RETIRADA IMOTIVADA DE SÓCIOS EM SOCIEDADE DE PROPÓSITO ESPECÍFICO – SPE

RETIRADA IMOTIVADA DE SÓCIOS EM SOCIEDADE DE PROPÓSITO ESPECÍFICO – SPE

10 de junho de 2023 Off Por Cognitio Juris

SPECIAL PURPOSE VEHICLE – SPE AND THE WITHDRAW WITHOUT CAUSE

Artigo submetido em 29 de maio de 2023
Artigo aprovado em 09 de junho de 2023
Artigo publicado em 10 de junho de 2023

Cognitio Juris
Ano XIII – Número 47 – Junho de 2023
ISSN 2236-3009

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Autor:
Rebecca Molina Ferreto[1]

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Resumo: Pretende-se neste artigo abordar o conceito de sociedade de propósito específico – SPE e suas características na modalidade sociedade limitada e sociedade anônima. O texto propõe abordar os motivos pelos quais os sócios escolhem uma ou outra forma e quais as suas implicações quanto às hipóteses de direito de recesso e possibilidade de retirada imotivada de sócio insatisfeito. O artigo analisará, também, o posicionamento da jurisprudência em tais disputas societárias.

Palavras-Chave: sociedade de propósito específico – SPE, recesso, retirada imotivada

Abstract: The purpose of this article is to address the concept of special purpose vehicle – SPE and its characteristics in the form of a limited liability company and a Corporation and the main reasons why partners choose one way or another and what are its implications regarding the assumptions of right of withdrawal and the possibility of unmotivated withdrawal of a dissatisfied partner. The article will also analyze the position of jurisprudence in such corporate disputes.

Keywords: SPV (special purpose vehicle), withdraw, without cause

Sumário

1. Notas Introdutórias. 2. O conceito de SPE. 2.1. As modalidades societárias de SPE. 3. O direito de recesso e o direito de retirada. 4. Considerações finais.

  1. Notas Introdutórias

A conjugação de esforços entre agentes econômicos resultou na constituição de sociedades empresárias ou no surgimento de associações fundamentadas por normatização específica[2]. Em ambos os casos, a finalidade precípua sempre foi a colaboração das partes envolvidas para consecução de objetivos comuns e específicos.

Nesse cenário, a Sociedade de Propósito Específico-SPE tem sido comumente utilizada como forma de associação que objetiva o desenvolvimento econômico de negócios específicos, como empreendimentos imobiliários, parcerias público-privadas, viabilização de recuperação judicial de empresas, securitização etc.

Por ser a SPE tipo de sociedade intimamente ligada aos seus sócios, com finalidade específica e prazo de duração atrelado ao seu objetivo social, questiona-se a possibilidade de o sócio insatisfeito retirar-se imotivadamente do quadro societário, seja por quebra de affectio societatis, seja por não concordar com os rumos do negócio, ou mesmo por entender que a SPE não conseguirá preencher o seu fim. São situações como essas que se pretende tratar adiante.

Para tanto, inicialmente, será debatido o conceito de SPE e quais as características que a sociedade deve ter para ser considerada uma sociedade de propósito específico. Em seguida, serão explorados os aspectos da SPE enquanto sociedade limitada e anônima, e os motivos de os sócios escolherem uma ou outra forma. Por fim, tratar-se-á do direito de recesso aplicável à sociedade anônima e à sociedade limitada e como esse instituto é compreendido no âmbito das disputas societárias envolvendo SPE.

2.       O conceito de SPE

A Sociedade de Propósito Específico tem como inspiração a forma de Special Purpose Company, adotada no Direito Norte-americano e no conceito de joint venture[3], isto é, uma associação de empresas e pessoas que combinam capitais e esforços numa terceira corporação para a realização de um bem comum, normalmente com controle dividido e prazo determinado.

A SPE é, portanto, uma qualificação dada a uma sociedade criada a partir dos interesses convergentes dos sócios para se atingir um fim comum e um objetivo específico. No direito brasileiro, a possibilidade de sócios se reunirem na forma de SPE está prevista no parágrafo único do art. 981 do Código Civil, abaixo transcrito:

Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.

