OS NOVOS DESAFIOS DO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO NA ERA DA GIG ECONOMY
30 de setembro de 2024THE NEW CHALLENGES OF THE SOCIAL SECURITY SYSTEM IN THE ERA OF THE GIG ECONOMY
Artigo submetido em 20 de julho de 2024
Artigo aprovado em 26 de julho de 2024
Artigo publicado em 30 de setembro de 2024
Cognitio Juris Volume 14 – Número 56 – Setembro de 2024 ISSN 2236-3009 |
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Autor(es): João Victor Afonso da Silva Cordeiro Folha[1] |
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RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo demonstrar de maneira sucinta, os novos desafios que devem ser enfrentados pelo novo sistema previdenciário diante da gig economy. Assim sendo, propõe-se um estudo dirimido sobre os institutos previdenciários e trabalhistas que cercam a ceara da economia digital, bem como analisar o atual panorama das relações laborais e previdenciárias. Foram feitas pesquisas em livros e artigos, de renomados autores que trataram do presente tema, bem como, sobre a caracterização da relação de trabalho, contribuições previdenciárias, assim como traziam o conceito de pacto da previdência com a sociedade (pacto de gerações). Desse modo, chegou-se a conclusão de que, o recolhimento das contribuições dos gig workers por parte das empresas é perfeitamente viável. Porque cabe ao Estado em essência a prestação serviços e a garantia de direitos aos seus cidadãos da melhor maneira possível, e não ater-se a ficções jurídicas, as quais impedem a satisfação destes, sendo alcançados desta maneira todos os fins dos institutos conceituados.
PALAVRAS- CHAVES: Previdência. Regulação. Trabalhadores. Tecnologia. Responsabilidade.
ABSTRACT: The present work has as objective to demonstrate, in a succinct way, the new challenges that must be faced by the new social security system in face of the gig economy. Therefore, a study is proposed on the social security and labor institutes that surround the digital economy, as well as analyzing the current panorama of labor and social security relations. Researches was carried out in books and articles, by renowned authors who dealt with this topic, as well as on the characterization of the employment relationship, social security contributions, as well as bringing the concept of social security pact with society (generation pact). Thus, it was concluded that the collection of contributions from gig workers by companies is perfectly viable. Because, in essence, the State is responsible for providing services and guaranteeing rights to its citizens in the best possible way, and not stick to legal fictions, which impede their satisfaction, thus achieving all the purposes of the renowned institutes.
KEYWORDS: Pension. Regulation. Workers. Technology. Responsibility.
INTRODUÇÃO
Este estudo é uma breve análise das mudanças havidas na seara previdenciária decorrente da nova modalidade de economia, bem como da nova classe de trabalhadores, quais sejam, a gig economy e os gig workers. Neste trabalho, ao fazermos uma análise do referido ramo da economia e dos trabalhadores que nele laboram, juntamente com a repercussão destes no sistema de proteção social da sociedade, vamos fazer apanhado geral de alguns conceitos, da mesma maneira que, tentaremos demonstrar tanto o surgimento histórico deles e suas origens. E assim, apontaremos através do que foi discutido e colocado, os caminhos para onde aqueles apontam, bem como algumas possíveis saídas para o tema que é o mote do presente trabalho.
Inicialmente para formar uma base que permeie todo o trabalho é mais do que necessário à conceituação do que seria a gig economy, ou, como também é chamada no cenário nacional, uberização do trabalho, como ela surgiu, o porquê do seu surgimento e a que ela se presta na atual conjuntura socioeconômica.
Pelo conceito do Dicionário de Cambridge entende-se como sendo um mercado de trabalho, onde encontraremos trabalhadores sem vínculo empregatício, trabalhadores temporários (Dicionário de Cambridge, internet). No que diz respeito a sua origem vai ser demonstrada a partir de que momento se deu, também como ele está ligado ao surgimento das necessidades da sociedade, a nova regulamentação e enquadramento que o Estado deve tutelar.
Também vai ser abordado o trabalhador propriamente dito, os vínculos existentes entre eles e as empresas que atuam no referido mercado de um modo geral, os diversos requisitos atendidos pelos gig workers para sua caracterização como trabalhadores, bem como, o possível enquadramento dos mesmos no sistema previdenciário, a qual ele vai servir e o modo através do qual este vai cumprir com suas funções primordiais.
Além disso, também serão apontadas as diversas perspectivas previdenciárias pertinentes ao tema, como o pacto entre gerações que serve como lastro daquilo que é entendido como sistema previdenciário, as expectativas daqueles trabalhadores que laboram nesse ramo da economia em específico, naquilo que diz respeito a sua proteção e também as próprias modalidades de contribuições vão ser abordadas e será discorrido a respeito.
Trataremos ainda, das empresas que permeiam este meio, as quais não podem ser deixadas de fora da discussão, haja vista trata-se de algo central para compreensão e solução dos problemas existentes. E é neste momento que traremos a baila discussões mais do que necessárias a respeito da responsabilidade destas para com seus trabalhadores, afora estes, os quais se pode dizer que já são uma grande massa e que também geram uma enorme responsabilidade, trataremos ainda da responsabilidade delas para com o Estado como um todo e por conseguinte para a seguridade social e, consequentemente, o dever de recolhimento que decorre das responsabilidades acima citados.
Por fim, será demonstrado que não só a regulação, como a fiscalização, a constatação, a comprovação e até mesmo os sistemas de inteligência artificial que permeiam esta seara tornam perfeitamente possível, razoável e até mesmo necessário o ingresso dessa categoria de trabalhadores no sistema previdenciário. Cumprindo-se todos os requisitos legais e até mesmo sociais exigidos, tanto da empresa como do próprio Estado, através do qual os benefícios obtidos com um sistema mais forte, robusto e menos excludente serão revertidos nos benefícios prestados, sem esquecer-se claro do dever que todos têm de cumprir com o recolhimento de suas contribuições.
