O STATUS CONSTITUCIONAL DA CONVENÇÃO Nº 169 DA OIT SOBRE POVOS INDÍGENAS E TRIBAIS
1 de junho de 2021THE CONSTITUTIONAL STATUS OF ILO CONVENTION Nº 169 ON INDIGENOUS AND TRIBAL PEOPLES
Cognitio Juris Ano XI – Número 35 – Junho de 2021 ISSN 2236-3009 |
Resumo: O objetivo deste artigo é demonstrar a natureza jurídica e a posição hierárquica da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais e seus efeitos no sistema jurídico brasileiro. A partir da análise da origem e do conteúdo dessa norma internacional e com o apoio em textos doutrinários e na jurisprudência prevalecente no Supremo Tribunal Federal, busca-se demonstrar que essa convenção possui conteúdo de direitos humanos e hierarquia de norma constitucional, ensejando a paralisação da eficácia das normas da legislação interna que lhe sejam contrárias, tendo como resultado uma maior proteção das comunidades tradicionais, em especial das populações indígenas. O trabalho se baseia em uma pesquisa bibliográfica, de cunho exploratório, por meio da revisão de textos doutrinários, normativos e jurisprudenciais, utilizando-se do método dedutivo.
Palavras-chave: Convenção da OIT. Direitos Humanos. Equivalência Constitucional. Eficácia Paralisante.
Abstract: The objective of this paper is to demonstrate the legal nature and the hierarchy of the International Labor Organization Convention No. 169 on Indigenous and Tribal Peoples and its effects on the Brazilian legal system. Based on the analysis of the origin and the content of this international regulation, as well as grounded in doctrinal texts and the prevailing jurisprudence of the Federal Supreme Court, we intend to demonstrate that the afore mentioned convention has human rights and constitutional regulations status content, which leads to the paralysis of the effectiveness of the norms regarding domestic legislation that are contrary to it, resulting in greater protection of traditional communities, especially indigenous peoples. This study is based on a bibliographical review, in an exploratory way, by means of the analysis of doctrinal, normative and jurisprudential texts, using the deductive methodological approach.
Keywords: ILO Convention; Human Rights; Constitutional Equivalence; Paralyzing Efficiency.
INTRODUÇÃO
O sistema jurídico brasileiro compreende variadas fontes normativas, dentre elas a Constituição Federal, as leis complementares, as leis ordinárias, as leis delegadas, as medidas provisórias, os decretos legislativos e as resoluções, bem como as convenções e os tratados internacionais celebrados e ratificados pela República Federativa do Brasil, conforme estabelecem o artigo 5º, §§ 2º e 3º, e o artigo 59, ambos da Constituição Federal de 1988. Cada fonte se distingue das demais pelos requisitos de elaboração e aprovação, pelo tipo de matéria regulamentada e pela posição hierárquica no sistema normativo.
As convenções e os tratados internacionais são as fontes de direito com maior destaque nos últimos anos. Entretanto, por muito tempo esses instrumentos jurídicos foram admitidos no ordenamento jurídico brasileiro com a mesma posição hierárquica das leis ordinárias, independentemente da matéria.
Convenções e tratados internacionais de direitos humanos poderiam, inclusive, ser suplantados por legislação infraconstitucional interna, que afastava a incidência da norma internacional pelos critérios temporal ou especial, conforme professado pelo Supremo Tribunal Federal desde o final da década de 1970, a partir do julgamento do Recurso Extraordinário nº 80.004/SE. Esse entendimento prevaleceu mesmo depois da inovação instituída pela Constituição Federal de 1988, quanto à admissão dos tratados internacionais como fonte de direitos e garantias fundamentais, conforme previsto no artigo 5º, § 2º.
Importantes vozes da doutrina de direito internacional, como os juristas Antônio Augusto Cançado Trindade e Flávia Piovesan, criticavam profundamente o tratamento conferido às normas internacionais que versavam sobre direitos humanos. Para eles, o nível de importância destas normas e o comprometimento do Brasil com a prevalência dos direitos humanos e com a cooperação internacional impunham a consideração dos tratados e das convenções internacionais de direitos humanos em um nível de preeminência hierárquico-normativa.
Depois da aprovação da Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, que incluiu o § 3º no artigo 5º da Constituição Federal, com a previsão de que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”, a doutrina passou a questionar qual seria a qualificação hierárquico-normativa dos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil, depois da promulgação da Constituição Federal de 1988 e antes da mencionada alteração do texto constitucional, situação em que se acha a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, celebrada em 27 de junho de 1989, durante a 76º Conferência Internacional da OIT, ratificada pelo Brasil em 25 de julho de 2002 e promulgada pelo Decreto Presidencial nº 5.051, de 19 de abril de 2004. Ou seja, esta Convenção, uma vez incorporada ao sistema jurídico brasileiro sem passar pelo iter procedimental das emendas constitucionais, possui status de lei ordinária, de norma supralegal ou de norma constitucional?
Em dezembro de 2008, no julgamento conjunto do Recurso Extraordinário nº 349.703, do Recurso Extraordinário nº 466.343 e do Habeas Corpus nº 87.585, que tratavam da prisão civil do depositário infiel, o Supremo Tribunal Federal revelou um novo entendimento, desta feita no sentido de que os tratados internacionais de direitos humanos celebrados e ratificados pelo Brasil entre a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a edição da Emenda Constitucional nº 45/2004, mesmo que não tenham passado pelo iter procedimental próprio das emendas constitucionais, situam-se em um nível hierárquico especial, abaixo das normas constitucionais e acima das leis ordinárias, ou seja, possuem status supralegal.
Com base nessa nova orientação, parcialmente[4] sintonizada com a doutrina de consagrados juristas, buscar-se-á demonstrar ao longo dos próximos capítulos que a Convenção nº 169 OIT goza de uma posição hierárquica especial no sistema jurídico brasileiro, sobrepondo-se à legislação infraconstitucional, o que terá importante repercussão na aplicação da legislação nacional às questões indígenas.
Ao fim e ao cabo, a partir de pesquisa bibliográfica, de cunho exploratório, consistente numa análise de textos normativos (constitucionais e legislativos), doutrinários e jurisprudenciais, utilizando-se do método dedutivo, pretende-se demonstrar que as avançadas normas de origem internacional, se aplicadas em consonância com o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal ou com a posição prevalecente da doutrina nacional, permitirão a compatibilização da antiga legislação indígena – v.g., a Lei nº 6.001, de 1973 – com os novos postulados jurídicos e antropológicos consagrados nas normas internacionais e na Constituição Federal. Espera-se que este esforço argumentativo possa contribuir para a maior proteção dos direitos fundamentais das populações tradicionais do Brasil, em especial as indígenas.[5]
1 CONVENÇÃO Nº 169 DA OIT: UMA NORMA DE DIREITOS HUMANOS
A dignidade da pessoa humana é, a um só tempo, um princípio, um valor e uma ideia, que determina o respeito ao próximo, reconhece que cada indivíduo deve ser tratado como um fim em si mesmo e que eventuais limitações somente lhe podem ser impostas em nome do interesse da coletividade. Nesse sentido afirma Luís Roberto Barroso (2020, p. 246):
Em uma concepção minimalista, dignidade humana identifica (1) o valor intrínseco de todos os seres humanos, assim como (2) a autonomia de cada indivíduo, (3) limitada por algumas restrições legítimas impostas a ela em nome de valores sociais ou interesses estatais (valor comunitário). Portanto, os três elementos que integram o conteúdo mínimo da dignidade, na sistematização aqui proposta, são: valor intrínseco da pessoa humana, autonomia individual e valor comunitário.
Dentre os direitos diretamente relacionados ao valor dignidade humana, destacam-se a vida, a liberdade, a integridade física, a igualdade e a segurança (MENDES; BRANCO, 2018). A dignidade humana está na base do conceito dos direitos fundamentais e, também, dos direitos humanos.
