O USO DE AGROTÓXICOS NA AGRICULTURA E SEUS IMPACTOS NA SAÚDE DOS SERES VIVOS

O USO DE AGROTÓXICOS NA AGRICULTURA E SEUS IMPACTOS NA SAÚDE DOS SERES VIVOS

10 de dezembro de 2022 Off Por Cognitio Juris

THE USE OF PESTICIDES IN AGRICULTURE AND ITS IMPACTS ON THE HEALTH OF LIVING BEINGS

Artigo submetido em 5 de novembro de 2022
Artigo aprovado em 22 de novembro de 2022
Artigo publicado em 10 de dezembro de 2022

Cognitio Juris
Ano XII – Número 44 – Dezembro de 2022
ISSN 2236-3009
Autores:
Kiwonghi Bizawu[1]
Thayane Martins Rocha[2]

Resumo: O presente trabalho objetiva analisar o uso dos agrotóxicos desde a época da criação, sua evolução até os tempos atuais marcados pelas inovações tecnológicas e pelo processo de mecanização e expansão de novas culturas. Fato marcante na história foi a Revolução Verde na década de 1960, que trouxe grandes transformações no setor agrícola, com a finalidade de atender a uma demanda social e econômica. Importantes princípios, bases para o convívio da sociedade e para a elaboração das leis são apresentados para engrandecer a discussão. O instrumento do Estudo de Impacto Ambiental é uma forma de tentar garantir a sustentabilidade dos propósitos dos compostos desenvolvidos pelas indústrias. Tudo é utilizado para fundamentar um estudo entre a relação ser humano e meio ambiente, através da evolução dos tempos, até a necessidade de se formular táticas de desenvolvimento agropecuário, para lidar com vários fatores que possam prejudicar as lavouras.

Para a consecução dos objetivos, utilizar-se-á o método de pesquisa descritiva qualitativa com base no levantamento bibliográfico e doutrinário.

Palavras-chave: Agrotóxicos; Agricultura; Direito à saúde; Revolução Verde; Princípios Ambientais..

Abstract: This paper aims to analyze the use of pesticides since the time of creation, its evolution until the current times marked by technological innovations and the process of mechanization and expansion of new crops. A remarkable fact in history was the Green Revolution in the 1960s, which brought major changes in the agricultural sector, in order to meet a social and economic demand. Important principles, bases for the coexistence of society and for the elaboration of laws are presented to enhance the discussion. The instrument of the Environmental Impact Study is a way to try to guarantee the sustainability of the purposes of the compounds developed by the industries. Everything is used to base a study between the relationship between the human being and the environment, through the evolution of time, until the need to formulate agricultural development tactics, to deal with the various factors that can harm the crops.

To achieve the objectives, the qualitative descriptive research method will be used, based on a bibliographic and doctrinal survey.

Keywords: Pesticides. Agriculture; Right to health; Green Revolution; Environmental Principles.

1 INTRODUÇÃO

Os agrotóxicos são utilizados na agricultura desde o início do século XX, e se perduram até hoje. Na época de sua criação, não havia a preocupação ambiental e humanitária que se presencia nas últimas décadas. O objetivo era de proteger a agricultura de forma eficiente a fim de atender a toda uma comunidade que necessita dos produtos gerados pela atividade para sua subsistência, ou seja, aumentar a produção para alimentar milhares de pessoas.

Com suas origens em meados de 1900, inicialmente os princípios químicos dos agrotóxicos, desconhecidos até então, foram utilizados como armas químicas tanto na Primeira Guerra (1914-1918) como na Segunda (1939-1945), e posteriormente se descobriu a utilidade como pesticidas. Contudo, o uso foi indiscriminado ao ponto de os compostos serem prejudiciais aos seres humanos e ao meio ambiente, o que resultou em criações de órgãos responsáveis pelas políticas públicas para tratar sobre o tema, com o estabelecimento de princípios e legislações, visando-se a proteger a saúde pública.