O estudo foi realizado por meio de pesquisas em doutrinas publicadas acerca do tema proposto, legislações vigentes, artigos e sites jurídicos. Para assim, chegar da melhor forma ao objetivo que fora proposto.
1 TECNOLOGIA DISRUPTIVA
As chamadas tecnologias disruptivas podem ser conceituadas das mais diversas formas, haja vista que se aplica e é necessário aos mais diversos ramos das ciências, pois aquelas são algo que permeiam toda sociedade e geram grandes reflexos a partir da sua criação, extinção e modificação.
Segundo Patrícia Baptista e Clara Iglesias Keller (2016, p. 130): “Uma inovação disruptiva ocorre quando for capaz de enfraquecer ou, eventualmente, de substituir indústrias, empresas ou produtos estabelecidos no mercado”.
Depreende-se que tal conceito não surge ou aplicam-se somente nos dias atuais, uma vez que, estes tipos de inovações, sejam elas através de produtos ou modalidades de serviço sempre existiram. Para um entendimento mais completo cabe aqui citarmos alguns exemplos destas tecnologias, sejam estes dos tempos mais remotos até os atuais.
Um exemplo clássico é a invenção da prensa, invenção esta que popularizou e tornou acessível à escrita e a leitura a uma parcela significativa da população, haja vista que a partir dela a produção de um livro passou de algo artesanal para algo mecânico, aumentando significativamente o número de exemplares e diminuindo significativamente seus custos de produção, fazendo com a cultura, a educação e segundo alguns, até mesmo revoluções, as quais foram inspiradas em livros e jornais fosse possível.
Partindo agora para um exemplo, digamos mais recente, mas não tão recente e já amplamente difundido e conhecido, podemos citar o CD, o qual no exato momento do seu surgimento tornou completamente obsoleto o seu predecessor, qual seja, o disquete, pois aquele o superava em todos os aspectos, seja no custo, tanto de produção como na capacidade de armazenamento, tanto física quanto de dados, todos estes fatores fizeram com que até mesmo os designers dos computadores fossem modificados passando a não possuírem mais leitores de disquete em seus modelos.
Deste modo, partindo-se destes dois exemplos, os quais se mostram tão distintos, seja nas épocas em que foram apresentados ou na funcionalidade que ambos possuíam, ambos tem um ponto em comum que os tornam as chamadas tecnologias disruptivas, que é a repercussão e o modo sobremaneira que eles afetaram a sociedade a partir do momento em que foram introduzidos nela.
Preconiza-se que as referidas tecnologias sejam estas mais antigas ou mais recentes, sempre possuem algumas características em comum, as quais lhe conferem o condão de pode ser chamada de disruptiva, leiam-se: simplicidade, conveniência e acessibilidade. Isso nos aspectos pertinentes a utilização e a aquisição (APD, 2018, internet).
Passemos agora a conceituar cada uma destas características:
A simplicidade é o último pilar. Tenha certeza de que o design é algo mais importante do que imaginamos para a aceitação de uma inovação e, consequentemente, para o seu potencial disruptivo (MJV, 2018, internet).
Outro fator importante é a conveniência. Inovações são disruptivas quando capazes de solucionar problemas reais das pessoas. Elas devem promover o bem-estar (MJV, 2018, internet).
A nova solução precisa ser adotada com facilidade pela sociedade, tanto em questão de preço quanto de usabilidade. Se ficar restrita a um pequeno grupo, ela não é capaz de transformar (MJV, 2018, internet).
Em suma, estes são os conceitos, aspectos e características que fazem de uma tecnológica disruptiva, pois nem todas o são. A seguir entraremos em alguns aspectos mais específicos destas inovações e das consequências trazidas por elas a certos ramos das ciências jurídicas e na implicação destes aspectos nestas.
- Adaptação da administração
Como foi exposto, tais inovações envolvem os mais diversos ramos não só da tecnologia propriamente dita, mas também os mais diversos ramos da sociedade como um todo, em virtude de afetarem sobremaneira esta através das inovações trazidas, principalmente aqueles que as utilizam, trabalham ou as produzem.
Deste modo, por haver reflexos tão significativos na sociedade e em seus indivíduos, surge o dever do Estado, na pessoa da administração pública, em resguardar da melhor forma possível o interesse público da coletividade, a fim de que não haja exploração, aviltamento ou excesso de direitos. Tanto é que os mais diversos autores reconhecem este fato como Patrícia Baptista e Clara Iglesias Keller (2016, p. 132): “Quando um determinado arranjo institucional é confrontado com uma nova lógica de organização, uma série de questões passa a incomodar os agentes do Estado, como adequação, momento e forma de regulação do novo contexto”.
O referido dever surge da função primordial do Estado de proteção da sua população, proteção esta que todos aqueles que fazem parte daquele necessitam e querem, em virtude de abrirem mão de um quinhão da sua liberdade para terem a chamada “segurança” proporcionada por ele.
Esta chamada segurança é a palavra-chave que temos que levar em conta quando fazemos qualquer análise que envolva a administração pública, pois é isso que as pessoas esperam que o Estado lhes forneça, seja segurança alimentar, seja segurança habitacional ou, principalmente, no caso do presente artigo, segurança do trabalho ou previdenciária.
Esta segurança que o Estado presta aos administrados é efetivada através da regulamentação destes setores, por ser uma maneira de se ingerir menos na esfera particular daqueles, pois suas particularidades e privacidades também merecem ser respeitadas sob-risco de violação de alguns direitos fundamentais.
Assim, com o surgimento de novas tecnologias, mais especificamente as tecnologias disruptivas, cabe ao Estado adequar-se as modificações trazidas por elas, não pode este ser algo estanque que não acompanha as mudanças do meio social, sob pena de perder a legitimidade do contrato social que o lastreia.
