A TECNOLOGIA COMO MECANISMO DE DESJUDICIALIZAÇÃO NO CONTEXTO DOS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (ODS)

A TECNOLOGIA COMO MECANISMO DE DESJUDICIALIZAÇÃO NO CONTEXTO DOS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (ODS)

1 de junho de 2021 Off Por Cognitio Juris

TECHNOLOGY AS A DE-JUDICIALIZATION MECHANISM IN THE CONTEXT OF SUSTAINABLE DEVELOPMENT GOALS (SDGS)

Cognitio Juris
Ano XI – Número 35 – Junho de 2021
ISSN 2236-3009
Autores:
Luciana de França Oliveira Rodrigues[1]
Marisa Rossignoli [2]

Resumo: O artigo que ora se apresenta pretende estudar o movimento de desjudicialização, tendo como base o uso da tecnologia, dentro do contexto dos objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS). Para ratificar o caminho que se pretende percorrer para que se alcance a meta citada, vale a pena trazer à baila os objetivos específicos desta pesquisa, quais sejam o de identificar os parâmetros de estudo do desenvolvimento sustentável, o de elaborar pesquisa acerca das políticas públicas como instrumento de desenvolvimento, bem como o de desenvolver análise sobre a importância da desjudicialização de modo a proporcionar desentrave da máquina Judiciária. A presente pesquisa pode ser classificada, quanto aos seus fins, como metodológica e aplicada, uma vez que se pretende investigar caminhos e procedimentos para a consecução de determinado propósito, de modo que se alcance resultados capazes de propiciar a perfeita identificação da pesquisa que ora se propõe. Já no que se refere aos meios de investigação a serem seguidos, pode-se classificar esta pesquisa como bibliográfica, o que constitui geralmente o primeiro passo de qualquer pesquisa científica, inclusive com o uso de material disponibilizado na internet. Diante disso, pode-se elencar os principais procedimentos metodológicos desta pesquisa da seguinte maneira: revisão de literatura por meio de pesquisa bibliográfica, averiguando-se os conceitos doutrinários, artigos publicados em sítios eletrônicos conceituados no meio acadêmico, bem como, as determinações legais acerca do tema. Pretende-se demonstrar à guisa de conclusão, o efetivo alcance do acesso ao Direito por meio da desjudicialização.

 Palavras-chave: Desjudicialização; Desenvolvimento sustentável; Tecnologia.

Abstract: The article presented here intends to study the movement of de-judicialization, based on the use of technology, within the context of the objectives of sustainable development (SDG). In order to confirm the path that is intended to be taken to reach the aforementioned goal, it is worth bringing up the specific objectives of this research, which are to identify the parameters of study of sustainable development, to prepare research on public policies such as instrument of development, as well as to develop an analysis on the importance of de-judicialization in order to provide an unblocking of the Judiciary machine. the present research can be classified, regarding its purposes, as methodological and applied, since it intends to investigate ways and procedures for the achievement of a certain purpose, in order to reach results capable of providing the perfect identification of the research that is now proposes. With regard to the means of investigation to be followed, this research can be classified as bibliographic, which is generally the first step in any scientific research, including the use of material available on the internet. Therefore, the main methodological procedures of this research can be listed as follows: literature review: a literature survey will be carried out, through bibliographical research, investigating the doctrinal concepts, articles published on reputable websites in the academic world , as well as the legal determinations on the subject. It is intended to demonstrate, by way of conclusion, the effective reach of access to the Law through de-judicialization.

Keywords: De-judicialization; Sustainable development; Technology.

INTRODUÇÃO

Basta um toque na tela de um dispositivo eletrônico para que em segundos, qualquer assunto de qualquer lugar do mundo esteja na palma das mãos. Talvez o toque já seja visto como ultrapassado, haja vista a ação da inteligência artificial, a qual, para algumas pessoas, pode vir a substituir o ser humano nas mais diversas atividades. Para alguns, porque há dúvidas sobre algumas atividades. O fato é, trata-se de uma realidade que está mudando de forma extremamente rápida, a vida de sociedade.

Nesse contexto, o artigo que ora se apresenta, tem o objetivo de trazer ao debate, o estudo sobre como a tecnologia como mecanismo de desjudicialização no contexto dos objetivos do desenvolvimento sustentável.

Como o assunto possui diversas facetas, necessário se faz, criar interface multidisciplinar por meio de dados históricos, contribuição da sociologia, da filosofia, conjugados com o estudo do Direito. Com ênfase na sociedade e ordenamento jurídico brasileiros.

No primeiro tópico a abordagem recairá sobre algumas versões da sociedade moderna e seu processo de evolução, e ainda sobre a questão do desenvolvimento, do subdesenvolvimento e do desenvolvimento sustentável e sua interligação. Em seguida cria o contraponto entre o Estado de Direito e o Estado Democrático de Direito e aborda função de dizer o Direito do Poder Judiciário. Por derradeiro, passa a abordagem do uso da tecnologia como meio de consumação do Princípio fundamental da razoável duração do processo, seja no âmbito Judicial, mas principalmente, no âmbito administrativo e ainda, a questão do desenvolvimento sustentável coadunado com a desjudicialização como meio efetivo de acesso ao Direito.

1 O AVANÇO TECNOLÓGICO COMO FORMA DISRUPTIVA DE EVOLUÇÃO DA VIDA EM SOCIEDADE

               Para discutir o avanço tecnológico, faz-se necessária a discussão sobre a evolução da própria sociedade, para na sequência trazer ao debate os conceitos e concepções de desenvolvimento.