O momento histórico de maior produção e uso de compostos químicos foi durante a Revolução Verde, entre as décadas de 1960 e 1970, em que houveram várias inovações no meio agrícola. E foi a partir desta data que as indústrias intensificaram o investimento no setor, desenvolvendo novos produtos e maquinários para a prosperidade do negócio agrícola.

Em um primeiro momento, se discorre sobre os princípios ambientais aplicáveis ao tema, tendo em vista que os princípios são regras e que deles descendem as leis, sendo o mais importante deles o da obrigatoriedade da intervenção estatal, por ser dever do Poder Público regulamentar e fiscalizar da criação à destinação dos compostos químicos.

 Também é abordado sobre o Estudo de Impacto Ambiental, elemento basilar para qualquer utilização de itens que possam causar algum tipo de dano aos que integram a Relação Ecológica (seres humanos, fauna e flora). O Estudo é feito por profissionais devidamente autorizados e cadastrados no órgão responsável – ao IBAMA foi delegada a função de órgão fiscalizador das questões ambientais – e o resultado da pesquisa é pública e de fácil acessibilidade pela sociedade.

Por fim, trata-se da importância de uma alimentação saudável para a população, princípio básico da dignidade humana e protegido pela Constituição Federal, e como o uso de agrotóxicos interfere nessa seara e, se possível, que ambos possam coexistir.

A pesquisa é descritiva qualitativa com base no levantamento bibliográfico e documental, tendo por método o dedutivo.

2 AGROTÓXICOS E SUAS ORIGENS

Os agrotóxicos, também conhecidos como defensores agrícolas, foram criados dentre 1914 e 1918, período em que ocorria a Primeira Guerra Mundial, com a finalidade de recorrer ao uso de arma química. Somente após o fim da guerra que deu-se início a sua utilidade para  a proteção agrícola nos Estados Unidos da América (EUA) e na Europa. O primeiro composto foi criado por Othomar Zeidler, em 1874, mas somente em 1939 que foi descoberta a sua utilização como pesticida. Assim como na Primeira Grande Guerra, os agrotóxicos também foram usados na Segunda Guerra (1939-1945), com finalidades de armas químicas, e somente após, gerou-se um avanço tecnológico industrial – conhecido como Revolução Verde – para investimento no setor químico para sanar o problema de falta de alimentos em alguns países.  (SANAGUA, 2014). 

A partir de então, o uso indiscriminado de agrotóxicos aumentou significativamente, por iniciativa dos empresários que percebiam rendimentos econômicos em razão do uso dos compostos para proteger suas lavouras, produzindo (e ganhando) muito mais do que anteriormente.

Possível perceber então que a criação dos agrotóxicos é recente e não havia um zelo sobre as consequências do uso dos compostos para a saúde dos seres vivos – entenda aqui como seres humanos, fauna e flora –, sendo necessária a elaboração de políticas públicas para tratar sobre o assunto.

Nesse sentido, abordam Maria Aparecida Lucca Caovilla, Andressa Zanco e Arlene Anelia Renk (2022) quando salientam sobre o processo de commoditização da agricultura brasileira com relação aos agrotóxicos e seus impactos socioambientais, comprometendo-se a saúde humana e o meio ambiente. Segundo as autoras,

O pós-guerra trouxe consigo novas delimitações para a economia mundial. Diversas estratégias foram utilizadas pelos países em busca de uma nova organização que alcançasse os objetivos capitalistas da época, para que esse modelo econômico pudesse sobreviver. Foram várias as ex[1]periências, marcadas por períodos de grandes mudanças sociais, econômi[1]cas e tecnológicas, que ocasionaram o agravamento de problemas sociais e ambientais. (CAOVILLA; ZANCO; RENK, 2022, p. 48-49).