E a adequação é feita justamente através da regulação dessas tecnologias, para que os fatos jurídicos advindos daquelas estavam protegidos e resguardados, o problema é que em alguns casos, mesmo havendo tal dever e tal necessidade, por vezes o Estado se furta de regular esses setores.
A tal fato damos o nome de desconexão regulatória, onde segundo Patrícia Baptista e Clara Iglesias Keller (2016, p. 139):
A esta questão específica, Brownsword e Goodwin aplicam o conceito de desconexão regulatória, quando, de tempos em tempos, surge à necessidade de reconexão entre o arcabouço regulatório e o panorama geral de mercado. A necessidade dessa reconexão é verificada, por exemplo, quando novas tecnologias em funcionamento são relegadas a um vazio regulatório, ou quando tecnologias preexistentes são absorvidas por regimes mais recentes.
Um exemplo claro disto é no caso do Brasil, onde mesmo com a chegada de novas tecnologias disruptivas, em específico, as tecnologias do setor de serviços, a chamada Gig Economy, ainda continua parcamente regulamentada.
Até o presente momento não vemos regulamentações objetivas, bem como, não vemos regulamentações claras, sejam elas no âmbito federal, estadual ou municipal que se prestem a tutelar de maneira clara os fatos jurídicos decorrentes destas, sejam eles no âmbito cível, sejam eles no âmbito empresarial, sejam eles no âmbito trabalhista ou no âmbito previdenciário.
Utilizando-se de exemplos mais concretos, a fim de facilitar o entendimento, podemos citar o caso de duas das empresas mais conhecidas daquele setor, quais sejam, a Uber e o Ifood, como são conhecidas popularmente, as referidas trouxeram tecnologias, aliadas a serviços que praticamente acabaram com certos setores, bem como, criaram outros praticamente do zero, carecendo, principalmente nestes casos específicos, da regulação estatal, seja das relações jurídicas que se findaram com a entrada delas no mercado ou seja das relações jurídicas que surgiram com a entrada dalas no mercado.
- Novos regulamentos
No capítulo anterior demos exemplos de duas tecnologias disruptivas trazidas pelas empresas, quais sejam a Uber e o Ifood, as quais trouxeram inovações, tecnologias e um know-how que mudaram completamente seus nichos de atuação e afetaram a vida das pessoas envolvidas com elas.
Deste modo, continuaremos a utilizar estes exemplos, tal pano de fundo serve perfeitamente para ilustrar as necessidades e as transformações necessárias que necessitam ocorrer para adequar a realidade social as transformações trazidas por ela.
No presente tópico, tentaremos apresentar como essas transformações podem ser colocada em prática pela administração pública, através da regulamentação dos setores e das tecnologias, regulamentação esta que pode advir da administração pública em sentido estrito, ou seja, o poder executivo, através de decretos, portarias e atos normativos, ou do legislativo, através de leis propriamente ditas ou inclusive emendas a Constituição Federal.
Como já mencionado, a referida regulamentação é necessária para acompanhar as mudanças ocorridas na sociedade, mas não somente isso, a regulamentação destes setores e destas tecnologias deve ser entendida como uma maneira de proteger os administrados ou cidadãos que lidam direta e indiretamente com elas.
Como é sabido, quando se busca proteção, busca-se proteção de algo e neste caso busca-se a proteção contra a exploração, nos levando ao ponto seguinte, qual seja, determinar que exploração seria essa, o que estaria sendo explorado, quem estaria sendo explorado e quem seria o explorador.
Utilizando-se dos exemplos já citados, qual seja, o da gig economy, passemos a correlacionar e caracterizar através deles os pontos já citados e algumas medidas que possam vir a ser adotadas pela administração para atingir aquele fim pretendido e que é também o seu dever.
Primeiro vamos tentar expor um dos motivos pelo qual se acredita que ainda não existe a regulamentação, não só deste, mas como de outros setores. O referido no motivo é de cunho histórico, querendo ou não, o Brasil é uma democracia relativamente recente e que saiu de uma ditadura a menos de trinta anos, isso faz com que aquela imagem de um governo autoritário e que interferia de maneira intensa na esfera dos particulares ainda esteja impressa na mente das pessoas. Desta forma, os administradores tem receio de editar tais regulamentos, e estes acabarem interferindo nas relações dos particulares e a população os veja como autoritários, assim como aqueles governos de tempos não tão passados, por isso a dificuldade em proceder às citadas regulamentações.
Passemos agora a tratar a respeito dos outros pontos, primeiramente o que se estaria buscando proteger seria a exploração do trabalho, através do não repasse de direitos dos trabalhadores de aplicativos pelas respectivas empresas deste setor, em suma este seria o mote da problemática aqui apresentada.
Ocorre que, quando as novas legislações, citem-se a reforma trabalhista e a reforma previdenciária foram pensadas e posteriormente promulgadas, não levaram em conta estes novos mercados e estas novas categorias de trabalhadores trazidas com aquelas tecnologias disruptivas. E em virtude desta não observação à época, atualmente a regulação deve ser feita de maneira mais extensiva, conforme assevera Patrícia Baptista e Clara Iglesias Keller (2016, p. 155):
Ao contrário, se a opção de regular se der em momento posterior, quando a inovação disruptiva já estiver mais consolidada, é provável que o regulador acabe optando por uma regulação mais extensiva e minudente, com foco nas questões surgidas no processo de consolidação.
Isso fez com que os trabalhadores no caso da reforma trabalhista e os possíveis segurados no caso da reforma previdenciária ficassem descobertos e assim desprotegidos pelos novos regulamentos, isso mostra a fragilidade desta parte da relação e a necessidade de proteção dos direitos deles, podendo esta inclusive vir a ocorrer através de umas novas e minis reformas.
1.3 Novo enquadramento
Como já citado, as referidas reformas foram omissas naquilo que diz respeito aos gig workes, acreditamos que a omissão ocorreu por uma falta de perspectiva do legislador no momento em que os textos legais daquelas reformas estavam sendo editados e debatidos.