1.1 DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS
Entende-se por direitos humanos o conjunto de direitos necessários para assegurar uma vida humana baseada na liberdade, igualdade e dignidade (RAMOS, 2016), com características modernas de universalidade, indivisibilidade, interdependência e interrelacionariedade, além da historicidade, essencialidade, irrenunciabilidade, inalienabilidade, inexauribilidade, imprescritibilidade e vedação do retrocesso (MAZZUOLLI, 2021). As expressões direitos humanos e direitos fundamentais possuem definições diferenciadas em função de sua origem, embora se verifique um processo de aproximação e mútua relação (RAMOS, 2016).
Ingo Sarlet (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2021), por exemplo, entende que direitos humanos são as posições jurídicas reconhecidas ao ser humano em documentos de origem internacional, a partir de um processo histórico de valorização e respeito à sua dignidade, com pretensão de validade e abrangência universal, enquanto os direitos fundamentais são os previstos, expressa ou implicitamente, na ordem constitucional interna de cada Estado, tendo como norte a proteção à vida, à liberdade, à igualdade e a outros bens e valores relacionados à dignidade humana.
No mesmo sentido, tem-se a posição de Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2018), para os quais a expressão direitos humanos é empregada para designar pretensões de respeito à pessoa humana, inseridas em documentos de direito internacional, enquanto a locução direitos fundamentais é reservada aos direitos relacionados com posições básicas das pessoas inseridas nos diplomas normativos de cada Estado.
O texto constitucional não esgota o rol dos direitos fundamentais, na medida em que o § 2º do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 estabeleceu que “[…] os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (BRASIL, 1988).
Trata-se de uma cláusula especial de abertura do catálogo de direitos fundamentais, de modo a admitir, por exemplo, que os direitos humanos indicados em tratados e convenções internacionais possam ingressar no ordenamento jurídico interno com um status diferenciado, equivalente ao nível de importância dos direitos fundamentais expressos na Constituição ou, ao menos, com alguma preponderância em relação à legislação ordinária.
1.2 ORIGEM E QUALIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO Nº 169 da OIT
A Convenção nº 169 da OIT é um dos mais importantes documentos de origem internacional, versando sobre direitos humanos das populações indígenas e tribais.
O grau de relevância desta Convenção para a proteção da dignidade das populações indígenas e tribais dos Estados-Membros e a sua qualificação na categoria de direitos humanos podem ser facilmente observados na origem da norma, nas razões expostas no seu preâmbulo e no conteúdo material dos direitos e garantias ali previstos.
A começar, verifica-se que a Convenção nº 169 foi elaborada e aprovada no âmbito da Organização Internacional do Trabalho – OIT, agência fundada em 1919 pela Organização das Nações Unidas – ONU e considerada “o antecedente que mais contribuiu para a formação do Direito Internacional dos Direitos Humanos” (MAZZUOLLI, 2021, p. 52). Tendo por objetivos promover a justiça social e estabelecer critérios básicos de proteção ao trabalhador, a OIT congrega representantes de 187 (cento e oitenta e sete) Estados-Membros, dos quais 23 (vinte e três) ratificaram a Convenção 169.[6] Como consta do Preâmbulo, a elaboração dessa Convenção contou com a colaboração de diversos organismos internacionais voltados à proteção dos direitos humanos, dentre eles as Nações Unidas, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura e a Organização Mundial da Saúde, reforçando, com isso, a vinculação de suas disposições com o sistema internacional de proteção dos direitos humanos.
As razões expostas no preâmbulo da Convenção nº 169 da OIT, ainda que não tenham força normativa autônoma, indicam os objetivos, valores e princípios levados em conta na elaboração dos dispositivos, e, nesse contexto, podem ser utilizadas como vetores interpretativos do texto convencional. Primeiro, os pactuantes confessam que estão inspirados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e por numerosos instrumentos internacionais sobre a prevenção da discriminação, gestados e aprovados no âmbito da ONU, bem como pela Convenção Sobre Populações Indígenas e Tribais nº 107 da OIT, de 1957. Depois, demonstram preocupação com a necessidade de serem adotadas normas internacionais de proteção das populações indígenas e tribais. Reconhecem as (BRASIL, 2004):
[…] aspirações desses povos a assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida e seu desenvolvimento econômico, e manter e fortalecer suas identidades, línguas e religiões, dentro do âmbito dos Estados onde moram. […] em diversas partes do mundo esses povos não podem gozar dos direitos humanos fundamentais no mesmo grau que o restante da população dos Estados onde moram e que suas leis, valores, costumes e perspectivas têm sofrido erosão frequentemente. […] a particular contribuição dos povos indígenas e tribais à diversidade cultural, à harmonia social e ecológica da humanidade e à cooperação e compreensão internacionais.
A inspiração na Declaração Universal de Direitos Humanos, a tentativa de combate à discriminação, a busca pela promoção da igualdade, o reconhecimento da autonomia e da identidade dos povos indígenas e tribais e a menção expressa a direitos humanos não deixam dúvidas de que os pactuantes, quando celebraram a Convenção nº 169, tinham em conta típicos direitos humanos.
Uma rápida observação do conteúdo material dos dispositivos desse documento confirma que realmente se trata de um instrumento internacional de direitos humanos. A Convenção nº 169 da OIT é composta de 44 (quarenta e quatro) artigos, versando sobre a não-discriminação por razões étnicas, a igualdade jurídica e material das populações tradicionais, o respeito à diversidade étnica, o direito às terras tradicionalmente ocupadas, a garantia da integridade física, religiosa, cultural e espiritual dos índios, o direito de consulta e de participação em decisões que lhes afetem etc. Veja-se, a título exemplificativo, na parte intitulada Política Geral, o artigo 3º, 1, quando estabelece que “os povos indígenas e tribais deverão gozar plenamente dos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculos nem discriminação” e o artigo 5º, alínea a, segundo o qual “[…] deverão ser reconhecidos e protegidos os valores e práticas sociais, culturais religiosos e espirituais próprios dos povos mencionados e dever-se-á levar na devida consideração a natureza dos problemas que lhes sejam apresentados, tanto coletiva como individualmente” (BRASIL, 1988).
Esses dois dispositivos são suficientes para perceber a densificação dos direitos humanos, extraídos, dentre outros, dos princípios da igualdade, da liberdade e da não-discriminação, que também são direitos fundamentais consagrados pela Constituição Federal de 1988, ou seja, os direitos humanos da Convenção nº 169 da OIT encontram, no texto constitucional brasileiro, diversos pontos de ressonância e complementariedade.
1.3 NATUREZA JURÍDICA DA CONVENÇÃO Nº 169 da OIT
A Convenção nº 169 da OIT é um tratado-lei ou tratado-normativo, com normas gerais de direito internacional público imediatamente aplicáveis e exigíveis pelos cidadãos como direitos subjetivos.
Deve-se afastar eventual objeção no sentido de que a cláusula de abertura do § 2º do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 admitiria direitos previstos apenas em tratados internacionais e não em convenções internacionais. A Convenção de Viena, que regulamenta o procedimento de atuação dos Estados na celebração de normas internacionais, não faz distinção entre tratado e convenção; ao revés, define tratado como “um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica” (BRASIL, 2009).
Qualquer que seja a denominação conferida ao instrumento internacional sobre direitos humanos, desde que conte com a adesão voluntária do Brasil, esteja em vigor internacional e tenha sido regularmente incorporado ao direito brasileiro, estará inserido na categoria ampla de tratado para efeito de inserção na cláusula de abertura constitucional. Afinal, se o objetivo do Constituinte, ao consagrar a cláusula de abertura, era ampliar o rol dos direitos fundamentais, o critério primordial para a verificação de que determinado documento internacional, celebrado e aprovado segundo as regras internacionais e as nacionais, pode ou não ser reportado à norma geral inclusiva do § 2º do artigo 5º da CF/88, há de ser a fundamentalidade das normas e a sua correlação com a proteção da dignidade humana, e não a denominação específica dada ao instrumento jurídico (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2021).