2.1 Revolução Verde

Estimulados pela urgência de se produzir mais para atender a uma demanda comunitária, as indústrias químicas se empenharam em produzir compostos químicos sintéticos para substituir os naturais. Contudo, como consequência, as lavouras foram danificadas por grande quantidade de fungos e insetos, o que então incitou a produção de inseticidas (ALBERGONI, PELAEZ, 2007).

O investimento em maquinários na agricultura também teve seu início em meados do século XIX, situação que se prolongou no tempo e perdura na atualidade. O marco inicial foi nos Estados Unidos, que se consolidou e difundiu no mundo, substituindo o modelo de uma “agricultura tradicional por uma agricultura moderna nos países de Terceiro Mundo representou a abertura de importantes canais para a expansão dos negócios das empresas que se voltaram à produção de insumos para a agricultura” (ALBERGONI; PELAEZ, 2007, p. 38).

Com a expansão da Revolução Verde, os países desenvolveram a pesquisa de forma mais intensa, utilizando técnicas de hibridização para aumentar a produtividade. As pesquisas genéticas para melhoramento de sementes foram expandidas para outros países e, por meados de 1960, a pesquisa com finalidade agrícola dimensionou de forma internacional. Foram instalados Centros de Pesquisar espalhados pelos continentes, financiados pelos mais diversos bancos e fundações, com pesquisas direcionadas ao melhoramento genético (ALBERGONI; PELAEZ, 2007).

Apesar dos benefícios gerados pelo desenvolvimento dos agrotóxicos, houveram diversos ônus, como informado por Albergoni e Pelaez (2007) “A utilização de fertilizantes e de agrotóxicos começou a ser duramente criticada, em função dos problemas causados pelo uso intensivo desses produtos, tais como: intoxicação humana e animal; surgimento de pragas mais resistentes; contaminação da água e do solo; erosão; e salinização do solo” (p. 39).

Com estas consequências, se tornou indispensável a elaboração de politicas públicas para resguardar o meio ambiente e investir em um desenvolvimento sustentável da agricultura. Sobre o assunto, discorre Albergoni e Pelaez (2007):

Surgiram propostas de práticas alternativas, baseadas na redução ou na eliminação dos insumos químicos e na conservação do solo. Dentre as várias alternativas que se apresentavam, a biotecnologia passou a ser vista como um possível instrumento capaz de viabilizar um novo modelo sustentável. E a engenharia genética passou a ser adotada como um instrumento voltado ao desenvolvimento de novas variedades que dispensassem o uso de pesticidas e fertilizantes. A grande expectativa propalada voltava-se à redução do impacto sobre o meio ambiente, proporcionando, ao mesmo tempo, aumentos de produtividade (p. 41).

Tratando-se da Revolução Verde com seus impactos socioambientais, Caovilla, Zanco e Renk (2022, p. 54-55) afirmam que

A Revolução Verde apresentou inúmeras contradições, tendo em vista que a promessa de geração de empregos não se concretizou, as máquinas invadiram o campo e a produção diversificada da agricultura familiar cedeu lugar às monoculturas. A produção de alimentos para o mercado interno apresentou-se de maneira ínfima, pois as grandes plantações foram destinadas para a exportação. A solidificação do latifúndio desencadeou na ausência de empregos no campo e, consequentemente, no êxodo rural e surgimento da periferia nas cidades.

          Observa-se que a Revolução Verde acarretou sérias consequências à agricultura com danos socioambientais prejudiciais à saúde humana e aos outros seres vivos com o uso de fertilizantes, por exemplo, para combater as pragas e desenvolver sementes transgênicas. Daí a abertura à Era de fertilizantes e agrotóxicos.

2.1 Histórico de agrotóxicos no Brasil

          Apesar da Revolução Verde ter seu ápice na década de 1950, somente em 1960 que seus efeitos chegaram no Brasil. Contudo, a partir de 1970, com ajuda do governo com o Programa Nacional de Defensivos Agrícolas (PNDA), que ela impacta na agricultura brasileira (LOPES, ALBUQUERQUE, 2018).

