PROPRIEDADE PRIVADA E SUA FUNÇAO SOCIAL: COMPORTAMENTO NAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS BRASILEIRAS E PORTUGUESAS

PROPRIEDADE PRIVADA E SUA FUNÇAO SOCIAL: COMPORTAMENTO NAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS BRASILEIRAS E PORTUGUESAS

1 de fevereiro de 2022 Off Por Cognitio Juris

PRIVATE PROPERTY AND ITS SOCIAL FUNCTION: BEHAVIOR IN BRAZILIAN AND PORTUGUESE BUSINESS SOCIETIES

Cognitio Juris
Ano XII – Número 38 – Edição Especial – Fevereiro de 2022
ISSN 2236-3009
Autores:
Rodrigo Lima Maia

Resumo: Traçando um parâmetro histórico sobre as limitações do direito de propriedade privada, na presciência moderna de compressão da propriedade, destaca-se a determinação da função social da propriedade com o nascimento do Estado social. A constituição portuguesa de 1976 não trás referências especifica com relação à função social de propriedade em nenhum dos seus preceitos. No Brasil, a funcionalidade da função social das empresas privadas é incluída constitucionalmente, contendo em seu discurso social o principal fundamento teórico, como acentuado na preocupação econômica produtiva e na sustentação prática pela doutrina. Analisando a Constituição de Federal de 1988, bem como as práticas administrativas das empresas privadas brasileiras, é possível afirmar que o viés parcimonioso da função social da propriedade sobressai restando apenas o discurso social preso à retórica.  Desta forma, o presente artigo tem como objetivo geral traçar um estudo comparativo entre o comportamento das empresas privadas brasileiras e portuguesas de acordo com o conceito de propriedade privada e sua função social. Na metodologia foi realizada uma pesquisa bibliográfica, descritiva e exploratória. O método foi hipotético-dedutivo sendo ofertadas algumas soluções provisórias como uma teoria-tentativa. Nos resultados foram qualidades no sistema tributário brasileiro que não existem no português, como exemplo da função social das empresas privadas.

Palavras-chave: Direito de propriedade. Empresas privadas. Responsabilidade Tributária.

Abstract: Tracing a historical parameter on the limitations of the right to private property, in the modern foresight of compression of property, the determination of the social function of property with the birth of the welfare state stands out. The Portuguese constitution of 1976 makes no specific reference to the social function of ownership in any of its precepts. In Brazil, the functionality of the social function of private companies is constitutionally included, containing in its social discourse the main theoretical foundation, as emphasized in the productive economic concern and in the practical support by the doctrine. Analyzing the Federal Constitution of 1988, as well as the administrative practices of Brazilian private companies, it is possible to affirm that the parsimonious bias of the social function of property stands out, leaving only the social discourse attached to rhetoric. Thus, the present article has the general objective of drawing a comparative study between the behavior of Brazilian and Portuguese private companies according to the concept of private property and its social function. In the methodology, a bibliographic, descriptive and exploratory research was carried out. The method was hypothetical-deductive and some provisional solutions were offered as a tentative theory. The results were qualities in the Brazilian tax system that do not exist in Portuguese, as an example of the social function of private companies.

Keywords: Property right. Private companies. Tax Liability.

INTRODUÇÃO

Os estudos da área do Direito vêm focando suas analises nos elementos formais e instrumentais, desta maneira, restringem a probabilidade do entendimento próprio do Direito. O conceito de campo jurídico empregado por Bourdieu (1989) vem sendo um importante utensílio para envolver esse universo social organizando relações e delimitando espaços, para que os “operadores do direito” concorram entre si pela posse do direito de falar o Direito.

Assim, a noção de propriedade privada sobrepujada nos manuais de “Direitos das Coisas” ou “Direitos Reais” consente apontar esse artifício de lutas que acontece internamente no campo jurídico, confirmando a edificação de novas práticas e um discurso jurídico próprio, tendo como objetivos principais a difusão, produção e reprodução da ciência, além de que tem corroborado para a cristalização do pensamento jurídico dominante (NONES, 2009).

Logo, a propriedade é um sentimento intrínseco ao ser humano e baseamento derradeiro d a sociedade contemporânea caracterizando-se como o direito no qual é gravitada “toda a regulação jurídica do Direito das Coisas, constituindo ainda um dos sustentáculos – ao lado das instituições da Família e do Contrato – do sistema liberal-burguês refletido em nosso revogado Código Civil, no tripé tradicional do Direito Privado” (TEPEDINO, 2001, p. 269).

Contudo, com a Constituição Federal de 1988, a ferramenta normativa de 1916 foi separada tendo em vista que seu texto de Função Social da Propriedade é definido como “a preocupação de assegurar o uso da coisa em consonância com os ditames clamados pelo bem comum, afastando-se do plena in re potestas e adquirindo cada vez mais um caráter publicista” (TEPEDINO, 2001, p. 271).

Esse conceito refletiu na preparação do novo Código Civil, recém-aprovado, apontando de forma coerente à criação dos novos princípios norteadores do direito, principalmente o da Sociabilidade, na tentativa de superar o caráter individualista do Diploma revogado. Deste modo, é valido ressaltar que, esse instrumento tem modificado suas diretrizes com o decorrer do tempo. “Ainda hodiernamente, há dissensões doutrinárias no tocante ao conceito da propriedade e sua função social” (SHIRAISHI NETO, 2008, p. 83).

É fato que, o regulamento da tutela do domínio ao acolhimento dos veles sociais complacentes especialmente no que diz respeito ao acolhimento da dignidade da pessoa humana, vem dando novos moldes ao direito de propriedade, de forma a “conformar os interesses proprietários com os múltiplos interesses não-proprietários, e sobretudo o de conformar os interesses patrimoniais àqueles de natureza existencial” (BARRETO, 2005 p. 19).

A Constituição brasileira de 1988 garante, em seu artigo 5º, inciso XXII, o direito à propriedade. Alongou-se, o representante em definir, no inciso XXIII, do mesmo artigo, que “a propriedade atenderá a sua função social.” E manifestou-se novamente esforçado ao versar os princípios da ordem econômica mencionando no inciso II do art. 170, à “propriedade privada”, bem como, no inciso seguinte, à “função social da propriedade.” (BRASIL, 1988, p. 22). A atitude, cogitada nestes aparelhos e outras vias do texto constitucional, “conduz inevitavelmente à conclusão de que, no direito brasileiro, a garantia da propriedade não pode ser compreendida sem atenção à sua função social” (TEPEDINO, 2001, p. 281).

Introduziu-se, portanto, no ordenamento jurídico brasileiro uma inquietação com a funcionalização da propriedade com relação ao interesse social. Essa preocupação foi resultado de uma atitude assistencialista e intervencionista adotada pelo Estado, somente com a Constituição de 1946. O artigo 147 do anteposto texto constitucional assemelhava-se ao estampado por Pinheiro (2006), quando aponta que na Constituição de Weimar “O uso da propriedade será condicionado ao bem estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, §16, promover a justa distribuição da propriedade com igual oportunidade para todos”. O princípio também se encontra no texto constitucional de 1967, “que se encarregou ainda de elevar a função social à categoria de princípio da ordem econômica e social” (Idem, 2006, p. 124).