Como se verifica, o núcleo da SPE é, pois, o seu objeto social, eis que este determina a razão da existência da sociedade; cumprido seu propósito específico, esta se extingue. Nesse sentido, não se vislumbra a possibilidade de alteração do objeto social da SPE, pois se desnaturaria a própria sociedade, levando à criação de outro ente jurídico.

Por essa razão é que o objetivo social da SPE está intimamente ligado às suas sócias que investiram capital e conhecimento para a criação da sociedade. A esse respeito, José Edwaldo Tavares Borba[4] afirma:

A S.P.E. não tem interesse próprio, não cumpre um objeto social próprio, não se destina a desenvolver uma vida social. Trata-se do que se poderia chamar uma sociedade ancilar, mero instrumento de sua controladora. A rigor, essas sociedades nascem para prestar um serviço a sua controladora, para cumprir uma simples etapa de um projeto, ou até mesmo para desenvolver um projeto da controladora. Normalmente, cumprido esse projeto, o seu destino é a liquidação. Nascem, normalmente, já marcadas para morrer. São nada mais nada menos do que uma sociedade-escrava, sem vida própria, e sem qualquer interesse particular capaz de justificá-la como empresa. Pode-se, todavia, entender que, se a S.P.E. cumpre todas as suas obrigações e não vem causar dano a ninguém, não haveria qualquer contra-indicação jurídica na sua formulação. Verificando-se, porém, a insolvência ou a inadimplência da S.P.E., a desconsideração da personalidade jurídica seria a conseqüência inevitável, posto que todas as obrigações seriam, por si mesmas, imputáveis à controladora. A S.P.E. pode, portanto, ser considerada uma fórmula adequada para o desenvolvimento autônomo de determinado projeto, mas afigura-se de todo imprestável para reduzir ou excluir as responsabilidades do grupo controlador que a institui.

Embora o prazo temporal não seja primordial à caracterização da SPE, é importante mencionar que este será sempre determinado ou, pelo menos, determinável, no sentido de ser suficiente para a consecução da finalidade da SPE (termo incerto). Não se trata, portanto, de uma sociedade de prazo indeterminado.

Diante do até aqui exposto, mostra-se possível afirmar que a SPE é sociedade criada a partir do interesse de seus sócios para a exploração de atividade comum, dotada de objeto específico e prazo de duração equivalente ao tempo necessário para a execução de seu fim.

Outro ponto relevante sobre esse tipo societário é que a SPE não possui personalidade jurídica por si só; é necessário que esta adote uma das modalidades societárias estabelecidas em lei, de maneira que o modelo adotado é que servirá para conferir sua personalidade jurídica própria (limitada, anônima etc.). Dessa maneira, fica a SPE sujeita ao modelo societário que adotar quando de sua constituição, sendo por este regida.

Não é vedada a constituição de SPE a partir de tipos societários que não possuem personalidade jurídica; a questão que se coloca é que, para esses casos, a autonomia patrimonial e jurídica restará prejudicada e, nesse sentido, perde-se o objetivo de se constituir uma SPE.

Isso porque, diferentemente da joint venture ou mesmo de um contrato de parceria, a SPE é dotada de personalidade jurídica e autonomia patrimonial próprias das sociedades personificadas, conferindo proteção aos seus sócios, aos credores e a todos os stakeholders que se relacionam com essa sociedade. Em última instância, a SPE responde pelos direitos e obrigações decorrentes da realização do empreendimento para o qual foi constituída, podendo, inclusive, ser acionada em juízo.

Por essa razão, a SPE vem sendo utilizada em diversas áreas do setor econômico como meio de viabilizar negócios e em legislações específicas, como em parcerias público-privadas[5] e recuperação judicial de empresas[6].