          Em 1989, houve a promulgação da Lei federal nº 7.802, que regulamenta o uso dos compostos químicos. Nesta Lei, agrotóxico e afins são definidos como

os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos; substâncias e produtos, empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento (BRASIL, 1989, p.1)

          O Brasil é um dos maiores produtores de agrotóxicos do mundo. A maior contribuição foi o investimento do governo em “políticas públicas que fomentam o uso e o comércio de agrotóxicos mantidas pela influência da bancada ruralista no Congresso Nacional”. Exemplos disso são os baixos custos com registros dos produtos na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e isenção do Imposto sobre Comercialização de Mercadorias e Serviços (ICMS) em maioria dos estados brasileiros (LOPES, ALBUQUERQUE, 2018, p. 519).

          Com todas as facilidades, os agrotóxicos se tornaram um oportuno negócio brasileiro, por ser o país com notável expansão de investimento agrícola, sendo classificado como o líder mundial de consumo desde 2008.

          Sobre a regulamentação dos agrotóxicos, Lopes e Albuquerque (2018) afirmam

O Brasil possui, desde a década de 1970, legislações que regulamentam o registro, a produção, o uso e o comércio dessas substâncias em seu território. Além da relativa frouxidão, que marca tais processos, exemplificada pela liberação de produtos proibidos em diversas regiões do planeta, a grande fragilidade está na fiscalização e nas medidas adotadas para que tais legislações sejam cumpridas. (p. 519)

          Como existe essa acessibilidade no manejo dos agrotóxicos em território brasileiro, primordial se faz a realização de estudos e pesquisas no plano ambiental de forma a minimizar os danos causados à natureza.

3 ALGUNS PRINCÍPIOS AMBIENTAIS APLICÁVEIS

Os princípios, para Dias (2013), são:

regras cuja observação deve ser permanente e obrigatória para a população de uma nação, constituindo parâmetros para as atividades públicas e privadas. Os princípios jurídicos são introduzidos progressivamente na consciência de uma sociedade e acabam sendo recepcionados de forma explícita ou implícita no texto constitucional e nas normas infraconstitucionais.

Os princípios evoluem paralelamente à evolução do pensamento humano. Toda revolução começa no mundo das ideias, e os princípios derivam dos valores filosóficos que emanam da comunidade em uma determinada época. Por serem dinâmicos, eles devem acompanhar a evolução das ciências e o aprimoramento ético das raças” (p. 31).

 Naves e Reis (2022) dizem que os princípios possuem a necessidade de serem concretizados, “sabendo-se que ‘devem dar conta da sua sustentabilidade em relação ao sistema interno, do qual fazem parte, e no concernente ao sistema social no qual, externamente, o ordenamento se encontra inserido’” (p. 157).

Desta forma, os princípios são norteadores de orientação para o desenvolvimento e aplicação de políticas públicas, sendo essencial para a preservação do meio ambiente e dos seres vivos que nela habitam. Eles devem ser observados no tangente ao desenvolvimento dos agrotóxicos de forma a manter o equilíbrio entre os ônus e bônus da prática. Indaga-se se é possível a implementação de outros modelos de agricultura sem fertilizantes, sem agrotóxicos, porém dentro do conceito da sustentabilidade?

3.1 Princípio do Desenvolvimento Sustentável

Entendido como o primeiro princípio e mais significativo, o Princípio do Desenvolvimento Sustentável somente pode ser considerado se atendido aos requisitos, de forma simultânea, entre crescimento econômico, preservação ambiental e equidade social. A intenção do princípio surgiu da Conferência de Estocolmo de 1972, (THOMÉ, 2020) e foi absorvida pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, caput:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988).

A própria Constituição faz menção à necessidade de proteção do meio ambiente hoje para as futuras gerações, sendo que as gerações atuais devem utilizar dos recursos ambientais sem comprometer que estes prejudiquem a qualidade de vida das gerações por vir (THOMÉ, 2020).

