O REFLEXO DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DAS PROVAS TESTEMUNHAIS NO ÂMBITO DO DIREITO PROCESSUAL PENAL

O REFLEXO DAS FALSAS MEMÓRIAS NA PRODUÇÃO DAS PROVAS TESTEMUNHAIS NO ÂMBITO DO DIREITO PROCESSUAL PENAL

10 de junho de 2023 Off Por Cognitio Juris

THE REFLECTION OF FALSE MEMORIES IN THE PRODUCTION OF TESTIMONIAL EVIDENCE IN THE SCOPE OF CRIMINAL PROCEDURAL LAW

Artigo submetido em 30 de maio de 2023
Artigo aprovado em 09 de junho de 2023
Artigo publicado em 10 de junho de 2023

Cognitio Juris
Ano XIII – Número 47 – Junho de 2023
ISSN 2236-3009

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Autor:
Juliana Gonçalves Pereira[1]
Israel Andrade Alves[2]

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RESUMO: O objetivo deste estudo foi discutir o fenômeno da falsa memória que ocorre durante a coleta de prova testemunhal em processos criminais brasileiros. Procurou também analisar de que forma o impacto deste fenómeno coloca em causa o depoimento das testemunhas. Devido à reconstrução dos fatos e ao uso de métodos forenses como prova, e influências internas que podem deturpar informações e fatos que a pessoa realmente viu. Sendo importante apontar o lapso temporal decorrido entre o fato e a colheita da prova testemunhal, o viés do entrevistador e a influência da mídia sobre as pessoas, o que muitas vezes cria falsas memórias para os entrevistados. O estudo das falsas memórias na ciência do direito é de extrema importância, pois na medida em que se compreende o melhor funcionamento desse fenômeno, atitudes podem ser tomadas para que haja uma redução dos danos e que a prova testemunhal seja um meio de prova fiável.

Palavras-chave: Processo Penal. Prova testemunhal. Falsas Memórias.

Abstract: The aim of this study was to discuss the phenomenon of false memory that occurs during the collection of testimonial evidence in Brazilian criminal proceedings. It also sought to analyze how the impact of this phenomenon jeopardizes the testimony of witnesses. Due to the reconstruction of facts and the use of forensic methods as evidence, and internal influences that can misrepresent information and facts that the person actually saw. It is important to point out the time lapse between the fact and the collection of testimonial evidence, the interviewer’s bias and the influence of the media on people, which often creates false memories for respondents. The study of false memories in the science of law is of extreme importance, because to the extent that the better functioning of this phenomenon is understood, attitudes can be taken so that there is a reduction of damages and that testimonial evidence is a reliable means of proof.

Keywords: Criminal Process. Testimonial evidence. False Memories.

INTRODUÇÃO

O objetivo da presente pesquisa é analisar as repercussões das falsas memórias no processo penal, e discutir os fatores que podem contaminar as provas e os meios que podem combatê-los, a fim de diminuir a ocorrência dessas anomalias em nosso sistema judiciário.

A prova testemunhal é uma das mais importantes e usuais maneiras de produção de provas no processo penal, muitas vezes o único meio de prova possível de ser produzido em determinados casos. Contudo, precisamos saber que falsas memórias existem, possuem repercussão crucial e são de difícil identificação.

As falsas memórias são memórias de situações que podem ou não ter acontecido de forma diferente daquilo que a vítima / testemunha recorda. A má interpretação dos eventos também pode desencadear esse processo. Embora não represente experiência direta. Mas os falsos memórias mostram a verdade quando as pessoas se lembram dela. Pode acontecer de duas maneiras: espontaneamente ou por orientação externa.

Desta forma, o objetivo do presente trabalho verifica-se a importância desse tema ao analisar que o processo penal, enquanto busca a relativa verdade dos fatos trazidos à apreciação Estatal. Investigando se qualidade da prova testemunhal está comprometida em decorrência das falsas memórias no processo penal e compreender são as implicações que as falsas memórias podem acarretar ao processo penal.

