resolver situações complexas que envolvem alto grau de risco na condução.

 Todavia, esses veículos dotados de grande poder de processamento de informações aplicadas à condução automatizada estão, literalmente, dando um enorme salto em nível de evolução com o aprendizado cooperativo e autoaprendizado, por meio da captura de variáveis nas vias de trânsito. Esse salto, por ter avançado para além dos paradigmas convencionais, trouxe consigo um rol de receios e incertezas quanto ao momento em que seria inserida definitivamente essa nova geração de softwares.

A abordagem da pesquisa se dá em um ambiente de pré-inserção dessa nova realidade, de modo a serem exploradas as tendências regulatórias desses recursos tecnológicos. Sobretudo acerca do software autopilot da Tesla, atual referência no segmento de condução automatizada, que modificou todo o conceito de acessório automotivo. Pois, o software autopilot, em verdade, não é um elemento (acessório) que segue o veículo (principal), esse software foi criado para ser um “serviço” sujeito às normas de contratação. Tão pouco o veículo deve ser visto como um automóvel, na acepção clássica, mas sim como uma “plataforma” de acesso a uma enorme gama de funcionalidades (serviços).

A independência conferida ao veículo (plataforma) pelas funcionalidades, dentre elas o autopilot (serviço), geram uma necessidade crescente de regulamentação desse segmento high tech. Entretanto, a escassa regulamentação atual apesar de representar um limitador ao ingresso e ao uso seguro dessas tecnologias, açoda trabalhos participativos multilaterais entre corporações, organizações não governamentais, governos e sociedade. Nisso que reside o desafio e o rumo da regulamentação do autopilot em diversos países.   

2. Tesla autopilot: origens, definições e perspectivas

A Tesla é uma empresa que atua no segmento de alta tecnologia nas áreas automotiva e de armazenamento de energia, com capital aberto operando na Bolsa de Valores NASDAQ (sigla TSLA). Surgiu, no ano de 2003, em meio ao cenário marcado por fortes turbulências causadas por ações militares dos Estados Unidos no Oriente Médio, em razão dos atentados terroristas que resultam na queda das torres do World Trade Center (2001).

Esse evento impulsionou conflitos como a Guerra ao Terrorismo, a guerra do Afeganistão (2001) e do Iraque (2003), e, atuações em conjunto com Israel no conflito com Líbano (2006) e Palestina, estendida ao longo das décadas.

Dentro desse cenário, no limiar da década de 2000, deu-se a passagem de 19 economias europeias para a Zona do Euro. Na América do Sul se iniciou uma onda de antiamericanismo como produto do bolivarianismo na Venezuela/Bolívia e socialismo de Cuba, e, no Brasil esse período foi marcado pelo avanço de ideologias centro-esquerdas.

Entretanto, ao final, eclodiu a crise econômica mundial, em 2008, resultado de um evento indetectável e imprevisível exteriorizada na figura chamada Outlier, em linguagem estatística, ou Cisne Negro no meio econômico. (TALEB, 2017, p. 16). Assunto retomado mais adiante.

   Foi exatamente em meio a esse incandescente ambiente que surgiu a Tesla, fundada no estado americano da Califórnia pelos visionários engenheiros Martin Eberhard e Marc Tarpenning; em seguida ocorreu o envolvimento de Elon Musk (2004), atual Chief Executive Officer (CEO). Com isso, angariou uma sequência de rodadas de investimentos. A empresa leva o nome do inventor austríaco Nikola Tesla (1943) e mantem-se na agressiva proposta inicial, revolucionar a indústria automobilística com o desenvolvimento de veículos elétricos disruptivos, isto é, uma revolução no antigo paradigma do motor à base de combustível fóssil e poluente.

 A Tesla foi uma promissora startup, empresa desenvolvedora de um produto inovador, disruptivo, em um modelo de negócio escalável, dotada de um produto repetível e tudo isso imerso em um ambiente de extrema incerteza – é uma instituição humana estruturada para desenvolver serviços e produtos inovadores sob condições extremamente incertas. (OIOLI, 2019, p. 12).

Essa startup explorou o campo da condução automatizada de veículos, que remete à Feira Mundial de Nova York (1939), posteriormente com a General Motors (1950) investindo na automatização da condução, dentre várias outras empresas, até os dias atuais. Porém, foi somente no final de 2014 que se inseriu um sistema realmente operacional de navegação veicular semiautônoma chamado autopilot – Tesla. O sistema semiautônomo autopilot equipa somente os veículos produzidos pela montadora Tesla, e foi projetado para tornar a condução mais segura, permitindo ao veículo, estacionar, acelerar, frear, mudar de faixa, ultrapassar, conduzir o veículo até seu destino ou simplesmente auxiliar o motorista em tarefas mais pesadas. Possui arquitetura tecnológica capaz de evoluir para a condução totalmente autônoma por meio de um upgrade, autorizado pela empresa, no futuro. Assim, “todos os novos carros da Tesla têm o hardware necessário no futuro para uma direção completa em quase todas as circunstâncias. O sistema foi projetado para ser capaz de realizar viagens de curta e longa distância”. (TESLA, 2020, p. 5, g.n.).

A empresa mira na condução totalmente autônoma de veículos de passageiros e de cargas, muito embora essa tecnologia já esteja disponível para ser habilitada nos veículos em circulação, segundo a montadora, somente o modo condução assistida está disponível nos modelos oferecidos. Nessa linha, apesar de os veículos da Tesla possuírem sistema de navegação autônoma, esse recurso não está ativado. Até o momento serve somente para a coleta de informações e variáveis destinadas ao aprendizado da Artificial Intelligence (IA). Esse novo sistema, totalmente autônomo (nível 5), chama-se self-driving, é uma evolução do atual sistema autopilot. Segundo Blair LaCorte, presidente da AEye: São Francisco (Forbes) – “A capacidade total de direção autônoma fica a apenas três anos, de acordo com um especialista do Vale do Silício. Provavelmente gastamos US$ 100 bilhões nos últimos quatro ou cinco anos desenvolvendo tecnologia para carros totalmente autônomos[3]” (KOETSIER, 2019, p. 1).

Um dos principais produtos, e provavelmente o mais revolucionário é o software autopilot, um avançado recurso de condução semiautônoma (nível 4), que confere capacidades avançadas de dirigibilidade, tomada de decisões complexas com percepção do ambiente, capacidade sensorial e de visão superior ao do ser humano.

 O autopilot, para além de uma avançada funcionalidade, em verdade, é um “serviço” prestado com exclusividade pela empresa Tesla, e constitui-se em uma nova rede neural com capacidade de processamento 40 vezes maior que qualquer versão anterior. É um “[…] software de processamento do radar, sonar e de visão. Em conjunto, este sistema proporciona uma visão do mundo que um condutor sozinho não teria, vendo simultaneamente em todas as direções e a distâncias que ultrapassam claramente as capacidades humanas.” (TESLA, 2020, p. 3).

A perspectiva da condução automatizada é, hoje em dia, uma realidade visível, pois já se mostram disponíveis as tecnologias baseadas na A.I. e no aprendizado cooperado entre máquina, bem como um mercado altamente receptivo a essas novas tecnologias desprovidas de emissões de carbono e de baixo impacto ambiental. Dessa forma, o emprego da condução semiautônoma ou autônoma, de fato, dependem mais da regulamentação que dos recursos tecnológicos disponíveis.