Baseado na hipótese que a ideia de função social acaba por romper com a compreensão individualista e liberal do direito de propriedade, apresentou-se a seguinte problemática: De que forma a lei de propriedade das empresas privadas e sua função social sobressai no direito de propriedade português?

Para responder o seguinte questionamento, o presente artigo tem como objetivo geral traçar um estudo comparativo entre o comportamento das empresas privadas brasileiras e portuguesas de acordo com o conceito de propriedade privada e sua função social. E como objetivos específicos: traças um panorama histórico sobre o direito de propriedade; analisar o conceito de função social; avaliar as leis de direito de propriedade no Brasil e em Portugal e suas respectivas diretrizes; e, por fim, apontar quais fatores diferem as leis de direito de propriedade do Brasil e Portugal.

Todavia, durante toda história constitucionalista brasileira, a função social nunca recebeu um tratamento tão vasto e concreto como o que está previsto na atual Constituição. “Não foi ela apenas referida como direito e garantia individual e como princípio da ordem econômica, mas ganhou, ao lado de seu adequado posicionamento no sistema constitucional, indicação de um conteúdo mínimo, expresso no que tange à propriedade” (SANTOS, 2013, p. 42).

Complementando, Shiraishi Neto (2008), afirma que a propriedade vai desenvolvendo assim, um novo compromisso com o sistema civil-constitucional brasileiro, o de garantir a conservação e o acesso àqueles bens imprescindíveis para uma vida digna, seja na esfera dos bens públicos ou no âmbito dos bens privados. Com esta definição, é possível pensar em uma garantia de propriedade privilegiada de acordo com o texto constitucional a serviço do seu escopo fundamental: o desenvolvimento pleno da pessoa humana. Destarte, justifica-se, a relevância do tema.

O presente artigo conta com a seguinte estrutura: introdução, quatro capítulos para dar o embasamento teórico da pesquisa, metodologia, análise dos dados, conclusão e referências.

  1. ETIOLOGIA HISTÓRICA DO DIREITO DE PROPRIEDADE

A reflexão do Direito partindo da ciência de campo jurídico manifesta uma experiência de aprendizado do universo social característico onde ele é produzido, reportado e difundido, sem a inquietação de situar esta discussão em debates científicos prevalentes, com instrumentos que tendem a diminuir o entendimento do próprio direito, quando focaliza sua análise em elementos formais e instrumentais (BOURDIEU, 1989).

O rompimento com esses esquemas de interpretação, que na maioria das vezes têm se colocado como antagônicos, possibilita promover “novas leituras” do Direito, no sentido de compreendê-lo no contexto das relações sociais que compõem a sociedade. Em outras palavras, as práticas e os discursos jurídicos devem ser tomado como produto deste campo, determinado por relações de forças sociais que o estruturam e por uma lógica que delimita os espaços possíveis do Direito os “operadores do direito” concorrem pelo monopólio do direito de dizer o Direito (BOURDIEU, 1989, p. 212).

Se levarmos em consideração a existência de uma contenda estabelecida internamente no campo jurídico, é afastado deliberadamente o conceito da universalidade e neutralidade dos diferentes organismos de avaliação da ciência jurídica, na qual seriam inscritos projetos legítimos para a aplicação e interpretação do Direito. “Para além desse processo tem-se observado nas disputas mais recentes uma reivindicação de homogeneidade jurídica universal, comprometida com um projeto global de sociedade” (SHIRAISHI NETO, 2008, p. 84).

“A noção de função social da propriedade permitiu que o direito de propriedade fosse encarado pela doutrina como uma complexa situação jurídica subjetiva, ativa e passiva, que ensejaria direitos, obrigações e ônus” (GOMES, 1998, p. 96). Apesar disso, essa designação não é satisfatória para definir o princípio da função social da propriedade, “pois enquanto o termo função não toca no conteúdo do direito o social é ambígua, sua solução exige a determinação do alvo do conceito” (GOMES, 1998, p. 99). Existiria, assim, um enigma na tentativa de transformar a noção de função social em um conceito jurídico, devido a sua elasticidade.

Desta forma, Silva (1999) denota que, o conceito de propriedade privada estabelecida nos prontuários de “Direitos das Coisas” ou “Direitos Reais” permitem especificar o método de lutas acontece na parte interna do ordenamento jurídico, comprovando a prática e de um discurso jurídico adequado, com foco na reprodução, produção e difusão da noção e do saber que vem tendo serventia na cristalização do pensamento jurídico dominante.

Desde longe provém o instituto da propriedade. Em Roma, de início, não havia uma sistematização dos conhecimentos sobre o tema em tela. A propriedade apresentava-se como um direito absoluto, no sentido de não comportar limites ou restrições, o qual conferia ao seu titular um poder de usar, gozar e dispor da coisa. Para os juristas romanos daquela época, a propriedade era constituída de três faces: usus (o poder de utilizar-se da coisa); o fructus (o poder de perceber frutos ou produtos do bem); e o abusus (o poder de consumir ou alienar a coisa) (SHIRAISHI NETO, 2008, p. 84).

Todavia, em seguida, sucedeu a Lei das Doze Tábuas, que já prognosticava o amparo aos atos avaliados como atentatórios à vivência desta posse sobre as coisas, como exemplo dos furtos, danos originados por animais em propriedades alheias, entre outros. Partindo desse pressuposto, a concepção de propriedade desenvolveu tanto que, durante o período clássico, foi reconhecida a propriedade quiritária e a propriedade sobre as terras conquistadas (SANTOS, 2013).

“Ao bem regulá-la, a propriedade em Roma não mais se constituía como um direito absoluto. Conforme lição de Caio, a propriedade seria o jus utendi et abutendi, quatemus juris ratio patitur”; o direito devia ser usufruído conforme razões de Direito” (SHIRAISHI NETO, 2008, p. 84). Afirma ainda que, essas limitações nasciam no que pertence ao direito de servidões, vizinhança e, especialmente, nos domínios dos amos sobre os escravos. Assim, é configurada uma noção incipiente da função social da propriedade.

No período da Idade Média, o manifesto do direito de propriedade foi dividida em duas categorias: o directum e o utile. Neste preceito social, o dono das terras, docente do directum, cedia parte de seu domínio à posse do vassalo, que desempenharia o utile, tornando-se o que hoje, Hiering (2006), caracteriza como possuidor direto. Este, consequentemente, também poderia transferir este domínio para outro, aderindo complicada contextura de interdependências jurídicas.

O evolver social veio desaguar na formação de uma classe burguesa, estabelecida com o desenvolvimento da atividade comercial e florescimento das cidades, o que fragilizou a nobreza feudal, incentivando a transformação de tal regime. Em decorrência, a propriedade de todas as terras foi transferida ao monarca, que, com o intuito de incrementar o erário, passou a explorá-las na forma de imposição de pesados tributos (ANJOS FILHO, 2001, p. 58).

A Revolução francesa, cujo documento maior, foi o marco dessa modificação, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, exposto por Locke (1983, p. 55), predizia que a propriedade constituiria em “uma barreira intransponível para o Estado: um direito natural”. O autor afirma ainda que essa noção de propriedade seria revestida de caráter individualista, embora não fosse de todo ilimitada.