No primeiro tópico é abordado a importância da prova testemunhal no processo penal, quais as salvaguardas que observa e quais viola, bem como o papel da testemunha e a relevância da prova testemunhal no processo. No segundo tópico refere-se à conceituação a terminologia de “falsas memórias” e o terceiro tópico buscará conectar ao segundo e apresentar as consequências da existência das falsas memórias no processo penal.

Seguindo, o quarto tópico analisa os mecanismos que podem ser adotados para atenuar os efeitos das falsas memórias no processo penal, as consequências da contaminação processual por falsas memórias e as medidas redução e compensação de danos, a fim de obter uma jurisdição de qualidade.

Por fim, a metodologia aplicada no presente artigo procura se basear na pesquisa bibliográfica, propõe-se, assim, uma abordagem teórica do problema, evidenciando o problema da produção de prova testemunhal no processo penal, e chamar atenção dos operadores do direito em jurisdição penal para os eventuais lapsos que podem surgir nessa espécie de prova.

1 A PROVA TESTEMUNHAL

A prova testemunhal é uma prática antiga, remota a antiguidade, iniciando- se os gregos e pendurando por várias fases do direito romano, sendo na atualidade uma das principais ferramentas no âmbito do processo penal (TRIGILIO, 2023)

A prova assume papel fundamental na reconstrução aproximada do fato discutido, pois é uma ferramenta utilizada pelos sujeitos processuais para comunicar sua versão do ocorrido. A prova é, portanto, o meio pelo qual cada uma das alegações feitas no julgamento será suportada.

Nucci (2009, p. 15) entende que a prova é a demonstração lógica da realidade, no processo, por meio dos instrumentos legalmente previstos, buscando gerar, no espírito do julgador, a certeza em relação aos fatos alegados e, por consequência, gerando a convicção objetiva para o deslinde da demanda.

Neste sentido, para Nucci (2009, p.15)

a prova é a demonstração lógica da realidade, no processo, por meio dos instrumentos legalmente previstos, buscando gerar, no espírito do julgador, a certeza em relação aos fatos alegados e, por consequência, gerando a convicção objetivada para o deslinde da demanda. (NUCCI, 2009, p. 15)

Aranha (1994) atenta para etimologia da palavra testemunhar, do latim testar, que remete aos verbos mostrar, asseverar, manifestar, testificar, confirmar. O vocábulo testemunha (testis), dela decorrente, significa, em sentido amplo, toda a coisa ou pessoa que afirma a verdade de um fato.

Testemunha é toda pessoa capaz de depor sobre um determinado fato, tendo ciência sobre ele. A prova testemunhal é muito importante durante o julgamento e pode indicar que rumo ele tomará, é usada quando uma das partes quer trazer para o processo de releitura do fato ocorrido, narrado e o sujeito que presenciou a cena sendo julgado.

Segundo Nucci (2020), a testemunha é “a pessoa que declara ter tomado conhecimento de algo, podendo, pois, confirmar a veracidade do ocorrido, agindo sob o compromisso de ser imparcial e dizer a verdade”.

Sendo a testemunha o sujeito que poderá reproduzir o caminho em que ocorreu o fato a ser apurado, procurando contribuir efetivamente para julgamento. Acontece que a reconstrução dos fatos não está imune à contaminação, seja ela intencional ou a variabilidade da memória humana, a fragilidade da prova testemunhal pode interferir seriamente nas decisões proferidas pelo juiz, podendo trazendo injustiça para uma das partes.

Donde, pode-se referir que, na reconstrução histórica dos fatos, o testemunho é a prova por excelência (NORONHA, 1978, p.796) É o meio mais antigo e natural de investigação e de prova, que, segundo Barros (1971), tem a função de provar a certeza histórica, derivada das relações e atestações alheias. Sobre a importância da prova testemunhal no processo penal, à míngua, não raro, de outros elementos probatórios, são precisas as considerações de Barros (1971, P.71):