2.1 Aspectos técnico-normativos

A Society of Automobile Engineers (SAE) – Sociedade de Engenheiros Automotivos fundada em 1905, em Nova York, apresentou normatizações técnicas acerca dos níveis de automação relativas a veículos autônomos (VA’s), que variam entre 0 a 5, de acordo com o nível de independência da condução. Dessa forma: (i) Nível SAE 0 representa os veículos desprovidos de automação; (ii) Nível SAE 1, significa que o sistema oferece algum tipo de assistência ao condutor, como auxílio na aceleração; (iii) Nível SAE 2, providos de automação parcial capaz de identificar por meio de sensores capazes de mapear objetos em torno do veículo de forma passiva. Pode acelerar e reduzir de acordo com os limites da via; (iv) Nível SAE 3, modelos de automação condicional, podendo se movimentar por conta própria, porém o motorista deve manter a vigilância e assumir a direção em situações de risco; (v) Nível SAE 4, nessa categoria se classifica o autopilot da Tesla, que já transita nas cidades americanas e europeias. Esse software incorpora o veículo dotado de sensores como: scanners a laser, sensores ultrassônicos e radares. Com base nos dados coletados o sistema toma decisões em níveis mais complexos com atividades reativas em situações de risco, mesmo que um humano não tome a direção; e (vi) Nível SAE 5, também chamado de automação completa, tudo é feito pelo sistema autônomo, não ocorre a necessidade de intervenção humana e o motorista se torna apenas um passageiro. Essa classificação é bastante útil ao se considerar a uniformização e padronizações para a servir de orientação às propostas de regulamentação desses softwares (SOCIEDADE DE ENGENHEIROS AUTOMOTIVOS, 2020).

Ocorre que, apesar do autopilot se tratar de um software nível 4 em automação, ele é embarcado num veículo composto por um chassi de avançada tecnologia, por assim dizer, uma plataforma veicular. Essa plataforma classifica-se como hardware, sendo a parte física do sistema integrado de condução automatizada. Dito isso, o Instituto de Engenheiros Eletrotécnicos e Eletrônicos (Institute of Electrical and Electronics Engineers – IEEE), a maior organização profissional do mundo dedicada aos avanços da tecnologia em benefício da humanidade, aborda por meio de uma normatização especializada a problemática dos defeitos e das falhas desses produtos.

O IEEE buscou normatizar alguns aspectos da relação entre usuário e hardwares/softwares, de modo que o defeito nas partes físicas de um produto (hardware) se traduz em uma anomalia e uma falha, quer dizer um comprometimento parcial no funcionamento do produto, seja ele um chip de processamento de algoritmos, câmeras, sensores ou simples condutores. Entretanto, no que diz respeito ao elemento lógico que comandam as instruções por meio dos algoritmos (softwares), as falhas ou defeitos, são reduzidos a um significado redundante, ou seja, uma anomalia. Essa deficiência seja ela parcial, ocasional ou de pouca ocorrência, na verdade, pode se converter em eventos desastrosos, assim necessitando serem coletados. Nesse sentido, o IEEE afirma que cabe distinguir entre aprimoramentos e problemas de software, para que se busque quais anomalias devem ser tratadas primeiro, assim “[…] dados de anomalia também podem ajudar na avaliação de atributos de qualidade, como confiabilidade e produtividade[4]” (INSTITUTE OF ELECTRICAL AND ELECTRONICS ENGINEERS, 2010, p. 4).

Em vista da inovatividade e da complexidade que envolvem a utilização correta do produto, in casu, o autopilot, ocorre certas inconsistências. Da mesma forma que gera um novíssimo arranjo à mobilidade urbana, por outra via, foge muito ao conceito de um simples navegador e, por consequência, os conhecimentos necessários para se compreender as funcionalidades desses softwares avançam para além do conhecimento médio esperado de uma pessoa. Em verdade, é um serviço avançado de condução autônoma (não gratuito) fornecido pela Tesla, dessa forma exige posturas, comandos e conhecimentos específicos das funcionalidades relativas aos avançados softwares e hardwares embarcados no VA, conectados a esse serviço de direção semiautônoma. Esse delay de interação homem/máquina, reflexo de um antigo paradigma baseado na condução mecanizada, é, de fato, um desafio a ser superado.

3. Inteligência artificial: base do autopilot

O desenvolvimento dos sistemas de condução autônoma ou semiautônoma, softwares embarcados nos veículos autônomos (VA’s), é baseado na Artificial Intelligence (IA – Inteligência Artificial). Todavia, o termo IA foi atribuído à John McCarthy (1956) referindo-se à capacidade das máquinas executarem tarefas anteriormente só executadas pelos seres humanos. Cabe ressaltar, que a definição acima deve ser compreendida conforme a ótica daquela época, pois era um momento em que se alçava projeção para uma área da ciência que carecia de investimentos de capital. (PINHEIRO; BORGES; MELLO, 2019, p. 249).

Atualmente a inteligência artificial teve suas definições profundamente alteradas de modo a se distanciar consideravelmente da antiga ideia de máquinas autômatas com reduzida capacidade de tomada de decisões, limitadas a tarefas preordenadas. Sobretudo, a arquitetura da IA é baseada em redes neurais artificiais adentrando no terreno do aprendizado cooperativo entre máquinas, e, autoaprendizado baseado em suas próprias experiências com o mundo externo. Essa incrível capacidade  foi  aprofundada por Hallevy (2016) em sua obra “The Criminal Liability of Artificial Intelligence Entities – from Science Fiction to Legal Social Control”, de forma que a IA passa a constituir-se em cinco atributos: (i) comunicação, deve ocorrer de forma cognitiva avançada, ou seja, estruturação lógica do pensamento artificial; (ii) conhecimento interno, deve existir o conhecimento sobre si mesmo, de sua condição e objetivos; (iii) conhecimento externo, deve ter capacidade de conhecer o mundo exterior, aprendendo sobre ele e utilizando o conhecimento adquirido; (iv) comportamento, deve ser orientado pela consciência artificial dos objetivos a serem alcançados; e, a característica mais marcante (v) criatividade, capacidade de adotar alternativas de ação, quando a ação inicial falhou. É uma capacidade sofisticada de encontrar novas saídas para situações inusitadas, v.g., a mosca que insiste em ficar batendo na janela, se fosse dotada de IA, bateria só uma vez e buscaria novas soluções, como sair pela porta. (HALLEVY, 2016, p. 175-176).   

O termo Artificial Intelligence praticamente guarda pouca correlação com o sentido original da expressão. De fato, essa área da ciência que outrora buscou reproduzir fragmentos do raciocínio humano, hoje avança em dimensões que desafiam a imaginação, protagonizando cálculos complexos baseados em arquiteturas compostas por algoritmos e evolução por conta própria, isto é, o aprendizado cooperativo ou mesmo o autoaprendizado, a base do sistema autônomo de condução do autopilot – Tesla. 

O sistema de condução automatizada para veículos, há anos, vem atraindo a atenção da indústria automotiva. Porém, essa tecnologia difere substancialmente do recurso cruise control, que nada mais é que um assistente que controla a velocidade de cruzeiro de um veículo até o seu desligamento pelo acionamento do pedal de freio do veículo ou do botão cancel. Na condução automatizada de veículos, o maior desafio tem sido a inserção dos recursos da IA, que vêm evoluindo há décadas, conforme pesquisa realizada frente ao Instituto Tecnológico de Lisboa, “[…] um dos primeiros, senão o primeiro grande estudo de desenvolvimento de robots móveis foi de Nilsson e a sua equipa em 1969, com o do robot Shakey, em Standford Research Institute” (VALDEIRA, 2013, p. 4).

