PREFERÊNCIAS DOS CANDIDATOS A ADOÇÃO NO BRASIL: UMA ANÁLISE SOCIOLÓGICA SOBRE A LEI DA ADOÇÃO

PREFERÊNCIAS DOS CANDIDATOS A ADOÇÃO NO BRASIL: UMA ANÁLISE SOCIOLÓGICA SOBRE A LEI DA ADOÇÃO

30 de junho de 2024 Off Por Cognitio Juris

PREFERENCES OF ADOPTION CANDIDATES IN BRAZIL: A SOCIOLOGICAL ANALYSIS OF ADOPTION LAW

Artigo submetido em 08 de junho de 2024
Artigo aprovado em 17 de junho de 2024
Artigo publicado em 30 de junho de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 55 – Junho de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Aline dos Santos Mouzinho Gomes Alencar[1]
Israel Andrade Alves[2]

RESUMO: O presente estudo tem como objetivo geral, fazer uma análise acerca das preferências de adotantes no Brasil, associando os aspectos sociológicos e legais. Para alcançar tal objetivo, primeiramente, fez-se um levantamento acerca do conceito de adoção e como ela foi se transformando ao longo da evolução da sociedade, em seguida tem-se uma abordagem acerca dos aspectos legais que instituíram a adoção até chegar na Lei Nacional da Adoção, Lei nº 12.010/2009. A partir dessas explanações, realizou-se uma análise sociológica sobre a adoção no Brasil e, com uma abordagem metodológica de referências bibliográficas, com base em livros, artigos científicos e legislações referentes ao tema, pode-se constatar que os pretendentes a adoção possuem preferências às crianças e/ou adolescentes que, dentre os que estão aptos a serem adotados, pode-se destacar a idade, o gênero e a cor da pele, pois, geralmente, os perfis são de menores de 5 anos, do gênero feminino e com a cor de pele branca. Com isso, pode-se inferir que mesmo a lei objetivando que todas as crianças e/ou adolescentes que estão em situação de serem adotados tenham direitos de viver e ter sua família, ainda que existam entraves sociais que impossibilitam, uma vez que estabelecem características e preferências de quem será adotado(a).

Palavras-chaves: Adoção, preferências, aspectos sociológicos.

ABSTRACT: The present study has as a general objective, to make an analysis about the preferences of users in Brazil, associating the sociological and legal aspects. To achieve this goal, first, a survey was made about the concept of adoption and how it was transformed throughout the evolution of society, then an approach is taken about the legal aspects that instituted the adoption until it reached the National Adoption Law, Law No. 12,010/2009. From these explanations, a sociological analysis was performed on adoption in Brazil and, with a methodological approach of bibliographic references, based on books, scientific articles and legislation on the subject, it can be observed that the applicants for adoption have preferences for children and/or adolescents who, among those who are able to be adopted, can highlight age, gender and skin color, because, generally, the profiles are under 5 years old, female and with white skin color. With this, it can be inferred that even the law aiming that all children and/or adolescents who are in a situation of being adopted have the rights to live and have their family, even if there are social barriers that make it impossible, since they establish characteristics and preferences of those who will be adopted.

Keywords: Adoption, preferences, aspects sociological.

INTRODUÇÃO

O processo de adoção no Brasil ainda é um processo demorado e dificultoso, e que ao longo do tempo foi se modificando. A cada dia aumenta o número de famílias que possuem interesse em adotar uma criança, ao passo que o número de criança ou adolescente disponível para pertencer a uma família também aumenta todos os dias. Segundo os dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), disponibilizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o número de crianças ou adolescentes aptas a serem adotadas é menor que o de interessados a adotar, e apesar dessa condição positiva, ainda existem muitas crianças e adolescentes à espera de uma família e, possivelmente, essa realidade será difícil de ser revertida, pois, muitos não correspondem ao perfil tão almejado pela maioria dos candidatos a adoção.

A lei atual que tutela o instituto da adoção tem como intuito privilegiar e garantir o direito da criança e do adolescente a viverem em um ambiente familiar, seja ele biológico ou substituto, a fim de evitar que eles fiquem por anos em instituições ou lares de adoção, visando a garantia da convivência familiar. O ato de adotar foi abordado e legalizado pela primeira vez, no Brasil, com o Código Civil de 1916, que tem o intuito de proporcionar a uma criança e/ou adolescente ter uma família substituta em relação a sua biológica.

O processo de adoção no Brasil, atualmente, ocorre geralmente por meios legais, no qual a pessoa ou as pessoas que possuem interesse em adotar deve realizar seu cadastro em algum juizado e, a partir disso, os candidatos a adotarem uma criança ou adolescente preenchem o Cadastro de Adoção, em que estabelecerão e indicarão as características de pretenso adotável, tais características são: idade, cor da pele, gênero e aspectos geral de saúde.

Com base nisso, o presente estudo tem como objetivo geral fazer uma análise acerca das preferências de adotantes no Brasil, associando os aspectos sociológicos e legais, visto que com base com base nas pesquisas realizadas nota-se que há um número elevado de adotantes e de famílias que querem adotar, porém, existem preferências para as crianças e/ou adolescentes a serem adotados. Nesse contexto, revela-se que os pretendentes a adoção preferem crianças de 0 a 5 anos, que possuem cor da pele clara ou branca, sem problema de saúde e que não tenham

nenhuma deficiência e formem grupo de irmão, geralmente as crianças que não se encaixam nesses requisitos são preteridas.