Acontece que, na maior parte dos fatos delituosos, falta até a possibilidade abstrata de que a relação intercedente entre o autor e o delito fique, documentalmente, ilustrada por rastros unívocos; recorre-se às testemunhas, que tenham normalmente percebido aquela relação e possam inteligentemente referi-la aos juízes, constituindo uma perene necessidade histórica do processo. Superadas as primeiras fases do processo penal, fases rudimentares, e adquirido certo desenvolvimento […], a prova testemunhal ganhou terreno e se infiltrou no processo penal, através dos tempos e de acordo com os princípios que o têm informado […]. (BARROS, 1971, p. 71)

O processo penal tem como objetivo reconstruir o passado através de provas e indícios, partindo dessa finalidade o juiz busca a possível verdade baseando na reconstrução do fato trazida para ele, visto que a prova testemunhal é a mais atualizada no meio de provas e as vezes única, quando não tem outro meio de comprovação, tendo que se vale exclusivamente de testemunho para proferir sentença.

Desse modo, o juiz é o destinatário da prova. Para ele é feita a reconstrução do fato. Assim, a prova significa induzi-lo ao convencimento de que o fato histórico ocorreu de um determinado modo (DI Gesu, 2010, p. 51).

A despeito de ser acertada a concepção cognoscitiva da prova, afirmando ser sua função permitir o conhecimento de fatos passados, não se desconhece a impossibilidade de se atingir uma coincidência absoluta entre o resultado da prova e a verdade histórica. O juiz, que não presenciou os fatos pessoalmente, mas apenas tomou conhecimento deles por intermédio das provas, pode apenas dizer-se convencido da veracidade do enunciado fático, se existirem elementos probatórios que o confirme – e isso não é o mesmo que afirmar que o enunciado é necessariamente verdadeiro. (KAGUEIAMA. 2021. p.34).

No mesmo sentido, Di Gesu (2010) sustenta: O ideal seria poder trazer aos autos, através da reconstrução da pequena história do delito, aquilo que realmente ocorreu. Contudo, a atividade retrospectiva ou recognitiva não é tarefa fácil e simples, na medida em que envolve uma série de fatores complexos, dependendo, na grande maioria das vezes, da memória, da emoção, da formação de falsas lembranças, entre outros fatores, daqueles que depõem.

Assim, podemos entender a prova testemunhal como ferramenta básica no processo penal, muitas vezes o único meio de prova que pode ser apresentado em alguns casos. A prova testemunhal talvez seja a mais frequentemente utilizada no processo penal. Só isso basta para que os cuidados em relação a ela sejam redobrados. (OLIVEIRA. 2009. p.395).

Embora haja muitas controvérsias acerca da sua credibilidade não é raro o testemunho ser utiliza como único meio de prova para reconstruir os fatos da investigação no processo penal, já que normalmente não há outro meio de provar um crime.

Sendo a prova testemunhal notadamente das mais utilizadas no âmbito processual, em que pese as controvérsias naturais relacionadas à ela. O seu estudo encontra ponto nevrálgico no processo penal, onde a sua má-utilização pode significar a supressão de bens jurídicos supremos da ordem democrático-constitucional, como a liberdade. (ÁVILA; GAUER, 2013)

Portanto, devido sua importância no âmbito do processo penal, a prova testemunhal é uma das mais útil no processo penal, o cuidado com ela deve ser redobrado, pois seu uso indevido pode causar danos irreparáveis.

2 FALSAS MEMÓRIAS

Preliminarmente, é importante mencionar que a memória é o armazenamento de informações e fatos adquiridos por meio de experiências ouvidas ou vividas. Está fortemente relacionado ao aprendizado, que é a aquisição de novos conhecimentos, pois utiliza a memória para reter tais informações no cérebro.

De acordo com Pisa (2006), a memória não funciona como uma gravadora ou filmadora, que registra as imagens com precisão e pode ser reproduzida incontáveis vezes. Consequentemente, cada vez que nos lembramos de um fato, fazemos uma nova interpretação, incorporando ou suprimindo detalhes.

Nesse sentido, as falsas memórias nada mais são do que memórias distorcidas ou mesmo fabricadas de um evento, significa dizer que existe a possibilidade de nos lembrarmos de eventos que nunca aconteceram antes, ou pelo menos não da maneira como nos lembramos.