Ao longo das décadas seguintes o interesse de empreendimentos corporativos pela implantação da tecnologia que permitisse a autocondução dos veículos se tornou um objetivo ao alcance da visão, em razão do desenvolvimento dos primeiros veículos autônomos na década de 1980. Foi resultado do trabalho da Universidade Carnegie Mellon, localizada em Pittsburgh nos Estados Unidos da América (EUA) em parceria com o projeto Prometheus originário do consórcio pan-europeu chamado Programme for European Traffic of Highest Efficiency and Unprecedented Safety[5] (PERELMUTER, 2019, p. 30).

Foi focando nesse específico segmento tecnológico que empresas como a Tesla, iniciaram suas atividades sinalizando por meio da visão de futuro e de seus projetos disruptivos uma luminosa expectativa de lucro, assim atraiu a atenção do capital corporativo. 

4. Tendências regulatórias do sistema de condução autônoma autopilot

Foram delineados muitos questionamentos acerca da grande visibilidade e sucesso atribuído à Tesla, dentre eles, os mais recorrentes estão relacionados ao formato de desenvolvimento que a empresa vem adotando desde sua fundação em 2003. O modelo de negócio implantado pela Tesla busca escapar à lógica convencional, isto é, procura alternativas outras que fogem ao desenvolvimento linear, de forma que o modelo adotado é o desenvolvimento contínuo. 

 É com base nesse modelo de negócio escalável e altamente repetível que a, outrora, startup – Tesla alcançou, em fevereiro de 2020, a cotação superior à US$ 170 bi, com isso: “Nova York (BBC News) – Agora, ela é classificada como a segunda empresa de automóveis mais valiosa do mundo — ficando atrás apenas da montadora japonesa Toyota”. (SHERMAN, 2020, p. 2).

O processo de desenvolvimento contínuo, adotado pela Tesla, se distancia dos modelos convencionais atrelados às mudanças geracionais baseadas na obsolescência programada. Esse novo modelo propõe basicamente um processo de atualização de software ou um eventual upgrade futuro, de funcionalidades já existentes, como é o caso do autopilot. A tecnologia embarcada que faz a diferença, pois permite a atualização do software de forma constante pela rede internet acessada pelo próprio VA. Dessa forma, fica evidente a dimensão atribuída aos softwares, v.g., o autopilot. Ao que indica, a empresa parece, de uma certa forma, abordar de forma secundária a produção de veículos autônomos (VA’s) e, ao mesmo tempo, priorizar a produção de tecnologias avançadas visando a posterior incorporação desse produto (softwares) nos veículos como foco principal. O objetivo da Tesla é orientado pela produção, comercialização, venda e prestação de serviços avançados por meio de softwares como o Enhanced Autopilot (controlador de velocidade adaptativo), Full Self Driving Capability (Capacidade Total de Autocondução) e Ludicrous Mode (pacote de alta performance).

 A Tesla é mais que uma montadora de veículos elétricos, é uma empresa de tecnologia. A empresa foi precursora na inserção de veículos elétricos realmente operacionais, pela primeira vez dotados de aspectos como: sofisticação estética, refinamento interno, estabilidade, autonomia e confiabilidade de um veículo tecnologicamente avançado.

Em razão disso, a marca está fortemente associada à indústria automobilística, embora o ponto central seja a produção de tecnologias. É certo que a Tesla não é, a rigor, uma montadora, mas, sim uma empresa de alta tecnologia que investe agressivamente na formação de um mercado nunca antes explorado: a comercialização e atualização de softwares que habilitam novas e desejadas funcionalidades nos VA’s. Essas funcionalidades podem ser desfrutadas pelo adquirente do software (serviço), quando liberadas pela empresa, por meio de um contrato de adesão, para uso no veículo (plataforma) conduzido pelo titular do serviço contratado. (VILLAÇA, 2020, p. 4).

A empresa tem desenvolvido e gerido vários equipamentos opcionais como espécies de bens não-transmissíveis. Essa questão da ausência de cambialidade de funções habilitadas remotamente é, de fato, nova como tudo na Tesla. Entretanto, conforme Villaça (2020), o que chama a atenção é a suposta ausência de posicionamento por parte da empresa acerca de enfatizar e publicizar a não-transmissibilidade de direitos sobre a utilização de determinados softwares frente aos seus representantes em concessionárias e prestadoras de serviços de manutenção. 

O autopilot, ou sua versão melhorada enhanced autopilot, assim como todos os softwares cambiáveis da Tesla, atualmente enfrentam uma barreira que limita seu emprego nas vias públicas das cidades, essa situação se deve à ausência de regulamentação. Com isso, a “maior barreira atualmente é a regulamentação” – uma afirmação que induz supor que a Tesla já tem capacidade de produção de veículos com nível 5 de automação, ou seja, 100% autônomos. (MOTA, 2020, p. 1 – grifo nosso).

Declarou recentemente, em Bruxelas, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, acerca da apresentação do plano de regulamentação da IA, demonstrando indicativos conclusivos no sentido de regulamentar funcionalidades como software o autopilot da Tesla, em razão de ter “a Comissão Europeia detalhado seu plano para a aplicação e desenvolvimento de inteligência artificial e uso de dados digitais, tendo como prioridade a preservação dos direitos de seus cidadãos” (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JORNAIS, 2020).

 O autopilot, entrega bem mais que um software utilitário, é um “serviço” baseado na IA que, por sua essência, não foi concebido com vista à cambialidade para efeito de transmissibilidade desse serviço, ou seja, o ultramoderno software e suas funcionalidades somente acompanham o usuário, enquanto assinante do serviço prestado pela empresa. Em vista disso, por meio Car Access, a última funcionalidade instalada, o titular do serviço pode habilitar novos condutores, naturalmente sob responsabilidade solidária, de modo que no Brasil adota-se a culpa in vigilando, de acordo com entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça (STJ)[6].

Essa forma de enxergar o software, como um serviço, trás algumas ponderações, dentre elas: nessa perspectiva os sofisticados veículos da Tesla são, em verdade, apenas plataformas para se utilizar softwares como o autopilot, e como plataforma poder-se-á indagar se esses veículos são de inteira responsabilidade do proprietário. A pessoa que adquiriu o veículo Tesla e suas inerentes funcionalidades tecnológicas, v.g., o autopilot, pode ter adquirido não um bem (veículo), em sua acepção pura, mas, um pacote de serviços. Pois há que se considerar que sem esses softwares como o autopilot, o VA deixa de ser um verdadeiro veículo autônomo, se distanciando muito da proposta inicial.

Nessa perspectiva, o VA torna-se apenas uma plataforma de utilização do que realmente importa, os softwares que habilitam serviços como o supercharger e o autopilot da Tesla, assim como outras funcionalidades tecnológicas são, de fato, itens acessórios que não seguem o principal. São funcionalidades que precisam ser pagas, sobe pena de desabilitação do serviço. Conforme a empresa, caso não se consiga efetuar a cobrança e “[…] caso não liquide os montantes a dever pendentes, poderemos limitar ou bloquear a capacidade de o seu veículo utilizar os serviços relacionados” (TESLA, 2020 – grifo nosso).

Em razão do crescente número de VA’s, e da adesão dos cidadãos às novas tecnologias, de uma forma prospectiva, é possível visualizar algumas hipóteses que devem fazer parte de normatizações futuras. Dentre as questões de destacado interesse na seara da regulação, estão relacionadas aos critérios de concessão e cancelamento do serviço de condução autônoma autopilot – Tesla. Como a empresa fornece o serviço de condução autônoma (autopilot), e esse serviço é vinculado ao produto adquirido (VA – Tesla), resta um contrato de adesão. Em conformidade com Tartuce (2017), esse contrato é caracterizado por ser […] aquele em que uma parte, o estipulante, impõe o conteúdo negocial, restando à outra parte, o aderente, duas opções: aceitar ou não o conteúdo desse negócio”. (TARTUCE, 2017, p. 643).