Mas não se pode mais fechar os olhos para este crescente grupo, o Estado tem o dever de regulamentar tais setores, de maneira que venha a proteger estes, cumprindo assim o seu papel social, sob-risco de se legitimar a exploração das empresas que se utilizam daqueles para o desenvolvimento das suas operações de uma maneira geral.
Para tanto, o Estado, mesmo que a reforma trabalhista e previdenciária tenham sido editadas recentemente, tem de atualizá-las, na tentativa de acompanhar as mudanças do cenário atual, se não, a legislação não vai refletir os anseios da sociedade a qual serve e se presta.
Na seara trabalhista, uma nova regulamentação destes trabalhadores poderia ser feita, a fim de que o vínculo viesse a ser reconhecido, consequentemente, uma série de outros direitos estariam garantidos ao trabalhador, mantendo este resguardado e trazendo segurança jurídica as relações tidas entre eles e as empresas do meio.
Na seara previdenciária, uma nova regulamentação deste segurados poderia ser feita, a fim de que as contribuições destes passassem a ser recolhidas, consequentemente, uma série de outros benefícios estariam a disposição destes segurados, mantendo este resguardado e trazendo segurança jurídica as relações tidas entre eles e a previdência.
Estas reformas, não necessariamente deveriam enquadrar esta nova categoria de trabalhadores e também segurados em conceitos ou instituto já existentes, pelo contrário, o consectário lógico aponta no sentido de que eles devem ser enquadrados em novos conceitos e novos elementos, pois aqueles advêm justamente das chamadas tecnologias disruptivas, conceito este que pode ser entendido quase que como um sinônimo do novo e é justamente por isso que autores como Patrícia Baptista e Clara Iglesias Keller (2016, p. 157) afirma: “Enfim, regulará melhor aquele que tiver êxito em combinar melhor o mix de estratégias existentes de acordo com os fins regulatórios perseguidos em cada caso”.
Fato é que o Estado atualmente tem o dever de regulamentar a gig economy e aqueles que nela militam, utilizando de novos meios, novos conceitos e achando novas soluções, em virtude das antigas caracterizações e o dos antigos institutos não mais prestarem-se a resolver os problemas completamente novos advindos daquela.
2 CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHADOR
No presente tópico tentaremos nos ater a questões mais atinentes ao trabalhador em específico, ou seja, os chamados gig workers, falaremos da sua caracterização, do seu possível enquadramento e dos direitos que decorrem deste reconhecimento como um verdadeiro trabalhador.
Para tanto, é necessário pavimentar o caminho, de maneira didática, iniciando a exposição através de conceitos básicos e partindo posteriormente para os conceitos mais atuais formulados pela doutrina, ou até mesmo propostas de criações de novos conceitos que se adequem de uma melhor maneira a esta categoria.
Outrossim, também por tratar-se de um trabalho voltado para fins e temas previdenciários também será conceituado as modalidades de trabalhadores ou contribuintes atualmente existentes no nosso sistema previdenciário, o possível enquadramento daqueles em algumas destas modalidades ou como foi dito anteriormente, se é passível a criação de uma nova modalidade.
2.1 Dos requisitos do trabalhador
Apesar do tema do presente trabalho tratar-se de um tema atualíssimo, o qual não possui sequer dez anos de existência e discussão, haja vista que surgiu a partir da revolução tecnológica da internet e dos smartphones, conceitos tradicionais ainda devem ser aplicados e utilizados para seu estudo e a sua melhor compreensão.
Deste modo, passemos a nomear quais seriam os requisitos que são consagrados para a caracterização da existência de relação entre um trabalhador e um empregador, quais sejam: a pessoalidade, a subordinação, a continuidade, a onerosidade e a alteridade.
Iniciando pela pessoalidade, esta pode ser descrita como uma atividade “intuitu personae”, ou seja, de cunho personalíssimo, que exige que as obrigações entre as partes sejam praticadas por elas. Assim, quando o trabalhador envia terceira pessoa em seu lugar para realizar o serviço, resta descaracterizado o contrato de trabalho (Sergio Pinto Martins, 2002).
Já a subordinação pode ser descrita como o dever de seguir ordens e determinações técnica e operacional do empregador, ou seja, o empregado precisa estar subordinado ao poder diretivo do empregador (Sergio Pinto Martins, 2002).
No tocante a onerosidade, esta diz respeito à prestação de serviços sempre será onerosa, como sendo a contraprestação do trabalho prestado, ou seja, o trabalho deve vigorar mediante o pagamento de salário (Sergio Pinto Martins, 2002).
A habitualidade por sua vez significa que o trabalhador foi admitido para desenvolver suas atividades de forma habitual (contínua) para aquele que o admitiu (Sergio Pinto Martins, 2002).
Por fim, a alteridade, este requisito, significa que o empregador assume os riscos decorrentes do seu negócio, mas não os repassa ao empregado (Sergio Pinto Martins, 2002).
Em suma, estes são os requisitos que caracterizam a existência de uma relação de trabalho, existem alguns outros a depender dos doutrinadores, mas esta quina de requisitos é a que sempre se encontra presente em todas as conceituações que nos vemos e que está pacificada na doutrina.
2.2 Do vínculo entre a empresa e o trabalhador
Conceituados estes requisitos, podemos agora correlaciona-los e traze-los para a nossa discussão, qual seja, os desafios gerados pelo surgimento da gig economy no mercado de trabalho e consequentemente a repercussão da mesma no nosso sistema previdenciário nacional.
Assim como foi feito nos tópicos anteriores, vamos nos utilizar novamente daqueles dois exemplos da uber e do ifood, repisasse estes em virtude da sua grande capilaridade, da fácil compreensão e também por tratar-se das duas maiores do setor presentes no nosso país.