A SPE é largamente utilizada no âmbito de incorporações imobiliárias[7], nas quais as incorporadoras segregam os empreendimentos em SPE e estas ficam responsáveis única e exclusivamente por todos os ativos e passivos atinentes a certa obra. Dessa forma, blinda-se a incorporadora dos riscos da referida obra, assim como blindam-se os credores e os adquirentes das unidades imobiliárias da SPE dos riscos relativos à incorporadora e aos outros empreendimentos sob supervisão da incorporadora. Havendo inadimplemento ou qualquer outro problema relativo à SPE, os stakeholders têm acesso direto e mais simples ao ativo, recebíveis ou qualquer outro bem para a satisfação do crédito.

2.1     As modalidades societárias de SPE

Como explorado anteriormente, a SPE deve ser constituída a partir de uma das modalidades societárias estabelecidas em lei, normalmente sociedade limitada ou sociedade anônima fechada. Em razão disso, não serão abordadas, neste subcapítulo, questões relativas à sociedade de pessoas versus sociedade de capital, que alguns doutrinadores entendem ser uma classificação inútil[8], mas sim as diferenças práticas e operacionais de cada tipo societário e como estas são utilizadas no âmbito da SPE.

As sociedades limitadas foram criadas como um tipo societário mais simples e célere para acomodar a pretensão de pequenos e médios empreendedores que tinham interesse em explorar atividade econômica por meio de uma sociedade personificada e com limitação de responsabilidade[9]. As sociedades limitadas estão disciplinadas no Código Civil entre os arts. 1.052 e 1.087. Havendo omissão, aplicam-se, supletivamente, as regras das sociedades simples ou sociedades anônimas, conforme disposto nos atos constitutivos da sociedade.

A constituição de uma sociedade limitada é comumente célere a partir de atos constitutivos simples e resumidos; o processo de alteração societária também costuma ser de fácil operacionalização. O capital social da sociedade limitada pode ser dividido em quotas iguais ou desiguais e a responsabilidade de cada sócio está limitada ao valor das suas quotas[10]. Os sócios podem deliberar pela distribuição desproporcional dos lucros e conforme a periodicidade que convier[11]. Por fim, os sócios podem impor restrição à negociação das cotas ou até mesmo vedar a cessão de cotas a terceiros[12].

Por sua vez, a sociedade anônima ou companhia é disciplinada na Lei das Sociedades Anônimas (LSA). Em sua forma fechada não tem suas ações admitidas à negociação no mercado de valores mobiliários[13]. Este tipo societário possui certas formalidades quanto à sua constituição e deliberações sociais junto ao Registro de Comércio e seus atos societários e contábeis devem ser publicados, o que torna a sociedade anônima morosa e onerosa[14]. O capital social das companhias é dividido em ações e os acionistas respondem pelas obrigações sociais até o limite do capital social por ele subscrito[15]. O estatuto social pode prever diferente classes de ações conforme a natureza dos direitos ou vantagens que confiram a seus titulares, sendo certo que não poderá haver diferença de tratamento entre os acionistas de uma mesma classe. E, dada essa característica, a lei societária traz mecanismos de proteção dos diferentes tipos de acionista nas hipóteses de abuso de poder, assimetria informacional etc.

As diferenças demonstradas justificam o fato de a SPE ser, normalmente, constituída sob a forma de sociedade limitada, dada a sua forma mais simples, celeridade de constituição e acessibilidade econômica. Além disso, sob aspectos formais, nesse tipo societário, é possível aprovar a divisão desproporcional dos lucros sociais e a vedação à negociação das cotas, possibilidades estas que se mostram convenientes a esse tipo de empreendimento.

3.       O direito de recesso e o direito de retirada

Como se demonstrou nos subcapítulos antecedentes, a adoção da modalidade societária da SPE é, portanto, fruto de decisão tomada em razão de questões econômicas ou negociais. Todavia, o tipo societário é que determinará as hipóteses do exercício do direito de recesso e de possível retirada imotivada de sócio descontente.