Sobretudo, sem o intuito de mergulhar na orbita do direito contratual, cabe ressaltar que a adesão ao serviço autopilot, começa muito antes da contratação, inicia-se na aquisição do veículo por duas razões, a saber: primeiramente, o adquirente do VA não pode despir-se do serviço de autopilot, por razões obvias, pois de modo geral, é o que justificaria a aquisição desse tipo de veículo; segundo, a ausência ou interrupção desregulamentada pode gerar complicações de várias ordens, ou seja, imagine uma pessoa convalescente ou um idoso em idade avançada com o serviço de condução autônoma  desabilitado, fatalmente se traduziria em um evento de consequências imprevisíveis.

A revista americana especializada em tecnologias Autonomus Vehicle Engineering, no início de 2020, publicou considerações emitidas pelo Federal Automated Vehicles Policy: Nova York (Autonomus) – O uso mais eficaz das ferramentas reguladoras existentes da National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA) ajudará a acelerar e intensificar a introdução e a regulamentação seguras de novos HAVs – Highly Automated Vehicles, em tradução livre: veículos altamente automatizados. No entanto, como os regulamentos e estatutos governamentais de hoje foram desenvolvidos na época em que os HAVs eram apenas uma opção remota, no momento atual essas ferramentas de regulação provavelmente não serão suficientes para garantir que nesse segmento de veículos altamente automatizados (nível 4 e 5) sejam introduzidos preceitos mínimos de segurança. Contudo, para que seja possível, aos softwares como o autopilot cumprirem “[…] a promessa de segurança completa de novas tecnologias. A velocidade com que os HAVs estão avançando, combinada com a complexidade e a novidade dessas inovações, ameaça superar os processos e recursos regulatórios convencionais da Agência[7]”. (DUKARSKI, 2020, p. 26).

O caminho da regulamentação de uso do software de condução semiautônoma de nível 4, chamado autopilot da empresa Tesla, ao que indica os especialistas no segmento tecnológico, segue o fluxo de uma abordagem plenamente colaborativa entre os segmentos industriais dos VA’s, organizações-chave como a Society of Automobile Engineers e setores governamentais no sentido de avançarem frente a essa complexa área da tecnologia, a área da automação da condução em níveis 4 e 5.

Dessa forma “[…] os regulamentos normalmente podem demorar muito tempo para se desenvolver, principalmente para tecnologias de movimento rápido, como VA’s. Cabe ao setor, em parceria com a SAE, liderar o caminho[8].” (BROOKE, 2020, p. 2).

Ao se empregar uma visão heterodoxa do desenvolvimento, isto é, menos baseada na propriedade, porém mais ligada ao setor de serviços. Vem à tona um fator que poucos conhecem mais que os Norte Americanos, ou seja, o impacto de eventos imprevisíveis, aqueles que fogem ao radar das expectativas normais. Em outras palavras, eventos como a passagem do período neoclássico para o keynesiano por meio de um evento impactante, o crash de 1929, também conhecido como a quebra da New York Stock Exchange; a crise econômica mundial, em 2008; e a crise econômica mundial de 2020, caracterizada pela desindustrialização e desglobalização. Todos esses eventos têm características em comum, são Cisnes Negros.

Esses eventos servem para ilustrar características paralelas com a realidade atual, ou seja, a revolução da automação veicular, com potencial para mudar substancialmente o mundo atual. Da mesma forma que os cisnes negros ocorridos em 1929, 2008 e 2020, a revolução da automação por meio de softwares como o autopilot, tem o potencial de revolucionar muitos aspectos da vida humana para além dos efeitos propriamente econômicos, com resultados ainda impossíveis de serem mensurados.

 A figura do cisne negro foi talhada no meio econômico com o advento da crise mundial de 2008, e de lá para cá serve para diagnosticar ocorrências perturbadoras da ordem econômica. Dessa forma, é classificado como um evento fortemente impactante, indetectável e fora das expectativas normais, ou melhor, um cisne negro. Esse tipo de acontecimento classificado por Taleb (2017) – é um evento fora das expectativas normais e também fora da curva gaussiana, é de fato um outlier[9] (ponto fora da curva).

A utilidade do estudo da estatística na figura dos cisnes, se justifica no fato de as decisões políticas e corporativas serem historicamente apegadas ao efeito da “indução”. Essas decisões geralmente são baseadas em expectativas e essas, por sua vez, são lastreadas em experiências passadas, induzidas por fatos já ocorridos, na crença infundada de sua reiteração, assim “[…] levando-me ao grande problema filosófico, o problema da indução, que é o nome técnico do Cisne Negro”. (TALEB, 2027, p. 58 – grifo nosso). Os cisnes negros não seguem a lógica linear, são heréticos, fora das expectativas normais, e, por essa razão, a revolução da automação tem um potencial imensamente transformador da ordem econômica (mudança do modelo linear); social (mudança de paradigmas); e ambiental (proposta ecológica dos veículos elétricos).

Em uma abordagem prospectiva a implantação dos sistemas de condução autônoma, no formato do software autopilot (nível 4), representam o primeiro degrau que prenunciam grandes mudanças nos formatos industriais, nos investimentos corporativos e nos aspectos da sustentabilidade. No mesmo sentido, Elkington (2012) propõe que essas mudanças obedecerão ao conceito do Triple Bottom Line que afetará a ordem dos três pilares: Profit (lucro); Planet (meio ambiente); e People (social). Assim “os executivos que desejarem abraçar integralmente o desafio emergente deverão auditar esse atual desempenho e os objetivos futuros para atingir a teoria dos três pilares” (ELKINGTON, 2012, p. 107, g.n.).

A funcionalidade autopilot representa bem a transformação estrutural do modelo de negócio linear, para o salto no desenvolvimento de produtos de atualização contínua e dissociados da lógica baseada na mudança geracional. Porém, há a necessidade de se regular não apenas as relações entre cliente e prestador de serviços, mas, notadamente a regulamentação dos aspectos que envolvem a segurança e confiabilidade, para a partir daí progredir para uma difusão maior desse modelo de evolução contínua. Pois, esses aspectos, ainda em vias de regulação, se traduzem em custos e ausência de infraestrutura.

Os especialistas na área, como Dukarski (2020) e Brooke (2020) inclinam-se em reconhecer que se trata, de fato, de uma inevitável e enorme transformação estrutural, e inicialmente está atrelada a questões de segurança no uso de softwares como o autopilot. Dessa forma, para que critérios mínimos de seguranças sejam escalados e incorporados pelas empresas de alta tecnologia como a Tesla, dependem necessariamente de uma normativa que estabeleça critérios a serem atendidos a fim de que se possa evoluir para o transporte seguro e autônomo.

5. Um breve giro pelo globo

Diversos países têm se pronunciado significativamente no sentido de implantar uma regulamentação dos segmentos dos veículos autônomos. Essa normatização não é voltada somente à produção, manutenção, fiscalização, mas, sobretudo com relação aos sistemas que conferem autonomia à condução, dessa forma realizando toda a tarefa dinâmica sustentada e independente no transporte de pessoas. É sabido que existem outros softwares semiautônomos de condução, como o autopilot, porém também existem sistemas mais independentes de condução como o mencionado self-driving da Tesla, que tem capacidade para operar de forma totalmente autônoma exclusivamente com base na inteligência artificial (A.I.), Desenvolvimento Orientado por A.I. (A.I – Driven Development) e, notadamente pelo autoaprendizado de máquina (M.L. – Machine Learning) e replicação tecnológica por meio do autoaprendizado associativo. Entretanto, todos esses softwares, em seu processo evolutivo, esbarram na barreira da regulamentação.