Iniciemos seguindo a mesma ordem do tópico anterior, pela pessoalidade, diz-se que a pessoalidade encontra-se presente na relação existente entre os motoristas e entregadores e entre a Uber e o Ifood respectivamente, diz-se isto por uma série de fatores, o primeiro deles é que, por exemplo, aqueles tem apresentar certidões pessoais de inexistência de antecedentes criminais, bem como tem que informar qual o veículo específico que vão utilizar naquele serviço que vão passar a desempenhar, além do que, em alguns casos, também é perguntado a terceiros se aquele condutor realmente é o que está cadastrado, inclusive com foto do mesmo. Isso mostra que as atividades devem ser desempenhadas por aquele gig worker específico, sendo vedada a condução do serviço por qualquer terceiro indicado por ele.
Partimos agora para a subordinação, este pode ser um dos requisitos onde se causa mais espécie para sua caracterização, em virtude da ilusão que aquele trabalhador está trabalhando sozinho, sem chefe, sendo seu próprio patrão ou a chamada “empresa de um homem só”, ilusão esta que parte do fato do mesmo trabalhar somente acompanhado de um celular, ou do fato de por vezes estas empresas sequer possuirem sedes onde eles operam, no entanto, por trás daquele aplicativo há uma série de pessoas e interesses que operam e programaram os chamados algoritimos, algoritimos estes que na atualidade governam o nosso dia a dia, o algoritimo aponta para onde aquele trabalhador deve ir, o algoritimo diz qual vai ser a taxa do serviço, o algoritimo inclusive estabelece metas a serem cumpridas, as quais, quando não cumpridas podem levar a suspensão da operação deste como forma de punição, sendo inegável a subordinação deste a “maquina” para a qual ele opera.
A habitualidade por sua vez, segue quase a mesma esteira da subordinação, a de dificil visualização, pois os chamados gig workers em tese não tem que “bater o ponto” para iniciar a desempenhar suas atividades ou para vir a encerra-las, no entanto, tal fato não retira o requisito da habitualidade das suas funções pelo fato de que mais uma vez estes algoritmos, a partir do momento em que identificam que algum daqueles colaboradores não está operando com a frequência estabelecida por ele, ele os excluem das plataformas, por vezes inclusive impedindo o retorno, tal fato atesta que aquelas atividades tem que ser desempenhadas de maneira contínua e inclusive por tempo indeterminado, como as relações laborais tradicionais.
No que diz respeito à onerosidade, não há que ser feita maiores considerações, em virtude de esta estar demonstrada de maneira inequívoca, haja vista que os trabalhadores deste setor recebem uma parcela dos pagamentos que são feitos pelos clientes, pratica esta que é corriqueira também no mercado de trabalho tradicional, principalmente no ramo de vendas, são as chamadas comissões, ou seja, mais um requisito caracterizado.
Por último, o requisito da alteridade, este por sua vez encontra-se presente, mas de maneira diversa, como se o fosse o outro lado da moeda, em virtude do fato de que na gig economy, as empresas transferiram completamente os riscos, pois aqueles opera com as suas expensas, com os seus próprios equipamentos e sujeitos a todos os riscos do mercado e apesar de assumir todos estes riscos, fica impossibilitado de ingerir de qualquer maneira sobre o modo de condução da operação, vemos assim que apesar de um novo entendimento, a alteridade encontra-se ainda presente nesta relação.
Foi demonstrado aqui que todos aqueles requisitos tradicionais necessários para a caracterização da relação de trabalho entre as empresas que atuam na gig economy e os gig workers encontram-se presentes no desempenho das suas funções no dia-a-dia, devendo aquelas assumir alguns dos ônus decorrentes desta.
2.3 Do enquadramento como segurado
Após a demonstração da inegável existência dos requisitos que caracterizam a relação de trabalho também na gig economy, tratemos agora daquilo que decorre dela, ou seja, a caracterização dos atores envolvidos neste complexo cenário que vem se apresentando atualmente e como no presente tópico estamos tratando do trabalhador em específico, vamos analisar esta caracterização juntamente com as implicações previdenciárias.
Leia-se primeiro a definição de segurado dada lei n° 8.212/91:
Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
I – como empregado:
a) aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como diretor empregado;
Assim, a partir do momento em que foi caracterizada a relação de trabalho, automaticamente aquele gig worker tem o direito de passar a qualidade de segurado da previdência, ônus este, que segundo a própria lei acima citada, deve ser suportado pelo empregador, nos moldes e seguindo as determinações por ela prescritas.
O fato de que o atual ramo de prestação de serviços não se encontrar exegeticamente explícito naquele corpo legal não é um impeditivo para a aplicação dos seus preceitos a ele, simplesmente pelo fato de lembrarmos que a o texto legal é uma moldura que é preenchida pela norma, norma esta que é a efetiva interpretação do texto e pode inclusive vir a ser retirada das linhas do presente trabalho.
Mas, para que estes segurados advindos desta nova modalidade de trabalho tenham uma maior segurança jurídica naquilo que pertine a seara previdenciária, parece-nos de bom tom que uma regulamentação nova seja editada e que nesta se disponha de maneira clara e objetiva seu enquadramento, sua modalidade de contribuição e os requisitos necessários.
Este entendimento baseia-se naquela corrente doutrinária conhecida como dirigismo e a respeito delas alguns dos seus autores asseguram que como uma forma de adaptação as transformações ocorridas na sociedade, nas relações de trabalho e na economia o Estado tem de passar a atuar de forma a impor regras que venham a coibir abusos dos economicamente mais fortes, principalmente nos casos em que as relações jurídicas se dão por adesão, onde não qualquer janela de possibilidade de uma das partes, neste caso o trabalhado/segurado, poder influenciar de maneira venha a trazer uma melhoria para sua condição atual, limitando-se simplesmente ao aceite ou não daquilo que está sendo imposto, o que por sua vez é um risco a democracia em si, diante da inexistência de diálogo ou da possibilidade de recorrer de decisões vindas de cima (Sergio Pinto Martins, 2002).