Tal compreensão passou por sérias reações, destacando: Proudhon (1975), que, avaliou a propriedade individual como “um roubo”; Marx (1988), ao cravar o aniquilamento da propriedade privada; e Comte (1957), que vem aplanar o alicerce da funcionalização da propriedade, mesmo que privada. Contudo, o direito de propriedade permanece atualmente com caráter de cunho individualista, não obstante, mesmo com limitações buscam melhor acomoda-lo ao bem-estar social.

A força dos discursos jurídicos e de sua difusão se relaciona ao capital simbólico que determina a posição hierárquica ocupada pelo “operador do direito” no campo jurídico, sendo que, a depender da posição do “operador”, mais próximo ou distante do campo do poder, o discurso se apresenta com roupagem característica (SHIRAISHI NETO, 2008, p. 89).

Assim, a própria composição do Direito, expondo normas gerais e vagas, categorias e conceitos confirma essa prática, tornando plausível que os discursos jurídicos sejam apresentados com “elasticidade”, de forma antagônica ou complementar. No entanto, vale ressaltar que “o fato desses discursos jurídicos serem aceitos, desde que sua representação esteja de acordo com a normalidade em face de todas as práticas” (BOURDIEU, 1989, p. 214). A demarcação de “normalidade”, assim sendo, novamente encontra-se em meio a disputas no campo jurídico, de modo que os intérpretes autorizados “planeiam” o Direito.

“O duplo sentido que pode ser atribuído aos conceitos, às categorias ou às normas permite a possibilidade de construir os discursos jurídicos sob diversas formas e conteúdos” (BARRETO, 2005, p. 18). Entretanto, a competência de atuar nessas modificações acarreta em relações de força estabelecidas dentro do campo jurídico. Por isso, é possível afirmar, ainda de acordo com Barreto (2005) que, confiamos que a aptidão do Direito serve como meio para modificar-se a realidade.

Ao delimitar esse espaço, o discurso jurídico tem o poder de construção e desconstrução da realidade ao declarar, constituir ou extinguir, o que o diferencia das demais ciências; assim é que se consolida, pois consagra a representação oficial do mundo social, que tende a se colocar sobre todos, ou pessoas ou grupos (BOURDIEU, 1989, p. 240).

Avalia-se, portanto, que esse tipo de discurso é realizado de forma antagônica, concebendo, sobretudo, maneiras distintas com relação ao entendimento do Direito, quando Santos (2013, p. 44) aponta que: “os que defendem um tipo de propriedade privada absoluta, livre e desembaraçada de qualquer tipo de ônus, e os que procuram relativizar a ideia, funcionalizando a propriedade privada aos interesses sociais”. Por conta disso, buscam considerar essas alocuções adotando como referência os manuais de direito das coisas e do direito real, numa produção denominada como autônoma que se esta inscrita na elaboração de debates críticos acerca do Direito Privado. Assim, é elaborado o discurso acerca do direito de propriedade privada.

  • FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

A Constituição Federal de 1988 menciona o direito propriedade sob a alusão de diversas modalidades. Em seu art. 170º, inciso II, aponta “propriedade privada”. No art. 182º, reflete sobre a “propriedade imóvel urbana”. No art. 186, sobre “a propriedade imóvel rural”, e assim sucessivamente. Contudo, ao aludir à função social, citou somente à “função social da propriedade,” não decorrendo de qualquer especificação. Essas indagações não são meramente literais (BRASIL, 1988).

A Constituição nivelou estrangeiros e brasileiros ao garantir os seus direitos de propriedade. O caput do artigo 5º prevê que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (Idem, 1988, p. 28). Deste modo, proibiu o acesso de estrangeiros a alguns bens, como exemplo o da propriedade das instituições jornalísticas, porém, garantiu a todos – brasileiros ou não – a tutela do seu domínio no artigo 222º quando discorre a afirmativa que “a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, aos quais caberá a responsabilidade por sua administração e orientação intelectual”. (BRASIL, 1988, p. 46).

“A doutrina mais recente reconhece a variedade dos estatutos proprietários, conforme seja a propriedade, por exemplo, móvel ou imóvel, urbana ou rural, de grande ou pequena extensão” (SHIRAISHI NETO, 2008, p. 89). A disparidade dos modos de aquisição e perda, garantias e conteúdos da disciplina legal nas situações jurídicas subjetivas são denominados de “propriedade” colocando em cheque a própria integração da denominação.

De fato, a variedade e relatividade da noção de propriedade, conquista inderrogável de um processo evolutivo secular, cujo itinerário, percorrido por qualificada doutrina, não seria nem oportuno nem possível retomar, corrobora a rejeição, há muito intuitivamente proclamada, da propriedade como noção abstrata. Chega-se, por este caminho, à configuração da noção pluralista do instituto, de acordo com a disciplina jurídica que regula, no ordenamento positivo, cada estatuto proprietário. (TEPEDINO, 2001, p. 279).

A multiplicidade de manifestações do feito patenteado, entretanto, não afasta a obrigação da adequação do seu exercício com relação a interesses sociais complacentes. “É evidente que a função social também varia de acordo com o estatuto proprietário em questão, mas o texto constitucional não deixa dúvidas de que toda propriedade tem, ou deve ter, função social” (BARRETO, 2005, p. 21).

Não restam dúvidas que as diretrizes do direito internacional privado são submetidas ao texto constitucional. Logo, de acordo com Santos (2013), a garantia da propriedade está relacionada à propriedade cumpridora da sua função social independente da sua fonte no sistema jurídico brasileiro, conforme estabelecido a Constituição.

Neste sentido, a chamada propriedade pública tem uma função social. A referência corriqueira à “função social da propriedade privada” explicasse pelo fato de que é, neste âmbito, que a funcionalização opera de forma mais revolucionária, afastando a tradicional noção da propriedade privada como espaço de liberdade individual e tendencialmente absoluta do titular do domínio (TEPEDINO; SCHREIBER, 2005, p. 127).

A função social dimana correntemente como método para legitimar o desempenho restritivo da Administração Pública com relação à propriedade privada, entretanto não é invocada quando há o controle do exercício da própria Administração Pública na sua propriedade. É possível afirmar ainda que, de acordo com Shiraishi Neto (2008) e Barreto (2005) a noção de função social da propriedade, mesmo sendo ‘recente’ no ordenamento jurídico brasileiro, auferiu complacentes contribuições da Igreja medieval bem como, da sua doutrina.

Desde Santo Ambrósio, propugnando por uma sociedade mais justa com a propriedade comum, ou Santo Agostinho, condenando o abuso do homem em relação aos bens dados por Deus, e Santo Tomás de Aquino, que vê na propriedade um direito natural que deve ser exercido com vistas ao bonum commune, até aos sumos pontífices que afinal estabeleceram as diretrizes do pensamento católico sobre a propriedade, sempre em todas as oportunidades, a Igreja apreciou a questão objetivando humanizar o tratamento legislativo e político do problema (ARAÚJO, 1977, p. 7).