Sociedade moderna: muitas versões em um processo de evolução

               Desde a descoberta do Novo Mundo trazendo exploradores nas caravelas, o Brasil, sempre com influências externas, mudou muito, seja para o bem ou para o mal. Imaginar alguém adormecer no ano de 1500 e acordar, nos dias de hoje em 2021, com tantas mudanças em termos tecnológicos, costumes, cultura, fronteiras políticas, seria surpreendente.

               Naquela época, os nativos, os indígenas, segundo a FUNAI – Fundação Nacional do Índio, eram cerca de três milhões (FUNAI, 2010). Hoje, segundo o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a população brasileira está estimada em pouco mais de 213 milhões (IBGE, 2021). Uma vida que dependia dos recursos oferecidos pela natureza, hoje, em função de muitos progressos e retrocessos sobrevive com o novo e o arcaico. A alta tecnologia e o trabalho manual. Contradições e desigualdades típicos de uma sociedade subdesenvolvida, como se verá a seguir.

               De lá para cá, muitas foram as conquistas. Da colônia à independência, a sociedade passou por muitas transformações. Intitulada de diversas formas devido às características do momento de observação e das inúmeras Revoluções pelas quais passou. Sendo a Científica o ponto de partida desta análise.

               A natureza dos acontecimentos, antes do ano de 1500 era vista pela sociedade científica como uma visão orgânica. A faticidade e a espiritualidade, de acordo com as necessidades individuais, faziam parte das produções, e exatamente por isso, o destaque sobre os estudos de Aristóteles, Platão, Cícero e São Tomás de Aquino (entre outros)

a noção de um universo orgânico, vivo e espiritual foi substituída pela noção do mundo como se ele fosse uma máquina, e a máquina do mundo converteu-se na metáfora dominante da era moderna. Esse desenvolvimento foi ocasionado por mudanças revolucionárias na física e na astronomia, culminando nas realizações de Copérnico, Galileu e Newton. A ciência do século XVII baseou-se num novo método de investigação, defendido vigorosamente por Francis Bacon, o qual envolvia a descrição matemática da natureza e o método analítico de raciocínio concebido pelo gênio de Descartes. Reconhecendo o papel crucial da ciência na concretização dessas importantes mudanças, os historiadores chamaram os séculos XVI e XVII de a Idade da Revolução Científica (CAPRA, 1987, p. 49-50).

Atribui-se a Nicolau Copérnico início da revolução da ciência moderna pelo fato de ter se oposto à teoria geocêntrica concebida por Ptolomeu e mantida pela igreja por anos, como um dogma.

Dando um salto em termos temporais, a contribuição apresentada pelo historiador, Yuval Noah Harari (2012), diz respeito ao fato de que a ciência moderna das tradições de conhecimento anteriores em razão de três principais aspectos, a saber:

A disposição para admitir ignorância: a ciência moderna se baseia na sentença latina ignoramos – “nós não sabemos”. Presume que não sabemos tudo. O que é ainda mais crucial, aceita que as coisas que achamos que sabemos podem se mostrar equivocadas à medida que adquirimos mais conhecimento. Nenhum conceito, ideia ou teoria é sagrado e inquestionável.

O lugar central da observação e da matemática: tendo admitido a ignorância, a ciência moderna almeja obter novos conhecimentos e o faz reunindo observações e então usando ferramentas matemáticas para relacionar essas observações em teorias abrangentes.

A aquisição de novas capacidades: a ciência moderna não se contenta em criar teorias. Usa essas teorias para adquirir novas capacidades e, em particular, para desenvolver novas tecnologias (HARARI, 2012, p. 338).

Segundo o autor, mais do que significar a Revolução do conhecimento, a Revolução científica mostrou-se como a Revolução da Ignorância, visto que à medida em que há o aperfeiçoamento, as verdades antes conhecidas tornam-se obsoletas e renovadas.

O processo de emergência foi longo, proporcionou a modernização das relações sociais, desenvolvimento bem como a sociabilidade do tipo capitalista, dissolvendo assim. As relações de dominação pessoal. Deste modo, a exploração da força de trabalho se desvincula das formas e obediência e hierarquia estamental. Isto porque, segundo o sociólogo Anthony Giddens (1991), não há prejuízo analítico em se fazer referência à emergência do modo de vida social inerente à modernidade do século XVII europeu.

A Revolução científica, como todas as anteriores, causou influência na sociedade, tanto que inúmeras versões foram associadas, a depender do ponto de vista e da ciência. Apesar de ter passado por inúmeras classificações, como sociedade disciplinar, atribuída à Foucault, o exemplo a ser apresentado advém da visão filosófica e recente de Byung-Chul Han (2019), o qual informa ser a sociedade do século XXI, não mais a disciplinar, mas a sociedade do desempenho, bem como seus sujeitos do mesmo modo passam a ser chamados de sujeitos do desempenho e produção.

O sujeito de desempenho está livre da instância externa de domínio que o obriga a trabalhar ou que poderia explorá-lo. É senhor e soberano de si mesmo. Assim, não está submisso a ninguém ou está submisso apenas a si mesmo. É nisso que ele se distingue do sujeito de obediência. A queda da instância dominadora não leva à liberdade. Ao contrário, faz com que liberdade e coação coincidam (Byung-Chul Han, 2019, p. 23-24).