Estas são as razões pelas quais se entende que os gig workers merecem ser colocados naquela qualidade de segurados, por todos os requisitos da relação estarem presentes, pela lei assegurar a estes sua filiação e pelo deve da administração pública de tutelar este sistema no sentido de proteção destes.
3 PERSPECTIVAS PREVIDENCIÁRIAS
A partir do presente tópico, ingressaremos de maneira mais definitiva na seara que é objeto de análise do trabalho, qual seja a previdenciária, onde serão analisadas as atuais perspectivas do sistema previdenciário como um topo, não nos atendo somente a uma categoria, benefício ou contribuição em específico.
Neste vão ser abordados pontos como o futuro do pacto de gerações que lastreia o conceito de sistema previdenciário em si, além da expectativa dos trabalhadores e, por conseguinte, segurados deste atual setor para com a previdência social e todas aquelas garantias consagradas por ela.
Deste ponto em diante, onde já temos uma base de conceitos, entendimentos e visões sólidas, podemos nos ater a essas questões específicas, fazendo uma análise mais profunda do tema para que possamos encontrar saídas para os desafios que veem se apresentando no dia a dia daqueles que são estudiosos e envolvidos com o tema.
3.1 Do pacto de gerações
Neste tópico, assim como nos anteriores, vamos começar expondo alguns conceitos básicos, sendo que desta vez, os referidos conceitos serão mais específicos, mais relacionados à previdência, deixando aqueles conceitos mais gerais para a base da nossa pirâmide do conhecimento.
O primeiro de todos que deve ser compreendido pelo leito trata-se daquele conceito que define o nosso regime previdenciário nacional, qual seja, o regime de financiamento de repartição, a respeito deste diz-se que no regime de financiamento de repartição a geração que está em atividade é quem contribui para financiar os gastos da geração que já se encontra em gozo de benefício (Miguel Hovath Júnior, 2018).
O regime de repartição tem por fundamento a solidariedade entre os indivíduos e um pacto entre as gerações (também chamado de “pacto intergeracional”). Dessa forma, aqueles trabalhadores que estão na População Economicamente Ativa (PEA) contribuem para o custeio dos benefícios daqueles que já estão no grupo da População Economicamente Inativa (PEI).
Em termos mais simples, significa dizer que quem está trabalhando sustenta quem já se aposentou. Além disso, esse regime possui uma ideia de “caixa”: à medida que o dinheiro entra na Previdência, esse orçamento é utilizado para o pagamento dos benefícios, não havendo uma ideia de “acumulação”.
O sistema previdenciário brasileiro foi criado com base no modelo de repartição simples (pay as you go system). Neste tipo de modelo de financiamento o pacto de gerações é fundamental. Pacto este fulcrado no princípio da solidariedade intergeracional.
No entanto, atualmente, estamos na eminência de ver este pacto quebrado pela primeira vez, o que por sua vez, traria consequências sem precedentes na história do sistema previdenciário brasileiro, haja vista que pode afetar não só as futuras gerações, mas também a atual sociedade que se serve do nosso sistema previdenciário.
O citado risco deve-se ao atual modelo que foi construído para reger a gig economy e aqueles nela envolvidos, neste atual sistema, o qual arregimentou uma massa da população e de trabalhadores sem precedentes e em um curto espaço de tempo, não há recolhimento das contribuições para o sistema previdenciário, nem as contribuições laborais e nem as contribuições patronais.
Deste modo, se este enorme contingente, o qual, inegavelmente faz parte do mercado de trabalho e da população economicamente ativa fica de fora do sistema e em sendo assim, de fora do pacto intergeracional, percebemos que vai haver uma enorme distorção, fazendo o “caixa” fique desfalcado e passe a não mais possuir recursos para fazer frente aos gastos tidos com os pagamentos dos benefícios não só dos atuais beneficiários como dos futuros.
3.2 Expectativas dos trabalhadores
Outrossim, também temos que levar em conta o elo humano deste sistema, até porque é destes e para estes que ele foi pensado e construído, parte esta que possui anseios, expectativas e até porque não falar esperanças quando falamos do seu futuro, pois é disso que um sistema previdenciário trata-se essencialmente, do futuro da população do país onde foi criado.
A esse respeito, cabe-nos aqui contextualizar o cenário que permeava o nosso país naquele momento em que a gig economy aparece através da sua tecnologia disruptiva, inclusive, findando por completo com alguns ramos, seguimentos e até mesmo profissões que existiam no nosso país.
No Brasil começa-se a perceber o crescimento deste novo setor da economia a partir do ano de 2016, ano este que marca o início não só de uma crise política, mas também de uma crise econômica, a qual estamos enfrentando até os dias de hoje, tendo inclusive se agravado, neste mesmo contexto e período, em paralelo, são iniciadas as conversações para por em prática a reforma da previdência, a qual veio a concretizar-se em 2019.
Deste modo, neste contexto de crise econômica, no qual o desemprego começa a aumentar, várias empresas começam a efetuar cortes no seu pessoal e a renda média da população começa a diminuir, vários trabalhadores que faziam parte do sistema tradicional de trabalho, onde possuíam carteira assinada e suas empresas recolhiam para previdência, migram para a gig economy.
Esta migração ocorre numa tentativa daqueles de conseguirem uma ocupação, uma renda ou até mesmo como forma de complementação desta, além destes, vemos também aqueles que ingressaram na gig economy como sua primeira e única oportunidade de trabalho, pois diante da crise as empresas diminuíram as oportunidades de contratação daqueles que estão “debutando” no mercado de trabalho.