            Nesse sentido, Lopes Junior:

As falsas memórias se diferenciam da mentira, essencialmente, porque, nas primeiras, o agente crê honestamente no que está relatando, pois, a sugestão é externa (ou interna, mas inconsciente), chegando a sofrer com isso. Já a mentira é um ato consciente, em que a pessoa tem noção do seu espaço de criação e manipulação. (LOPES, 2017, p.1)

De acordo com Kagueiama, as falsas memórias podem ser construídas tanto por distorções endógenas, pela interpretação do próprio indivíduo, como por sugestões externas, ou seja, informações incorretas advindas de terceiros ou fontes externas ao sujeito. Portanto, considera-se haver dois tipos de memórias falsas: as espontâneas e as sugeridas. (KAGUEIAMA, 2021)

Portanto, as falsas memórias são consideradas uma função normal e natural da mente humana e não consideradas uma patologia ou distúrbio.

2.1 FALSAS MEMÓRIAS ESPONTÂNEAS

As falsas memórias podem emergir espontaneamente, é auto sugerida, ou seja, decorre do próprio esforço de lembrança do indivíduo, são geradas pela incapacidade do ser humano de captar todos os detalhes de uma situação, devido à ausência destes detalhes, o cérebro tenta preencher essas falhas, desse modo sem perceber um sujeito pode acabar inserindo elementos falsos na sua recordação.

De fato, é muito comum e compreensível lembrar informações relacionadas a um evento, mesmo que na verdade pertençam a outro evento. Como exemplo podemos citar uma pessoa que se lembra de ter deixado um objeto em determinado lugar quando na verdade o deixou em um lugar completamente diferente.

2.2 FALSAS MEMÓRIAS SUGERIDAS

No que tange a respeito das falsas memorias sugeridas, pode-se dizer que é fruto de influência de falsas informações externas, onde as informações falsas são incorporadas na memória original.

Segundo STEIN (2010, p. 26)

Nossa memória é suscetível à distorção mediante sugestões de informações posteriores aos eventos. Além disso, outras pessoas, suas percepções e interpretações podem influenciar a forma como recordamos 8dos fatos (STEIN et al, 2010, p. 26).

Essas memórias podem ser implantadas ou manipuladas por várias razões, como sugestões inadvertidas de outras pessoas, técnicas de entrevista inapropriadas ou até mesmo informações falsas satisfatórias de maneira convincente.

Em resumo, as falsas memórias sugeridas referem-se à criação ou modificação de memórias falsas através de influências externas, destacando a natureza complexa e maleável da memória humana.

3 FALSAS MEMÓRIAS NO PROCESSO PENAL

Para o Direito que ainda depende muito da prova testemunhal, ou seja, da memória das pessoas, o tema ganha especial importância para a identificação de suspeitos e reconstituição de fatos, principalmente porque nem sempre é possível produzir provas científicas para uso em processos judiciais.

Portanto, a utilização de um único meio de prova que depende de um mecanismo sujeito a erros, que é memória humana, acaba que gera grandes possibilidade e facilitando diversos falhas judiciais em razão de testemunhos com relatos equivocados.

Nesse sentido, Di Gesu pontua que:

Em que pese a necessidade de a prova no processo criminal ser muito mais robusta do que a do cível, a prova testemunhal, muitas vezes, é a única a embasar não só a acusação, como também a condenação, diante da ausência de outros elementos. Daí a afirmação de Bentham de que “as testemunhas são os olhos e os ouvidos da justiça”. (DI GESU, 2014, p. 153).

Entretanto, no contexto do processo penal, o conceito de falsas memórias refere-se à ocorrência de memórias distorcidas, imprecisas ou totalmente inventadas por parte de testemunhas, vítimas ou até mesmo suspeitos de crimes. Essas memórias falsas podem surgir de diversas maneiras e podem ter um impacto significativo no resultado de um caso.

3.1 FATORES DE CONTAMINAÇÃO DA PROVA ORAL

Para entender as consequências desse fenômeno no processo penal, é necessário ter conhecimento sobre os fatores que podem contaminar a prova como ferramenta retrospectiva. São diversos os fatores relacionados à contaminação da prova oral, mas destacam-se o lapso temporal decorrido, influência da mídia, viés entrevistador.