O que a princípio, pensa-se ser libertador, que poderia trazer regozijo, a depender do ponto de vista e seguindo a linha de raciocínio do autor o que deveria ser libertador pode limitar e prender ainda mais o indivíduo, seja ao trabalho, à vida social. Porém o avanço tecnológico e a desjudicialização precisam fazer parte de um processo de eficiência, logo qualidade para a vida humana. E, relacionando com esse enfoque, no próximo tópico, o estudo abordará a questão do desenvolvimento e do subdesenvolvimento com suas distinções e o desenvolvimento sustentável.

1.2 Concepção sobre desenvolvimento, subdesenvolvimento e o desenvolvimento sustentável

               Antes de adentrar à seara da discussão acerca do desenvolvimento e seu quase revés, subdesenvolvimento, é necessário destacar sua importância para a condição humana. O desenvolvimento como processo de evolução, de transformação. Nos termos definidos por Heráclito, tudo como movimento.

               Pode-se arriscar a informar tratar-se de condição necessária para a existência humana[3]. E ainda, dentro do contexto da sociedade moderna, e, já prosseguindo, como se viu no tópico anterior. É de crucial importância afirmar que o processo evolutivo do período em que se verificou a Revolução científica é considerado para a condição humana, sociedade moderna, uma mudança radical, visto que as verdades não são absolutas como em um processo matemático. Além de ser exatamente o que distancia a verdade científica da verdade filosófica[4]. Sem essa condição, não há evolução, desenvolvimento.

               Para a análise sobre o desenvolvimento cumpre atrelar ao processo da Revolução industrial, visto que nesse período da história, houve alternância de fases desenvolvimentistas e fases liberais. Neste sentido, afirma Bresser-Pereira (2018) ter o capitalismo nascido desenvolvimentista, tornado liberal no século XIX e voltado a ser desenvolvimentista depois da Segunda Guerra Mundial, constatou uma regressão para o neoliberalismo no período entre 1989 e 2008, e afirmou estar em transição, e como a evolução não para, pressupõe o início de um terceiro desenvolvimentismo.

               Desenvolver significa avançar, melhorar, condição de vida não apenas humana, mas também e por via reflexa a dos bens ambientais. O estudo do desenvolvimento pode se dar nas diversas searas, contudo, a que importa para este estudo é a via econômica.

               Para melhor compreensão do processo do desenvolvimento econômico, salienta-se a abordagem feita por Celso Furtado na obra Desenvolvimento e subdesenvolvimento, na qual o autor afirma ter o desenvolvimento econômico, nítida dimensão histórica (FURTADO, 2009). Contrapondo-se e ou interligando-se com o seu contraponto abstrato e limitado.

E nesse sentido, o modelo clássico do desenvolvimento industrial segundo o autor, é visto pela Academia do mundo Ocidental com propósito limitado relacionados à taxa de crescimento da produção de uma economia.

Identifica uma estrutura com varáveis externas e respondem pelas variações com ritmo e intensidade de crescimento de duas formas: múltiplos modelos de desenvolvimento – dimensão histórica e por meio da Teoria do Desenvolvimento, conforme o modelo abstrato com experiência histórica limitada sem gerar grau de generalidade. O desenvolvimento econômico dos últimos séculos corresponde à Revolução Industrial (fenômeno autônomo) e esta correspondeu, nos últimos decênios do século XVII, a uma ruptura da economia mundial.

Para um breve resumo e adequação ao que se propõe, antes da Revolução Industrial, o desenvolvimento econômico, constituía processo de aglutinação de pequenas unidades econômicas, com divisão geográfica de trabalho. A classe comercial – agente do desenvolvimento, absorvia o excedente da produtividade e praticava a concentração de capital financeiro. Não havia articulação entre a classe dirigente e a social, não havia preocupação com métodos de produção e o lucro, correspondia a novas frentes de trabalho.

Evidenciando o processo de evolução, a primeira fase de desenvolvimento das economias industriais, volta-se para a liquidação do estoque acumulado, com redução de preço, elasticidade, provoca a desorganização da produção artesanal (Inglaterra – primeiro). Economia interna com avanço tecnológico e foco na lucratividade, sem pressão do assalariado. Com isso, há, segundo o modelo inglês, o abandono da velha estrutura econômica, correspondendo à economia industrial, segundo a oferta e a procura., ou seja, mais produtividade, mais lucro, gerando acumulação de bens de capital, proporcionando assim, aceleração de crescimento.

A expansão colonialista, pós longo período de desenvolvimento comercial, intensa belicosidade, já na primeira metade do século XVIII, acentua a disputa de técnicas, de espionagem, experiência técnica, com novo estilo de crescimento resultando em transformações internas do sistema econômico.

Nessa fase, tem-se o avanço da ciência com a aplicação dos princípios científicos às técnicas de produção, tais inovações técnicas levam à viabilidade econômica em cada caso e fase. O encerramento dessa primeira fase se deu com a total absorção da economia pré-capitalista, ou melhor, do excedente estrutural de mão de obra. Com menor elasticidade da mão de obra, barganha da classe trabalhadora e dificuldade de absorção de bem de capital.

A segunda fase do desenvolvimento das economias industriais contou com mão de obra pouco elástica. Desequilíbrio, produção de bens de capital, absorção e redistribuição de renda para assalariados e baixa taxa de lucro, ocasionando desemprego voluntário, redução do ritmo de crescimento, entre outras consequências. E ainda, grandes exportações de bens de capital nos fins do século passado e início do atual. Barateamento dos bens de capital e auxílio à reposição / ampliação do setor de consumo. Mais rentabilidade no setor de consumo, os bens não consumidos pelos operários foram liberados para o setor de bens de capital.