O momento chave do embasamento da Igreja sobre o assunto foi desencadeado através do Papa Leão XIII na Encíclica Rerum Novarum, quando iniciaram as discussões de que as contribuições do bem comum deveriam ser engajadas pelo uso da propriedade. Desta forma, esta descrita a aporte de São Tomás, ao explanar que, “no concernente ao uso, o homem não deve possuir os bens exteriores como próprios, mas como comuns, de tal forma que facilmente os comunique nas necessidades dos outros” (BARRETO, 2005, p. 22). Assim, “prega a Igreja que a propriedade tem como característica intrínseca a função social, compreendendo o individual e o social, admitindo ainda a propriedade pública dos bens cuja apreensão individual configuraria um risco para o bem comum” (Idem, 2005, p. 22).

Adotando as visões da Igreja por plataforma, Duguit (1923) vem idealizar a propriedade como função social, encravando também a mutação da instituição jurídica de propriedade, postura esta, que se mostra impecavelmente coerente na doutrina de negação de direitos subjetivos. Para ele, alguém na situação proprietário no âmbito jurídico teria como obrigação empregá-lo no desenvolvimento bem comum e da riqueza.

Essas altercações são, portanto, a socialização do conceito de propriedade, tendo em vista que, esta deixa de ser um direito do cidadão, para converter-se em função social é cada dia mais cerceado, levando em consideração a ampliação na quantidade de casos que a sociedade juridicamente protegida leva em frente à propriedade (SHIRAISHI NETO, 2008).

Vale salientar que em oposição a esta ideação, Gomes (1998, p. 103), anuncia que “serve ela apenas para esconder a substância da propriedade capitalista, ao considerar a atividade do produtor de riqueza como uma profissão no interesse geral”. Além disso, outras dificuldades, como a exemplo do fato que a função social da propriedade não tem valor normativo porquanto não se utilize das normas restritivas do direito de propriedade moderno (GOMES, 1998).

“A hipótese assumida coloca-o em consonância com o que se denomina dogmática tradicional, ao considerar que a propriedade privada deva ser regulamentada exclusivamente pelo Código Civil” (TEPEDINO, 2001, p. 275). Para ele, a Constituição de 1988 é percebida como “uma carta contendo princípios e valores, que por sua própria natureza não pode ser traduzida em regras ou se constituir de normas que impõem ou orientam determinadas condutas” (Idem, 2001, p. 275).

Neste caso, regras ou normas constitucionais poderiam somente ser atuadas de forma residual ou excepcional, contudo, que nenhuma maneira os exercícios interpretativos poderiam incidir sobre elas. Este conceito operacional do Direito permanece em assegurar o afastamento entre os dispositivos do direito e a Constituição Federal. “A função social tem sido concebida como algo estranho ao Código Civil e de difícil operacionalização, sobretudo por se tratar de uma noção sem conteúdo definido e que se encontra no texto constitucional” (TEPEDINO, 2001, p. 269).

Esses contextos expostos como problemas são empregados precisamente como recursos para outro conjunto de atores, que explica a vigência e emprego imediato dessa noção conferindo um novo teor ao direito de propriedade: “A propriedade, todavia, na forma como foi concebida pelo Código Civil, simplesmente desapareceu no sistema constitucional brasileiro, a partir de 1988” (TEPEDINO, 2001, p. 283).

Ocorre que a elaboração desse discurso ocorre por fora da disciplina, porque é preparado dentro de um ponto de vista crítico e inovador posicionando-se em face da dogmática tradicional. Neste caso, é ancorada a propriedade privada da terra às conjunturas que são explanadas em consenso com as diretrizes do texto constitucional (SHIRAISHI NETO, 2008).

“O primeiro obstáculo ultrapassado é o de que a propriedade privada não se trata de algo natural, sendo produto das relações sociais, econômicas e culturais” (FACHIN, 1987, p. 39). Logo, a propriedade não imutável e universal, mas um contexto muito alterável no tempo e espaço. Esse método é de vital importância para o entendimento do Direito, pois “torna possível à afirmação de que a propriedade privada pode assumir outros conteúdos e feições que não aqueles consagrados pelo Código Civil de 1916” (PERLINGIERI, 1971, p. 59).

Destarte, a “função social da propriedade” e a propriedade privada sobrevêm a ser introduzidas na contextualização do ordenamento jurídico, em alusão ao que discorre a Constituição Federal de 1988. “O fato de a propriedade e a função social terem sido tratadas, inclusive no capítulo que diz respeito aos “direitos e garantias fundamentais”, não teria razão se não fosse para instrumentalizar toda Constituição” (TEPEDINO, 1989, p. 75). Este princípio tem que ser orientado pelos objetivos e pelas diretrizes fundamentais da República em seus artigos 2º e 3º, contendo a regra basilar na dignidade da pessoa humana mesmo que este seja vago na “função social da propriedade”, (TEPEDINO, 1989).

  • A INSERÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL NO DIREITO DE PROPRIEDADE

As atividades relacionadas às decisões dos tribunais brasileiros mostram algumas questões polêmicas tendo suas discussões centralizadas na função social da propriedade. Com relação à noção de função social da propriedade continua ainda com incertezas na sua elaboração. “O conteúdo ideológico sugerido pela expressão faz com que nela se vislumbre, vez por outra, uma ameaça de negação à propriedade privada e ao próprio sistema capitalista” (NONES, 2009, p. 12). Exemplificando a seguinte situação, discorre a ementa:

Ninguém nega ao Poder Público o direito de instituir parques nacionais, estaduais ou municipais, contanto que o faça respeitando o sagrado direito de propriedade assegurado pela Constituição Federal anterior (artigo 153, §22) e pela vigente (artigo 5º, inciso XXII). (…) O fato de o legislador constitucional garantir o direito de propriedade, mas exigir que ele atenda a sua função social (XXIII) não chegou ao ponto de transformar a propriedade em mera função e em pesado ônus e injustificável dever para o proprietário. (original sem grifo) (SCHREIBER, 2001, p. 3).

O receio elucida-se diante da evolução histórica da construção do conceito de função social, que aparece na obra de Duguit (1923), como uma posição contrária ao direito subjetivo de propriedade. “É só por meio de árduos esforços da doutrina italiana que a função social vem se consolidar como elemento interno do domínio, capaz de alterar a estrutura desse instituto jurídico” (BARRETO, 2005, p 9).

Os estabelecimentos jurídicos classificam-se em duas vertentes: a estrutural e a funcional ou teleológica, ou seja, estrutura e função respectivamente. Na emenda de Perlingieri (1982, p. 94), “estrutura e função respondem a duas indagações que se põem em torno do fato. O como é? evidencia a estrutura, o para que serve? evidencia a função”. Ele afirma ainda que a função está relacionada aos interesses que determinado instituto almeja tutelar, sendo o fator de maior relevância já que este determina os traços baseais da estrutura em sua ultima análise. De acordo com Pugliatti (1964, p. 300), a função é a “razão genética do instituto e, por isso, seu elemento caracterizador”. Dessas lições é extraída, a síntese, que:

  1. A função corresponde ao interesse que o ordenamento visa tutelar por meio de um determinado instituto jurídico; e
  2. A função de um instituto jurídico pré-determina a sua estrutura (PUGLIATTI, 1964, p. 300).