Não procede, tampouco, eventual afirmação de que a OIT não teria competência para celebrar tratados sobre direitos humanos para populações indígenas e tribais. Primeiro, porque esse órgão foi designado pela Organização das Nações Unidas para promover a justiça social e combater todas as formas de discriminação e exploração do trabalho, de que as populações indígenas e tribais são historicamente vítimas. Segundo, porque o debate sobre a competência da OIT foi superado ainda em 1957, quando da aprovação da Convenção 107, que também dizia respeito aos povos indígenas e tribais, sendo esta substituída pela Convenção nº 169. Terceiro, porque a adesão a tratados ou a convenções internacionais é ato político-jurídico de cada Estado nacional, que, no exercício de sua soberania, escolhe aderir ou não ao instrumento jurídico, mas, se aceitá-lo, submete-se a sua força obrigatória e vinculante, em obediência aos princípios do pacta sunt servanda e da boa-fé (PIOVESAN, 2018).
Se o Estado Brasileiro, no livre exercício de sua soberania, celebrou e ratificou a Convenção nº 169 da OIT, não é lícito que qualquer órgão estatal deixe de aplicá-la com a justificativa de vício de competência, sob pena de se caracterizar grave violação aos princípios da boa-fé e do pacta sunt servanda e de expor o Brasil a sanções na ordem internacional.
A Convenção nº 169 da OIT é, portanto, um destacado instrumento de proteção dos direitos humanos das populações indígenas e tribais, com força vinculante no sistema jurídico brasileiro, gozando de posição hierárquica diferenciada. Cabe agora analisar o seu nível hierárquico no sistema jurídico brasileiro, a partir da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e da doutrina especializada.
2 HIERARQUIA NORMATIVA DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS
Existem, no Brasil, ao menos quatro teses jurídicas a respeito da posição hierárquico-normativa dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos: i) a que reconhece a natureza supraconstitucional, capitaneada por Celso Duvivier de Albuquerque Mello; ii) a que atribui status constitucional, de que são expoentes Flávia Piovesan e Cançado Trindade; iii) a posição segundo a qual os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos ingressariam no ordenamento jurídico brasileiro com status de lei ordinária, como vinha sendo admitido pelo STF desde o julgamento do RE 80.004/SE; e iv) a posição do caráter de supralegalidade, como previsto na Lei Fundamental Alemã, e atualmente adotada pelo Supremo Tribunal Federal.
2.1 EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Desde o julgamento do Recurso Extraordinário nº 80.004 (BRASIL, 1977), o Supremo Tribunal Federal manteve a posição de que os tratados internacionais, inclusive os de direitos humanos, ingressavam no ordenamento jurídico brasileiro com a mesma estrutura hierárquico-normativa das leis ordinárias. Esse entendimento foi reafirmado, mesmo após a Constituição Federal de 1988, no Habeas Corpus nº 72.131 (BRASIL, 1955) e no Recurso Extraordinário nº 253.071 (BRASIL, 2001), nos quais a Suprema Corte, por maioria de votos, referendou a prisão de depositários infiéis sob o argumento de que o Pacto de São José da Costa Rica, que não admitia esse tipo de prisão, não teria o condão de afastar a legislação infraconstitucional nacional.
Também na Ação Direta Inconstitucionalidade nº 1.480 (BRASIL, 1997), sobre as normas trabalhistas da Convenção nº 158 da OIT em face da Constituição Federal, mais uma vez foi assentado o caráter ordinário dos tratados internacionais. Relevante transcrever o seguinte trecho do acórdão:
Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em consequência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. Precedentes. No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico (‘lex posterior derogat priori’) ou, quando cabível, do critério da especialidade. Precedentes (grifos no original).
A tese da paridade entre os tratados internacionais e a leis ordinárias tinha como pano de fundo o receio de que as normas internacionais pudessem ferir a soberania nacional ou fragilizar a higidez e a supremacia da Constituição Federal, através da inserção, no sistema jurídico brasileiro, de obrigações, direitos ou preceitos não previstos no texto constitucional.
O Supremo Tribunal Federal percebeu a incompatibilidade de sua jurisprudência com o princípio constitucional da prevalência dos direitos humanos (artigo 4º, inciso II, CF/88), com a amplitude e abertura do rol dos direitos fundamentais (artigo 5º, § 2º, CF/88) e com a tendência mundial de internacionalização dos direitos fundamentais através de tratados e convenções veiculadores de parâmetros mínimos de civilidade. Essa mudança se deu em dezembro de 2008, no julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários nº 349.703 (BRASIL, 2008b) e nº 466.343 (BRASIL, 2008c) e do Habeas Corpus nº 87.585 (BRASIL, 2008c), em que o STF passou a adotar o entendimento de que os tratados internacionais de direitos humanos ocupam papel de destaque no ordenamento jurídico brasileiro, abaixo da Constituição, é verdade, mas acima da legislação ordinária.
A partir de então, tem prevalecido a tese de que os tratados e convenções internacionais de direitos humanos possuem notas distintivas da legislação ordinária, situando-se em um nível hierárquico intermediário entre a Constituição Federal e a lei ordinária, mesmo quando não submetidos ao iter procedimental específico das emendas constitucionais.
O principal efeito desta requalificação da força normativa dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos é paralisar a eficácia de toda e qualquer norma infraconstitucional que lhe seja contrária. Do voto do Min. Gilmar Mendes no RE 349.703 (BRASIL, 2008b), extrai-se o seguinte excerto:
Portanto, diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante.
Note-se que o Ministro Gilmar Mendes designou de supralegalidade o novo patamar normativo dos tratados de direitos humanos, ao passo que Menezes Direito denominou de hierarquia especial. Quer se chame de supralegalidade, quer se fale em hierarquia especial, o resultado prático é exatamente o mesmo: afastar a aplicação da legislação interna infraconstitucional contrária aos princípios e valores expressos nos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos.
Firmou-se, então, no âmbito da mais alta Corte de Justiça do país, um novo paradigma a respeito da hierarquia e da eficácia dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil entre a data da promulgação da Constituição Federal de 1988 e o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004: status hierárquico-normativo de supralegalidade, com força paralisante da aplicabilidade da legislação infraconstitucional contrária.
O avanço do Supremo Tribunal Federal, entretanto, foi tímido, aquém do que o estado da arte impunha, como se passa a verificar no próximo tópico.
ANÁLISE CRÍTICA DA POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
No julgamento dos casos acima referidos, os Ministros do Supremo Tribunal Federal dividiram-se entre a tese da supralegalidade dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos celebrados pelo Brasil entre a data da Constituição Federal de 1988 e a Emenda Constitucional nº 45/2004 – ainda que não submetidos ao iter procedimental próprio das emendas constitucionais –, e a tese da equiparação constitucional.
Afastou-se, de pronto, a tese da supraconstitucionalidade, por absoluta incompatibilidade com os princípios da higidez e da supremacia da Constituição Federal. Segundo o Ministro Gilmar Mendes, a prova da inadequação desta tese seria a possibilidade do controle de constitucionalidade dos tratados e convenções internacionais, em vista do disposto no artigo 102, inciso III, alínea b, da Constituição Federal, bem como a necessidade de submeter esses instrumentos jurídicos a um processo legislativo ditado pela Constituição. Ora, se é a Constituição Federal quem define o procedimento de incorporação dos tratados ao direito brasileiro e se essa mesma Constituição submete os instrumentos internacionais ao controle de constitucionalidade, logicamente que a espécie a ser sindicada não poderia ser hierarquicamente superior ao parâmetro de controle.