3.2 Princípio da prevenção e precaução

Primeiramente necessário se faz diferenciar os dois princípios. O princípio da prevenção está relacionado a um evento que, se ocorrer, já se tem conhecimento dos danos que podem ser gerados. Já o princípio da precaução, traduz em um ato em que não se sabe mensurar as consequências, de forma a “evitar riscos desconhecidos, ou incertos, sobre os quais a ciência não chegou a conclusões definitivas” (DIAS, 2013, p. 34).  

A maioria dos autores costuma tratar os princípios como sendo um só, e com isso utilizam apenas a expressão “prevenção”. Com isso, a relevância de obedecer a este princípio é a utilização de pesquisas para que possam utilizar os agrotóxicos, mas que estes não possam agredir  – ou causar o menor dano possível – às vidas existentes no planeta.

3.3 Princípio do Poluidor-pagador/Usuário-pagador

O pricípio do Poluidor-pagador é considerado fundamental, pois “pode ser entendido como um instrumento econômico que exige do poluidor, uma vez identificado, suportar as despesas de prevenção, reparação e repressão dos danos ambientais” (THOMÉ, 2020, p. 71). Este princípio objetiva impor ao ao poluidor o dever de arcar com as despesas de prevenção, reparação e repressão da poluição (DIAS, 2013, 38).

Já o princípio do usuário-pagador, complementar ao anterior, “estabelece que o usuário de recursos naturais deve pagar por sua utilização” (THOMÉ, 2020, p. 74). A intenção aqui é que se defina um valor econômico a um bem natural com objetivo de estabilidade entre a conservação do bem e o seu uso. Neste caso podemos exemplificar com a utilização de um lago em uma propriedade particular que esteja sendo usado para arrigar a lavoura. Assim, é responsabilidade do usuário zelar pela conservação do bem. Da mesma forma incide a responsabilidade ao proprietário de um espaço agrícola que não polua os cursos de água que podem ser atingidos pelo escoamento dos agrotóxicos.

3.4 Princípio da obrigatoriedade de atuação estatal

Também originada pela Conferência de Estocolmo de 1972 e absorvida pela Constituição Federal no artigo 225, indicando que cabe ao Estado/Poder Público e à sociedade o “dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

Apresentado na Declaração de Estocolmo (1972) como o Princípio 13:

Com o fim de se conseguir um ordenamento mais racional dos recursos e melhorar assim as condições ambientais, os Estados deveriam adotar um enfoque integrado e coordenado de planejamento de seu desenvolvimento, de modo a que fique assegurada a compatibilidade entre o desenvolvimento e a necessidade de proteger e melhorar o meio ambiente humano em benefício de sua população. (SÃO PAULO, 2013, p. 4).

A proteção do Estado se faz necessária pois, por ser assegurada pela Constituição Federal, torna-se indispensável a proteção do meio ambiente, um bem da coletividade, e imprescindível para a vida humana. O Estado deve, obrigatoriamente, intervir para:

preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover  manejo ecológico da espécies e ecossistemas; preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país; definir em todas as unidades da federação, espaços que deverão ser protegidos; exigir o estudo prévio sobre impacto ambiental. (THOMÉ, 2020, p. 76).

Para atender a este princípio, o Estado promulgou a Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989, que trata sobre as atividades envolvendo os agrotóxicos, seus componentes e afins. Com a finalidade de fiscalizar a utilização dos componentes químicos, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais RenováveisIBAMA é o órgão responsável pelo controle de agrotóxicos no Brasil.

4 ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL

O Estudo de Impacto Ambiental – ou Avaliação de Impactos Ambientais – são estudos prévios de quaisquer atividades que causem modificações no meio ambiente, nas mais diversas características possíveis, sejam elas de cunho socioeconômicas ou biofísicas. Surgiu nos Estados Unidos e foi exportado para o resto do mundo em 1969 (DIAS, 2013).