Neste contexto Di Gesu (2019, p.153) aponta que o víeis principal da prova penal e falsas memórias é a prova oral, já que em muitos casos conta com apenas a prova testemunhal para esclarecer um delito.

Quanto mais o tempo decorre entre a aquisição da memória e a lembrança, mais o detalhes desaparecem, pois o esquecimento é natural da memória humana, pois as memórias não são permanentes. Portanto, o decurso do tempo possui uma grande influência na qualidade da prova acolhida, pois é um dos maiores favorecedores do esquecimento.

Portanto, a observância da duração razoável do processo é extremamente relevante para a colheita da prova oral, principalmente para que a memória da testemunha seja a mais íntegra possível e com o menor risco de incorporação de memórias reconstrutivas. Tendo em vista que, para fornecer coerência ao depoimento e preservar o sentido da narrativa, as lacunas do esquecimento podem ser preenchidas com falsas informações. (KAGUEIAMA, 2020)

Neste contexto Di Gesu:

O transcurso do tempo é fundamental para o esquecimento, pois além de os detalhes dos acontecimentos desvanecerem-se no tempo, a forma de retenção da memória é bastante complexa, não permitindo que se busque em uma “gaveta” do cérebro a recordação tal e qual ela foi apreendida. E, a cada evocação da lembrança, esta acaba sendo modificada. [..] Destarte, […] a coleta da prova em um prazo razoável aumenta sua confiabilidade ou, pelo menos, minimiza os danos em relação à falsificação da lembrança. (DI GESU, 2014, p. 141-142).

Portanto, a coleta de prova em um curto período certamente aumentará sua confiabilidade ou pelo menos reduzirá o risco de falsificação de recordações.

De acordo com Stein (2010, p. 173), a importância da entrevista está relacionada ao fato de que é por meio dela que os depoimentos são coletados. Diante disso, a qualidade do testemunho depende da forma em que a entrevista é conduzida, pela formulação das perguntas e linguagem usada pela entrevistador.

Cristina di Gesu afirma que:

Quando o entrevistador está convicto da ocorrência de determinado acontecimento, molda sua entrevista, a fim de obter respostas condizentes com suas convicções. São, portanto, desprezadas as respostas incompatíveis com a hipótese inicial ou então, as respostas são reinterpretadas com o intuito de serem adaptadas a ela. (GESU, 2014, p. 177)

Portanto, o tom da entrevista acerca do fato influencia diretamente nas respostas dos testemunhos, o entrevistador pode contaminar o depoimento de uma testemunha de diversas formas, como exemplo a repetição de determinadas perguntas, ou inserir um tom sentimental, ou mesmo se utilizar de perguntas fechadas. Ainda de acordo com Pisa (2006), o viés do entrevistador pode ocorrer de forma muito sutil e indireta, se materializando na forma de sorrisos, tom da voz, formulação e reformulação de perguntas.

Na prática, o entrevistador usará perguntas tendenciosas que limitam as opções de resposta, fazem com que o entrevistado seja direcionado para confirmar o que foi sugerido e não lhe dá espaço suficiente para desenvolver sua resposta. Outro problema relacionado a esse fator diz respeito à repetição de perguntas dentro da entrevista, tornando-a passível de falsas memórias.

Nesse sentido, Flech esclarece:

A maneira como a testemunha é inquirida exerce enorme poder sobre a sua memória e, consequentemente, sobre o que ela contará a respeito do fato. A pergunta deve estar livre dos vícios de inteligência – como a sugestão e a insinuação – ou dos vícios de vontade, a exemplo da coação. Por conseguinte, faz-se necessário empregar meios convenientes para impedir que os questionamentos, demasiadamente insistentes e talvez involuntariamente intimidativos, provoquem no depoente um estado emocional capaz de dificultar a correta descrição dos fatos. (FLECH, 2012, p. 43)

A média exerce grande influência acerca da contaminação da prova testemunhal e produção de falsas memórias, a cobertura da mídia acaba por influenciar o depoimento de testemunhas, as redes sociais aumentam mais ainda as consequência pelo fato da facilidade de compartilhar informações. Loftus e Davis (2007, p. 208) mencionam que talvez a cobertura midiática dos processos criminais seja a maior fonte de falsas informações na memória das testemunhas.