Por isso, há uma quantidade elevada de crianças com mais de 5 anos que ainda estão nas instituições ou lares de adoção, uma vez que por mais que a lei tutele e ressalta que todos os indivíduos têm direito a uma família, seja ela biológica ou substituta, o preconceito acerca da adoção é ainda muito presente e eles devem ser descontruídos para que possa diminuir as pressuposições equivocadas. Tendo em vista que uma das maiores preocupações do adotante é a carga hereditária que as crianças podem receber de seus pais biológicos, e essa carga acabar influenciando no comportamento da criança ou adolescente. Além disso, muitos temem a reação quando descobrirem a sua condição de adotado e a processo de adaptação nas adoções tardias. Nesse contexto, para chegar nessas análises utilizou-se de uma metodologia bibliográfica, na qual consiste no levantamento de artigos, livros, legislações que tutelam a temática em apreço e doutrinas que versam sobre o tema. Tais fontes foram essenciais para o processo de elaboração dos estudos, já que forneceram subsídios necessários e esclarecimentos acerca da temática e que permitiu que fossem alcançadas as respostas aos questionamentos e objetivos da pesquisa, os quais pode-se destacar os seguintes teóricos, (Cunha,2011), (Diniz, 2015) e (Weber, 2011), contribuindo de maneira categórica na produção do trabalho.

Nesse sentido, na primeira seção do trabalho faz-se uma abordagem sobre os conceitos e aspectos históricos da adoção no Brasil, mostrando a definição de adoção, enfatizando como esse ato jurídico foi se modificando ao longo do tempo no país, buscando sempre o bem-estar de crianças e/ou adolescente a espera de um lar e a conviver com uma família, garantindo direitos básicos a qualquer indivíduo.

Na segunda seção, são abordados os aspectos legais que versam sobre a adoção no Brasil, mostrando os principais dispositivos legais que tutelam a o instituto em apreço, além de algumas mudanças que a lei tem que sofrer para atender a demanda social, enfatizando, principalmente, a Lei 12.010, de 2009, que atualmente é a lei que dispõe acerca da adoção, e além dela tem-se o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código Civil de 2002.

Já na terceira seção, tem-se a exposição dos aspectos sociológicos da adoção no Brasil, a qual, no primeiro momento, faz uma abordagem acerca do perfil dos adotantes e, posteriormente, dos adotados. Em seguida explana sobre as principais características e preferências dos adotados, ressaltando ainda o preconceito e o medo que ainda permeia o ato de adotar.

Após percorrer todas as seções, pode-se perceber o quanto os preconceitos e mitos presentes na sociedade brasileira interferem diretamente no processo adotivo, uma vez que

muitas vezes conduzem os indivíduos a critérios bem determinados no momento de adotar uma criança, tais como a idade, o gênero e a cor da pele. E essas concepções acarretam em grandes problemas, ocasionando um grande número de crianças e adolescentes em casas de abrigo e que provavelmente não vão conseguir ser adotados até atingir sua maioridade.

Assim, a presente pesquisa é reveladora acerca da adoção no Brasil, que apesar de ter leis que protegem as crianças e adolescentes que estão nessa situação, os preconceitos e medos ainda estão muito presentes nessa prática.

CONCEITOS E ASPECTOS HISTÓRICOS DA ADOÇÃO NO BRASIL

Com origem do latim “adoptio”, que quer dizer “ato ou efeito de adotar”, o termo adoção significa um laço jurídico que concede parentesco civil em linha reta de primeiro grau entre o adotado e adotante. A adoção tem como objetivo oferecer bem-estar à pessoa do adotado, de maneira que independe do interesse do adotante. Bem, não existe ainda um conceito específico sobre adoção nas legislações brasileiras.

A propósito, apesar de não haver uma definição única alguns pesquisadores dissertam sobre o assunto. Do ponto de vista de Renata Barbosa, a adoção é a maneira mais difundida, por ser a mais antiga, de pertencimento socioafetivo. Trata-se opcionalmente de tornar-se pai e/ou mãe de alguém com quem geralmente não há conexão biológica (Almeida, 2012). Quanto a visão de Maria Diniz, o termo adoção corresponde a uma prática jurídica pela qual alguém, em conformidade com a lei, independentemente de consanguinidade ou parentesco, estabelece um vínculo de filiação e agrega a pessoa em sua família como filho(a), geralmente um indivíduo desconhecido (Diniz, 1995).

Para Luiz Carlos de Barros Figueirêdo:

Adoção é a inclusão em uma nova família, de forma definitiva e com aquisição de vínculo jurídico próprio de filiação de uma criança/adolescente cujos pais morreram, aderiram expressamente ao pedido, são desconhecidos ou mesmo não podem ou não querem assumiu suas funções parentais, motivando a que a Autoridade Judiciária em processo regular lhes tenha decretado a perda do pátrio poder (Figuereido, 1997, p.30).

Assim, pode-se compreender a adoção como uma possibilidade jurídica com intuito de proporcionar às crianças e adolescentes, que não possuem um parentesco consanguíneo, a oportunidade de fazerem parte de uma família, recebendo amor, afeto, carinho. Nesses termos,

a adoção se caracteriza por ser um ato jurídico humano e solidário, que busca restabelecer o equilíbrio que fora abalado pela ausência de uma família para o adotando.

Sendo um instituto jurídico que gera inúmeros efeitos, a adoção envolve, de uma forma geral, fins pessoais e patrimoniais. Citando alguns desses efeitos decorrentes da adoção, vale ressaltar: rompimento do vínculo de parentesco com a família original, de maneira que os pais naturais do adotado não poderão mais requerer notícias depois da adoção; estabelecimento de laços de parentesco civil entre adotado e toda a família do adotante; transferência definitiva e de pleno direito do poder familiar para o adotante. Para tal, tem-se claro que a adoção é um ato que exige plena certeza por parte do adotante, visto que este obterá o dever de proporcionar ao adotado uma vida feliz, com carinho e afeto. Bem como propiciar-lhe moradia, respeito e educação.

Em vista disso, entende-se que a adoção é um dos institutos mais antigos do Direito e tinha como objetivo um conceito bem diverso do que se conhece atualmente, ou seja, objetivava a continuação do nome, de garantir o culto doméstico e, consequentemente, evitar a extinção da família.