De acordo com Dias (2013), pode conceituar o Impacto Ambiental como:

qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiferamente afetam:

I – a saúde; a segurança e o bem-estar da população;

II – as atividades socioeconômicas;

III – a biota;

IV – as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; e

V – a qualidade dos recursos ambientais. (p. 63).

 O Estudo está previsto tanto na Constituição Federal, em seu artigo 225, § 1º, inciso IV quanto no artigo 3º da Resolução CONAMA237/97 (regulamenta licenciamento ambiental):

Art. 225. (…)

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(…)

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

Art. 3º – A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetivas ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual dar-se-á publicidade, garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação.

Parágrafo único. O órgão ambiental competente, verificando que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, definirá os estudos ambientais pertinentes ao respectivo processo de licenciamento.

Assim, conforme previsto na Resolução CONAMA nº 001/86[3], a produção e utilização de agrotóxicos deve ser submetida a um Estudo de Impacto Ambiental, devidamente aprovado pelo órgão responsável – o IBAMA – para que a atividade seja autorizada e possa efetivamente ser executada.

O Estudo de Impacto Ambiental é realizado através de uma equipe que possua habilitação de multidisciplinariedade e que não esteja ligada ao projeto direta ou indiretamente. Os membros da equipe devem estar registrados no IBAMA e deverão ser profissionais – sejam de empresas ou sociedades – registrados. O Estudo deve considerar o meio ambiente no geral, o biológico e o socioeconômico, além de pormenorizar todas as “alternativas tecnológicas e de localização do projeto; identificar e avaliar os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação; definir as áreas de influência do projeto e considerar a sua compatibilidade com os programas governamentais” (DIAS, 2013, p. 64).

O Relatório de Impacto Ambiental é o produto gerado pelo Estudo, e este deve possuir linguagem acessível e ser público, de forma que qualquer cidadão possa acessar o documento e compreendê-lo, desde que observados os casos em que é necessário um sigilo industrial.

O Estudo deve ser preparado sempre antes que uma ação ocorra, pois tem a finalidade de “prevenir impactos significativos ao meio ambiente”, sendo assim inaceitável sua execução durante ou após a atividade que necessitou do Estudo (BELTRÃO, 2007, P.18).

5 O DIREITO DE ALIMENTAÇÃO DOS SERES HUMANOS E O USO DE AGROTÓXICOS 

Após o término das duas guerras mundiais, ficou evidente a exigência de políticas públicas para regulamentar a questão da dignidade da pessoa humana, de forma que seja um direito básico a ser garantido a todos os cidadãos. Este processo teve início em 1945, com a criação da Organização das Nações Unidas, dando origem aos Direitos Humanos, e estabelecendo a alimentação como um elemento essencial para a sobrevivência da comunidade. Foi na Declaração de Roma sobre a Segurança Alimentar Mundial, em 1996, que definiu o direito aos cidadãos de uma alimentação saudável, balanceada, nutritiva e que seja acessível a todos (BRAUNER, GRAFF, 2015).

O direito fundamental à alimentação foi incluído legislação brasileira através de ratificações de dispositivos internacionais, mas foi incorporado no texto constitucional em 2010, com a edição da Emenda Constitucional n. 64, no que diz respeito aos direitos sociais (BRAUNER, GRAFF, 2015).

Sobre a questão do direito básico a uma alimentação saudável, Brauner e Graff (2015) discorrem sobre a necessidade de uma segurança alimentar:

a segurança alimentar e nutricional estabelece ações que visem a garantir a todos da concretização do direito humano à alimentação adequada e que evitem situações em que esse direito não é plenamente atendido, tais como fome, desnutrição, avitaminose, obesidade, doenças associadas à má alimentação, alimentos com resíduos tóxicos, etc. Além disso, o conceito de segurança alimentar envolve questões como a produção, a distribuição e o acesso aos alimentos, por se tratarem de fatores que afetam direta ou indiretamente a satisfação dessa necessidade básica. Em síntese, a segurança alimentar e nutricional está diretamente vinculada às políticas públicas do Estado e às ações da sociedade civil destinadas à concretização do direito à alimentação adequada (p. 380).