Recesso é o direito do sócio se retirar da sociedade quando este discordar de certas deliberações sociais que podem impactar o curso dos negócios da sociedade[16][17]. Em outras palavras, quando as alterações sociais afetam as bases essenciais do investimento feito pelo sócio quando da sua entrada na sociedade (objeto social, preferências e vantagens de ação etc.), pode este sair da sociedade e receber em contrapartida os haveres contratados.

Tem-se que o direito de recesso é, portanto, direito essencial do acionista, potestativo, individual e condicional[18]. O recesso é instituto que obriga a companhia a adquirir a ação a um preço justo, simulando a venda que o acionista espontaneamente promoveria em um mercado competitivo e plural[19].

No que diz respeito às sociedades anônimas, a LSA traz rol taxativo das hipóteses de direito de recesso para trazer previsibilidade. A finalidade dessas normas é desestimular o desligamento do acionista, preservando a empresa e a continuação dos seus negócios. Posto isso, as hipóteses estão elencadas no art. 137 da LSA, conforme as deliberações indicadas no art. 136 da mesma norma. Em adição, a LSA determina haver direito de retirada nas hipóteses de transformação, incorporação, fusão e cisão (art. 220 e seguintes), desapropriação (art. 263) e incorporação de ações (art. 252), de acordo com as condições impostas pela lei.

Ainda, para efetivação de seu desejo de retirada, ao acionista insatisfeito que não consegue sair da companhia ou aquele que se sente prejudicado com a condução dos negócios pelo controlador ou pela administração, cabe pedido de dissolução parcial da companhia, com base no art. 599, §2 do Código de Processo Civil, abaixo transcrito:

Art. 599. A ação de dissolução parcial de sociedade pode ter por objeto:

(…)

§ 2º A ação de dissolução parcial de sociedade pode ter também por objeto a sociedade anônima de capital fechado quando demonstrado, por acionista ou acionistas que representem cinco por cento ou mais do capital social, que não pode preencher o seu fim.

Nessa hipótese, o acionista retirante deve provar que a companhia está impossibilitada de preencher o seu fim social, conforme previsto no art. 206, II, ‘b’ da LSA[20].

Para as sociedades limitadas, o Código Civil garante expressamente o direito de recesso ao sócio que discordar de modificação do contrato social ou que se usar à fusão ou incorporação da entidade (art. 1.077)[21]. Em relação à modificação do contrato social, importante mencionar que a doutrina entende deva ser algo substancial e que possa alterar as bases essenciais, como dito acima em relação às sociedades anônimas, e a estrutura e o negócio da sociedade.[22]

Em adição, o art. 1.029 do Código Civil prevê a possibilidade de retirada de sócio insatisfeito, mesmo sem motivação, mediante simples notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias, quando a sociedade for constituída por prazo indeterminado[23]. Em sendo por prazo determinado, o sócio retirante deverá requerer judicialmente a sua retirada provando-se justa causa para tanto.

A propósito do tema, vale traçar algumas considerações sobre a aplicabilidade do art. 1.029 a toda e qualquer sociedade limitada, seja ela regida supletivamente pelas regras da sociedade simples ou pelas regras da LSA. Por um lado, a doutrina não é pacífica sobre o tema e muito se discute sobre a livre disposição dos sócios em escolher a regência que guarde relação com os negócios da empresa[24]. No âmbito da jurisprudência, por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou entendimento no sentido de que o art. 1.029 do Código Civil é aplicável às sociedades limitadas, ainda que estas tenham regência supletiva pela LSA, “por decorrer da liberdade constitucional de não permanecer associado, garantida pelo inciso XX do art. 5º da Constituição Federal“.[25]

Ao que nos parece, as Sociedades de Propósito Específico, pela sua essência, são sociedades com prazo determinado ou ainda determinável (termo incerto), o que ensejaria a aplicação da parte final do art. 1.029 “se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa”. A quebra da affectio societatis, para alguns doutrinadores[26], pode ser caracterizada como justa causa, na medida em que tal circunstância impeça a continuidade da relação com os sócios e com a sociedade. Ricardo Negrão afirma que a justa causa pode ser todo e qualquer ato que dificulte a atividade societária e a consecução do fim social e, nesse sentido, é casuística e de apreciação do Judiciário[27].