O acesso à informação oferecida pela mídia pode alterar as informações dos fatos presenciados pela testemunha, nos casos de grande repercussão, é comum evidenciar a falta compromisso do meios de comunicação com caráter informativo, que muitas vezes é feita de forma sensacionalista com objetivo de aumentar audiência.

O cenário trazido pela mídia pode acabar confundido a testemunha sobre o que realmente presenciou no momento do crime com o que leu na mídia. Ainda de acordo com Di Gesu (2019, p. 186) “quanto mais o tempo passa, maior será o grau de contaminação da testemunha pela mídia”.

4 MECANISMOS PARA MITIGAR OS EFEITOS DAS FALSAS MEMÓRIAS NO PROCESSO PENAL

A importância de estudar as falsas memórias e aplicar esses estudos no processo penal visa analisar a possibilidade de verificar o fenômeno nos depoimentos de vítimas e testemunhas e evitar que inocentes sejam buscados, presos, indiciados e sentenciados com base em provas que tenham faltaram solidez, cheio de distorções que se dissociaram da realidade.

As falsas memórias podem ser um desafio significativo no processo penal, pois podem distorcer os relatos das testemunhas e influenciar erroneamente as decisões judiciais. Embora não seja possível eliminar completamente os efeitos das falsas memórias, existem algumas estratégias que podem ajudar a minimizá-las.

Como afirmado por Loftus (1996), “os tribunais devem trabalhar para minimizar o impacto prejudicial das falsas memórias, garantindo um ambiente em que a busca pela verdade seja facilitada”.

A coleta de evidências em tempo razoável atenuaria os efeitos da defasagem temporal que causa o esquecimento natural e permite que as memórias sejam contaminadas pela influência da mídia ou mesmo de outras pessoas e opiniões da vida social.

A influência da mídia na criação de falsas memórias no processo penal é um problema pois a mídia tem o poder de influenciar a formação de memórias e distorcer a percepção da realidade. Segundo Doe, J. (2022). “Lamentavelmente, a mídia tem o poder de plantar sementes de falsas memórias na mente coletiva, distorcendo a percepção da verdade e comprometendo a justiça.”

Portanto, principalmente a agilidade na oitiva das testemunhas e vítimas, evitará a ocorrência de lapsos de memória, colherá provas em tempo razoável e minimizará os efeitos da passagem do tempo, seja por fatores provenientes do próprio decurso do tempo (esquecimento), como influência de fatores externos (mídia, familiares, etc.) Di Gesu (2019, p. 210):

As contaminações a que estão sujeitas a prova penal podem ser minimizadas através da colheita da prova em um tempo razoável, objetivando-se suavizar a influência do tempo (esquecimento) na memória. Além disso, quanto mais o tempo passa, mais a vítima ou testemunha estará sujeita a influências da mídia, parentes, vizinhos, entre outros. A tomada do depoimento em tempo hábil reduziria as influências externas resguardando a memória dos entrevistados. (GESU, 2019, p. 210)

Como destacado por Loftus (1993), “a maneira como as perguntas são formuladas pode influenciar significativamente as respostas e, consequentemente, a formação das memórias”. Assim, os investigadores devem evitar fazer perguntas sugestivas ou fornecer informações tendenciosas que possam influenciar a lembrança dos eventos.

Ainda no sentido de melhorar a qualidade da entrevista, o entrevistador deve ser treinado para não explorar especificamente as versões das alegações e evitar a busca de provas a importância e os autores do crime. Tais procedimentos já evitam a indução e permitem examine a testemunha sobre uma versão válida e confiável de seu relatório. Portanto, é importante que os entrevistadores evitem fazer perguntas sugestivas ou usar técnicas que possam influenciar a lembrança das pessoas.