Nesse sentido, ensina Viviane Girardi:

A adoção remonta à Antiguidade, quando a filiação cumpria e desempenhava função relevante na continuidade patrimonial, moral e religiosa da família. Em verdade, o sentido de perpetuidade da família ligava-se, sobretudo, ao culto da religião familiar à permanência da chama acesa do fogo sagrado, os quais não poderiam jamais se extinguir, pois extinta estaria a família, recaindo, esse encargo, sobre os ombros da descendência (Girardi, 2015, p. 113).

De acordo com Nader (2016), a adoção, primeiramente, foi regulamentada pelo Código de Hamurabi (2000 a.C.), tendo uma expansão pelos territórios do Egito, Palestina e Caldéia. Nesse mesmo período, a prática da adoção era vista como uma última alternativa, para uma família sem filhos, em continuar suas crenças religiosas. Além disso, era admissível o retorno do adotado aos pais biológicos, caso estes quisessem a sua volta. No entanto, já na época da Idade Média, o exercício da adoção começou a entrar em declínio por um grande período, em razão da preocupação dos feudos com os laços sanguíneos e falta de cuidado que havia com as crianças no momento (Nader, 2016).

Pode-se dizer que o direito antigo privilegiava mais os laços religiosos do que os laços naturais. Em seguida a essa perspectiva da adoção nos tempos antigos, pode se alcançar o direito civil clássico, onde se pode perceber que o objeto do instituto da adoção sofreu modificações, não estando mais ligado, obrigatoriamente, à finalidade de continuação do culto

religioso, porém, de certo modo, ainda não estava absolutamente direcionado ao melhor interesse da criança, conforme preceitua o direito civil contemporâneo (Girardi, 2015).

Conforme assevera Cunha (2011), a adoção foi introduzida no Brasil em 1828, sendo a primeira lei com características do direito português com origem no direito romano. O processo adotivo era selado em juízo, em que os juízes comprovavam a vontade dos adotantes em uma audiência por meio de uma carta. No ano de 1890 instituiu-se o Decreto nº 181 e depois, em 1915, surge uma nova formulação para este instituto adotivo. Assim, com um total de onze artigos, que variam do 368 a 378, o Código Civil Brasileiro, de 1916, denominado de Instituto da Adoção, determinou no Capítulo V que somente pessoas com mais de 50 anos poderiam realizar a adoção e deveriam ser pelo menos 18 anos mais velhas que o adotado e com o consentimento da pessoa que estava com a tutela do adotando (Cunha, 2011).

E, ainda, o adotado poderia se desvincular do adotante ao atingir a sua maioridade e não possuiria vinculação de filho, somente a relação de adotado e adotante. Vale ressaltar que no artigo 378, do Código Civil de 1916, eram abordados os direitos e deveres resultantes da relação parental natural que não são extintos pela prática da adoção. Até esse período, a adoção visava a plena satisfação do adotante.

Com o surgimento da Lei nº 3.133, de 1957, esses capítulos foram reformulados para dar a possibilidade de adoção não apenas aos que não pudessem ter filhos, mas também aos que manifestassem a vontade de adotar, havendo uma redução de idade para adotantes de 50 para 30 anos e uma diferença de idade de 16 anos entre adotante e adotado, além da necessidade de ter um casamento com mais de 5 anos (Brasil, 1957; Silva, 2017). Mais adiante nessa linha do tempo, a Lei 6.697, de 1979, nomeada de Código de Menores, posteriormente tratou de duas formas de adoção no ordenamento jurídico brasileiro, o atendimento a menores em situação de crime ou abandono, e voltou a enfatizar o fim dos vínculos com os membros da família de origem (Brasil, 1979; Okuma, 2017). Em consonância ao exposto, Cunha (2011) destaca que esse Código, apesar do estabelecimento da ruptura com os laços familiares biológicos, ainda apresentava diferenciação entre filho biológico e filho adotivo, o que só foi destituído com o surgimento Constituição Federal de 1988. A partir deste momento, os filhos, sejam eles biológicos ou adotivos, têm os mesmos direitos e qualificações indistintamente, valorizando, assim, os interesses do adotado e não os

do adotante (Brasil, 1988).

Com isso, novas mudanças surgiram no ramo do direito de família, onde a Constituição Federal de 1988 possibilitou a oportunidade de inúmeras mudanças na regulação do Direito de Família. Em seguida, diversas outras mudanças ocorreram também no instituto da adoção, onde

um leque de modificações surgiu a partir do estabelecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em que o Estatuto do Eca preserva em seu artigo 43, a especial atenção ao explicitar que as necessidades e interesses das crianças e adolescentes devem ser respeitadas e privilegiadas quando estes forem instalados em famílias adotivas, fundando-se em motivos legítimos (Brasil, 1990).

A adoção concede “(…) a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais” (Brasil, 1990, art. 41, caput). Surge, ainda, o Novo Código Civil (2002), que traz alguns pontos doutrinários que resultaram em dúvidas a respeito dos tipos de adoção (Brasil, 2002). Porém, com a Lei 12.010/09, essas dúvidas foram eliminadas, alterando os artigos 1.618 e 1.619, do Código Civil, apontando que a adoção de crianças e adolescentes, são pautadas por regra geral pela Lei 8.069/90.

Assim, a Lei Nacional de Adoção (Lei nº 12.010/09) surge em um contexto de preocupação em promover o direito fundamental à convivência familiar. Sendo, a família substituta, uma última alternativa aceitável apenas quando esgotada toda e qualquer possibilidade de conservar a criança/adolescente na família natural. De modo que a Lei Nacional de Adoção e o Estatuto da Criança e do Adolescente são de grande contribuição para a construção das famílias brasileiras (Brasil, 2009).

Nota-se que com o surgimento dessas leis, ao longo do tempo, sobrevieram ideias inovadoras de adoção e paralelamente novas marcas a respeito dos direitos dos filhos adotivos. Com tal advento, surgiu a possibilidade de casais que não possuíam filhos biológicos pudessem adotar, equiparando-os no quesito à disciplina sucessória, descartando ainda mais o preconceito que ainda predominava em relação aos filhos adotivos.