Por outro lado, a equiparação pura e simples entre os tratados de direitos humanos e a legislação ordinária não deveria ser admitida diante da realidade mundial de aproximação entre direitos humanos e direitos fundamentais.
A tese da supralegalidade foi capitaneada pelo Ministro Gilmar Mendes e seguida pelos Ministros Marco Aurélio, Carmem Lúcia, Ricardo Lewandowski e, na essência, também pelo Ministro Menezes Direito. A tese da equiparação constitucional, por sua vez, foi sustentada pelo Ministro Celso de Mello, que contou com a simpatia dos Ministros Cesar Peluso, Ellen Gracie e Eros Grau.
A análise dos votos dos Ministros revela que os principais fundamentos utilizados para ambas as teses são idênticos, embora cada grupo tenha alcançado um resultado jurídico distinto. Tanto o grupo que defendia a tese da supralegalidade, quanto o que pugnava pela equivalência constitucional utilizaram razões materiais semelhantes, tais como a necessidade de abertura do catálogo de direitos fundamentais, o compromisso do Brasil com a prevalência dos direitos humanos, a necessidade de abertura do estado nacional ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos e a centralidade constitucional do princípio-valor da dignidade humana.
Além disso, quase todos os Ministros invocaram os mesmos dispositivos da Constituição Federal, dentre os quais: i) a opção do constituinte pela integração do Brasil a organismos internacionais, na forma do artigo 4º, § único, segundo o qual “a República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações” (BRASIL, 1988); ii) a cláusula de abertura de que cuida o § 2º do artigo 5º da Constituição Federal; iii) e os §§ 3º e 4º do artigo 5º, que estabelecem que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados por quorum especial têm equivalência com as emendas constitucionais e submetem o Brasil à jurisdição do Tribunal Penal Internacional.
Embora tenha prevalecido a tese da supralegalidade, os efeitos práticos foram equivalentes aos da adoção da tese da equiparação constitucional, visto que, ao fim e ao cabo, afastou-se a possibilidade de prisão civil por dívida do depositário infiel, prevista expressamente na Constituição Federal, para fazer prevalecer um tratado internacional de direitos humanos, que não a admite. Por isso, o alerta de Ingo Sarlet (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2021), no sentido de que o Supremo Tribunal Federal, ao editar a Súmula Vinculante 25/2009, proibindo a prisão do depositário infiel a qualquer título, acabou dando ao tratado internacional de direitos humanos maior valor do que ao texto expresso da Constituição. De fato, o inciso LXVII do artigo 5º da Constituição, que admite esse tipo prisão, resultou em letra morta em face da força normativa conferida à Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Entende-se que o Supremo Tribunal Federal avançou bastante ao superar a jurisprudência da equiparação entre tratados de direitos humanos e a lei ordinária, mas poderia ter ido mais longe, para fazer prevalecer a tese da equivalência constitucional, por ser a posição que mais se coaduna com o estado de desenvolvimento constitucional, doutrinário e jurisprudencial no que tange à proteção dos direitos fundamentais.
Concorda-se com o Ministro Celso de Mello quanto à existência de três situações de direito intertemporal: i) os tratados internacionais de direitos humanos celebrados pelo Brasil e regularmente incorporados à ordem interna em momento anterior da promulgação da Constituição de 1988 possuem índole constitucional, porquanto formalmente recepcionados, nesta condição, pelo § 2º do artigo 5º da Constituição; ii) os tratados internacionais de direitos humanos aos quais o Brasil venha a aderir após a Emenda Constitucional 45/2004 deverão passar pelo iter procedimental do § 3º do artigo 5º da Constituição para que aufiram o status normativo de norma constitucional; iii) já os tratados internacionais de direitos humanos regularmente incorporados à ordem interna em momento posterior à promulgação da Constituição de 1988 e anterior à Emenda Constitucional 45/2004 possuem natureza constitucional, por efeito do chamado bloco de constitucionalidade (PIOVESAN, 2018).
A força jurídica e axiológica dos tratados de direitos humanos lhe impõe um papel de destaque na hierarquia das normas, notadamente em um contexto de expansão e consolidação de um autêntico direito constitucional internacional dos direitos humanos, fruto da aproximação cada vez maior entre direitos fundamentais constitucionais e os direitos humanos dos instrumentos jurídicos internacionais. Por isso, a qualificação dos tratados internacionais de direitos humanos na categoria de norma constitucional é defendida por considerável parcela da doutrina nacional, de que se destacam nomes como Flávia Piovesan, Ingo Sarlet, Valério de Oliveira Mazzuoli e Celso Lafer.
Flávia Piovesan (2018) entende que a Constituição Federal quis conferir aos tratados internacionais de direitos humanos o mesmo valor das normas constitucionais. Os sinais disto estariam na adoção, pelo Constituinte, do valor da dignidade da pessoa humana como matriz axiológica dos direitos e garantias fundamentais, ao lado dos princípios da prevalência dos direitos humanos, do repúdio ao racismo e ao terrorismo, da concessão do asilo político e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, além da própria previsão do § 2º do artigo 5º da Constituição Federal.
Veja-se que a redação do § 2º do artigo 5º confirma a intenção da Constituição de conferir aos tratados internacionais de direitos humanos uma posição especial, fonte de outros direitos e garantias fundamentais, que se somam aos expressamente previstos no texto constitucional. Isto porque a segunda parte do aludido dispositivo foi inovação em relação ao texto da Constituição de 1967, cujo artigo 153, § 36, então estabelecia apenas que “a especificação dos direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota” (BRASIL, 1967).
Isto é, na Constituição pregressa não havia referência expressa aos tratados de direitos humanos como fonte de direitos fundamentais. A previsão só foi introduzida na Carta de 1988, passando a constar que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados e também “dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (BRASIL, 1988).
Daí Flávia Piovesan observar, de modo certeiro, que a qualificação constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos advém da previsão expressa do § 2º da Constituição Federal de 1988 e, ainda, “[…] da interpretação sistemática e teleológica do Texto, especialmente em face da força expansiva dos valores da dignidade humana e dos direitos fundamentais, como parâmetros axiológicos a orientar a compreensão do fenômeno constitucional” (BRASIL, 2018, p. 130).
Ingo Sarlet (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2021), comunga da tese da qualificação constitucional dos tratados de direitos humanos pela força do § 2º do artigo 5º da Constituição Federal. Afirma que, a não prevalecer esta tese, o referido dispositivo constitucional teria o sentido desvirtuado, porque não haveria diferença hierárquica entre qualquer regra de direito internacional (v.g., tratado sobre comércio) e os direitos fundamentais do homem previstos nos instrumentos internacionais. E prossegue em tom conclusivo (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2021, p. 153):
[…] os tratados sobre direitos humanos integram um universo de princípios com especial força obrigatória de um autêntico jus cogens que os coloca em posição hierarquicamente superior em relação aos demais tratados internacionais, justificando, assim, a diferença de tratamento também na ordem jurídica interna.
O jurista Valério de Oliveira Mazzuoli (2021) reforça os argumentos de Flávia Piovesan e de Ingo Sarlet, mas com uma peculiaridade importante para este artigo. É que sua análise recai precisamente sobre as convenções internacionais oriundas da Organização Internacional do Trabalho. Afirma Valério Mazzuolli (2021) que as convenções internacionais do trabalho que versam sobre direitos humanos ingressam no ordenamento jurídico brasileiro com o status de norma materialmente constitucional, em virtude da regra insculpida no § 2º do artigo 5º da Constituição Federal de 1988.