5.1 Tendências regulatórias na União Europeia, China e Japão

Com base nos avanços tecnológicos progressivamente incorporados ao dia a dia das pessoas, agregado ao grande impacto econômico dos veículos semiautônomos e autônomos, no âmbito europeu, induz-se a uma resposta regulamentadora em nível de legislação. Com o término da competitividade interna, resultante do bloco da Zona do Euro, o Parlamento Europeu já se pronunciou claramente acerca do setor de automóveis, declarando que esse setor se encontra em carência de normas regulamentadoras com eficácia ao nível europeu e mundial. (NOVAIS; FREITAS, 2018, p. 37).  

O Parlamento Europeu evidenciou o delay normativo regulamentador com o objetivo claro de garantir o desenvolvimento transfronteiriço e o trânsito de veículos com capacidade de condução autônoma e semiautomatizadas. Assim, objetiva-se explorar todo o potencial econômico desse segmento, bem como fomentar setores tecnológicos estratégicos para a economia da União Europeia (UE) e segmentos correlatos à essa tendência. Paralelamente vem se desenvolvendo diálogos entre UE/Brasil, com tratativas voltadas à regulamentação do setor, envolvendo estudos voltados à automatização da condução dos VA’s pessoais. Contudo, a legislação regulamentadora da UE engloba uma ampla gama de veículos como os afetos aos transportes rodoviários de cargas, os fluviais, marítimos, ferroviários, e, até mesmo os não tripulados, como é o caso dos drones. Porém, a realidade brasileira enfrenta problemáticas para muito além da questão do alto custo desses VA’s, ressaltando-se as questões infraestruturais e econômicas.  

Em termos de enquadramento jurídico, a regulamentação dos VA’s é tratada, no Parlamento Europeu, por meio da resolução 2015/2103 (INL). Baseia-se inicialmente na Diretiva 85/374/CEE de 25 de julho de 1985, originada pelo relatório da Comissão de Assuntos Jurídicos que, em sua parte inicial, trata da responsabilidade civil decorrente de produtos defeituosos (PARLAMENTO EUROPEU, 2020).

Do ponto de vista econômico, o Parlamento Europeu deverá tomar a iniciativa para avançar no tema da robótica e IA, antes de ocorrer assimilação de regulamentações tratadas por países como os EUA, Japão, China e Coréia que já avançam significativamente sobre o tema. O aspecto econômico já ressalta a grande preocupação em estabelecer uma regulamentação que trate especificamente do segmento da condução semiautônoma e autônoma de veículos tripulados, em razão da velocidade que se dá a inserção dessas novas tecnologias no dia a dia da população europeia. É justificada a atenção com o aspecto regulatório, em razão da necessidade de absorção do potencial mercadológico oriundo da fabricação, comercialização, exportação e utilização dessas inovações, com pouca margem de tempo para implantação em vista do avanço de concorrentes como a economia chinesa, com VA’s já em fase avançada de testes, em Pequim. Pretende a resolução 2015/2103 (INL) tratar a problemática da responsabilidade civil sem, contudo, asfixiar o processo de responsabilização e inovação, bem como o desenvolvimento da condução automatizada pela inteligência artificial.  

É visível a preocupação da UE na regulamentação desses VA’s, pois a economia chinesa, já realiza testes intensivos com softwares de nível 4. Os VA’s vêm de fábrica com uma tecnologia chamada V2X, que permite que ocorra a comunicação simultânea entre veículos e com a própria infraestrutura da cidade, e, “essa tecnologia já está pronta para produção em massa”. (SILVA, 2019, p. 2). 

A regulamentação de softwares como o autopilot, para além de uma atualização, é uma evolução, uma troca de valores culturais rumo ao transporte autônomo e compartilhado, como vem ocorrendo com a China. Sobretudo, é imperativo que ocorra a quebra do paradigma da propriedade, ou seja, os compradores de veículos em países como os EUA, Alemanha, Reino Unido, França insistem em se manterem conservadores, ou seja, prevalece a mentalidade voltada a mantença da propriedade privada de seus veículos, ao passo que: “Zurique (Reuters) – 90% dos consumidores chineses estão abertos a opções de mobilidade totalmente compartilhadas” (BELLON, 2019, p. 2, g.n.).

É evidente a maior abertura dos consumidores asiáticos voltada ao transporte compartilhado (serviços), frente ao pensamento ocidental europeu mais apegado ao paradigma da aquisição privada (propriedade) sobre os VA’s. Essa diferença no pensamento entre ocidente (EUA e Europa) e oriente (China e Japão) se traduz em velocidade de regulamentação e retorno econômico para o país que mais rapidamente romper o paradigma da prevalência do “serviço” sobre a propriedade. Conforme demonstra o esforço da economia japonesa para a quebra desse paradigma: “Las Vegas (Reuters) – A Toyota Motor anunciou que planeja construir um protótipo de ‘cidade do futuro’ na base do Monte Fuji, no Japão, que usará como energia células de hidrogênio e funcionará como laboratório para carros autônomos” (LEE; SHEPARDSON, 2020, p. 1, g.n.).

Entretanto, a Europa ainda está sob o efeito do antigo paradigma – propriedade física do veículo – em oposição ao novo conceito de transporte baseado no serviço por meio de softwares como o autopilot. Esse antigo paradigma ainda estende efeitos sobre as normas atuais na UE, pois são insuficientes para conferir aplicabilidade à responsabilidade extracontratual. Disso decorre o escoamento de conteúdo da Diretiva 85/374/CEE do Conselho da Comunidade Europeia, pois em matéria de responsabilidade resultante de produtos defeituosos, esbarra em verdadeiros claros. Assim, não há previsibilidade para atos de robôs tecnologicamente avançados dotados de inteligência artificial, mecanismos de aprendizagem e adaptação, tornando-se assim fora do alcance da previsão humana o comportamento futuro dessas máquinas. (NOVAIS; FREITAS, 2018, p. 32).    

Em meio a esse cenário de desatualização e delay do instrumental jurídico europeu, capaz de atuar no segmento dos VA’s, houve uma reação da Comissão Europeia, em 16 de maio de 2017, documento SP(2017)310. Ofereceu uma resposta às questões levadas ao Parlamento Europeu. Dentre as soluções oferecidas cogitou-se em uma possível revisão da Diretiva 85/374/CEE sobre a matéria responsabilidade. Embora a Comissão tenha avançado pouco, houve ganhos de abertura para a futura regulamentação.

Acerca dos avanços no setor de VA, destaca-se a indústria automobilística Alemã, conforme evento do Salão do Automóvel: “Frankfurt (Exame) – os carros autônomos já estão bem perto de chegar às ruas”, prova disso é o lançamento do modelo da Audi A8, com condução autônoma. É a primeira montadora europeia a iniciar a produção de um veículo nesse nível. (LOUREIRO, 2017, p. 2).

Em síntese, a União Europeia não dispõe de regulamentação para a incorporação às vias públicas de veículos dotados de direção autônoma ou semiautônoma como o autopilot da Tesla, salvo na destacada Resolução do Parlamento Europeu que contém recomendações sobre responsabilidade e robótica (2015/2103-INL). Entretanto, as questões relativas à dirigibilidade operada por sistemas baseados na IA, como o autopilot, têm sido resolvidas de forma “setorial”, da mesma forma que na Alemanha.