Em regra estas são as características daqueles que desenvolvem as funções da gig economy e estes foram os colaboradores utilizados por ela para desenvolver as empresas que ocupam este setor da economia, diante disto, resta demonstrado de maneira inequívoca que tais empresas valeram-se, seja por boa ou por má-fé da crise que assolava a sociedade, pois do contrário, tais colaboradores permaneceriam nos seus postos de trabalhos que vinham ocupando tradicionalmente.
Como um claro exemplo disto, podemos citar a praticamente extinta profissão de taxista, a qual foi substituída pela de motorista de aplicativo, os primeiros enquanto desempenhavam suas funções tinham suas contribuições regularmente recolhidas, seja pelas cooperativas de táxis ou até mesmo pelos sindicatos da categoria, sendo que, com a entrada dos aplicativos de transporte, inicialmente a Uber no mercado, eles viram-se sem alternativa a não ser migrar para essas plataformas, do contrário não conseguiriam subsistir. Ocorre que, vários daqueles que já programavam suas aposentadorias ou que podiam contar com a assistência de benefícios em caso de acidente viram-se desamparados, pois de uma hora pra outra se viram fora do sistema previdenciário e impossibilitados de acessar tais benefícios, tudo isto em virtude de empresas como Uber, não reconhecerem sua qualidade de trabalhador ou não recolherem as contribuições devidas, mesmo sendo este que garantem o seu lucro e o crescimento das suas ações.
Tem-se que esta ficção jurídica que é o não reconhecimento do vínculo e o não recolhimento das contribuições deve ser combatida pelo Estado, através de uma regulamentação séria deste setor da economia, com o fito de que estes que o integram não fiquem desamparados, até porque são estes que estão atualmente assumindo todos os riscos da cadeia produtiva da gig economy, enquanto a empresa em si, geralmente sediada em outros países, somente especula nos mercados financeiros internacionais. Além do que, esta regulação urge como uma tentativa de impedir que um desequilíbrio nas contribuições venha a ocorrer e assim, o pacto intergeracional seja mantido.
4 PERSPECTIVA DAS EMPRESAS
Com este tópico tentará demonstrar uma perspectiva diferente daquela que foi levantada ao longo do trabalho, qual seja, das empresas que atuam neste setor da economia, ou seja, falaremos aqui, mais detidamente, de alguns pontos que dizem respeito ao outro lado da moeda do sistema previdenciário.
Aqui tentaremos manter a linha de raciocínio que foi utilizado nos tópicos anteriores naquilo que diz respeito aos exemplos utilizados como pano de fundo da nossa discussão, usando-se do exemplo da Uber e do Ifood, escolha esta que dar-se pelos mesmos motivos que foram expostos em momento anteriores.
Neste, trataremos, em específico, das responsabilidades das empresas para com os trabalhadores diante da relação existente entre eles, além disto, também será falado a respeito da responsabilidade das empresas para com o Estado em si, diante do papel que desenvolvem na economia e por fim, das perspectivas de recolhimento das contribuições por parte destas.
Como já foi discorrido ao longo de todo o trabalho, entendemos que a vínculo e a relação entre os prestadores do serviço, os gig workers e as empresas que ocupam suas posições na gig economy é inegável, por todos os fatos, motivos e razões até aqui apresentadas.
Então, desta relação havida entre estes atores, advém algumas responsabilidades, responsabilidades estas que as mais diversas empresas de outros ramos também as possuem e se o contrário fosse dito estaríamos tratando de maneira desigual os iguais, o que por sua vez traria uma enorme insegurança jurídica ao nosso ordenamento jurídico.
Algumas destas responsabilidades dizem respeito inclusive ao bem estar do seu colaborador, pois existem regulações para que as empresas zelem por ele, sendo este um verdadeiro dever delas, não só do ambiente de trabalho propriamente dito, mas também da ser humano em si.
Em tempos recentes, diga-se, tempos de pandemia, esse dever esteve mais acentuado do que nunca, haja vista que diversos destes gig workers, os quais em regra trabalham no setor de serviços, não puderam parar suas atividades ou praticar o isolamento de forma adequada, tendo contato direto com toda a população e sendo um dos extratos da sociedade que mais foi afetado.
As empresas, por sua vez, sabendo da sua responsabilidade para com os seus colaboradores, tomaram algumas iniciativas, diga-se, por conta própria, para assegurar a integridade dos seus e resguardar o bem estar dos mesmos diante da situação calamitosa que se apresentava.
Uma das iniciativas que aqui podem ser citadas é a da empresa Uber, a qual no período de pandemia criou uma espécie de “auxílio-doença” para os seus motoristas que contraíram COVID-19 e ficaram impedidos de desempenhar o seu trabalho, objetivando também que estes continuassem com meios de prover sua subsistência ante o impedimento que lhes acometia (Letícia Paiva, 2021, internet).
Além desta iniciativa aqui no nosso país, podemos também observar outras ocorrendo ao redor do mundo, o que por sua vez, denota que não é um movimento isolado e sim um caminho através do qual este ramo da economia pretende trilhar, a exemplo do México, onde aquela mesma empresa já estuda formas de contribuir para a seguridade social daquele país (Andrea Navarro, 2021, internet).
A questão central é que estas iniciativas não podem ser algo isolado ou que partam sempre das empresas ou da iniciativa privadas, elas tem também e deveriam vir da administração pública, onde esta sirva como um catalisador para assegurar estas garantias a esses membros já tão fragilizados da sociedade. Pois, do contrário, em não havendo regulamentação ou algum certo de tipo de cogência nestas obrigações e responsabilidades, as empresas estariam praticando até certo ponto uma espécie de caridade, as quais sabemos a qualquer momento pode vir a ser revista diante da primeira instabilidade ou crise econômica, ficando aqueles que estão sendo segurados pelas medidas, mais uma vez desassistidos e desamparados.