Nessa fase, ainda se verificou o desenvolvimento da tecnologia, por meio da substituição de mão de obra por equipamentos, consequente mecanização do sistema. Maior produtividade física, com teres automáticos e elevação do salário real. Interdependência entre evolução da tecnologia nos países industrializados e as condições históricas do seu desenvolvimento econômico. Dualidade entre as economias desenvolvidas e as subdesenvolvidas, as quais não se confundem com aquelas.

As estruturas subdesenvolvidas, entre as quais se inclui a do Brasil, segundo Furtado, possuem três direções: Linha de desenvolvimento da Europa Ocidental, com divisões políticas (mais mão de obra e menos absorção ou elasticidade, esgotamento da oferta de mão de obra), com reorientação da economia, ou seja, flexibilidade do sistema; deslocamento de fronteiras e ocupação de terras similares às da Europa; e regiões já ocupadas, não uniformes (abertura de linhas de crédito, produção de matéria prima e outras atividades).

Ainda seguindo a linha de pensamento de Furtado (2009), o subdesenvolvimento possui processo histórico autônomo e, por este motivo não se identifica degraus à serem alcançados para o encontro do almejado desenvolvimento. Constitui efeito da organização capitalista sobre a economia local, reflexos da inserção da empresa capitalista, dinamismo da economia capitalista, expansão do comércio internacional no século XIX, época do desenvolvimento industrial. Para tais economias, as condições externas constituíam obstáculo para a expansão. As economias são híbridas, passou a haver a diversificação de hábitos de consumo, com três setores da economia: atividades de subsistência, comércio exterior e mercado interno de produtos manufaturados.

O Brasil é considerado um país subdesenvolvido, enquadra-se nas condições de uma economia híbrida, posto que ao mesmo tempo em que, desde a colonização, sobrevive da agricultura (hoje em franca expansão), de outro lado, possui avanço tecnológico em diversos setores da economia, inclusive no campo, que vem substituindo gradativamente a mão de obra pelo uso da tecnologia.

A consciência global para as questões ambientais iniciou com a Conferência de Estocolmo, realizada em 1972 e a criação do United Nations Enviromment Programme (UNEP). A conferência representou um marco para a implementação do Direito Internacional Ambiental, posto que simbolizou a possibilidade de concretização de uma ética biocêntrica ou pode significar ainda o abandono ao antropocentrismo para uma interpretação ecocêntrica, posto que a Terra como organismo vivo é parte de universo maior, na qual o homem tem seu papel preponderante e não tem o direito de ameaçar a sobrevivência de outras criaturas ou o equilíbrio ecológico (OST, 1995, p. 177).

Esse foi o ponto de partida para adoção de princípios que tratam de temas de interesse comum à humanidade com o bojo de conciliar a proteção ao meio ambiente com o direito ao desenvolvimento.

Após esse movimento inúmeros outros documentos foram elaborados, fazendo com que a questão ambiental ingressasse definitivamente na agenda global. Foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), posteriormente, em janeiro de 1992, a ECO/92, tornando o tema desenvolvimento sustentável foi considerado consenso geral. Seguem outros documentos a exemplo do elaborado no Rio +20, o fato é, não há mais retorno, o desenvolvimento sustentável deve ser objeto de observação em todas as áreas, em todos os lugares.

Não poderia ser diferente em âmbito interno brasileiro, iniciando pela Constituição da República, nos termos do que dispõe o art. 225, o qual atribui responsabilidade a todos para a proteção do meio ambiente, para que não só a atual geração, mas também as gerações futuras possam gozar da sadia qualidade de vida.

Não convém pormenorizar os documentos externos e internos sobre a questão do desenvolvimento sustentável, visto que o principal objetivo é criar elo entre o desenvolvimento sustentável, o Estado Democrático de Direito por meio da atuação do Poder Judiciário, como se verá no próximo item, e principalmente com a desjudicialização das demandas sociais.

2 ESTADO E A FUNÇÃO DEMOCRÁTICA DE DIZER O DIREITO POR MEIO DO JUDICIÁRIO

               Importante para a discussão do desenvolvimento o estudo da origem do Estado e da democracia, tal temática será abordada neste tópico.

Estado de Direito e Estado democrático de Direito

Há divergência quanto à origem do Estado. Dalmo de Abreu Dallari (2003, p. 51-52), considera a existência de três teorias sobre o surgimento do Estado. A primeira, dá conta de que, o Estado, tal como a sociedade, sempre existiu, se o Estado for considerado uma organização social com autoridade e poder para impor norma de conduta para o grupo. Para a segunda, o Estado teria surgido depois da sociedade humana, tendo sido gradativamente e localmente constituído, de acordo com as necessidades e possibilidades dos grupos sociais.

Passou por suas diversas facetas (evolução) até que o Estado se submeteu ao Direito como resultado das Revoluções burguesas do século XVIII, as quais têm origem com a oposição ao absolutismo, com o intuito de impor a vontade das leis aos governantes (princípio da legalidade). À época da ideologia do Liberalismo, o Estado de Direito é caracterizado pela presença de dois elementos à saber: limitação do poder do Estado e proteção aos Direitos Fundamentais do Homem.

No dizer de Bonavides (2004), o contraponto da história entre os séculos, no período da Idade Moderna, a liberdade do indivíduo e o poder absoluto do monarca, surgiu na primeira noção de Estado de Direito.

Nota-se que ao se falar em Estado Liberal, se refere a limites que são impostos ao Estado. E, nessa linha de raciocínio, identifica-se dois fenômenos: limitação dos poderes do Estado, o que significa a noção de Estado de Direito e a limitação de suas funções.