Esta perspectiva funcional permite a compreensão de uma elaboração doutrinária de vital relevância no que se refere à multiplicidade do domínio. “A doutrina civilística já demonstrou que não há um único instituto jurídico de propriedade, mas vários institutos, regulados por estatutos jurídicos próprios de acordo com a função a que visem atender” (SANTOS, 2013, p. 22). O direito de propriedade é plural levando em consideração que, a partir do interesse tutelado pelo ordenamento jurídico, este atrairá disciplinas normativas completamente diversificadas.

As diferentes funções a serem exercidas pela propriedade, conforme as características de seu sujeito ou objeto fazem incidir sobre ela regras particulares. Assim, por exemplo, o proprietário tem, em regra, o direito de alterar a coisa sobre a qual recai o seu domínio, mas nega-se igual direito ao proprietário de coisa em condomínio, salvo se houver permissão de todos os condôminos (SCHREIBER, 2001, p. 6).

Mesmo que o coproprietário seja o proprietário, o direito de alteração das coisas é restrito a ele. Outro fator apresenta-se na denominada propriedade artística, científica e literária, na qual a tendência perpétua típica do domínio esvanece por intermédio do prazo de tutela dos direitos patrimoniais do criador, bem como o concludente acesso a obra em domínio público. Por conta dessas e outras circunstâncias as disciplinas normativas privadas “produzem diferenças tão significativas entre os direitos que, a rigor técnico, talvez não seja possível atribuir a todos a denominação comum de propriedade” (RECHET, 1969, p. 57).

Impor parâmetros objetivos à aplicação dos princípios constitucionais é necessário e conveniente. Isso por inúmeras razões que vão desde a possibilidade de abuso por parte do Poder Judiciário até os riscos de que a invocação repetitiva e impertinente do princípio acabe por convertê-lo em fórmula vazia, abandonada à incredibilidade e ao esquecimento. Consoante a melhor doutrina, servem de parâmetros para a aplicação dos princípios e cláusulas gerais os próprios valores consagrados na Constituição (TEPEDINO, 2001, p. 294).

Os conflitos ocorridos através das regras antagônicas são resolucionados pela “exclusão de uma das regras e aplicação da outra, seja porque uma delas foi declarada inválida seja porque recorreu-se a uma das cláusulas de exceção previstas no próprio ordenamento” (BOBBIO, 1999, p. 91). Essas normas são justapostas de “acordo com a lógica do ‘tudo ou nada’ e, em caso de antinomia, apenas uma delas será autorizada a influenciar a decisão” (DWORKIN, 1999, p. 24).  O choque de diretrizes, consequentemente, não é resolucionado com a invalidade ou exclusão de um dos princípios, mas sim, por causa do julgamento dos valores abarcados. “Princípios conflitantes coexistem, porque a sua própria natureza permite o balanceamento de valores e interesses, podendo ambos informar a decisão, cada um em certo grau” (Idem, 1999, p. 24).

Assim sendo, a “ponderação de valores não é uma técnica guiada por uma metodologia precisa, mas a doutrina contemporânea tem se esforçado por estabelecer critérios mínimos a serem seguidos nesse processo” (SHIARAISHI NETO, 2008, p. 89). Um exemplo é a ideia de que as técnicas de avaliações não resultam na troca de um valor em função de outro é amplamente aceita entre os agentes que se ocuparam do assunto.

Como não existe um critério abstrato que imponha a supremacia de um (valor constitucional) sobre o outro, deve-se, à vista do caso concreto, fazer concessões recíprocas, de modo a produzir um resultado socialmente desejável, sacrificando o mínimo de cada um dos princípios ou direitos fundamentais em oposição (BARROSO, 2001, p. 265).

A evolução histórica, tanto dos institutos da propriedade, quanto da sua função social deságuam ao lado do Direito Civil em seara Constitucional. Deste modo, o Código Civil deixa de lado o estudo de propriedade os cedendo às normas superiores decorrentes do princípio de supremacia da Constituição (SANTOS, 2013).

Esse acontecimento pôde ser ressalvado na Constituição do México de 1917, que implantava em seu art. 27 que “A Nação terá, a todo tempo, o direito de impor à propriedade privada as determinações ditadas pelo interesse público” (COMPARATO, 1986, p. 76). Além disso, a Constituição de Weimar da Alemanha no ano de 1919, no artigo 153 aponta que “a propriedade obriga e seu uso e exercício devem ao mesmo tempo representar uma função no interesse social” (Idem, 1986, p. 76). No Brasil,

A ideação arrolada entrou no cotidiano jurídico com a Constituição de 1946, dada à interrupção do Estado Novo, pois, embora houvesse disposição constitucional acerca da regulação legal da propriedade, a vontade do regime ditatorial prevalecia em todas as ocasiões. Somente em 1967, apareceu textualmente a função social, como princípio de ordem econômica (Petrucci, 2007, p. 13).

Recentemente, a Lex Fundamentalis, além de implantar a função social da propriedade no capítulo referente às garantias e direitos individuais, “plasma-o como princípio de ordem econômica, subdividindo seus efeitos conforme seja a propriedade urbana ou rural, o que configura uma inovação da Constituição vigente” (BONAVIDES, 2000, p. 64).

Desta forma o novo Código Civil foi formulado, especialmente seu artigo 1.228, ao discorrer incisos inovadores a cerca da função social da propriedade. Em perfeita composição, o § 1.º institui que:

O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, à flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas (BRASIL, 2002, p. 2).

Igualmente virtuoso é também o § 2.º: “São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem” (BRASIL, 2002, p. 3). Tais disposições encontram-se nos parâmetros dos princípios básicos da nova Lei Civil, especialmente no Princípio da Sociabilidade.

É constante o objetivo do novo Código no sentido de superar o manifesto caráter individualista da Lei vigente, feita para um país ainda eminentemente agrícola, com cerca de 80% da população no campo. Hoje em dia, vive o povo brasileiro nas cidades, na mesma proporção de 80%, o que representa uma alteração de 180 graus na mentalidade reinante, inclusive em razão dos meios de comunicação, como o rádio e a televisão. Daí, o predomínio do social sobre o individual (REALE, 2002, p. 29).

É possível observar na citação de Reale (2002) que, a inclusão da propriedade nas restrições determinadas pelo bem comum afigurando-se como um manifesto concreto da oportuna publicização do Direito Civil. Afinal, independentemente da sua natureza, a propriedade deverá ser direcionada para o bem comum. “Sempre haverá função social da propriedade, mais ou menos relevante, porém a variável instala-se no tipo de destinação que deverá ser dado ao uso da coisa” (PETRUCCI, 2007, p. 15).

Considerando a função social na visão de Schreiber (2001, p. 6), é importante consubstanciar-se os seguintes pontos: “i) como um objetivo ao direito de propriedade, ou seja, algo que lhe é exterior, ou ii) um elemento desse mesmo direito, um requisito intrínseco necessário à sua própria existência”. O preceito mais atual de função social é inclinado a aceitar a função social da propriedade como uma parte complementar da propriedade: “em não havendo, a propriedade deixa de ser protegida juridicamente, por fim, desaparecendo o direito” (Idem, 2001, p. 8).

Do mesmo modo Silva (1999, p. 286) corrobora da seguinte maneira: “a função social se manifesta na própria configuração estrutural do direito de propriedade, pondo-se concretamente como elemento qualificante na predeterminação dos modos de aquisição, gozo e utilização dos bens”.