À luz das considerações sobre o direito de recesso e direito de retirada de cada modalidade societária, mostra-se juridicamente possível a sua aplicabilidade no âmbito das SPE.

De fato, a SPE é sociedade criada a partir do interesse de seus sócios para a exploração de atividade comum, dotada de objeto específico e prazo de duração determinado ou determinável conforme o tempo necessário para a execução de seu fim. A SPE está intimamente ligada aos seus sócios e, muitas vezes, a realização do seu objetivo depende do capital e do esforço desses sócios. Por conta dessa qualificação, a retirada do sócio insatisfeito deve ser analisada com cautela e de forma minuciosa, sendo aplicável, em princípio, apenas o exercício do direito de recesso à luz estrita da previsão legal: para as SPE sociedades anônimas, conforme o art. 137 da LSA e para as SPE sociedades limitadas, as hipóteses determinadas no art. 1.077 do Código Civil.

É o que se verifica a partir da jurisprudência[28][29] ao analisar situações dessa natureza, adotando-se como ratio decidendi que a finalidade da SPE está subordinada à sua especificidade e temporalidade do seu propósito e somente após o exaurimento deste propósito é que se pode determinar a sua dissolução.

Os julgados aqui analisados são bem diferentes estre si: a Apelação Cível 1137641-48.2016.8.26.0100 refere-se ao pedido de dissolução parcial de SPE sociedade anônima e a Apelação Cível 1106762-92.2015.8.26.0100 teve como causa de pedir a retirada de sócio em SPE sociedade limitada por força da parte final do art. 1.029. Em ambos os casos, o Tribunal entendeu que não ficou comprovada a justa causa para a retirada do sócio insatisfeito, assim como não ficou demonstrado que a SPE não tinha condições de preencher o seu fim.

Por conseguinte, a conclusão é que a adoção da SPE acarreta a permanência de seus sócios até a conclusão de seu objeto social. Assim, a retirada de qualquer sócio dos quadros societários da SPE deve ser sempre motivada, vista com prudência e apenas nos casos de justa causa comprovada, isto é, na hipótese de o sócio retirante verificar gestão temerária ou mesmo fraudulenta pelo controlador ou pela administração, o que está prejudicando a SPE e o atingimento de sua finalidade.

A justificativa, porém, não prospera quando fundada em problemas financeiros da SPE por questões relativas a intercorrências naturais de seu mercado, tampouco quando há problemas financeiros, mas se verifica o esforço da administração para que a sociedade consiga fazer seus pagamentos e atinja seu fim.

Caso assim não fosse, “os sócios poderiam fugir do insucesso do empreendimento e escapar do rateio dos prejuízos e responsabilidades frente aos credores” ou ainda “usariam a larga porta de saída do artigo 1.029 do CC, restrita às sociedades simples, e não às empresariais, para fugir do insucesso do empreendimento e escapar do rateio dos prejuízos e responsabilização frente a credores.”[30]

Em virtude disso, o sócio insatisfeito não pode se retirar da SPE na expectativa de evitar problemas financeiros e deve aguardar a conclusão de seu fim.

4.       Considerações finais

Como se verificou ao longo do presente artigo, a SPE é largamente utilizada como forma de associação entre sócios que têm por objetivo o desenvolvimento econômico de negócios específicos, como empreendimentos imobiliários, além de ser adotada como veículo para parcerias público-privadas e recuperação judicial de empresas.

Verificou-se, igualmente, que a SPE é sociedade criada a partir do interesse de seus sócios para a exploração de atividade comum, dotada de objeto específico e prazo de duração determinado ou determinável conforme o tempo necessário para a execução de seu fim.