Como se pode observar, a ideia subjacente a esses juristas é o chamado bloco de constitucionalidade, que abrange os direitos e garantias fundamentais expressos no texto da Constituição, os decorrentes do regime e dos princípios adotados e mais os que venham a ser agregados a partir da incorporação de tratados e convenções internacionais de direitos humanos (PIOVESAN, 2018). Afirma Canotilho (apud PIOVESAN, 2018, p. 116) que o:
[…] programa normativo-constitucional não pode se reduzir, de forma positivística, ao ‘texto’ da Constituição. Há que densificar, em profundidade, as normas e princípios da Constituição, alargando o ‘bloco de constitucionalidade’ a princípios não escritos, mas ainda reconduzíveis ao programa normativo-constitucional, como formas de densificação ou revelação específicas de princípios ou regras constitucionais positivamente plasmadas.
Os críticos da tese da qualificação constitucional dos tratados de direitos humanos logo questionam: se esses instrumentos internacionais possuem força de norma constitucional pelo efeito do bloco de constitucionalidade e da cláusula de abertura de que cuida o § 2º da Constituição Federal de 1988, qual a razão de o Constituinte Derivado editar uma norma constitucional específica contendo um procedimento para equiparar as normas oriundas de tratados de direitos humanos com as emendas constitucionais?
Celso Lafer (apud PIOVESAN, 2018, p. 152) responde: “o novo parágrafo 3º do art. 5º pode ser considerado como uma lei interpretativa destinada a encerrar as controvérsias jurisprudenciais e doutrinárias suscitadas pelo 2º do art. 5º”.
Dito de outro modo: eram tão variados os entendimentos sobre a hierarquia dos tratados de direitos humanos, que o Constituinte Derivado, por meio do § 3º do artigo 5º da Constituição Federal, pretendeu fazer uma interpretação autêntica do texto constitucional originário, de modo a evidenciar a relevância jurídica dos instrumentos internacionais de direitos humanos e a possibilitar que esses instrumentos aufiram status de norma formalmente constitucional. As normas decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos são materialmente constitucionais, mas podem também se tornar formalmente constitucionais se passarem pelo procedimento especial de incorporação.
Quanto aos tratados e convenções de direitos humanos regularmente incorporados antes da Emenda Constitucional nº 45/2004, são normas constitucionais na forma e no conteúdo, por quatro razões, expostas por Flávia Piovesan (2018): a) a interpretação sistemática da Constituição, de forma a dialogar os §§ 2º e 3º do art. 5º; b) a lógica e a racionalidade material da hermenêutica dos direitos humanos; c) a necessidade de evitar interpretações ensejadoras de anacronismos da ordem jurídica; d) a teoria geral da recepção do Direito brasileiro.
Desse apanhado doutrinário, percebe-se que o Supremo Tribunal Federal dispunha de sólidos fundamentos para avançar mais, de modo a conferir aos tratados de direitos humanos uma posição hierárquico-normativa de equivalência constitucional, mesmo quando não submetidos ao procedimento das emendas constitucionais. Esse avanço chegou a ser realizado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do RHC nº 18.799, em que o tribunal analisou os efeitos do Pacto de São José da Costa Rica sobre a legislação nacional e concluiu, mesmo antes da decisão do Supremo Tribunal Federal, que o aludido instrumento internacional possuía força de emenda constitucional, em virtude dos §§ 1º e 2º do artigo 5º da Constituição Federal. Destaca-se do voto condutor (BRASIL, 2006):
5. No atual estágio do nosso ordenamento jurídico, há de se considerar que:
a) a prisão civil de depositário infiel está regulamentada pelo Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil faz parte;
b) a Constituição da República, no Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), Capítulo I (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos), registra no § 2º do art. 5º que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. No caso específico, inclui-se no rol dos direitos e garantias constitucionais o texto aprovado pelo Congresso Nacional inserido no Pacto de São José da Costa Rica;
c) o § 3º do art. 5º da CF⁄88, acrescido pela EC nº 45, é taxativo ao enunciar que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Ora, apesar de à época o referido Pacto ter sido aprovado com quorum de lei ordinária, é de se ressaltar que ele nunca foi revogado ou retirado do mundo jurídico, não obstante a sua rejeição decantada por decisões judiciais. De acordo com o citado § 3º, a Convenção continua em vigor, desta feita com força de emenda constitucional. A regra emanada pelo dispositivo em apreço é clara no sentido de que os tratados internacionais concernentes a direitos humanos nos quais o Brasil seja parte devem ser assimilados pela ordem jurídica do país como normas de hierarquia constitucional;
d) não se pode escantear que o § 1º supra determina, peremptoriamente, que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Na espécie, devem ser aplicados, imediatamente, os tratados internacionais em que o Brasil seja parte;
e) o Pacto de São José da Costa Rica foi resgatado pela nova disposição constitucional (art. 5º, § 3º), a qual possui eficácia retroativa;
f) a tramitação de lei ordinária conferida à aprovação da mencionada Convenção, por meio do Decreto nº 678⁄92 não constituirá óbice formal de relevância superior ao conteúdo material do novo direito aclamado, não impedindo a sua retroatividade, por se tratar de acordo internacional pertinente a direitos humanos. Afasta-se, portanto, a obrigatoriedade de quatro votações, duas na Câmara dos Deputados, duas no Senado Federal, com exigência da maioria de dois terços para a sua aprovação (art. 60, § 2º).
No direito comparado, nota-se uma tendência dos países latino-americanos de equiparar as normas dos tratados internacionais de proteção de direitos humanos com as normas constitucionais. É o caso das Constituições da Argentina, Venezuela, Peru, Nicarágua, Guatemala e México, com dispositivos que asseguram status constitucional a esses tratados. As Cartas de Guatemala, Colômbia e Bolívia, por sua vez, embora não atribuam qualificação constitucional aos tratados de direitos humanos, reconhecem que essas normas possuem hierarquia especial, situando-se acima da legislação ordinária (PIOVESAN, 2018).
Defende-se, portanto, que os direitos fundamentais previstos em tratados internacionais de direitos humanos de que o Brasil seja parte são normas materialmente constitucionais, integrantes do bloco de constitucionalidade por força da cláusula de abertura de que cuida o § 2º do artigo 5º da Constituição Federal. Os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil, depois da promulgação da Constituição Federal de 1988 e antes da edição da Emenda Constitucional nº 45/2004, também são formalmente constitucionais, por aplicação da teoria geral da recepção, isto é, a previsão do § 3º do artigo 5º de que os tratados de direitos humanos seriam equivalentes às emendas constitucionais tem o efeito de requalificar, no âmbito formal, os instrumentos internacionais ratificados quando inexistente esse procedimento, o que foi o caso do Pacto de São José da Costa Rica (PIOVESAN, 2018) e, também, da Convenção nº 169 da OIT 169.
2.3 STATUS HIERÁRQUICO-NORMATIVO DA CONVENÇÃO Nº 169 da OIT
Ao lado do sistema geral de proteção dos direitos humanos, constituído pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966) e pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), integrantes da chamada Carta Internacional dos Direitos Humanos (International Bill of Rights), “que representam o amplo consenso alcançado acerca dos requisitos minimamente necessários para uma vida com dignidade” (PIOVESAN, 2018), existe um sistema especial de proteção do indivíduo ou de um grupo concretamente delimitado, em atenção a suas peculiaridades de gênero, idade, etnia, etc, de forma a assegurar o direito à igualdade com respeito à diversidade. Como afirma Flávia Piovesan (2018, p. 284), “o sistema especial de proteção realça o processo de especificação do sujeito de direito, em que este é visto em sua especificidade e concretude”.