ASPECTOS LEGAIS DA ADOÇÃO NO BRASIL

O Código Civil de 1916, foi o primeiro diploma legal que instituiu e reconheceu a condição do ato de adotar e/ou ser adotado, inicia-se, assim, uma corrida ao longo dos anos com o anseio de aprimorar este instituto. Mesmo em meio ao avanço de se instituir no primeiro Código Civil Brasileiro o instituto da Adoção, ainda havia uma ligação entre a legislação que versava sobre a adoção e a legislação romana, ou seja, mesmo com essa grande inovação, que fora o reconhecimento da condição de adotar, o Brasil seguia o ideário romano no sentido de atender unicamente as necessidades e interesses daquele que adotaria, que era a busca do suprimento da condição de não ter um primogênito e a manutenção do poder familiar.

O Código Civil de 1916, em sua versão original, disciplinou a adoção de forma tradicionalmente regulada alhures, isto é, com instituição destinada a dar filhos, ficticiamente, àqueles a quem a natureza os havia negado. […] a adoção só era possível aos maiores de 50 anos, sem prole legítima ou legitimada (Rodrigues, 2004, p.336)

De acordo com o autor supramencionado, o CC/16, baseou-se diretamente nos tratos anteriores, ou seja, tomou como base as leis e/ou códigos já existentes para que se estabelecesse no Brasil o processo de adoção. Assim, pode-se ainda entender que o traquejo que inspirou o estabelecimento do primeiro Código Civil Brasileiro, tenha sido o direito romano, ainda sob a ideia de condicionamento daqueles que poderiam praticar o ato da adoção, de tal modo que somente os maiores de 50 anos e que não haviam familiares que pudessem dar continuação a sua geração, sejam estes legitimados ou não.

Nesse diapasão, a adoção, ainda segundo o CC/16, não havia caráter definitivo, conforme bem expresso no art. 377, do mesmo código: “a adoção produzirá os seus efeitos ainda que sobrevenham filhos ao adotante, salvo se, pelo fato do nascimento, ficar provado que o filho estava concebido no momento da adoção”. A partir disso, infere-se que a sob a égide do CC/16, a adoção não tinha a garantia definitiva, ou seja, poderia ocorrer seu desfazimento.

Somente cerca de 41(quarenta e um) anos após a instituição do CC/16, é que se efetivou a mudança relativa à garantia definitiva do adotado, uma vez que sob a lei nº 3.133, de 8 de maio de 1957, houve uma mudança no texto do art. 377, passando a ser expresso da seguinte maneira: “Quando o adotante tiver filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de adoção não envolve a de sucessão hereditária”.

Nota-se que o salvo, fora suprimido, sendo assim com a nova redação, a garantia da adoção assume um caráter de irrevogabilidade e a garantia se estende, mas as mudanças ocorridas vieram acompanhadas de restrições. Com isso, à medida que progredia se regulava tal avanço no ordenamento brasileiro.

No ano de 1979, entra em vigor a Lei nº 6.697/1979, também conhecida como Código de Menores, que trouxe mudanças no que tange ao instituto da adoção:

Veio a lume em 1979, no ordenamento jurídico brasileiro, a Lei 6.697, denominada de Código de Menores. Com ela pôde-se observar um significativo avanço na proteção da criança e do adolescente e, por consequência, no tratamento dado pela legislação pátria à adoção, vez que concentrou a finalidade da adoção na proteção integral do menor sem família.

Com a lei mencionada acima, tem-se uma condição acerca da adoção plena, eliminando qualquer adversidade que versava sobre a temática. Conforme escreve Bordallo (2015), com base em seus estudos e pesquisas, a lei 6.697/79 possibilitou e permitiu que o indivíduo que fosse adotado tivesse maior integração com a família, constituindo uma legitimação adotiva. Sendo que o tratamento dado à legitimação adotiva era mais benéfico para a criança do que o sistema de adoção simples constante no Código Civil de 1916. Uma das grandes vantagens trazida com a instituição da lei em questão fora a adoção plena, como elenca Maria Helena Diniz: “A adoção plena, estatutária ou legitimamente, foi a denominação introduzida, em nosso país, pela Lei nº 6.697/79, para designar a legitimação adotiva, criada pela Lei nº 4.655/65, sem alterar, basicamente, tal instituto” (Diniz, 2015, p.578).

Segundo o entendimento de Maria Helena Diniz (2015), pode-se entender que a vantagem trazida pela nova lei foi a “adoção plena”, tendo em vista que esta acabava por suprimir a adoção simples, tão utilizada no Código Civil 16. Assim, pode-se, portanto, afirmar que se caminhou para uma maior ampliação daquilo que entendemos como direito dos adotados.

Ressalta-se, ainda, que com o intuito de sanar tamanha instabilidade, no que tange ao instituto da adoção, foi então consagrado na Constituição Federal de 1988, como novas regulamentações, o Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA e a regulamentação para adoção, dando novos direcionamentos, observa-se:

A Constituição Federal de 1988 trouxe nova roupagem para o direito de família, e, consequentemente, para a adoção. Em decorrência desta nova disciplina da matéria, surge a Lei nº 8. 069, de julho de 1990- Estatuto da Criança e do Adolescente, que traz, em seu bojo, nova sistemática para a adoção de crianças e adolescentes (Bordalo, 2015, p.286)

Depreende-se que fora posto fim na grande oscilação que girava em torno do instituto da adoção. Logo, com essa alteração significativa, toda adoção seja ela para crianças e/ou adolescentes, seria de competência do ECA, ou seja, em se tratando da adoção de crianças e adolescentes, caberia ao ECA desenvolver tal processo de maneira jurídica e aqueles que alcançavam os maiores de 18 anos ficaria a alcance do Código Civil de 16, que deveria voltar-se para a escrituração pública deste ato. Nesse contexto, pode-se destacar:

[…] sob a égide da CF/88, a adoção, no Brasil, passou a ser regulada pela Lei

n. 8. 069/90, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente. Em 2003, a adoção passou a ter como estatuto legal o Código Civil que passou a vigorar naquele ano e subsidiariamente, pelo ECA (Tavares, 2012, p. 474).