Isso porque, a SPE está intimamente ligada aos seus sócios e, muitas vezes, a realização do seu objetivo depende do capital e do esforço dos sócios. Por conta dessa qualificação, a retirada do sócio insatisfeito deve ser analisada com cautela e de forma minuciosa, sendo aplicável, em princípio, apenas o exercício do direito de recesso à luz estrita da previsão legal aplicável às sociedades anônimas e às sociedades limitadas.

Assim, conforme entendimento jurisprudencial, os sócios devem permanecer na SPE até a conclusão de seu fim e sua retirada ser sempre motivada com a devida comprovação da justa causa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MARQUES, Evy Cynthia. Direito de Retirada de sócios de sociedade simples/civil e sociedade limitada no direito comparado e no Brasil. In: FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. (coord.). Direito societário contemporâneo I. São Paulo: Quartier Latin, 2009.

MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 31ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

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NUNES, Marcelo Guedes. Direito de recesso nas incorporações. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; ARAGÃO, Leandro Santos de (coord.). Reorganização societária. São Paulo: Quartier Latin, 2005. __________. Direito de recesso. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/250/edicao-1/direito-de-recesso- Acesso em 27.10.2022.


[1] Mestranda em Direito Comercial pela PUC-SP. LLM pela Goethe Universität. MBA do CEAG pela Fundação Getúlio Vargas. Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogada.

[2] Nas palavras do Professor Fran Martins: “[…], dado o crescimento dos negócios, os comerciantes individuais e as sociedades empresárias passaram a necessitar de uma organização a que se unissem capital e trabalho, para atender às demandas do comércio. Nasceu, aí, a empresa comercial, organismo formado por uma ou várias pessoas com a finalidade de exercitar atos de manufatura ou circulação de bens ou prestação de serviços. A empresa já era conhecida no campo econômico, consistindo na organização de capital e trabalho com a finalidade de produção ou circulação de bens ou prestação de serviços. (MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 31ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 13).

[3] “(…) os contratos de joint venture são criados a partir de um acordo-base em torno do qual gravitam os contratos satélites, sendo seus objetivos realizados por um órgão de gestão e controle que pode ser uma pessoa física ou jurídica, mandatária, formal como uma sociedade por ações, ou informal, como o gerente de um consórcio (BAPTISTA, Luiz Olavo. A joint venture – uma perspectiva comparatista. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, abril/junho de 1981. p. 42/39).

[4] BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. 12 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 493 e 495.

[5] Art. 9º, Lei n.º 11.079 de 30 de dezembro de 2004.

[6] Art. 50, ‘xvi’, Lei n.º 11.101 de 09 de fevereiro de 2005.

[7] A utilização de SPE no mercado imobiliário teve crescimento acentuado após a falência da ENCOL em 1999, que deixou mais de setecentos prédios em construção, sendo que a maioria destes já tinham sido comercializados. Esse foi o maior caso de falência de uma organização não financeira brasileira.

[8] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 2: direito de empresa. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 400.

[9] Ibid., p. 394 e 395.

[10] Art. 1.055, Código Civil.

[11] Art. 1.007, Código Civil.

[12] Art. 1.057, Código Civil.

[13] Art. 4º, LSA.

[14] Como forma de tornar as sociedades anônimas mais atraentes, principalmente pensando no mercado de startups, o novo art. 289 prevê a possibilidade de publicação resumida dos atos societários e contábeis das sociedades anônimas, sendo que empresas com receita bruta anual de até R$ 78.000.000,00 estão dispensadas da publicação dos atos ordenada pela lei societária, conforme redação do art. 294.

[15] Art. 1º, LSA.

[16]Direito de retirada é o poder do acionista de, nos casos previstos na LSA, deixar de ser sócio da companhia mediante formação, por ato unilateral, de negócio jurídico de reembolso, pelo qual aliena suas ações à companhia e dela recebe o valor de reembolso.” (PEDREIRA, Luis Eduardo Bulhões. Direito das companhias, v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 326)

[17] O recesso é a faculdade legal do acionista de retirar-se da companhia, mediante a reposição do valor patrimonial das ações respectivas (CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas. v. 2. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 1070)

[18] Essencial porque não pode ser suprimido pelo estatuto da companhia. Potestativo porque sujeita a companhia à vontade do acionista, que tem o direito de exercê-lo. E condicional porque seu exercício está condicionado à ocorrência de determinadas situações (algumas alterações nas bases essenciais do investimento). (NUNES, Marcelo Guedes. Direito de recesso. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017.)