 Assim, situações como aumento de preço abusivo dos produtos alimentícios é um exemplo de insegurança alimentar, por não permitirem o acesso à toda a população.

Para atender à demanda de uma alimentação regular, as indústrias se dedicaram de forma intensa a desenvolver novos e mais efetivos compostos químicos com objetivo de proporcionar uma otimização nos processos agrícolas. Nesse sentido, Brauner e Graff (2015) alertam:

os danos ambientais e os riscos à saúde provocados pelo uso indiscriminado de agroquímicos vêm sendo denunciados há décadas. Inicialmente concebidos como a solução para o controle definitivo de pragas que atacavam as lavouras, os agrotóxicos revelaram-se potencialmente nocivos aos seres humanos, estando associados a intoxicações crônicas, à redução da fertilidade masculina, a vários tipos de câncer, entre outros males à saúde […] (p. 385).

Apesar do uso de agrotóxicos ser fundamental para a preservação das lavouras, é importante destacar que as consequências geradas pelo uso constante de compostos químicos causam riscos de saúde à população, seja direta (pelos trabalhadores que estão diretamente submetidos ao contato com os compostos) ou indiretamente (sejam os humanos que utilizam os produtos agrícolas para alimentação). Danos não são causados apenas à população, como também ao meio ambiente, agredindo à fauna, à flora, às águas, ao solo com o simples contato com os compostos tóxicos e seus efeitos que, apesar do Estudo de Impacto Ambiental, ainda podem não ser conhecidos (BRAUNER, GRAFF, 2015).

É importante colocar-se no mesmo diapasão das autoras Caovilla, Zanco e Renk (2022) que

A regulamentação atual sobre o tema também não apresenta as chama[1]das zonas de defeso ou zonas de proibição, tampouco estabelece distâncias mínimas de pulverização, o que demonstra o agravamento nas questões sanitárias, sociais e ambientais, principalmente em locais próximos a essas áreas. Essas lacunas deixadas pela lei tendem a permitir que os interesses agroeconômicos se apropriem dessas vulnerabilidades para disponibilizar e implementar novos agrotóxicos e até mesmo expandir a produção agrícola baseada no pacote químico. (CAOVILLA; ZANCO; RENK, 2022, p. 60-61).

            Ainda há explicação quanto ao modelo de agricultura adotada pelo Brasil, tendo em vista a influência americana pós-guerra como ressaltado anteriormente e a necessidade de aumentar a produção para amenizar o preço para atender à uma forte demanda para a alimentação. É o que destacam Caovilla, Zanco e Renk (2022, p. 61-62) quando ensinam

Uma das principais justificativas que permearam toda a trajetória de flexibilização da regulamentação de agrotóxicos no Brasil está pautada na necessidade de o país se tornar um grande player no cenário mundial da alimentação. A ideia é baratear o custo dos produtos agroindustriais e, com isto, concorrer no mercado internacional em melhores condições. Na ver[1]dade, o que se busca é garantir um mercado rentável para produtos não mais utilizados em outros países, em virtude de restrições legais, e prolongar a lucratividade dos grandes conglomerados químicos.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os agrotóxicos existem no mundo desde os anos 1900, e foram utilizados como armas químicas antes de serem aplicados na agricultura. Quando iniciaram os usos dos compostos químicos com a finalidade de preservação das plantações contra qualquer fator que poderiam causar danos às lavouras, foi de tal forma intensa que geraram consequências para os seres humanos, sejam de forma direta ou indiretamente.