Tavares, afirma que, à luz da CF/88, houve a possibilidade de regulação da adoção mediante o ECA. Dessa maneira, se torna possível reunir toda a regulamentação do processo de adoção num documento só, facilitando o desenvolvimento deste. Nesses termos, com o ECA diversas medidas protetivas foram adotadas com o intuito de salvaguardar a família natural ou a família substituta, sendo está última pela guarda, tutela ou adoção. Estando com a guarda da criança ou adolescente, o adulto fica responsável por prestar assistência material, moral e educacional, a tutela presume todos os deveres da guarda e pode ser conferida à pessoa de até 21 anos incompletos, porém, a adoção atribui condição de filho, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios (Tavares, 2012).

Nesse viés, no ano de 2009, entra em vigor a Lei nº 12.010, que ficou conhecida como a Lei Nacional de Adoção, trazendo consigo notáveis novidades para o instituto da adoção, alterando não somente o Estatuto da Criança e do Adolescente, como também o Código Civil, a Consolidação das Leis do Trabalho e a Lei de Investigação de Paternidade, como modo de reorganizar o instituto da adoção.

A nova Lei Nacional de Adoção, teve uma grande preocupação no que tange ao amparo a crianças e adolescentes, regulou o acolhimento em programa familiar e institucional, estipulando prazos periódicos de 6 meses para a reavaliação da situação do acolhido, em um caso ou em outro, bem como o prazo máximo de permanência de 2 anos no caso de acolhimento institucional, salvo a comprovada necessidade da manutenção desta medida (Brasil, 2009).

Com efeito, a legislação em apreço tem a preocupação de abordar acerca da celeridade da alocação do infante no contexto familiar, pois, é nítido, na visão do legislador, que a vida no seio familiar é essencial para o desenvolvimento e formação do ser humano, no tocante ao respeito ao crescimento mental, físico, emocional e social. É ainda o seio familiar que faz transparecer em diversas mudanças operadas a aplicação do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, assim como o seu total protagonismo, ao contrário das leis anteriores sobre a adoção.

Conforme escreve Ferreira (2009), a nova lei de adoção determinou algumas medidas, as quais destacam-se: a prioridade na adoção de parentes próximos e pessoas com algum tipo de relação com o infante – expressão do princípio do afeto; a necessidade de consentimento em audiência judicial do adotando com 12 ou mais anos (antes, essa oitiva não era necessária, e quando ocorria, nem sempre era levada em consideração); e o direito do adotando de conhecer sua origem biológica e de obter acesso ao processo que resultou na sua

adoção após completar 18 anos, caso tenha interesse, etc. Houve uma importante mudança também quanto à idade mínima do adotante, reduzida de 21 para 18 anos. Acompanhando a semelhante mudança da maioridade civil.

A Lei nº 12.010 de 2009, inovou ao prever a criação de dois Cadastros Nacionais de Adoção: um de adotantes e outro, de crianças e adolescentes em condições de ser adotados. Mais uma vez, com a finalidade de promover celeridade no processo de adoção, e promover a rápida e eficiente reinserção familiar da criança ou adolescente, assim como permitir, também, um melhor controle desse processo. Esses cadastros foram criados no ano de 2008, pelo Conselho Nacional de Justiça, que acabou por se antecipar à lei. Com o mesmo ânimo de agilizar a inclusão das crianças nesse cadastro nacional, e dar celeridade a inserção familiar, foram fixados prazo máximo para o procedimento de perda do poder familiar – termo que engloba, basicamente, o conjunto de direitos e deveres dos pais sobre os filhos menores.

Nessa senda, a lei n. 12.010, de 3 de agosto de 2009, alterou vários dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente e revogou o tratamento dado à adoção de menores no Código Civil, de maneira que, hoje, o instituto em tela é regulado pela a referida lei. Como se sabe que no mundo jurídico pode haver oscilações e, assim, tomando por base a própria história acerca da adoção, pode-se entender que com o avançar e as transformações da sociedade, as legislações que tutelam o instituto da adoção foram alterando-se ao longo de tempo, pois desde a sua origem, que haviam muitos conflitos, foi alterando e atendo as necessidades principalmente, dos adotados.

ASPECTOS SOCIOLÓGICOS DA ADOÇÃO

A adoção é um instituto que está em constante transformação, uma vez que as ações e as relações humanas vão se modificando ao longo do tempo. Por isso, é importante uma análise acerca dessa temática. De modo que até recentemente, no Brasil, não existia haviam muitos estudos científicos relacionados a adoção, o que contribuiu para que houvesse uma estereotipização e o desenvolvimento de preconceitos em torno desse ato jurídico (Weber, 2011).

Ainda conforme o autor acima citado, a adoção já percorreu um longo caminho, comprovado a partir das informações abordadas e uma melhor conscientização da sociedade acerca da prática que é acolher alguém desconhecido como um filho e fazê-lo legítimo integrante de sua família, dando-lhe a oportunidade de crescer e se desenvolver num ambiente familiar, tendo garantidos direitos básicos como saúde, educação e alimentação.

É importante salientar que, apesar do avanço do ato adotivo no Brasil, ainda há a predominância de uma mentalidade imbuída de preconceitos e concepções arcaicas, que também influencia nas características que envolvem o processo de adoção. Com isso, percebe- se que ainda exista uma preferência dos adotantes por certas particularidades em relação aos candidatos a filhos adotivos. Nesse contexto, alguns doutrinadores começaram a realizar estudos como modo de verificar quais são essas preferências dos adotantes em relação, principalmente, ao gênero, idade e cor da pele, os quais são os elementos primordiais na escolha do filho (a).