5 APURAÇÃO E FISCALIZAÇÃO
Por fim, falaremos das possibilidades de apuração e fiscalização destes rendimentos e ganhos, não só dos trabalhadores, mas também das próprias empresas, apuração esta que se destina a debelar qualquer espécie de sonegação, algo que conforme foi mostrado em pesquisas recentes, é uma das maiores causas do rombo da previdência.
A este respeito, inegavelmente nunca foi tão fácil para a administração pública fiscalizar, principalmente quando se trata deste tipo de empresa, visto que são empresas totalmente informatizadas, com registro de dados e sistemas de informação completamente integrados.
Porém, o que vemos atualmente é um grande lobby destas empresas junto aos órgãos governamentais para que estas fiquem de fora de qualquer espécie de fiscalização, quase como se possuíssem algum tipo de imunidade, para tanto, utilizam-se indevidamente do argumento da privacidade e proteção de dados, seja dos seus colaboradores, seja dos seus clientes.
No entanto, ao que nos parece, essa privacidade e proteção não se aplica a eles quando são os mesmo que se utilizam dos dados de seus clientes como forma de angariar lucros junto a outras empresas, as quais, por sua vez, os compram para servirem como base de dados em seus próprios algoritimos.
Um exemplo de operação parecida, onde há integração entre os mais diversos sistemas, diga-se da administração pública, das empresas e até mesmo das operadoras de cartão de crédito, por exemplo, é aquele que vemos acontecer nos postos de combustível do nosso país.
Através deste sistema, completamente integrado e vinculado, no momento em que o cliente abastece seu veículo e aquele valor é registrado na bomba de combustível, quando o pagamento é efetuado o imposto já é retido e repassado para a administração pública, sem necessidade de declaração e diminuindo o volume das obrigações assessórias.
Naquilo que diz respeito ao nosso objeto de estudo podemos utilizar esse sistema como parâmetro, haja vista que, similarmente, nos serviços da gig economy tudo fica registrado, sejam os valores recebidos, seja os valores pagos, bem como o serviço que está sendo utilizado, além claro do volume de trabalho ou do volume de pedidos.
Deste modo, assim como foi feito nos postos de combustíveis, pode ser feito também nas plataformas de serviço como os já citados exemplos da Uber e do Ifood, onde a contribuição previdenciária do colaborador poderia ser imediatamente recolhida após o pagamento do serviço e a finalização deste.
Atualmente não há nenhum impedimento para tanto, seja ele legal, pois como foi demonstrado ao longo desta exposição à legislação pátria através da norma extraída dela confere este direito aos gig workers, seja ele tecnológico, pois a administração possui recursos tanto físicos quanto intelectuais para desenvolver estes sistemas.
Em verdade o que se falta é vontade e determinação da administração pública para por em prática estas ideias, as quais já estão sendo colocadas ao redor do mundo, a fim de que os direitos daqueles sejam resguardados, lembrando que isso em nada diminuiria os já enormes lucros destas empresas, pelo contrário, iria contribuir para o desenvolvimento e o bem estar de seus colaboradores, o que por sua vez, se refletiria num melhor serviço prestado por eles e consequentemente um aumento dos lucros destas.
CONCLUSÃO
Neste trabalho foram demonstradas as diversas inovações que surgiram no Direito, a partir das mudanças ocorridas na sociedade e no ordenamento, principalmente aquelas trazidas pelas tecnologias distuptivas, as quais passaram a influenciar a sociedade, bem como a economia e, consequentemente, principalmente no que diz respeito a gig economy.
O presente trabalho teve o objetivo de privilegiar a situação do indivíduo comum, o chamado gig worker, aquele desfavorecido, que, às vezes, vê-se despojado de seus direitos, como aquele de ter a condição de segurado, mostrando-se assim que seu direito aos benefícios é um direito real e que deve ser levado em consideração e, desse modo, salvaguardado.
Numa perspectiva mais detida, foi feita uma análise de caso levando-se em consideração principalmente as empresas Uber e Ifood, as quais são as maiores representantes deste novo setor da economia, bem como ingressaram através das chamadas tecnologias disruptivas. E as implicações que as mudanças havidas nesse ramo da economia trouxeram para o direito previdenciário.
Foi feita pesquisa bibliográfica a fim de corroborar a ideia que se estava tentando demonstrar, a ideia de que as estruturas da economia e, por conseguinte, do mercado de trabalho mudaram, tomaram novas formas, e os antigos conceitos não mais satisfazem os anseios da nossa sociedade atual.
Desse modo, após a pesquisa, chegou-se à conclusão de que essas tecnologias geraram repercussões nos mais diversos ramos da sociedade, num deles, o Direito Previdenciário, mais especificamente, no que diz respeito ao dever do Estado de regular e incluir aquela classe de trabalhadores no sistema previdenciário, no que tange ao pagamento das contribuições por parte das empresas citadas para que estes grupos de possíveis segurados não fiquem desassistidos.
E tais mudanças, as quais foram estudadas e comprovadas, nos levam a crer que a atitude mais adequada a ser tomada nesses casos é enquadramento dos gig workers como segurados obrigatórios, na qualidade de empregados urbanos não eventuais. É mais adequado porque ela, de uma forma geral, observa de uma melhor maneira a situação de fragilidade em que o indivíduo se encontra no mercado de trabalho, além de adequar-se aos princípios e conceitos incorporados ao nosso ordenamento, com o regime de repartição e o pacto intergaricional.
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[1] Advogado, mestrando em Direito Pública pelo PPGD da Universidade Federal de Alagoas, pós-graduado em direito previdenciário pela LEGALE, graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (2017), Secretário da comissão de transporte e trânsito da OAB/AL, Membro do Conselho Municipal de Transporte Público de Maceió, assessor técnico da procuradoria previdenciário do Instituto de Previdência do Município de Santa Luzia do Norte/AL (2017-2019), Agente Censitário de Pesquisa Supervisor – IBGE (2022), joao.folhaadv@gmail.com.