A Convenção nº 169 da OIT, documento internacional gestado, discutido e aprovado no âmbito de agência da Organização das Nações Unidas, situa-se no sistema especial de proteção dos direitos humanos das pessoas e populações indígenas e tribais. Assegurar a igualdade material aos índios, sem prejuízo do reconhecimento de sua identidade étnica, como faz a Convenção nº 169 da OIT, é o objetivo, a condição e o pressuposto do direito à autodeterminação, aspecto do valor da dignidade humana. De acordo com Flávia Piovesan (2018, p. 286):
O direito à igualdade material, o direito à diferença e o direito ao reconhecimento de identidades integram a essência dos direitos humanos, em sua dupla vocação em prol da afirmação da dignidade humana e da prevenção do sofrimento humano. A garantia da igualdade, da diferença e do reconhecimento de identidades é condição e pressuposto para o direito à autodeterminação, bem como para o direito ao pleno desenvolvimento das potencialidades humanas, transitando-se da igualdade abstrata e geral para um conceito plural de dignidades concretas.
Como a Convenção nº 169 da OIT elenca direitos materialmente fundamentais e foi ratificada pelo Brasil em 25 de julho de 2002, quando ainda não existia a previsão do procedimento de submissão a duas votações em cada Casa do Congresso Nacional, por três quintos dos votos, e tendo em vista que, àquela época, os §§ 1º e 2º da Constituição já permitiam a inclusão de novos direitos e garantias fundamentais provenientes de documentos internacionais, é forçoso entender que essa convenção ingressou no sistema jurídico brasileiro com uma qualificação hierárquico-normativa de equivalência às normas constitucionais. Nesse sentido, forçoso reconhecer que (MOÇOUÇAH, 2015, p. 86):
De fato, não há como negar que seriam absolutamente inúteis as disposições do art. 5º, §2º, da Carta Magna no sentido de considerar os direitos humanos presentes em tratados internacionais como parte integrante do rol de direitos fundamentais protegidos pela Constituição, caso se considerasse que apenas com o advento do art. 5º, §3º, é que os direitos previstos nos tratados de direitos humanos poderiam passar a equivaler aos direitos fundamentais já presentes no Excelso texto.
Além disso, conferir status de norma constitucional à Convenção nº 169 da OIT não fragiliza a força normativa da Constituição, visto que não existe hierarquia entre normas constitucionais. Eventual conflito entre as normas convencionais e as normas da Constituição Federal deve ser resolvido na análise de cada caso concreto, com base na “disposição mais benéfica para o indivíduo, apurada mediante os critérios da proporcionalidade e no âmbito de uma ponderação” (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2021, p. 154). No mesmo sentido, acha-se a posição de Valério de Oliveira Mazzuoli (2013, p. 252-253), para quem:
A integração das convenções e recomendações da OIT no Brasil – assim como a de quaisquer tratados de direitos humanos ratificados pelo Estado – deve atender ao princípio pro homine, segundo o qual o intérprete deve sempre optar pela aplicação da norma mais favorável ao ser humano (trabalhador) sujeito de direitos. Como se viu, há na Constituição da OIT (artigo 19, § 8) preceito segundo o qual em caso algum a adoção “de uma convenção ou recomendação, ou a ratificação, por um Estado-membro, de uma convenção, deverão ser consideradas como afetando qualquer lei, sentença, costumes ou acordos que assegurem aos trabalhadores interessados condições mais favoráveis que as previstas pela convenção ou recomendação”. Essa “cláusula de diálogo” (ou “vaso comunicante”) convencional permite que se aplique sempre a norma mais favorável num caso concreto, técnica de solução de controvérsias inspirada no princípio pro homine.
Quer se adote a posição da equivalência constitucional, quer a posição da supralegalidade, a Convenção nº 169 da OIT provoca múltiplos e relevantes efeitos no sistema jurídico brasileiro, com força paralisante de eventuais disposições em contrário contidas na legislação relativa às comunidades indígenas e quilombolas.
4 EFEITOS DA CONVENÇÃO Nº 169 DA OIT SOBRE A LEGISLAÇÃO NACIONAL
A Convenção nº 169 da OIT encontra-se estruturada sobre os seguintes pilares fundamentais: i) o reconhecimento da autonomia dos povos indígenas e o direito de participação nas questões que lhes afetem; ii) a superação da visão integracionista e assimilacionista, que antes havia influenciado a Convenção nº 107 da OIT e a legislação interna de muitos países, inclusive do Brasil; iii) o reconhecimento e a valorização das diferenças culturais das comunidades tradicionais. Esses pilares são inovadores em relação à Convenção nº 107, de 1957, e ao chamado Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/73).
Por isso, é necessário que a doutrina e a jurisprudência se debrucem sobre os efeitos das disposições da Convenção nº 169 sobre a legislação indigenista brasileira, a fim de averiguar em que medida as normas infraconstitucionais foram revogadas ou tiveram seu sentido e alcance modificados pelas disposições da norma de origem internacional.
Indicam-se, a seguir, sem pretensão de esgotamento do tema, alguns exemplos em que a norma convencional, por seu status especial, modifica ou afasta a incidência de determinadas leis nas questões envolvendo pessoas ou comunidades indígenas.
4.1 NO DIREITO PENAL
A Convenção nº 169 da OIT possui importantes reflexos na seara criminal, ao ponto de determinar a não incriminação de certas condutas que, embora típicas à luz da legislação penal, são justificadas pelo sistema cultural indígena, e, também, ao prever a necessidade de dar-se preferência a tipos de punição outros que não o encarceramento, como estabelecem os artigos 9º e 10 (BRASIL, 2011):
Artigo 9º – 1. Na medida em que isso for compatível com o sistema jurídico nacional e com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, deverão ser respeitados os métodos aos quais os povos interessados recorrem tradicionalmente para a repressão dos delitos cometidos pelos seus membros. 2. As autoridades e os tribunais solicitados para se pronunciarem sobre questões penais deverão levar em conta os costumes dos povos mencionados a respeito do assunto.
Artigo 10 – 1. Quando sanções penais sejam impostas pela legislação geral a membros dos povos mencionados, deverão ser levadas em conta as suas características econômicas, sociais e culturais. 2. Dever-se-á dar preferência a tipos de punição outros que o encarceramento.
Ambas as situações – não incriminação de certas condutas aparentemente típicas e preferência por tipos de punição diversos do encarceramento – são recorrentes no dia a dia da justiça criminal das regiões com maior presença indígena, em que a força da Convenção nº 169 da OIT se impõe – ou deveria se impor – de maneira destacada.
Cite-se, como exemplo da primeira situação, uma denúncia criminal formulada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina contra três líderes indígenas da etnia kaingang, imputando-lhes a prática de cárcere privado (art. 148, § 1º, inciso IV, do Código Penal) e de homicídio culposo (art. 121, § 3º, do Código Penal), porque esses líderes teriam determinado a prisão, em cadeia dentro da comunidade, de dois adolescentes indígenas considerados infratores das normas internas, ocasião em que ocorreu, durante a primeira noite de prisão, a morte dos dois adolescentes, vitimados por um incêndio de origem não identificada.
A transgressão consistiu no relacionamento amoroso entre dois adolescentes, detentores da mesma ascendência, conduta vedada pelo direito consuetudinário indígena, que só admite o casamento entre pessoas de ancestralidade diversa – kamé com Kairu.
Uma informação técnica antropológica apresentada pela Fundação Nacional do Índio demonstrou que, na visão de algumas etnias indígenas, o casamento endogâmico é considerado tão grave como o incesto, uma verdadeira antítese da sociedade e um ilícito passível de punição. Demonstrou, ainda, que existem sistemas próprios de coesão social e de aplicação de sanções institucionalizados pelos costumes indígenas, dentre as quais a prisão dentro da própria comunidade.