Primeiramente, é importante entender qual o perfil das pessoas que estão pretendendo realizar uma adoção no Brasil. Essas características podem influenciar diretamente nos quesitos de escolha do candidato a adotado. Como aborda Silva (2009), a idade em que mais se pratica a adoção corresponde à fase adulta, entre 30 a 40 anos, visto como, segundo Camarano (2006), nesse estágio da vida, surgem maiores preocupações com o trabalho, construção de uma relação a dois, a compra de uma casa própria e o planejamento de filhos.

Além disso, é importante destacar o estado civil dos pretendentes a adotar, uma vez que geralmente eles são casados ou possuem união estável. Tal confirmação, baseia-se no que escreve Gondim et al. (2008), de acordo com as declarações dos desembargadores Neto e Pachá (2008), no site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que acompanharam um grupo de pessoas que estavam em processo de adoção ou que já haviam adotado alguma criança, na cidade de Porto Alegre, constatando-se que mais de 90 % dos candidatos são casados ou vivem em união estável, mostrando, assim, que a maioria das pessoas que querem adotar tem uma família já constituída e geralmente a escolha por adotar emerge, muitas vezes, devido a infertilidade de um ou dos dois companheiros.

Conforme escreve Menezes (2007), a infertilidade de um ou do casal é o motivo que predomina quanto a opção em adotar, sendo que tal dado pode ser confirmado através de pesquisas realizadas por clínicas especializadas, que relatam que a maioria dos casais que querem adotar o fazem devido a sua infertilidade. No entanto, como ressalta Penha (2008), o processo de adoção será infrutífero caso o casal não tenha superado a infertilidade, visto que ela influencia diretamente nas ações e expectativas que o casal deposita na adoção.

No que se refere ao grau de escolaridade e a classe social dos adotantes, a maioria dos candidatos possuem ensino superior e são de classe média. Isso pode ser justificado pelo fato de a condição financeira ser um quesito importante na adoção, pois, os pretendentes necessitam ter, prioritariamente, alguma profissão ou fonte de renda que possa prover circunstâncias básicas de sobrevivência par adotado (Menezes, 2007).

Tendo em vista esse último aspecto, um estudo realizado pelo mesmo autor sobre as expectativas e preferências de pessoas candidatas a adotantes, no Juizado da Infância e da Juventude de Curitiba, evidenciou que cerca de 70% das pessoas cadastradas tinham como requisito a cor da pele branca para a criança adotada. Sendo que 95% dos adotantes eram de pele branca. Outros 20% relataram que poderiam aceitar uma criança de pele parda, caso não pudessem adotar uma criança branca. Poucas pessoas ou casais se interessaram por crianças de pele preta (Weber, 2011).

Em outro estudo mais recente, realizado por Borkoski e Lepper (2021), foi constatado ao analisar os dados disponíveis no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), que um total de 53,3% das crianças ou adolescentes à disposição para adoção são pardas ou negras, entretanto, cerca de 40% dos pretendentes a pais adotivos somente aceitam adotar crianças brancas.

Como pode ser observado, no Brasil, apesar de ser um país com uma grande parte da população de pele preta ou parda, a preferência resulta pelas crianças brancas. Essa predileção pode ser justificada pelo fato de a maioria dos pretendentes a adoção serem de pele branca e buscarem uma criança com características físicas próximas as suas. Como acrescenta Abreu (2012), ao relatar que essa vontade dos adotantes em ter um filho que se pareça fisicamente pode ser em decorrência de uma demanda pessoal, de tentar assemelhar-se à família biológica, em que os traços genéticos são repassados dos pais aos filhos, resultando em semelhança física. O autor ainda relata que essa procura dos pais adotivos por crianças com características semelhantes às deles é uma alternativa para facilitar a identificação com os filhos adotivos.

Costa e Campos (2013) confirmam que é frequente, em estudos psicossociais sobre a adoção, que pais adotivos mencionem orgulhosos a semelhança de seus filhos com eles ou com outros membros da família, uma vez que enfatizar tais semelhanças parece cimentar um vínculo parental sob ameaça de inexistência desse, face a ausência de uma conexão biológica.

Esse aspecto pode ser analisado como uma necessidade dos pais em representar na sociedade a sua identidade, o que ocupa um lugar primordial na concepção social da reprodução. Além disso, outros motivos podem ser associados a isso, como evitar ter que dar explicações a terceiros, impressão de melhor adaptação da criança na família e medo de preconceitos.

Outra motivação pode estar associada a questão racial, construída na historiografia brasileira, carregada de discriminação e preterimento, tendo como principal fator a cor da pele

preta. Essas concepções influenciam em várias questões da sociedade e no quesito da adoção não se manifesta diferente. Assim, há um longo caminho para que essa realidade possa se modificar, haja vista que o preconceito e racismo ainda são muito estruturais em nossa sociedade, e isso muitas vezes está tão intrínseco que os candidatos a adoção não têm a dimensão da influência dessa herança social nas suas preferências e decisões.

Nessa perspectiva, outra característica importante, apesar de não ser a mais determinante na escolha dos filhos adotivos, é em relação ao gênero, uma vez que há a preferência pelo gênero feminino. Borkoski e Lepper (2021) apresentam em seu estudo que, embora 70% dos interessados na adoção declararem ser indiferentes em relação ao gênero, 25% dos candidatos querem, exclusivamente, meninas e o restante meninos. Essa é uma parcela razoável de especificidade no perfil, visto que suas expectativas podem não ser atendidas. Além disso, o CNJ (2013) verificou que os candidatos a adotantes no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) possuem uma preferência por crianças do gênero feminino.