De outro lado, a configuração do Estado Democrático de Direito, ponto de análise, deste estudo, segundo, por exemplo, Loewenstein (1976, p. 149), para se classificar um sistema político como Democrático Constitucional, é necessário que exista a carência de instituições efetivas em que se possa evidenciar o exercício do poder político por meio dos quais os detentores de poder se submetem àqueles que se destinam o poder, os quais se constituem em detentores do poder supremo

Para o autor (1976), a essência do Estado Democrático de Direito reside na distribuição e em formas institucionais de controle de poder político, para que efetivamente o poder pertença a seus destinatários, ou seja, ao povo. Esse Estado, hoje, e, principalmente, ao que se refere ao Estado Brasileiro, segundo o art. 20 da Constituição da República Federativa do Brasil, há três Poderes da União, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos entre si. A função inerente a este estudo é a do Judiciário, a qual será observada no próximo tópico.

2.2 O Poder Judiciário brasileiro e a função de dizer o Direito nos dias de hoje

A função jurisdicional de pacificação dos conflitos de interesses, da organização da vida em sociedade, inerente ao Poder Judiciário, tal como tudo em torno da vida social passa por constante processo evolutivo, no que tange à sua estrutura funcional e aos instrumentos utilizados (procedimentos) com reflexos à sua atuação final.

Segundo Boaventura (2014, p. 19), boa parte do século XX, em países latino-americanos, a ação do Poder Judiciário, não foi objeto de atenção da agenda política, cabia portanto, “[…] ao juiz a figura inanimada de aplicador da letra da lei emprestada do modelo europeu”. Constatou-se o crescimento e evolução da ação do Executivo e de sua burocracia.

Nos anos de 1950 e 1960, a política de substituição de importações e o Estado desenvolvimentista não viam os tribunais como parte das estratégias de superação do subdesenvolvimento. Na verdade, para as elites governantes, qualquer interferência na legislação deveria ser inibida para não prejudicar os novos modos de organização da produção. No pólo oposto, e por razões muito diferentes, a esquerda revolucionária tão pouco se ocupava do judiciário como mecanismo importante para a promoção da justiça social. Nos anos de 1970 e 1980, os regimes autoritários, por sua vez, não estavam interessados em fortalecer a instituição judicial ao ponto de ela poder interferir com as suas práticas repressivas.

Contudo, desde os finais da década de 1980, o sistema judicial adquiriu uma forte proeminência em muitos países, não só latino-americanos, mas também europeus, africanos e asiáticos. Este protagonismo mais recente dos tribunais não se dirige explicitamente ao favorecimento de agendas ou forças políticas conservadoras ou progressistas, assentando antes num entendimento mais amplo do controlo da legalidade e apostando, por vezes, na constitucionalização do direito ordinário como estratégia hermenêutica de um garantismo mais ousado dos direitos dos cidadãos (Boaventura, 2014, p. 19).

Hoje em dia, a efetividade do Direito pode ser alcançada não apenas com a solução judicial da demanda, mas por outros mecanismos de solução adequada de conflitos como a mediação, conciliação e arbitragem, nos termos da Resolução de n. 125 de 2010 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, além do mecanismo que pode vir a ser o meio pelo qual se findará definitivamente com os entraves burocráticos de inúmeras demandas que não precisariam passar pelo crivo do Judiciário para atingir ao seu objetivo final, advindos do processo de desjudicialização.

Apesar das ações realizadas com o objetivo de destravar e desburocratizar a máquina judiciária brasileira, os números falam por si, e, como se verá a seguir, o caminho para o extrajudicial é sem volta.  

O relatório realizado pelo CNJ, intitulado Justiça em números: 2020, aponta para eficiência da atuação do Poder Judiciário em 2019, porque reduziu o estoque processual da Justiça Brasileira com o total de 77,1 milhões de processos em aproximadamente 1,5 milhão de processos. Observa ser a execução fiscal a principal responsável pela alta taxa de congestionamento do Poder Judiciário. E, apesar do número considerável de recuperação de ativos, ainda é necessário, conforme afirma o relatório, o prazo em média de 6 anos e 7 meses para a liquidação do acervo existente, sem levar em consideração as demandas recebidas diariamente.   

3 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, A TECNOLOGIA E PROCESSO EVOLUTIVO DA DESJUDICIALIZAÇÃO

               A aceleração da inovação dos últimos anos está diretamente associada à tecnologia. Coadunando com o processo de judicialização e principalmente com o de desjudicialização, visto tratar-se de ferramenta fundamental para o desenvolvimento, resulta na efetivação de vários princípios entre eles o da duração razoável do processo. Atualmente, o desenvolvimento atrela-se à questão da sustentabilidade como forma de proporcionar Bem-Estar a todos não apenas localmente, mas globalmente.

O uso da tecnologia como meio de consumação do Princípio do Direito fundamental à razoável duração do processo

Como visto, os quase 80 milhões de processos que tramitam no Brasil, não podem de longe ser considerados como normais. Não é quanto ao número de litígios que se deve analisar, mas a forma como são solucionados, o tempo de sua duração e o real e efetivo acesso dos cidadãos ao Direito.

Ainda que, como se constatou anteriormente, não haja degraus a se superar para se alcançar o desenvolvimento, evoluir é preciso, e, para tanto, medidas eficazes tem de ser tomadas. E isso inclui, ações enérgicas para a redução dos custos desnecessários do Judiciário que inviabilizam o desenvolvimento econômico.