5.2 Responsabilidade e tendências regulatórias do autopilot nos Estados Unidos

O mercado global de veículos autônomos (VA’s) tem uma especial predileção por veículos elétricos (VE), essa tendência facilmente é explicada em razão dos custos e sustentabilidade ambiental. Em função disso, pode-se inferir que os veículos VA’s serão todos elétricos. Embora atualmente o custo de um desses veículos supere as outras opções convencionais, devem esses autônomos tomar a dianteira do transporte em breve. Essa realidade é espelhada quando, nos Estados Unidos da América (EUA), o governo federal concede subsídios no montante mínimo de US$2.500,00, chegando a US$4.000,00 para VE’s com autonomia de 18km a 40km, e US$7.500,00 para VE’s com maior autonomia, v.g., Chevrolet Volt. (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2017, p. 44).    

Em nível de regulamentação o software autopilot, está submetido ao projeto de lei chamado Self Drive Act – H.R. 3388, assunto retomado logo a seguir. A normatização confere efeitos de uniformização e o início da inserção, ainda que em teste, do autopilot (nível 4). Sobretudo, esse esforço regulador busca preparar o terreno para sistemas de navegação totalmente autônomos como o self-driving (nível 5), também da Tesla.

Paralelamente à regulamentação Self Drive Act, há a necessidade de se avançar no terreno da responsabilidade civil. Nos Estados Unidos, existem duas correntes que tentam definir os rumos da regulamentação desses VA’s. Dessa forma, há os que defendem a imperiosa necessidade de alterações legislativas para alcançar por meio da responsabilidade civil os eventos danosos causados pelos VA’s. Essa corrente se sustenta na alegação de que o sistema jurídico de responsabilidade civil tem se adequado, ao longo das décadas, com relativo sucesso frente ao surgimento de novas tecnologias.

A segunda corrente, ancora-se no argumento de que há a necessidade de uma nova legislação, mais detalhada, que contemple os quinhões de responsabilidade entre os diversos atores pertencentes à cadeia produtiva dos veículos automatizados, v.g., fabricantes, produtores de software/hardware, peças e partes específicas, dentre outros.

Os Estados Unidos reservam, ao segmento dos VA’s, especial destaque no cenário interno devido ter o país a maior produção de veículos convencionais, bem como possuidores da maior frota de carros em circulação no mundo. Disto isso, facilmente se vem à mente que já se iniciaram grandes esforços para tratar em nível legal a transição, entre a condução convencional de veículos emissores de carbono, e a condução autônoma, seja ela em nível 4 ou 5. Avança com os seguintes esforços: “Washington (Reuters) – Os órgãos reguladores de segurança dos Estados Unidos divulgarão nesta segunda-feira um esforço voluntário para coletar e disponibilizar dados nacionais sobre os testes sendo feitos em veículos autônomos”. (SHEPARDSON, 2020, p. 1).

Conforme divulgado pela Reuters, em 15 de junho de 2020, a Administração Nacional de Segurança no Trânsito nas Rodovias (National Highway Traffic Safety Administration – NHTSA) dos Estados Unidos, tomou a iniciativa para apresentação da proposta chamada AV Test (em tradução livre: teste de veículos autônomos). Trata-se de uma plataforma online volta aos maiores interessados, as pessoas. É uma proposta nova que consiste no compartilhamento de atividades, eventos causados no trânsito, bem como o comportamento e atividades de testes nas estradas do sistema de direção autônoma, incluído nessa plataforma o sistema autopilot da Tesla, dentre outros.

Em razão da necessidade de se aprofundar os testes de VA’s, no Congresso Americano foi publicado o Projeto de Lei aprovado na Câmara dos Representantes (câmara baixa) e pendente aprovação no Senado (câmara alta). Esse instrumento legal foi intitulado Self Drive Act – H.R. 3388, vol. 163, n. 143, publicado em 6 de setembro de 2017 no Congressional Record – House. Tem como tema principal: “garantir com segurança a vivência de implantação e pesquisa no ato de evolução de veículos[10]”. (CONGRESSIONAL RECORD, 2017, p. H6667).

O projeto de lei HR 3388 sofre forte pressão de importantes segmentos sindicais como o dos transportadores de cargas, que forçaram imposição de restrições à regulamentação, dessa forma, a Seção 13, 7, B não inclui um veículo comercial como definido na seção 31101. Todavia, é a pioneira regulamentação em nível federal, com vistas a tomar a dianteira no processo regulatório que, por sua vez, espelha a inevitável realidade da automação no transporte. Com o objeto claro de uniformização das normas para evitar que a legislação dos estados federados transforme o regramento dos VA’s em uma “colcha de retalhos”. Dessa forma, emite uma série de comandos, dentre esses, a certificação de validação de segurança de competência do Departamento de Transporte, o plano de segurança cibernética e de privacidade, bem como várias disposições de caráter normatizador e com destacado foco na segurança.

De acordo com a Self Drive Act – H.R. 3388, Seção 13 – definições, B, 1, o sistema de direção automatizado significa que os hardwares e softwares devem ser coletivamente capazes de executar as tarefas de condução dinâmica integral, de forma sustentada, independentemente se esse sistema está limitado a um sistema operacional específico.

Trata-se de uma abordagem em nível de prospecção com o objetivo mais mediato de implantação, mas com claros objetivos imediatos de unificar normatizações, coletar dados, testar os veículos dotados de condução autônoma, avançar na normatização técnica, definir parâmetros para a produção, condução sustentada segura, circulação e comportamento da IA, com vistas a buscar formas seguras de implantação com critérios técnicos e objetivos.

Há evidencias no sentido da ocorrência do surgimento, nos próximos meses, das primeiras normas efetivamente regulamentadoras do uso cotidiano dos sistemas de condução autônomos nos Estados Unidos, nesse sentido:  São Paulo (InfoMoney) – Recentemente o Conselho de Segurança em Transportes dos EUA (United States National Transportation Security Council – NTBS) emitiu parecer acerca do acidente ocorrido com o Tesla Model X, em março de 2018, conduzido pelo autopilot no momento do acidente. Esse parecer atribuiu apenas parcialmente a responsabilidade ao sistema de direção semiautônoma da Tesla. O parecer se apoiou na constatação da desobediência à obrigatoriedade prevista no manual do condutor de permanecer com as mãos ao volante e em estado de alerta (GAVIOLI, 2020, p. 2).

Soa irônico a atitude dum segmento industrial como o automotivo que esteve, nas últimas décadas, tão focado em reduzir o poder de regulamentação da Administração Federal de Tráfego Norte Americana. No que se refere ao uso de softwares como o autopilot – Tesla, surpreendentemente, agora está ansioso por regulamentos para uma área tecnológica consideravelmente mais complexa, a dos veículos altamente autônomos. Conforme Dukarski (2020), esses dois segmentos que trilharam caminhos antagônicos agora devem prosseguir por meio de uma abordagem mais colaborativa na criação de novos padrões técnicos (DUKARSKI, 2020, p. 25).

Em vista dessa forte tendência à abordagem da questão de forma mais colaborativa, a Tesla impulsiona testes intensivos, na cidade americana de São Francisco. Os ensaios ocorrem em parcerias com organizações interessadas em angariar credibilidade social, propiciando a evolução do aprendizado das máquinas voltado a formas mais seguras de condução. Por coincidência, ou provavelmente em razão da difusão e reflexos dos avanços associados à empresa Tesla, especializada em tecnologias high tech, o estado californiano se destaca em iniciativas voltadas a regulamentar o uso da tecnologia dos VA’s. As iniciativas ocorrem por meio de testes e forte divulgação pública de qualquer evento ou acidente envolvendo esses veículos no país. Assim, volta-se os olhares para aquisição de um maior nível de confiabilidade pública para, consequentemente, iniciar processos mais avançados de regulamentação.