Destarte, “reiteramos que não há que se falar em propriedade sem que tal direito esteja imbuído de uma destinação – ou função – social, elemento este integrante e necessário para sua própria existência” (PETRUCCI, 2007, p. 16). Qualquer que seja o tentame deste direito para terminações egoísticas e danosas para o bem comum, esta deverá ser imediatamente erradicada.

  • A INCLUSÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NO TEXTO CONSTITUCIONAL PORTUGUÊS

A Constituição Portuguesa de 1976 não faz nenhuma referência especifica com relação à função social de propriedade em nenhum dos seus códigos. De acordo com Petrucci (2007, p. 61) o texto constitucional português garante a propriedade privada no Capítulo I – “Direitos e deveres econômicos” quando prevê no art. 62º do título III – “Direitos e deveres econômicos, sociais e culturais”.

  1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.
  2. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, 2005, p. 48).

No que se refere aos princípios gerais da organização econômica, o Texto Maior de Portugal decide, no seu artigo 80º, que necessita coexistir a propriedade privada, os bens de produção e a propriedade pública. Afirma ainda que quando existe interesse coletivo, também deve aos meios de produção e a propriedade pública dos recursos naturais – exposto nas alíneas b e c – garantindo uma proteção extra aos setores social e cooperativo de prorpriedade desses meios de produção – alínea f (PETRUCCI, 2007).

A organização econômico-social assenta nos seguintes princípios:

  1. Subordinação do poder econômico ao poder político democrático;
    1. Coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção;
    1. Liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista;
    1. Propriedade pública dos recursos naturais e de meios de produção, de acordo com o interesse coletivo;
    1. Planeamento democrático do desenvolvimento econômico e social;
    1. Proteção do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção;
    1. Participação das organizações representativas dos trabalhadores e das organizações representativas das atividades econômicas na definição das principais medidas econômicas e sociais (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, 2005, p. 48).

De acordo com Figueiredo (2016), o artigo 82º da constituição portuguesa discorre, especificamente, a propriedade dos bens de produção em casa um dos seus setores.

  1. É garantida a coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção.
    1. O sector público é constituído pelos meios de produção cuja propriedade e gestão pertence ao Estado ou a outras entidades públicas.
    1. O sector privado é constituído pelos meios de produção cuja propriedade ou gestão pertence a pessoas singulares ou coletivas privadas, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
    1. O sector cooperativo e social compreende especificamente:
    1. Os meios de produção possuídos e geridos por cooperativas, em obediência aos princípios cooperativos, sem prejuízo das especificidades estabelecidas na lei para as cooperativas com participação pública, justificadas pela sua especial natureza;
    1. Os meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais;
    1. Os meios de produção objeto de exploração coletiva por trabalhadores;
    1. Os meios de produção possuídos e geridos por pessoas coletivas, sem caráter lucrativo, que tenham como principal objetivo a solidariedade social, designadamente entidades de natureza mutualista (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, 2005, p. 50).

A coexistência dos setores privado, público e social de apropriação com relação aos bens de produção é garantida pelo Art. 288º em seu parágrafo f, indo contra a revisão constitucional. “As leis de revisão constitucional terão de respeitar: […], f) A coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção” (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, 2005, p. 225).

Desta forma, Petrucci (2007) afirma que a apropriação pública dos meios de produção devem ser regulamentadas por lei além de serem garantidas as devidas indenizações, como esta disposto no Artigo 83º – Requisitos de apropriação pública: “A lei determina os meios e as formas de intervenção e de apropriação pública dos meios de produção, bem como os critérios de fixação da correspondente indemnização” (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, 2005, p. 65).

Para tanto, Figueiredo (2016), afirma que é competência da Assembleia da República legislar os direitos de propriedade, como prevê o artigo 165º paragrafo j: “Definição dos sectores de propriedade dos meios de produção, incluindo a dos sectores básicos nos quais seja vedada a atividade às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza” (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, 2005, p. 167).

Assim, o veto presidencial só pode ser derrubado caso haja uma maioria qualificada como prevê o artigo 136º – promulgação e veto:

  1. No prazo de vinte dias contados da receção de qualquer decreto da Assembleia da República para ser promulgado como lei, ou da publicação da decisão do Tribunal Constitucional que não se pronuncie pela inconstitucionalidade de norma dele constante, deve o Presidente da República promulgá-lo ou exercer o direito de veto, solicitando nova apreciação do diploma em mensagem fundamentada.
  2. Se a Assembleia da República confirmar o voto por maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções, o Presidente da República deverá promulgar o diploma no prazo de oito dias a contar da sua receção.
  3. Será, porém, exigida a maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efetividade de funções, para a confirmação dos decretos que revistam a forma de lei orgânica, bem como dos que respeitem às seguintes matérias:
    1. Relações externas;
    1. Limites entre o sector público, o sector privado e o sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção; (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, 2005, p. 152).

A expropriação de bens sem uso é pressagiada no art. 88º – Meios de produção em abandono (Idem, 2005, p. 68) onde a indenização não é mencionada e relega à lei de fixação das condições qual dará a perca da propriedade:

  1. Os meios de produção em abandono podem ser expropriados em condições a fixar pela lei, que terá em devida conta a situação específica da propriedade dos trabalhadores emigrantes.
  2. Os meios de produção em abandono injustificado podem ainda ser objeto de arrendamento ou de concessão de exploração compulsivos, em condições a fixar por lei.

O Título III apeia a cerca das políticas industrial, agrícola e comercial. Situa no art. 93º – objetivos da política agrícola, inciso I, parágrafo b, a posse da terra pelos trabalhadores rurais, bem como a promoção do acesso à propriedade (PETRUCCI, 2007).

[…] Promover a melhoria da situação econômica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos agricultores, o desenvolvimento do mundo rural, a racionalização das estruturas fundiárias, a modernização do tecido empresarial e o acesso à propriedade ou à posse da terra e demais meios de produção diretamente utilizados na sua exploração por parte daqueles que a trabalham; (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, 2005, p. 86).

No mesmo título, ainda de acordo com Petrucci (2007) também estão traçadas as normas de banimento e redimensionamento do latifúndio nos artigos art. 94º e 95º quando informa que:

Artigo 94º – Eliminação dos latifúndios:

  1. O redimensionamento das unidades de exploração agrícola que tenham dimensão excessiva do ponto de vista dos objetivos da política agrícola será regulado por lei, que deverá prever, em caso de expropriação, o direito do proprietário à correspondente indemnização e à reserva de área suficiente para a viabilidade e a racionalidade da sua própria exploração.
    1. As terras expropriadas serão entregues a título de propriedade ou de posse, nos termos da lei, a pequenos agricultores, de preferência integrados em unidades de exploração familiar, a cooperativa de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores ou a outras formas de exploração por trabalhadores, sem prejuízo da estipulação de um período probatório da efetividade e da racionalidade da respectiva exploração antes da outorga da propriedade plena.

Artigo 95º – Redimensionamento do minifúndio

  1. Sem prejuízo do direito de propriedade, o Estado promoverá, nos termos da lei, o redimensionamento das unidades de exploração agrícola com dimensão inferior à adequada do ponto de vista dos objetivos da política agrícola, nomeadamente através de incentivos jurídicos, fiscais e creditícios à sua integração estrutural ou meramente econômica, designadamente cooperativa, ou por recurso a medidas de em parcelamento.