  Cabe salientar nesse momento, outro aspecto que causa grande influência na vida das pessoas, a globalização tecnológica. Independentemente de ser recepcionada como fenômeno, mito ou ideologia, ou ainda, do momento de seu surgimento, o fato é que ensejou mudanças estruturais individuais, com impactos na forma de ver, viver e sentir a vida. A Revolução digital chegou a Era dos Algoritmos, de Inteligência Artificial.

Independente das inúmeras concepções que os estudiosos apresentam para o termo globalização, algumas observações têm de ser feitas. Segundo Olsson (2003, p. 89) “[…] identificar a globalização como fenômeno peculiar e distinto, e não apenas como simples projeção do processo de expansão e internacionalização do capitalismo”. 

Ianni (2013, p. 119) contribui para o estudo e segundo afirma, a globalização tem a ideia de “aldeia global” e ainda afirma, “[…] tudo se globaliza e virtualiza, como se as coisas, as gentes e as ideias se transfigurassem pela magia da eletrônica” (IANNI, 2013, p. 123).

 A influência que se constata na seara jurídica, se deve ao fato de que o Direito deixou de ser criado apenas e tão somente pelo Estado, passando a ensejar a criação de novos e eficazes meios de acesso ao Direito.

A globalização vem impondo ao discurso constitucional um tipo de racionalidade estranha à ideia de soberania da vontade popular, fundado em critérios de eficiência dos sistemas econômicos que atuam de acordo com as determinações do mercado.

Através da economia mundial, surge um processo de acordo com o qual a Constituição passa a ser regida segundo uma perspectiva econômica muitas vezes incompatível com seus pressupostos. Afinal, a globalização representa uma forma racional de alcançar o progresso, convertendo os elementos da livre concorrência em base para o estabelecimento e legitimação do sistema normativo (OLSSON E MARANGONI, 2020, p. 17).  

Inevitavelmente, essas transformações ensejaram novos perspectivas para o Direito e para a prática legal específica, por exigência do mercado.

A Inovação tecnológica trouxe conforto, bem-estar, celeridade para os processos, enfim, constitui uma forma disruptiva de se perceber a vida em sociedade. E isso significa que a globalização se baseia nas TIC`s (tecnologias da comunicação e da informação), levou ao preponderante impacto da mídia, permitindo a proximidades das pessoas, a proliferação instantânea do conhecimento. Porém, com resultados negativos também, relacionados ao egoísmo e ao isolamento. Todavia ao que se relaciona a este estudo, constitui ferramenta essencial de acesso efetivo ao Direito como já se afirmou.

Preconiza a atual Carta da República, no art. 50, LXXVIII, a razoável duração do processo, seja ele judicial ou administrativo. Este princípio relaciona-se intimamente com o princípio da eficiência, o qual refere-se a boa qualidade na prestação dos serviços públicos, conforme afirma a doutrina italiana.

A concretização deste princípio está longe de ser alcançada pelo judiciário brasileiro, haja vista o exemplo acima da execução fiscal, por informação do CNJ que previu para a equação dos processos em tramitação, tirando os processos que vierem a ser propostos, o prazo de 6 anos e 7 meses.

A compreensão do fato de que os Direitos Sociais devam ser eficazes ou constituírem estratégia programática de governo, interfere imediatamente na forma como o Judiciário dará respostas às peculiaridades individuais.

O processo eletrônico já é uma realidade, proporciona agilidade, eficácia e eficiência, no entanto, não é o mecanismo capaz de lidar com os números exorbitantes de demandas que dependem de solução. Por esse motivo, além das medidas já criada, conforme já salientado no estudo quais sejam, a de conciliação, mediação e arbitragem, mecanismos extrajudiciais, devem ter ampliados, como se verá a seguir.

O processo do Desenvolvimento sustentável coadunado com a desjudicialização como meio efetivo de acesso ao Direito

Os membros da Organização das Nações Unidas reuniram-se em 2000 com o objetivo de conjugar esforços na criação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Naquele momento, as metas a serem atingidas estavam votadas para erradicação da mortalidade infantil, a pobreza, as doenças que matavam milhares de pessoas todos os anos. Em 2015, a meta foi ainda maior. Nova Agenda foi criada em Nova York. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), têm a perspectiva ainda maior, uma vez que deveria alcançar a vida humana em todos ou quase todos os seus aspectos. Para que os novos objetivos fossem alcançados foi criada a Agenda 2030, a qual, resumidamente, dispõe: – Erradicação da pobreza;- Fome zero e agricultura sustentável; – Saúde e Bem-estar; – Educação de qualidade; – Igualdade de gênero; – Água potável e saneamento; – Energia limpa e acessível; – Trabalho decente e crescimento econômico; – Indústria, inovação e infraestrutura; – Redução das desigualdades; – Cidades e comunidades sustentáveis; – Consumo e produção responsáveis; – Ação contra a mudança global do clima; – Vida na água; – Vida terrestre; – Paz, justiça e instituições eficazes; – Parcerias e meios de implementação.

               Todos esses objetivos se coadunam com as metas do Judiciário brasileiro, bem como as das atividades extrajudiciais. Visto que o atendimento das demandas sociais, ainda que o seja por meio das atividades extrajudiciais são capazes de proporcionar o cumprimento de todos os objetivos de modo a atender aos anseios sociais em todas as suas necessidades.

A desjudicialização dos conflitos conforme observa, Onaldo Rocha de Queiroga (2012, p. 08) “[…] trata-se de um mecanismo legal que permite que determinadas querelas, diante de requisitos estabelecidos em lei, possam ser resolvidas no âmbito administrativo, evitando-se assim, que tais questões cheguem ao Poder Judiciário”.