5.3 Aspectos da regulamentação e expectativas de condução autônoma no Brasil

No cenário nacional chama a atenção algumas questões relativas à regulamentação do segmento dos Veículos Autônomos (VA’s), notadamente dos softwares como o Autopilot da Tesla que necessitarão de sinalização específica para identificação desses veículos, bem como definição de condutores por meio de categorias próprias. Nessa linha, cabe ao Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) editar portarias exigindo itens de segurança como sensores aptos a evitar colisões e detalhes acerca dos condutores.

Embora já existam em circulação nas vias públicas veículos com diversos níveis de automação na condução dotados de softwares com maior o menor grau de reatividade e independência no trânsito, o fato é que o Código Brasileiro de Trânsito (CBT) não faz distinções acerca de softwares que conferem autonomia relativa ou total na condução.

            O CONTRAN publicou em 30 de novembro de 2017 a Resolução Nº 717 que estabelece um cronograma acerca dos estudos técnicos e regulamentações dos elementos de segurança veicular afetos aos softwares de condução autônoma ou semiautônoma dotados de IA.

Todavia, o CTB necessita ser submetido a um processo de evolução regulamentadora dos softwares de condução semiautônoma ou autônoma para que não se torne uma barreira à implantação e operacionalização dessas novas tecnologias. Pois, o artigo 28 do CTB além de prever expressamente o condutor-humano, deve este ter domínio do veículo a todo o momento, o que significa que o motorista deve ter condutas reativas, preventivas, níveis de atenção consideráveis e, obviamente, as mãos sempre ao volante. Curiosamente, admite-se a utilização desses softwares em diversos níveis de automação no trânsito, porém, nas condições estabelecidas pelo CTB.

De modo geral, vários aspectos e tendências regulatórias, acerca do autopilot, tratadas em grandes economias, como a União Europeia e os Estados Unidos, também se aplicam à realidade nacional. Em razão de os VA’s dotados de inteligência artificial (IA) serem, mais ainda, no hemisfério Sul um produto tecnológico bastante novo, com pouca ou nenhuma ambientação nas vias e estradas brasileiras. De modo que, as demandas por regulamentações e o aprofundamento nessa nova realidade tecnológica ainda está em seus estágios iniciais. Ocupa assim, a legislação interna, o vácuo da ausência de normatizações específicas relativas a esse novo segmento de VA’s.

Esse novo produto, que está sendo inserido no contexto interno, é um avançado software de condução veicular autônoma ou semiautônoma, chamando a atenção o autopilot em razão de seu estágio de evolução tecnológica (nível 4), bem como as implicações nos terrenos da responsabilidade e da infraestrutura urbana e rodoviária brasileira.

Essa problemática, no Brasil, remete ao terreno dos vícios e eventos na relação de consumo. Em conformidade ao art. 12 do CDC, “o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores”. Nessa relação os defeitos de software e hardware embarcados no VA. Entretanto cabe destacar que no “§ 3º, o fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro” (g.n.).

A responsabilidade acerca da IA que é a matéria prima do autopilot, bem como de qualquer sistema de condução autônoma, é posicionada em duas vertentes distintas. A primeira, diz respeito à visão favorável ao desenvolvimento tecnológico, isto é, o risco dos avanços tecnológicos, são inerentes ao desenvolvimento e estes funcionam como uma espécie de excludente de responsabilidade do fabricante. Já a segunda vertente, se posiciona a favor da imposição da responsabilidade ao fabricante desenvolvedor da tecnologia. Contudo, a atuação da IA de forma a contrariar o ordenamento jurídico, ou à ética, ainda é esteio para profundas discussões.

Em conformidade com o ordenamento brasileiro, a IA não tem personalidade jurídica para figurar em um polo sujeito à responsabilização. Em outras palavras, os sistemas de condução autônomas como o autopilot são vistos como robôs, e como tais não podem ser responsabilizados em razão de ações ou omissões que causarem às pessoas. Entretanto, as normas que figuram no ordenamento jurídico brasileiro abrangem somente os casos que têm como causa subjacente à atuação ilícita do robô, um comportamento de uma pessoa específica. Em desconformidade com a normatização vigente, tal como o fabricante, o utilizador, o técnico especializado em IA – são casos em que o elemento humano poderia ter antevisto e buscado meios para evitar a ação lesiva do robô (PINHEIRO; BORGES; MELLO, 2019, p. 252).

Fugindo ao aspecto da responsabilidade, ações de softwares dotados de IA, o foco central do trabalho envolve questões regulatórias e essas questões, no Brasil, circundam uma alta gama de temas complexos. Dentre esses temas, os que mais se destacam são: (i) a falta de infraestrutura adequada para a cobertura de pontos de recarga e manutenção; (ii) questões como o custo, ainda considerado elevado para os padrões brasileiros, pois um VA da Tesla como o Model 3 é comercializado na faixa de R$ 340 mil; (iii) adequação de critérios técnicos nas estradas, pois apesar de esses veículos serem dotados de IA, existe a necessidade de padronizações das vias e sinalizações, com vistas à captação pelos leitores; (iv) grande extensão territorial para cobertura; dentre outros fatores.

Aparentemente essas questões expostas como a ausência de infraestrutura e baixo poder aquisitivo, impactam consideravelmente a interlocução dos atores envolvidos do processo regulatório. Em outros termos, as iniciativas visando a regulamentação de softwares como o autopilot precisam do start negocial baseado na conjugação de interesses multilaterais, de forma a conciliar os interesses de organizações não governamentais, setores corporativos, organizações governamentais e setores sociais. É, de fato, uma forma pueril de se enxergar o avanço dos processos regulatórios quando ausente essa conjugação de interesses convergentes.

Nos últimos dias, houve a manifestação do governo brasileiro junto à Tesla, no sentido de operacionalizar a implantação de uma fábrica da marca no território nacional. Com isso, ficou claro alguns pontos que inviabilizariam a implantação da montadora americana no hemisfério Sul, esses pontos são evidenciados na ausência de infraestrutura e mercado interno inapropriado, em razão do baixo poder aquisitivo esperado pela marca. “Para que um futuro elétrico seja possível, será necessário superar questões estruturais e técnicas. Em um país com quase 2 milhões de quilômetros de estrada, cobrindo 8,5 mil quilômetros quadrados de área, uma rede adequada de carregamentos pelas rodovias é essencial”. (TANJI, 2020, p. 5, g.n.).

Porém, como potencialidades futuras, evidenciou-se pontos favoráveis, dentre eles chama a atenção para a matriz energética, baseada 90% em fontes limpas (hidroelétricas). Todavia, os veículos elétricos são vistos como uma possibilidade sustentável para reduzir o grande volume de emissões de carbono na atmosfera.

Dentro desse contexto evidencia-se uma possibilidade futura, mais em decorrência de fatores exógenos que endógenos, ou seja, o uso do software autopilot como serviço será viável futuramente, pois o mercado interno se beneficiará dos efeitos naturais do barateamento dos custos de produção, bem como da difusão tecnológica tendente a avançar buscando novos mercados, no caso o hemisfério Sul.