[19] Certas bases de investimento reputadas essenciais pela LSA não podem ser alteradas sem que seja dada, ao acionista detentor de participação sem liquidez e dispersão, a oportunidade de negociar suas ações. Se o mercado não é capaz de recebê-las, a obrigação recai sobre a própria companhia que, afinal, é a única responsável pela alteração e, no caso dela ser bem sucedida, se apropriará das vantagens pecuniárias. (NUNES, Marcelo Guedes. Direito de recesso nas incorporações. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; ARAGÃO, Leandro Santos de (Coord.). Reorganização societária. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 272.)

[20] Conforme redação: “Art. 206. Dissolve-se a companhia: (…) II – por decisão judicial: (…) b) quando provado que não pode preencher o seu fim, em ação proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social;”

[21] Conforme redação: “Art. 1.077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subsequentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031.

[22] “(…) a modificação contratual, prevista no art. 1.077, do Código Civil, repita-se, deve ser grave e substancial ou deve provocar alteração de elementos essenciais da sociedade.” (LOBO, Jorge. Sociedades Limitadas. Rio de Janeiro: Forense, 2004, Vol. I. p. 230)

[23]Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa (art. 1.029). O direito de recesso, ou seja, direito de se retirar da sociedade, importa uma tensão entre o direito do sócio a não se manter na sociedade e o direito da coletividade à preservação da atividade negocial. Mas o recesso é faculdade que tem lastro constitucional (artigo 5º, XX), mas com consequências patrimoniais que também relevam raízes na Norma Fundamental (artigos 1º, IV, 5º, II e XXXV e 170). Portanto, retirar-se é um direito, mas é preciso respeitar o procedimento legal e assumir as respectivas consequências.” (MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro: Direito Societário: Sociedades Simples e Empresárias, vol. 2. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 97).

[24] José Edwaldo Tavares Borba entende que o art. 1.029 não se aplica às sociedades limitadas, enquanto Fabio Ulhoa Coelho e Tarcísio Teixeira entendem que a aplicação estaria restrita às sociedades que não são regidas supletivamente pela lei das sociedades anônimas.

[25] REsp n. 1.839.078/SP, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 9/3/2021, DJe de 26/3/2021.

[26] MARQUES, Evy Cynthia. Direito de Retirada de sócios de sociedade simples/civil e sociedade limitada no direito comparado e no Brasil. In: FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. (coord.). Direito societário contemporâneo I. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p.246 e 247.

[27] “(…) é todo e qualquer ato, ou conjunto de atos, de um ou alguns dos sócios que impeça o prosseguimento da atividade comum, da vida societária. Não são situações delineadas na lei, como ocorre com as aplicáveis para as sociedades por ações, tampouco hipóteses de largo espectro, como a que previa o Decreto nº 3.708/19. São demonstrações claras de fatos que, para o homem comum, impedem a realização dos fins sociais.” (NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresas, vol. 1, 3ª ed., SP: Saraiva, 2003. p. 311)

[28] TJSP; Apelação Cível 1137641-48.2016.8.26.0100; Relator (a): Claudio Godoy; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 16ª Vara Cível; Data do Julgamento: 24/09/2018; Data de Registro: 26/09/2018.

[29] TJSP; Apelação Cível 1106762-92.2015.8.26.0100; Relator (a): Francisco Loureiro; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 21ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/03/2017; Data de Registro: 30/03/2017

[30] TJSP; Apelação Cível 1137641-48.2016.8.26.0100; Relator (a): Claudio Godoy; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 16ª Vara Cível; Data do Julgamento: 24/09/2018; Data de Registro: 26/09/2018.