               Ao que importa a este estudo, tem-se que o principal avanço quanto à desjudicialização, aconteceu na área de família por meio da Lei de n. 11.441/2007, com a consequente atualização dos dispositivos do Código de Processo Civil, o qual passou a permitir a realização de inventários partilhas, separações e divórcios consensuais em serventias extrajudiciais de Notas, nos termos dos arts. 610 e 733 do CPC.

O objetivo do legislador pátrio ao criar a citada lei foi instituir a desjudicialização dos litígios. Com isso, entregou o encargo da resolução de algumas demandas aos tabeliães de notas que, por meio de escrituras públicas, passam a consolidar o consenso das partes sobre inventário, partilha, separação e divórcio (QUEIROGA, 2021, p. 05)

               Outra atividade que passou a ser desenvolvida pelas serventias extrajudiciais, e que passa a permitir maior efetividade de acesso ao Direito, e, nesse ponto ao Direito de propriedade, diz respeito a usucapião, previsto no art. 216-A, da Lei de n. 6.015/1973, acrescentado pela Lei de n. 13.105/2015.

É sabido que a atividade notarial, surgida devido ao interesse de mediar relacionamentos sociais primitivos, e que hoje representa um dos meios de efetivação de direitos na seara extrajudicial no Brasil. Pode-se dizer que a origem em terras brasileiras, ocorreu com o chamado registro do vigário (Lei de n.601 de 1850 e Dec. De n. 1.318 de 1854), passando a Igreja católica a determinar a legitimação de posse por meio de registro próprio.

A atual Carta da República e seu art. 236, impõe que o serviço notarial, bem como o registral, seja exercido em caráter privado, por delegação do Poder Público. Regulamentando tal dispositivo constitucional, a Lei de n. 8,935 de 18 de novembro de 1994, dispõe sobre os serviços notariais e de registro. Trata-se da conhecida Lei dos Cartórios.

Os serviços notariais são considerados os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. Entre as atividades notariais está a do protesto de títulos e outros documentos de dívida, sendo este “ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida” (art.10 da Lei de n. 9.492 de 10 de setembro de 1997).

               Não é de hoje que a celeridade, efetividade e eficiência almejada pelas atividades extrajudiciais representam meio de satisfação do interesse social, os últimos exemplos que podem ser destacados como referência são o divórcio e a usucapião extrajudicial. Apesar disso, tais termos, revelam o ato pelo qual se dá a lavratura do protesto, função, natureza e ainda o objeto de incidência, não tratando, porém, acerca do procedimento a ele relativo (BUENO, 2013).

               Em razão da omissão quanto à definição legal sobre o tema, extrai-se da doutrina e se considera o ato público, formal e solene, realizado antes de procedimento que visa provar falta de aceite ou inadimplemento de dívida líquida e exigível oriunda de títulos ou documentos, cujo efeito é determinado pela lei e pelo contrato (VITA & FREITAS, 2017).

               Na mesma linha de atuação, outras demandas podem vir se valer da via extrajudicial fazendo com que o serviço funcione como verdadeiro instrumento de política pública de desenvolvimento social. Geralmente, depreende-se da concepção de política pública, a ação do Estado que envolve diagnóstico, planejamento, investimento, identificação de prioridades, seleção de grupos, tudo em razão das demandas da sociedade.

Para Teixeira:

As políticas públicas traduzem, no seu processo de elaboração e implantação e, sobretudo, em seus resultados, formas de exercício do poder político, envolvendo a distribuição e redistribuição de poder, o papel do conflito social nos processos de decisão, a repartição de custos e benefícios sociais. Como o poder é uma relação social que envolve vários atores com projetos e interesses diferenciados e até contraditórios, há necessidade de mediações sociais e institucionais, para que se possa obter um mínimo de consenso e, assim, as políticas públicas possam ser legitimadas e obter eficácia. (TEIXEIRA, 2002, p. 2).

Ainda de acordo com o autor:

As políticas públicas visam responder a demandas, principalmente dos setores marginalizados da sociedade, considerados como vulneráveis. Essas demandas são interpretadas por aqueles que ocupam o poder, mas influenciadas por uma agenda que se cria na sociedade civil através da pressão e mobilização social. Visam ampliar e efetivar direitos de cidadania, também gestados nas lutas sociais e que passam a ser reconhecidos institucionalmente. Outras políticas objetivam promover o desenvolvimento […]. (TEIXEIRA, 2002, p. 3).

               A crise da atividade jurisdicional do Estado, impõe ação destinada a suprir essa necessidade. Por muito tempo a tendência dos atores sociais foi a de judicializar os conflitos, todavia, outros instrumentos como os meios adequados de solução de conflitos (Res. de n. 125 do CNJ), conciliação, mediação e arbitragem, vêm se mostrando hábeis, mas não suficientes para o desafogamento da máquina judiciária.

               O julgamento por meio dos juízes produz a chamada “cultura da sentença”, levando ao aumento do número de recursos, provocando congestionamento das instâncias ordinárias e dos tribunais superiores. Aumenta ainda, o número de execuções judiciais, tornando-as morosas e ineficazes (WATANABE, 2011, p. 12).

Boaventura de Souza Santos (2014) enaltece o Judiciário quanto ao seu protagonismo quanto a ampliação dos direitos sociais, o que equivale tanto a judicialização da política, quanto a politização da justiça. Considera a necessidade da construção de uma justiça cidadã, fundamentada em cultura jurídica democrática para a consolidação das mudanças iniciadas pela reforma do Judiciário.