CONCLUSÃO

Inicialmente, cabe destacar que a montadora Tesla, para além de ser fabricante de Highly Automated Vehicles, referência no alto nível de automação (níveis 4 e 5) dos veículos elétricos por ela fabricados, é, também, uma empresa projetada para quebrar paradigmas. Isto é, a Tesla aos olhos dessa pesquisa não é classificada com empresa automotiva, mas sim, como empresa de tecnologia. Isso se explica no formato não linear adotado, pois aposta no desenvolvimento contínuo e atualização constante de seus produtos.

O software autopilot, resultado desse modelo adotado pela Tesla de desenvolvimento contínuo e atualização contante, é o elemento chave na inserção da inteligência artificial. É uma nova proposta capaz de modelar novos padrões de comportamentos e realidades sócio-econômico-ambientais. Sobretudo, é uma proposta que tem o potencial de revolucionar a indústria atual, esta baseada no desenvolvimento linear convencional, cuja tomada de decisões são inspiradas em experiências passadas, ou seja, baseada na indução.

Por essa razão se tomou o cuidado de inserir a figura do Cisne Negro, como forma de ilustrar o erro de suposições baseadas na indução que, por sua vez, é terreno fértil para o surgimento de eventos não detectáveis, e, fora das expectativas normais. Em outras palavras, a oportunidade favorável ao surgimento de “um ponto fora da curva”. Assim, esse ponto pode ser a abertura em uma perspectiva econômica viável, para a inteligência artificial (IA).

O avanço da tecnologia, há tempos, vem fascinando as pessoas com versões cinematográficas de cenários inalcançáveis para a realidade da época, porém, nas duas últimas décadas as áreas tecnológicas avançaram surpreendentemente com a evolução da robótica e da IA. Essa evolução viabilizou complexas operações executadas por máquinas, antes concebidas somente na ficção científica.

 Sabe-se que essas grandes conquistas científicas são verdadeiras revoluções, todavia, estas não progridem linearmente, mas por saltos. Foi justamente aí que surgiu um “ponto de inflexão”, com a quebra de paradigmas, identificando-se gargalos de estrangulamento relativos à inserção da robótica e da IA no cotidiano das pessoas. Essa inserção ocorre por meio de softwares como o autopilot, capazes de operacionalizar o funcionamento dos veículos autônomos (VA).

Esse salto tecnológico envolve essencialmente mudanças em antigas concepções atribuídas aos veículos (bem principal) e funcionalidades (assessórios), de modo que um estaria aderido ao outro no momento da aquisição. Entretanto, essa é uma forma convencional de se enxergar o novo paradigma proposto, o transporte por meio de veículos elétricos com alta tecnológica embarcada, dotados de capacidade de condução semiautônoma ou totalmente autônoma. Acrescente-se a isso, que para a transformação e incorporação de características de autonomia e desempenho bastam apenas um upgrade, ou seja, simplesmente habilitar certas funcionalidades via internet no próprio veículo.

Os novos VA’s não são carros na concepção tradicional, são plataformas tecnológicas que servem para utilização de certas funcionalidades, como o software autopilot da Tesla. Porém, nem mesmo o autopilot deve ser visto como um acessório veicular, pois, está muito distante disso, em verdade, trata-se de um serviço. Esse serviço é tarifado e não adere ao VA, mas sim ao proprietário, existindo opções de cambialidade por meio de permissões de utilização por parte de terceiros, mas, nunca se incorpora ao veículo.

A inserção da IA na rotina do trânsito e na vida das pessoas é outro forte paradigma que ainda não foi rompido, e a ausência de regulamentações de sua utilização são fortes indícios de perplexidade frente à nova realidade. Pois, atualmente a IA alcançou um patamar que permite o aprendizado entre máquinas, cooperado, bem como o autoaprendizado por meio da captura de experiências externas, coletadas durante o trajeto desenvolvido nas pistas de rolagem. Razão pela qual se intensificam os testes em cidades como Nova York e São Francisco, com vistas a aperfeiçoar os softwares baseados na IA.

Foram destacadas no trabalho iniciativas objetivando formar um substrato regulatório, por meio de normatizações técnicas e de condutas por parte de setores, v.g., organizações desvinculadas do governo como a Society of Automobile Engineers, departamentos governamentais como a National Highway Traffic Safety Administration, instituições como o Parlamento Europeu, e, também, das empresas de tecnologia como a própria Tesla.

No Brasil, a regulamentação acerca da utilização dessa nova tecnologia ainda está adstrita ao CTB, que por sua vez não faz distinção acerca de condução autônoma e semiautônoma. De modo que também não impede a circulação de veículos dotados de softwares nos quais a IA adota respostas reativas e de marcante independência na tomada de decisões no trânsito, mas desde que o condutor-homem esteja no domínio do veículo. Resta em termos de adequação a essa nova tecnologia a Resolução 717 do CONTRAN que estabelece um cronograma de estudos acerca dessa nova realidade tecnológica.

O esforço com vista a formar uma regulamentação, sincronizada com o momento atual e que permita o desenvolvimento econômico do novo setor tecnológico da condução autônoma, exige mais que boa vontade e empenho, é imperiosa a adoção de uma postura multilateral de diálogos construtivos, nunca antes implementada.

Em síntese, é no sentido de se implementar um esforço multilateral e cooperativo, entre diversos segmentos sociais, estatais e corporativos que se situa o ponto central da problemática. Em outros termos, negociações cooperativas são a alternativa mais viável à regulamentação do avançado setor dos softwares de condução semiautônoma, o qual pertence o sistema autopilot (nível 4), e, totalmente autônoma como o self-driving (nível 5), o que exige apenas a habilitação dessa funcionalidade pela Tesla. 

A regulamentação do software autopilot representa mais que a implantação de um novo serviço, é uma funcionalidade tendente a substituir o condutor do veículo na tomada de decisões, inclusive as de alto risco. É também, mais que o impulso inicial para a difusão dos veículos elétricos autônomos. O processo de regulamentação é o ponto de partida para a redução dos riscos e o ingresso da IA na condução veicular, e, da mesma forma, é a transposição do primeiro degrau rumo à aquisição de confiabilidade, elemento essencial para legitimar a introjeção de softwares como o autopilot no dia a dia das pessoas.

REFERÊNCIAS

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[1] Pós-Doutorado em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra. Doutor e Mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo. Coordenador-Adjunto e Professor Titular do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade de Marília. Professor Substituto da Universidade Estadual Paulista. Advogado e parecerista.

[2] Doutorando e Mestre em Direito pela Universidade de Marília. Servidor do Ministério da Justiça.

[3] Full self-driving capability is just three years away, according to one Silicon Valley expert. “We’ve probably spent $100 billion in the past four or five years developing technology for fully autonomous go-anywhere cars,” says Blair LaCorte, president of AEye.

[4] Anomaly data can also assist in the assessment of quality attributes, such as reliability and productivity.

[5] Projeto pan-europeu denominado: Programa para Tráfego Europeu de Alta Eficiência e Segurança Inédita.

[6] Entendimento externado pelo STJ, vide julgados RI nº 124176120138080347; RI nº 173325620138080347, dentre outros.

[7] The promise of complete security for new technologies. The speed with which HAVs are advancing, combined with the complexity and novelty of these innovations, threatens to overcome the Agency’s conventional regulatory processes and resources.

[8] Regulations typically can take a long time to develop, particularly for fast-moving tech such as AVs. It’s incumbent upon industry, in partnership with SAE, to lead the way.

[9] Termo correntemente utilizado no mercado financeiro, representa dados que foram negligenciados na interpretação da realidade econômica, ou, no terreno da estatística, a amostragem espúria de dados desprezíveis, que tiveram suas evidências negligenciadas.

[10] Safely guarantee the experience of implantation and research in the act of vehicle evolution.