Nota-se, portanto que, a preocupação central da constituição de Portugal está na garantia do direito de propriedade. “Apenas se prevê a possibilidade de desapropriação por utilidade pública, sem haver sequer menção ao interesse social como motivo plausível para uma expropriação de bens particulares” (PETRUCCI, 2007, p. 70). Para ele, é enfatizada no texto constitucional a necessidade de uma indenização justa, que por muitas vezes é posta como uma pré-exigência ao desapossamento e submetida ao domínio do poder judiciário.

  • A IMPORTÂNCIA DA FUNÇÃO SOCIAL DE PROPRIEDADE PARA O MEIO AMBIENTE

Além do modo econômico da propriedade imobiliária rural, constituído no artigo 186, II, no que diz respeito ao signo da produtividade, a Constituição Federal também ressalva de acordo com Leite (2020, p. 25) que “a função social do imóvel rural só será cumprida quando houver utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente”. Nos textos constitucionais atuais o amparo ao meio ambiente adquire sua própria identidade sem romper suas ligações originais com a saúde humana, já que são mais abrangentes e compreensivos, como exemplo dos regimes português de 1976, o espanhol de 1978 e o brasileiro de 1988.

É fácil notar a coerência da Constituição, e a consequente importância da vinculação da função social à proteção do meio ambiente, na medida em que este é direito das presentes e futuras gerações, vinculado ao direito à vida, o que explica porque a defesa do meio ambiente também é princípio conformador da ordem econômica (MANGUEIRA, 2000, p. 32).

Desta maneira, o escrito constitucional promulgou o que antes estava implícito, expandindo a ciência da função social da propriedade, quando também é classificada como fundamento básico para o direito de propriedade no Brasil (FIGUEIREDO, 2016).

No que interessa mais detidamente aos objetivos deste trabalho, significa tudo isso que, entre os comportamentos impostos ao proprietário de imóveis rurais e as imposições restritivas das faculdades do domínio, estão aqueles relativos à proteção ambiental, naquilo que já se consagrou denominar função socio-ambiental da propriedade (MANGUEIRA, 2000, p. 33).

“Dissemos que a Constituição de 1988 só explicitou o que já existia porque a previsão da função social da propriedade já constava na Constituição de 1967 (art. 157, III, e posteriormente art. 160, III, na Emenda de 1969)” (LEITE, 2020, p. 21). Em relação a dinâmica dos assuntos a acerca do direito de propriedade, é possível afirmar que este foi fornecido pela legislação ordinária através da Lei nº 4.504/64 do Estatuto da Terra no artigo 2º § 1º, quando prevê que “A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente: (…) c) assegura a conservação dos recursos naturais” (BRASIL, 1964, p. 2).

Outro fator de destaque neste contexto é o “tombamento” de patrimônios históricos, termo de origem portuguesa que constitui em registrar o patrimônio de alguémem literaturas específicas de órgãos do Estado para o cumprimento de tais funções. “Ou seja, utilizamos a palavra no sentido de registrar algo que é de valor para uma comunidade protegendo-o por meio de legislação específica”. Nos dias atuais, o processo de tombamento é de caráter administrativo e efetivado pelo Poder Público com o escopo de proteção por intermédio do exercício da lei para bens de valores culturais, arquitetônicos, históricos e ambientais para com a sociedade, prevenindo que sejam descaracterizados ou demolidos (BRASIL, 1937).

O Código Florestal (Lei nº 4.771/65) também contém a previsão de interferência no direito de propriedade por motivos ambientais, mediante a instituição de espaços a serem protegidos em maior ou menor grau, tendo por fim a preservação do meio ambiente. Além disso, importantes definições como meio ambiente, degradação da qualidade ambiental, poluição, poluidor etc. já existem desde a Lei nº 6.938/81 (MANGEIRA, 2000, p. 35).

Logo, as ferramentas para a proteção ambiental efetiva acoplada ao conhecimento do direito de propriedade exerce uma função social que é preconizada desde antes da Constituição de 1988. Deste modo, Barreto (2005, p. 28) assegura que “a Constituição de 1988 trouxe verdadeira “reciclagem” no instituto da função social, tornando seu conteúdo mais amplo, com objetivos de caráter ambiental”.

  • METODOLOGIA

O modelo de pesquisa sugerido para o presente artigo cientifico é sugerido por Vergara (2011), que analisa a investigação em dois aspectos: quanto aos fins e quanto aos meios.

Quanto aos fins: É apontada como Descritiva, que segundo Vergara (2011, p. 47) “expõe características de determinada população ou determinado fenômeno. Pode também estabelecer correlação entre variáveis e definir sua natureza”, e Exploratória, que de acordo com Gil (2008), tem foco em propor ao pesquisador mais intimidade com o assunto estudado, gerando a demarcação do problema, concretizando a veracidade da pesquisa.

Quanto aos meios: é caracterizada como Bibliográfica, classificada por Vergara (2011, p. 48), como “o estudo sistematizado desenvolvido com base em material publicado em livros, revistas, jornais, redes eletrônicas, isto é material acessível ao público em geral”. É também uma pesquisa de Campo tendo em vista que, é uma “investigação empírica realizada no local onde ocorre ou ocorreu um fenômeno ou que dispõe de elementos para explicá-lo”. (VERGARA, 2011, p. 47).

A pesquisa estabelecerá inicialmente a lei de propriedade de acordo com os textos constitucionais, bem como a função social das empresas privadas no Brasil e em Portugal, tendo sequência com as teorias de estudiosos da área e precedentes jurisprudenciais. O método escolhido foi o hipotético-dedutivo, que de acordo com Marconi e Lakatos (2003), inicia-se com um problema onde são oferecidos recursos provisórios estabelecendo uma teoria-tentativa. “Após essa criação passa-se a criticar a solução, levando em consideração à eliminação dos erros. Esse processo renovaria a si mesmo, possibilitando a elaboração de novos problemas” (Idem, 2003, p. 18). Especificamente, neste caso, também será utilizado o método comparativo, que “consiste em investigar coisas ou fatos e explicá-los segundo suas semelhanças e suas diferenças” (FACHIN, 2001, p. 25).

  • ANÁLISE DOS DADOS

Alicerce de toda a sociedade contemporânea, a propriedade é conceituada como o direito qual gravita a regulação jurídica do Direito das Coisas, instituindo desta maneira um dos suportes – lado aos estabelecimentos do Contrato e da Família – do sistema liberal burguês conjecturado no revogado Código Civil Brasileiro, no âmbito tradicional do Direito Privado (BARRETO, 2005).

A Constituição da República Portuguesa, no entanto, não se fica por esta proclamação garantista e liberal; antes aditiva o exercício do direito de propriedade numa perspectiva de utilidade social — apontando para a função social da propriedade que outras Constituições expressamente identificam no seu seio. Realce-se que, depois de inserir o direito de propriedade na secção dos “Direitos econômicos, sociais e culturais” — o que o não impede de revestir a natureza de direito fundamental de natureza análoga —, a CRP faz abundantes referências à propriedade rústica na Parte (II) da “Organização Econômica”, contextualizando a propriedade numa lógica de utilidade social. 