Neste ponto, cria-se destaque para a atuação política e regulatória das atividades extrajudiciais do Conselho Nacional de Justiça, órgão criado por meio da Emenda de n. 45 de 2004, que tem entre outras atribuições, a de formular políticas públicas de acesso à justiça de modo eficiente e efetivo.

               Por essa razão é a norma que oportuniza a desjudicialização da execução civil, com base no Projeto de Lei de n. 6.204 de 2019, proposto pela Senadora Soraya Thronicke, de modo a facilitar a desburocratização da máquina judiciária e tornar mais efetivo o direito de ver satisfeito o interesse público no que tange ao adimplemento de dívidas.

Campeia, infelizmente, a cultura da inadimplência e já é tempo de abrir caminhos para que quem ostente créditos líquidos, certos e exigíveis, representados por títulos executivos reconhecidos pela legislação, tenha alguma perspectiva de receber com mais agilidade. E negar que a possibilidade de protesto gera esse efeito seria ignorar a realidade dos fatos. Note-se que esses atributos de liquidez, certeza e exigibilidade, a serem devidamente aferidos pelo Tabelião em sede de qualificação, permitem presumir a boa-fé do credor, em detrimento da postura do devedor, justificando que se deixe a este último o ônus de ir a Juízo buscar a sustação (ou, numa etapa seguinte, o cancelamento) caso entenda haver razão para tanto (BUENO, 2013, p. 33).

Não há desserviço no processo de desjudicialização, pelo contrário, “[…] na prestação de tais serviços, embora não haja propriamente a sua desestatização, visto que continuam sendo considerados serviços públicos, ainda que prestados em caráter privado pelos cartórios extrajudiciais, e sem abrir mão da fiscalização de Estado-juiz” (PEREIRA & JOBIM, 2021, p. 198-199). As atividades extrajudiciais, principalmente no que se refere a algumas atividades de Notas, como procuração, inventário, divórcio, hoje podem ser realizadas com o uso da tecnologia da informação e da comunicação por meio da internet pelo enotariado. A consulta a testamentos já são feitas com acesso a informação em rede pela internet. O registro imobiliário eletrônico, já é uma realidade que se implementa.

A eficácia e efetividade da atividade notarial de protesto extrajudicial para o exercício da cidadania tem se revelado instrumento hábil para o atendimento das demandas vindas do Judiciário, constituindo assim, redução de custos de transação e cumprimento da função social das atividades econômicas.

CONCLUSÃO

O Estado cumpre o seu papel preponderante quando consegue identificar os fatores que vulnerabilizam o interesse público. Por esse motivo é de crucial importância que se realize o diagnóstico da situação de crise para a busca do equilíbrio.

O estudo abordou a precípua necessidade de desjudicialização dos conflitos que são levados ao Judiciário. O fato de o Poder Judiciário estar sobrecarregado de demandas que poderiam ser resolvidas por outras vias fazem com que há muito não se verifique a efetiva satisfação do interesse público em razão da excessiva morosidade. 

O avanço tecnológico proporcionado pela Globalização, possibilitou a inovação em diversos setores incluindo a questão do acesso ao Direito por meio das atividades extrajudiciais.

Os indivíduos passaram a ter condições de optar por procedimento menos burocrático e menos moroso fora do ambiente formal e burocrático judicial. Tal escolha não implica o completo afastamento da ação do Judiciário, esquivando-se de cumprir seu papel Constitucional, uma vez que atua como fiscal da ação extrajudicial e em última análise pode ser suscitado a resolver qualquer demanda que possa se insurgir, contudo tal situação constituirá exceção.

A desjudicialização pode ser compreendida como uma forma de emancipação do indivíduo, que passa a ser o protagonista de na construção da adequada solução para sua demanda. Com o avanço das áreas de atuação, todos os objetivos do desenvolvimento sustentável poderão ser alcançados, sem medo de parecer utópica tal afirmação.

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[1] Aluna especial do Curso de Doutorado em Direito da UNIMAR. Pós-doutorado em Direito e Vulnerabilidades Sociais pela Univesitá Degli Studi di Messina; Doutorado em Direito pela Universidade Veiga de Almeida – RJ; Mestrado em Direito pela Universidade Iguaçu – RJ; Especialização em Direito Processual Civil pela Universidade Candido Mendes – RJ; Especialização em Direito Ambiental pela Faculdade Internacional Signorelli – RJ, Especialização em Docência do Ensino Superior pela Universidade Iguaçu – RJ; Graduação em Direito pela Universidade Iguaçu – RJ, Professora do Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário de Barra Mansa e da Escola de Ensino Superior do Agreste Paraibano e Tabeliã e Oficiala de Registro Civil do Município de Araçagi, Comarca de Guarabira – PB. lufrancaoliveirarodrigues@gmail.com.

[2] Doutora em Educação pela UNIMEP-SP, Mestre em Economia pela PUC-SP e graduada em Economia pela UNESP – Araraquara; Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Marília – SP, Delegada Municipal do Conselho Regional de Economia de São Paulo CORECON-SP para o Município de Marília. marisarossignoli@unimar.br.

[3] “A condição humana compreende algo mais que as condições nas quais a vida foi dada ao homem. Os homens são seres condicionados: tudo aquilo com o qual eles entram em contato torna-se imediatamente uma condição de sua existência (ARENDT, 2001, p. 17).

[4] “Desde então, a verdade científica e a verdade filosófica separaram-se de vez; a verdade científica não só não precisa ser eterna, como não precisa sequer ser compreensível ou adequada ao raciocínio humano” (ARENDT, 2001, p. 303)