A argumentação jurídica foi realizada sobretudo com base na Convenção nº 169 da OIT, logrando-se êxito em convencer o Juízo Criminal da inexistência de qualquer crime. Com isso, a acusação de cárcere privado restou logo arquivada pela Justiça Federal; quanto ao homicídio culposo, houve declínio de competência para a Justiça Estadual, que proferiu sentença absolutória em primeira instância. Destaca-se da sentença (SANTA CATARINA, 2007):
Como já dito, o crime de cárcere privado foi arquivado pela Justiça Federal, tendo o juiz federal prolator da decisão fundamentado a sua decisão no fato que os elementos probatórios colhidos, tanto na fase inquisitorial como em juízo, apontam a ocorrência da privação de liberdade do casal de indígenas menores como forma de punição, advinda da liderança indígena, pela prática de ato proibido pela cultura kaingang, qual seja, o relacionamento afetivo entre membros da mesma ascendência. Evidencia-se, portanto, que o cárcere privado está diretamente relacionado aos costumes e tradições dos indígenas kaingang, […]. Ocorre que somente há de se imputar o homicídio culposo aos acusados se se reconhecer que a sua conduta inicial, qual seja, o cárcere privado é ilícito. Restando o cárcere privado considerado aceitável na cultura Kaingang não há qualquer elemento nos autos que aponte acerca da prática, pelos acusados, de outro ato imprudente, negligente ou imperito apto a caracterizar o homicídio culposo. Repiso: se não há cárcere privado, não há homicídio culposo.
A sentença foi mantida no Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Nesse caso, portanto, a força paralisante da norma internacional de proteção dos direitos humanos permitiu o afastamento do Código Penal, fazendo prevalecer o direito consuetudinário indígena.
No que tange às situações em que a conduta do indígena não acha justificação nos costumes, e, assim, seria caso de incidência da legislação penal interna para aplicar pena privativa de liberdade, a Convenção nº 169 da OIT (1989, art.10) é expressa no sentido de que “dever-se-á dar preferência a tipos de punição outros que o encarceramento”. De fato, não havendo razões concretas a demonstrar que o apenado representa um perigo real para a sociedade, é obrigatório que Estado brasileiro encontre formas alternativas de cumprimento da reprimenda penal, por força da aludida norma internacional, que prevalece sobre eventual disposição legislativa contrária. O objetivo é assegurar a permanência do índio junto de sua comunidade, preservando, com isso, seus hábitos, costumes e tradições.
O regime especial de semiliberdade, consistente em medidas punitivas outras em substituição ao encarceramento, foi admitido em mais de uma ocasião na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, valendo citar o Habeas Corpus nº 124.622 (BRASIL, 2009) e o Recurso Especial nº 1129637/SC (BRASIL, 2014). Embora o STJ tenha feito referência a dispositivos do Estatuto do Índio, na verdade deu concretude ao comando da Convenção 169 da OIT, em consonância com a previsão constitucional de respeito aos costumes e tradições indígenas.
4.2 NO DIREITO CIVIL
A Convenção nº 169 da OIT (2004) estabelece, em seu artigo 4º, que a adoção de medidas especiais, necessárias para salvaguardar as pessoas, as instituições, os bens, as culturas e o meio ambiente dos povos indígenas, não deverá importar discriminação quanto aos direitos gerais de cidadania: “o gozo sem discriminação dos direitos gerais da cidadania não deverá sofrer nenhuma deterioração como consequência dessas medidas especiais”.
Isso significa que aos índios devem ser assegurados direitos específicos, para proteção de suas peculiaridades étnicas e culturais, sem prejuízo dos direitos gerais de cidadania usufruídos pela população em geral. Trata-se de assegurar, ao mesmo tempo, a igualdade perante a lei, de natureza eminentemente formal, e a igualdade material, com observância das peculiaridades da pessoa indígena.
Some-se a isso o fato de a Convenção nº 169 ter adotado, dentre os valores fundamentadores de suas disposições, o reconhecimento da autonomia dos índios e das comunidades indígenas, a valorização e o respeito às suas peculiaridades étnicas e o direito de participarem ativamente da discussão de todas as ações – judiciais, administrativas ou legislativas – que lhes afetem.
A Convenção nº 169 corrigiu um equívoco antropológico e jurídico no que tange à ideologia integracionista, paternalista e assimilacionista que informavam a Convenção 107 da OIT e a Lei nº 6.001/73. No novo marco normativo, passou-se a reconhecer a diferença cultural dos índios como elemento positivo, a ser valorizado, superando-se, com isso, a ideia de que eles se tornam “civilizados”, à medida que se distanciam das práticas culturais indígenas.
A norma internacional não admite que aos índios sejam negados os direitos de personalidade, dentre os quais o direito de serem reconhecidos como pessoas dotadas de capacidade civil e processual. De fato, os índios só poderão “gozar plenamente dos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculos nem discriminação”, só poderão ter “o gozo sem discriminação dos direitos gerais da cidadania” e só se permitirá que “exerçam os direitos reconhecidos para todos os cidadãos do país e assumam as obrigações correspondentes”, como estabelecem o artigo 3º, 1, o artigo 4º, 3 e o artigo 8º, 3, todos da Convenção nº 169 da OIT, se forem reconhecidos como pessoas dotadas de capacidade civil e processual.
Diante desse arcabouço normativo de origem internacional, os artigos 4º e 7º do Estatuto do Índio (Lei 6.001/73), que classificam os índios por seu grau de integração e submetem os não-integrados à tutela civil-orfanológica da União, encontram-se superados por vício de inconvencionalidade, além, é claro, do vício de inconstitucionalidade (teoria do duplo controle) (BRASIL, 1973):
Art. 4º Os índios são considerados: I – Isolados – Quando vivem em grupos desconhecidos ou de que se possuem poucos e vagos informes através de contatos eventuais com elementos da comunhão nacional; II – Em vias de integração – Quando, em contato intermitente ou permanente com grupos estranhos, conservam menor ou maior parte das condições de sua vida nativa, mas aceitam algumas práticas e modos de existência comuns aos demais setores da comunhão nacional, da qual vão necessitando cada vez mais para o próprio sustento; III – Integrados – Quando incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos, costumes e tradições característicos da sua cultura.
[…]
Art. 7º Os índios e as comunidades indígenas ainda não integrados à comunhão nacional ficam sujeitos ao regime tutelar estabelecido nesta Lei. § 1º Ao regime tutelar estabelecido nesta Lei aplicam-se, no que couber, os princípios e normas da tutela de direito comum, independendo, todavia, o exercício da tutela da especialização de bens imóveis em hipoteca legal, bem como da prestação de caução real ou fidejussória. § 2º Incumbe a tutela à União, que a exercerá através do competente órgão federal de assistência aos silvícolas.
Ao lado das previsões da Convenção nº 169 da OIT, encontra-se nova matriz de princípios e valores da Constituição Federal de 1988, de que se destaca, em especial: i) a adoção da dignidade da pessoa humana e do pluralismo político como fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º); ii) o objetivo de constituir uma sociedade livre, justa e solidária, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º); iii) o repúdio ao racismo e a prevalência dos direitos humanos (art. 4º); iv) o direito de igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (art. 5º, caput); v) o primado da justiça social (art. 194); vi) o princípio da pluralidade de ideias no ensino (art. 205, III); vii) a garantia de pleno exercício dos direitos culturais, protegendo-se as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e valorizando-se a diversidade étnica e regional (art. 215); vii) o direito à diferença (preâmbulo, art. 1º, inciso V, e art. 215, todos da CF/88).
A Constituição Federal obsequiou, ainda, um capítulo próprio aos índios, no qual reconheceu “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” (BRASIL, 1988) e estabeleceu que “os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo” (BRASIL, 1988).
Esses princípios e valores de hierarquia constitucional, aos quais as disposições da Convenção 169 da OIT vêm integrar-se, causaram uma verdadeira revolução na condição jurídica dos índios, com a superação do chamado evolucionismo social (BARBOSA et al, 2011). A ideia era que enquanto os índios não fossem integrados ao modo de vida e aos processos de produção da sociedade dominante permaneceriam relativamente incapazes e, precisamente por isso, sujeitos ao regime tutelar do Estado, o que, como demonstrado, afronta as normas da Constituição Federal e da Convenção nº 169 da OIT.