Essa demanda por crianças do gênero feminino pode haver diversas motivações, mas a mais presente é a impressão de que mulheres são mais fáceis de educar e lidar. Corroborando com isso, Amim e Menandro (2007) apresentaram em sua pesquisa, com candidatos a pais adotivos, que havia uma preferência por meninas e, em geral, a motivação foi o relato de uma criação mais fácil.

Costa e Campos (2013) declaram que a maior demanda por meninas para adoção no Brasil está associada aos estereótipos construídos culturalmente, que associam às mulheres a doçura, beleza e domesticidade. Esse pensamento se perpetuou à medida em que se estabelecia uma diferença entre os gêneros, uma vez que a mulher seria figura dócil e emotiva, características estas que eram negadas naturalmente ao homem. Desse modo, perdurou uma concepção da mulher com emoções mais fáceis de controlar e criar, e o homem provido de poder e razão, que não o torna subordinado a outros. Essas divergências culturais acabaram sendo naturalizadas e resultaram em uma diferenciação de poder separando a figura masculina (dominante) da feminina (Costa; Campos, 2013).

Além das características influentes no processo de adoção acima citadas, há o fator idade, que se apresenta como o mais crucial. De acordo com a investigação feita pelo CNJ (2013), a idade é o principal responsável pelo distanciamento entre as preferências dos adotantes e as características dos candidatos a filhos adotivos no Brasil. Evidencia-se que entre cada dez candidatos a pais, um total de nove prefere crianças de zero a cinco anos, o que vai em contrapartida com as características dos pretendentes a filhos, sendo que apenas nove, em cada cem crianças elegíveis para adoção, se encontram dentro dessa faixa etária (CNJ, 2013).

Alguns estudos identificaram uma preferência por recém-nascidos ou crianças de pouca idade (Amim; Menandro, 2007; Huber; Siqueira, 2010).

Nesse sentido, segundo Borkoski e Lepper (2021), à medida que o tempo passa fica mais difícil para crianças serem adotadas. Tendo em consideração que apenas 2,5 % dos adotantes têm interesse em adotar adolescentes com 12 anos ou mais. Uma das motivações na escolha por bebês e crianças menores está relacionado ao desejo de vivenciar a fase inicial do desenvolvimento infantil, onde passam das primeiras expressões faciais às primeiras falas e passos, construindo e registrando uma família, manifestando a história desde o início (Huber; Siqueira, 2010).

Cabe salientar que Araújo e Faro (2017) constataram também que existe um receio por parte de adotantes em aceitar crianças mais velhas, isso porque se tem a concepção de que quando a criança é mais velha mais provável que rejeite a família adotiva ou vice-versa. Os autores observaram que há um sentimento de medo e apreensão sobre o que as pessoas iriam pensar da criança; principalmente como os familiares vão lidar com o futuro filho, o que mostra que a sociedade ainda tem certos preconceitos contra a adoção tardia.

Em vista disso, esse receio em adotar crianças mais velhas perpassa também por uma crença de que esses indivíduos teriam uma maior ligação com a família biológica ou um maior entendimento e desejo por procurar sua origem. Entretanto, por mais precoce que a adoção seja, a criança adotada tem o direito assegurado de conhecer sua família biológica, caso tenha interesse, como aborda o trecho a seguir:

Em consonância com o ECA e com a CF, qualquer pessoa tem o direito ao conhecimento sobre a verdade de sua origem biológica, uma vez que configura um direito de personalidade, ligado indissociavelmente à vida, à integridade moral, à imagem e à identidade da pessoa. Dessa forma, como é direito de personalidade, de caráter absoluto é um direito indisponível, imprescritível, impenhorável e vitalício. Para que esse direito seja assegurado, o ECA consigna uma série de normas para efetivar esse direito (Tavares,2012,p.474)

Salienta-se que a idade do adotado não se configura como uma regra para que ele tenha um desejo maior em conhecer ou ter ligação com a família biológica, sendo que as crianças têm esse direito, independentemente da vontade da família adotiva. Por mais cedo que as crianças sejam adotadas, elas estão sujeitas ao interesse em buscar suas origens algum dia e não podem ser impedidas de tal. Assim, todo o exposto acima revela como há ainda um imaginário social acerca da adoção tardia, visto como um problema, quando ele pode ser a solução tanto para crianças sem pais quanto para pessoas sem filhos.

Como pode-se observar, tanto na teoria quanto na realidade o número de pretendentes a adoção é bastante elevado, sendo superior ao número de crianças aptas a serem a adotas e, mesmo assim, existe um alto contingente de crianças e adolescentes a serem adotadas até a vida adulta. Isso demonstra que a mentalidade coletiva dos adotantes sobre o processo evolutivo da criança atrapalha o processo de adoção. Ademais, muitas crianças que vivem nas casas de acolhimento estão no processo de perda de guarda e com isso, muitos candidatos a adoção preferem não esperar.

A propósito, outros fatores atravancam a decisão pela adoção tardia, é que a família adotiva teme que o filho adotado não se adapte a uma nova família por acreditar que já tenha moldado seu caráter e personalidade e por ter incorporado uma carência de limites, possíveis “vícios”, pouca educação e dificuldades de convivência. Porém, as experiências de crianças e adolescentes que foram colocados em lares não podem servir como confirmação de que trazem “vícios” com eles e que não se comportam bem por causa de seu passado (Otuka et.al, 2013).

Essa visão é bastante perpetuada de maneira equivocada, visto que cada criança possui sua individualidade e vivência, não podendo ser prejulgada somente por sua condição de adoção, como bem expressa o enunciado:

O fenômeno da adaptação é muito difícil e exige muitos esforços de qualquer ser humano. As mudanças na adoção são bastante significativas para crianças de qualquer idade e até mesmo para adolescentes que tenha passado ou não por um abrigo. A criança muitas vezes passa por muitos traumas e até mesmo vícios de comportamento que é difícil tanto para a criança quanto para o adotante, entretanto, o que vai de fato diferenciar este processo não é a idade, é como cada criança vivencia seu próprio processo, porque a dor do abandono existe em todas. Não podemos esquecer que, no processo de adoção, não existe somente o sentido de ganhar uma família, existe também o sentimento de perder uma outra, a de origem (Borkoski; Lepper, 2021).