Logo, a função social da propriedade é, por natureza, uma diretriz constitucional no Brasil. A assertiva acima, é confirmada nos artigos 5º, XXIII, e 170 do texto constitucional. “Na qualidade de princípio, a função social se espraia por todo o ordenamento jurídico, moldando as relações patrimoniais, de forma a submetê-las ao atendimento dos valores existenciais” (FIGUEIREDO, 2016, p. 25).

Além disso, Shiraishi Neto (2008, p. 86), afirma que as diretrizes da função social da propriedade:

(…) inspira, fundamenta, serve de ratio para algumas regras jurídicas, entre as quais se incluem aquelas dos artigos 182 e 186 da lei fundamental. A função social fundamenta esses dispositivos, mas neles não se esgota; permanece incidindo como princípio independentemente da aplicação das regras que inspira.

Canotilho e Moreira (2007, p. 25), em seus estudos sobre a Constituição da República Portuguesa – CRP, afirmam que:

O direito de propriedade não figura entre os direitos, liberdades e garantias, na CRP. Isso não lhe diminui importância, mas retira-lhe a dimensão quase sacrossanta que lhe era conferida no individualismo possessivo e na concepção tradicional conservadora dos direitos fundamentais assente na indissociabilidade da liberdade e propriedade.

A análise das disposições judiciais revela precisamente que os tribunais brasileiros vêm abdicando de uma postura tímida para preocupar-se com a efetividade e eficácia do aproveitamento da diretriz maior da função social da propriedade, bem como e os valores fundamentais que, através dela, são inseridos nas relações de cunho patrimonial.

Quando as cortes brasileiras utilizam a função social da propriedade em relação a interesses sociais como saúde, trabalho, segurança ou bem-estar coletivo, transcendendo a dicção expressa dos artigos 182 e 186, está na verdade, se valendo da aplicação direta de um princípio constitucional (TEPEDINO, 2001, p. 268).

É evidente que não é possível ater a incidência do princípio de propriedade somente ao exame literal dos arts. 182 e 186 da Constituição Brasileira, sobre pena de se despejar o princípio e passar a justapor tão somente as regras (PETRUCCI, 2007).

Deste modo, Gomes (2017, p. 15), corrobora dissertando sobre o acórdão 257/92 do tribunal constitucional português, com a seguinte fala:

A garantia do direito de propriedade não inclui, só por si, a garantia da liberdade de empresa, pois a Constituição estabelece uma clara distinção entre direito de propriedade e iniciativa econômica privada (cfr. artigo 85º). Em todo o caso, terá de se considerar que os limites constitucionais estabelecidos para a iniciativa econômica privada implicam uma autorização constitucional para as necessárias restrições ao uso e fruição da propriedade. 

A valoração do comportamento do patenteado para a verificação do acolhimento aos preocupes sociais ressaltantes permanecerá a função do julgador, que se desincumbirá com prudência aos valores fundamentais e às conjunturas constitucionais do caso concreto. Além do mais, “a ampla invocação do princípio da função social da propriedade nas cortes de todo o país legitima-se, de plano, como meio de realização do projeto constitucional, ainda adormecido em larga extensão” (SANTOS, 2013, p. 24).

Destarte, o próprio projeto político, econômico e social da Constituição portuguesa provoca “um estreitamento do âmbito de poderes tradicionalmente associado à propriedade privada e à admissão de restrições, quer a favor do Estado ou da coletividade, quer a favor de terceiros, da liberdade de uso, fruição e disposição” (GOMES, 2017, p. 21).

As disposições judiciais apontam que a função social, mesmo que tenha seu teor relativamente indefinido, assume o papel de modelo jurídico nas inclusões patrimoniais, traçando um comparativo entre a boa-fé nos relacionamentos contratuais e a veemência da criança nas relações domésticas. No entanto, deve ser realizada a cum granu salis, isso porque o padrão da função social não tem a mesma receptividade que o elemento da boa-fé. Enquanto a esses standards contrapor situações jurídicas cuja cerceamento não se detém a fortes limitações culturais (desconsideração da importância do menor e a má-fé), a realização plena da função social suporta uma resistência histórica procedente da força cultural do egocentrismo proprietário (SCHIREIBER, 2001).

CONCLUSÃO

As entidades jurídicas se dividem em dois vetores: função e estrutura. A função, versando a instância tutelada pelo ordenamento, se edifica em componente característico do instituto jurídico, sendo adequada para moldar a estrutura.

O imperativo ordenamento de tutelar tem veles abalizados através das distintas revelações do domínio, gerando a laboração de regulamentos jurídicos tão distintos que apresentam como resultado a fragmentação da entidade jurídico da propriedade. Não vetante essa pluralidade de funções (e a concludente variedade de propriedades) é admissível calhar um núcleo efetivo na definição da função da propriedade, que, atualmente, pode ser situada na subordinação da tutela do domínio à averiguação de atendimento aos interesses sociais proeminentes e aos valores sagrados no texto constitucional.

Desta forma, o termo função social pode caracterizar-se pela inclusão dos interesses sociais em meio à tutela da propriedade, que, assim, passa ser visualizada como um direito tendencialmente integral, constituindo-se em uma circunstância jurídica complexa e subjetiva, tendo em sua composição obrigações, direitos, deveres e ônus.

A função social mais serve de embasamento para uma causa legitimadora das descrições das práticas jurídicas assumindo teores diversos sobre o Direito coletivo, além da apropriação de preceitos que admitem colocá-las face a face.

O conceito de propriedade privada adotado dos manuscritos de Direito das Coisas ou Direitos Reais concebe o produto dessas práticas que são elaboradas na parte interna do âmbito jurídico. Neste estudo, evidencio-se que, as explanações em analogia à noção de domínio privado são conflitantes, partindo do pressuposto que esses representam os interesses e posicionamentos dos operadores do direito.

As alocuções existentes nos manuais expõem uma noção de propriedade privada. É valido ressaltar que essas falas são alimentadas na interioridade do meio jurídico, buscando sempre garantir a legitimação do tema. Desta forma, é nesse ambiente que o Direito é edificado, reafirmando a ideia de tramites no campo jurídico além da problemática da ideia de neutralidade e universalidade do Direito, colocando-se como um vil obstáculo para a compreensão não apenas da propriedade privada, mas também do próprio Direito.

Os tribunais brasileiros têm derivado do amplo aproveitamento do princípio da função social como discernimento qualificativo do comportamento do registrado com relação aos valores constitucionais e interesses sociais envolvidos.

Com relação à função social da propriedade, faz-se necessário concluir que, de maneira geral, o desempenho dos tribunais brasileiros atualmente, tem sido sincronizado com a evolução doutrinária. Mesmo que a crença nos juízes seja o requisito primordial de um defensor, não é a fé imotivada na performance do Poder Judiciário o pivô dessa conclusão.

Os tribunais brasileiros de fato, encontram-se, cuidadosos quanto à nova ideia do direito de propriedade que vai se moldando num ambiente em meio ao capitalismo autofágico e o socialismo extremamente radical, transformando a função social de propriedade em um novo direito legitimado visto que o cumpridor dos valores existenciais e dos preocupes sociais sagrados pelo ordenamento jurídico do Brasil.

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