Com o impulsionamento do uso indiscriminado de agrotóxicos, viu-se necessário a criação de políticas públicas para tratar do assunto, originando-se em legislação internacional e sendo integrada nas leis brasileiras, principalmente na Constituição Federal, dispondo do direito do cidadão de uma alimentação balanceada e saudável, ou seja, livre de produtos que possam ser nocivos.

Aqui encontra-se uma contradição, pois ao mesmo tempo em que é demonstrada a importância de utilizar os compostos químicos para proteção das lavouras, estes mesmos compostos não podem ser tóxicos aos seres humanos. Certo é que as duas questões devem coexistir, por serem essenciais.

O Estudo de Impacto Ambiental é o instrumento ideal para auxiliar as indústrias que criam os agrotóxicos a providenciarem compostos químicos que não sejam prejudiciais aos seres humanos e aos elementos constantes no meio ambiente – animais, solo, água, etc. A ciência se torna aliada neste sentido, na procura de soluções ao problema em tela, visando-se a necessidade de novos modelos de produção com novas estratégias para  reduzir, restringir ou amenizar o uso de agrotóxicos na agriculta moderna, tendo em vista a saúde humana e a vida de outros recursos vivos, evitando-se, desse modo os impactos socioambientais e danos irreversíveis ao meio ambiente.

Portanto, o direito fundamental a uma alimentação saudável – princípio básico da dignidade humana –, deve ser observado ao se tratar de pesquisas no ramo alimentício, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento de agrotóxicos. Assim como é dever das indústrias providenciarem compostos menos prejudiciais e sustentáveis – que também não agridam ao meio ambiente – reconhecendo-se que é dever do Estado fiscalizar estas práticas nocivas, assegurando-se a conservação do direito à saúde mediante a implementação de políticas públicas..

REFERÊNCIAS

ALBERGONI, Leide; PELAEZ, Victor. Da Revolução Verde à agrobiotecnologia: ruptura ou continuidade de paradigmas? Revista de Economia. Curitiba, v. 33, n. 1 (ano 31), p. 31-53, jan./jun. 2007. Editora UFPR. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/economia/article/viewFile/8546/6017> Acesso em: 21 jul. 2022

BELTRÃO, Antonio F. G.. Aspectos jurídicos do Estudo de Impacto Ambiental (EIA). São Paulo, MP Editora, 2007.

BRASIL. Assembleia Nacional Constituinte. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Imprensa Nacional. Diário Oficial da União, 05 de outubro de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 14 jul. 2022

BRASIL. Assembleia Nacional Constituinte. Lei n. 7.802, de 11 de julho de 1989. Brasília: Imprensa Nacional. Diário Oficial da União, 12 de julho de 1989. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7802.htm>. Acesso em: 17 ago. 2022

BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Brasília: Imprensa Nacional. Diário Oficial da União, 02 de setembro de 1981. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm>. Acesso em: 14 jul. 2022

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[1] Africano. Pós-doutorado em Democracia e Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conimbrigae da Universidade de Coimbra, Portugal. Doutor e Mestre em Direito Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Ex-Pró-Reitor do Programa de Pós-Graduação em Direito ambiental e desenvolvimento sustentável (PPGD) da Escola Superior Dom Helder Câmara. Atualmente, Pró-Reitor de Intercâmbio e Internacionalização Institucional (junho 2021). Professor de Direito Internacional Ambiental pelo PPGD da Dom Helder Câmara. E-mail: bizki2011@gmail.com.

[2] Brasileira. Bacharela em Direito pela Universidade Monsenhor Messias (UNIFEMM). Especialista em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Mestranda em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável na Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC). E-mail: thayane.ufmg@gmail.com.

[3] A Resolução enumera os casos em que são necessários o Estudo para a realização das atividades que vão modificar o meio ambiente, e aqui interessa quando menciona “complexos e unidades industriais e agroindustriais” (DIAS, 2013, p. 64).