Outro impasse na saída das crianças e adolescentes das entidades é a baixa disposição dos candidatos a pais adotivos em adotar mais de uma criança ao mesmo tempo, sendo que das disponíveis, um contingente de 42,1%, possui irmãos, e dos pretendentes, 60,6% somente querem adotar apenas uma criança, assim, como os Juizados de Criança e Adolescente dificilmente optam por separar os irmãos, essas crianças terão uma oportunidade reduzida de serem adotados (Borkoski; Lepper, 2021).

Portanto, ante a constatação das preferências dos candidatos a adotantes, percebe-se um perfil de filho adotivo desejado, sendo, preferencialmente, do gênero feminino, cor branca, com idade até 4 – 5 anos e que não possua irmãos. Dessa forma, as crianças que estão fora desses parâmetros têm mais probabilidade de permanecer em institutos, tais como as crianças negras, as que possuem alguma deficiência física ou problemas de saúde ou, ainda, que façam parte de um grupo de irmãos. Trata-se do desenvolvimento de um perfil de filho adotivo moldado por uma dinâmica social, que incorpora estereótipos que despertam expectativas nos pais adotivos, afetando o processo de adoção (Iskizawa; Kubo, 2014).

Com todo o exposto, pode-se perceber que a Lei da Adoção, bem como os outros dispositivos que versam sobre a temática, estabelece como prioridade que a criança ou adolescente aptos a adoção tenham o direito de serem incluídos, independentemente de suas características físicas ou psicológicas. Porém, o que permeia a realidade é totalmente diferente, havendo influência de fatores sociológicos que interferem na adoção. Entretanto, mesmo com a maior facilidade e adequação da legislação aos novos modelos de família, ainda existem esses entraves sociais que dificultam a aceitação de crianças e adolescentes que não se encaixam em determinados padrões exigidos pelos candidatos a pais adotivos.

Desse modo, um acompanhamento psicológico com os possíveis pais pode auxiliar na conscientização sobre a importância de conhecer as dificuldades e expectativas sobre a adoção e ajudar a combater mitos e preconceitos presentes no imaginário social. Assim, eles podem repensar acerca das suas exigências e preferências no processo adotivo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de adoção no Brasil, ao longo do tempo, desde a sua instituição com o Código Civil de 1916, sofreu significativas mudança no ato da adoção, que atualmente é regulamenta pela lei nº 12.010/2009, que ficou conhecida também como Lei Nacional de Adoção, bem como outros dispositivos que regulam o instituto em análise. A referida lei é resultado de um longo processo legislativo, que foi se adequando às mudanças sociais para assim tutelar as crianças e adolescentes que se encontram na situação de adotado.

Com base nas pesquisas realizadas, pode-se perceber que o número de famílias que tem interesse em adotar se mostra bem superior ao número de crianças e adolescentes aptos a adoção. Todavia, esta não ocorre devido aos empecilhos sociais que estabelecem determinados perfis e preferências aos candidatos a serem adotados. Além disso, destaca-se a burocracia que existe no processo, o qual dificulta o seu resultado efetivo.

No que tange a análise acerca das preferências de adotantes no Brasil, associando os aspectos sociológicos e legais, constatou-se que existem e são notórios determinados perfis, quais sejam, crianças menores de 5 anos, pele branca e de preferência do gênero feminino. Acrescenta-se ainda a necessidade de serem filhos únicos, pois os pais que pretendem adotar não desejam adotar mais de um filho(a) de uma única vez. Mostrando, assim, que essas características preferenciais divergem da realidade do cenário nacional, visto que a maioria das crianças e adolescentes aptos a adoção estão foram desses padrões.

Depreende-se que os preconceitos e mitos intrínsecos na sociedade brasileira rodeiam e interferem no processo adotivo, haja vista que induzem os indivíduos a terem critérios bem específicos quanto ao filho que se pretende adotar e isso resulta em impasses no processo adotivo, dificultando a sua concretização. Essa dificuldade acarreta no problema de haver diversas crianças adolescentes que necessitam de uma família e que provavelmente não vão conseguir até atingir sua maioridade, ocasionando o grande número de crianças e adolescentes em casa de abrigos.

Observa-se que muitos preconceitos e estereótipos com determinados grupos sociais da sociedade brasileira permeiam todos os espaços e no processo de adoção não é diferente, acarretando grandes consequências, principalmente, de impedir que muitas crianças e adolescentes possuam uma família.

Essa realidade necessita ser modificada, pois os benefícios da adoção são inúmeros tanto para os pais adotivos, que irão conseguir realizar o sonho de ter um filho, mesmo que não seja biológico, quanto para as diversas crianças que necessitam de uma família e podem ser inseridas em um lar afetivo, do qual recebam amor, carinho, cuidado e atenção, que muitas vezes nunca receberam na vida.

Portanto, o instituto da adoção no Brasil, ainda necessita de percorrer caminhos que desmistifique diversos aspectos envolvendo esse ato jurídico, para que assim essa realidade social se modifique, promovendo um maior número de adoções, principalmente de crianças mais velhas e adolescentes. Tendo em vista a importância da temática, é interessante a realização de novos estudos envolvendo outros aspectos da adoção como a realidade das crianças que não são adotadas e analisar os tabus da adoção tardia.

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[1] Bacharelando do Curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo/Fasec. E-mail: aline1967@outlook.com.br

[2] Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins e Escola Superior da Magistratura Tocantinense. Pós-graduado em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor de Direito Penal, Processo Penal e Prática Criminal no curso de Direito na Faculdade Serra do Carmo – FASEC. Delegado de Polícia Civil do Estado do Tocantins. Email:  prof.israelalves@fasec.edu.br