Considerar os índios pessoas incapazes ou sujeitas à tutela civil do Estado, por sua condição étnica, viola os preceitos da Convenção OIT 169, em especial o artigo 4º, 3, que reconhece o “gozo sem discriminação dos direitos gerais da cidadania”.
Os poderes públicos, em especial os juízes e tribunais, deverão levar em conta o entendimento de que houve a superação do regime tutelar de natureza civilista, sob pena de se perpetuarem esdrúxulas decisões tais como a proferida na Ação de Reintegração de Posse nº 5000863-60.2013.404.7211/SC (BRASIL, 2013) em que foi invocado o artigo 7º, § 2º, da Lei 6.001/73 para dizer que permanece o “dever de tutela sobre as comunidades indígenas imputada inicialmente à União e exercida através de órgão federal, a FUNAI, nos termos do art. 7º § 2º da Lei nº 6.001/73”, que “em relação à FUNAI, não houve alteração produzida pela Constituição Federal de 1988” e que “o artigo 232 da Carta de Outubro dispõe que os índios possuem legitimidade apenas para demandarem ativamente em juízo”.
Se o juiz tivesse considerado as disposições da Convenção nº 169 da OIT, certamente teria chegado a um resultado diverso, no sentido de que a condição indígena, só por isso, não afasta os direitos gerais de cidadania ou a capacidade civil e processual, ativa e passiva. Afinal, os indígenas são pessoas merecedoras de igual respeito e consideração.
5 CONCLUSÃO
A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT Sobre Povos Indígenas e Tribais, ratificada pelo Brasil em 25 de julho de 2002 com natureza jurídica de tratado-lei, é o mais importante instrumento do sistema internacional especial de proteção dos direitos humanos das populações indígenas e tribais, na medida em que combate a discriminação, busca a promoção da igualdade material, reconhece a autonomia das comunidades tradicionais e protege a sua diversidade étnica, além de garantir o direito às terras tradicionalmente ocupadas, a integridade física, religiosa, cultural e espiritual dos índios, o direito de consulta e de participação em decisões que lhes afetem.
Uma vez incorporada ao sistema jurídico nacional por ato soberano e voluntário do Estado brasileiro, passou a ostentar força vinculante e obrigatória no direito interno, em razão dos princípios do pacta sunt servanda e da boa-fé.
A posição hierárquica é de equivalência constitucional, porque incorporada ao sistema jurídico brasileiro após a Constituição Federal de 1988 e antes da Emenda Constitucional nº 45/2004, e porque os §§ 1º e 2º do artigo 5º, que abrem o rol dos direitos e garantias fundamentais a complementações provenientes do próprio sistema constitucional e dos tratados de direitos humanos e determinam a sua aplicação imediata, não tiveram a força normativa afastada pela superveniência do procedimento diferenciado instituído pelo § 3º do mesmo artigo. De fato, a inovação constitucional quanto ao procedimento de incorporação dos tratados de direitos humanos assumiu um papel de lei interpretativa, de ordem a possibilitar que uma norma já materialmente constitucional possa vir a ser também formalmente constitucional.
A par da interpretação sistêmica do texto constitucional, a expansividade do catálogo de direitos fundamentais, o compromisso do Brasil com a prevalência dos direitos humanos, a necessidade de abertura do estado nacional ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos e a centralidade constitucional do princípio-valor da dignidade da pessoa humana recomendam a superação da tese da supralegalidade, ainda prevalecente no Supremo Tribunal Federal.
Em reforço a esta intepretação lógico-sistemática, alertou-se para a tendência do direito moderno no sentido de aproximar os direitos fundamentais constitucionais e os direitos humanos dos instrumentos internacionais, que se nutrem e se influenciam mutuamente, originando um verdadeiro direito constitucional internacional dos direitos humanos, com preocupação eminentemente universalista de estabelecer padrões mínimos de civilidade para todos os seres humanos.
Os tratados de direitos humanos possuem fundamentalidade material que justifica a sua aceitação como norma integrante do bloco de constitucionalidade, independentemente da submissão ao procedimento criado pelo § 3º do artigo 5º da Constituição Federal, em especial no caso daqueles incorporados antes da Emenda Constitucional nº 45/2004.
A tese da equivalência constitucional dos tratados não torna vulnerável a higidez ou a supremacia da Constituição Federal, porquanto foi o próprio sistema constitucional que permitiu a expansão do rol dos direitos e garantias fundamentais a partir da recepção dos tratados e convenções de direitos humanos. Com isso, eventual conflito entre uma norma constitucional originária e uma norma constitucional derivada do instrumento internacional há de ter solução pelo critério da norma mais benéfica e mais protetiva dos direitos humanos.
Quanto à legislação nacional ordinária, os efeitos da Convenção nº 169 da OIT são intensos, quer se adote a tese da supralegalidade, como se depreende da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, quer se opte pela equiparação constitucional, como se defende neste artigo. Em uma situação ou noutra, haverá o afastamento dos dispositivos da legislação ordinária incompatíveis com as normas convencionais, em virtude da força paralisante que uma norma supralegal ou constitucional provoca sobre a norma legal, tal como na hipótese de afastamento da lei penal por força de condicionamentos tradicionais indígenas e aplicação do regime especial de semiliberdade.
Ao se explorar a potencialidade normativa da Convenção nº 169 da OIT, conferindo-lhe a força jurídica compatível com os avanços do sistema internacional de proteção dos direitos humanos, não há dúvidas de que a situação jurídica e social das comunidades tradicionais no Brasil terá grandes avanços, permitindo a implementação da igualdade material sem prejuízo da proteção da identidade étnico-cultural das inúmeras etnias existentes no país.
REFERÊNCIAS
ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal de Direitos Humanos, de 10 dez. 1948.
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[1] Especialista em Direito Constitucional e Direitos Humanos pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC). Procurador da República em Barreiras (BA). Foi Procurador Federal, com atuação junto à Procuradoria Federal Especializada da FUNAI (2011-2013) e do INSS (2014-2016).
[2] Doutor em Direitos Humanos e Desenvolvimento pela Universidade Pablo de Olavide, Sevilha (Espanha). Professor da Graduação, do Mestrado e do Doutorado em Direito na Universidade de Marília (UNIMAR). Procurador da República em Marília.
[3] Doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Professor da Graduação, do Mestrado e do Doutorado em Direito na Universidade de Marília (UNIMAR). Procurador do Estado de São Paulo.
[4] Diz-se “parcialmente” porque o STF avançou no sentido de conferir aos tratados internacionais de direitos humanos um status superior ao das leis ordinárias, mas não progrediu ao ponto de conferir-lhe equivalência constitucional, como propugna importantes especialistas citados ao longo deste artigo.
[5] Além dos povos indígenas, os quilombolas, seringueiros, castanheiros, quebradeiras de coco-de-babaçu, comunidades fundo e fecho de pasto, faxinalenses, pescadores artesanais, marisqueiras, ribeirinhos, varjeiros, caiçaras, praieiros, sertanejos, jangadeiros, ciganos, açorianos, campeiros, varzanteiros, pantaneiros, geraizeiros, veredeiros, catingueiros, retireiros do Araguaia, dentre outros, são consideradas comunidades tradicionais, conforme Decreto nº 8.750, de 09 de maio de 2016, e, por isso, podem ter a proteção da Convenção nº 169 da OIT.
[6] A Convenção nº 169 da OIT foi ratificada pelos seguintes Estados-Membros: Argentina, Brasil, Bolívia, República Centroafricana, Chile, Colômbia, Costa Rica, Dinamarca, Dominica, Equador, Espanha, Fiji, Guatemala, Honduras, México, Nepal, Nicarágua, Noruega, Países Baixos, Paraguai, Peru, Venezuela e, por último, Luxemburgo (INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION, 2018).