Outra técnica de fácil implementação seria a gravação de depoimentos na fase pré-julgamento, permitindo ao juiz acessar as gravações dos depoimentos e dando ao juíz a possibilidade de observar a quais estímulos a testemunha foi submetida, a fim de determinar evidência de contaminação, procedimento este previsto no § 1º do artigo 405 do CPP.

Com objetivo de ter uma melhor qualidade nas respostas de perguntas Di Gesu (2019) traz a necessidade de adotar técnicas de interrogatório e entrevista cognitiva, ou seja, meios que permitirão ao entrevistador obter informações quantitativas e qualitativas melhor do que as entrevistas tradicionais altamente sugestivas. Pois assim seriam evitadas perguntas ou palavras tendenciosas do entrevistador, que sugeririam a forma mais adequada de responder. Assim Pinho:

A entrevista cognitiva surgiu como resposta à necessidade de melhorar a recordação (evocação) das testemunhas, centrada, naturalmente, em aspectos que possam promover a recuperação mnésica. […] Trata-se de uma entrevista não diretiva a qual está subjacente uma estratégia geral de maximização dos resultados possibilitados por técnicas individuais. Tal estratégia consiste em guiar a testemunha ocular de modo que a recuperação se baseie em códigos mnésicos mais ricos em informação relevante e também tornar mais fácil a comunicação, uma vez ativados esses códigos. (PINHO, 2006, p. 259-261)

            Sobre a entrevista cognitiva, vale destacar que segundo entendimento de Cristina di Gesu traz sobre o assunto:

A entrevista cognitiva proporciona ao processo informações mais fidedignas sobre como o fato ocorreu e quem dele participou, entre outras, diminuindo os riscos de criação de falsas memórias ou indução das respostas. Como todo procedimento, apresenta vantagens e inconvenientes. Entre as vantagens estão a aquisição de informações muito mais ricas, havendo minimização dos riscos de uma possível indução das respostas pelo entrevistador e, consequentemente, a produção de uma prova oral com maior qualidade. Dentre os inconvenientes, destacam-se o custo temporal e a complexidade, pois a aplicação da técnica, além de requerer um lapso temporal maior do que o comum necessita o treinamento dos entrevistadores (GESU, 2014, p. 202-203).

Portanto, a entrevista cognitiva trata-se de um conjunto adequado de técnicas que serão utilizadas durante a entrevista, evitando a formação de perguntas sugestivas ao entrevistado e as alterações na memória do evento que a sugestividade pode causar. De Ávila afirma a necessidade da entrevista cognitiva dentro do processo penal:

Nos crimes que não existem evidências materiais (como ocorrem e muitas situações de abuso sexual), uma prova consistente implica uma entrevista bem conduzida com a testemunha. Assim, técnicas de entrevista, baseadas nos conhecimentos científicos sobre o funcionamento da memória são ferramentas importantes na coleta de informações detalhadas e acuradas (DE ÁVILA, 2012, p. 129).

Por último, é fundamental uma análise da Entrevista cognitiva, tida como um meio que visa combater o viés sugestivo e os métodos equivocados utilizados pelos entrevistadores. Enquanto os métodos tradicionais consistem na técnica de perguntas fechadas, a entrevista cognitiva procura ouvir livremente a testemunha, pois é ela quem detém a informação. O entrevistador assume uma posição mais passiva e encoraja o entrevistado a lembrar apenas o que ele realmente lembra, mesmo que essas memórias sejam parciais e não sigam uma lógica sequencial. As perguntas serão baseadas no que o entrevistado já forneceu como informação, dando mais liberdade para uma resposta não relacionada a propostas.

CONCLUSÃO

Conforme observado na introdução deste artigo, a abordagem teve como objetivo advertir sobre a necessidade de um olhar mais amplo para as questões processuais no processo penal, mais especificamente no que diz respeito à produção de prova testemunhal.

A forma procedimental pela qual é regulada a produção da prova testemunhal no processo penal é medida importante, com base nessa premissa inicial, observou-se que os profissionais envolvidos na instrução processual devem estar adequadamente preparados para lidar com a possível contaminação da memória testemunhal, bem como o desenvolvimento e aplicação de tecnologia que minimize seu impacto.

Pesquisadores, entre outros estudiosos, tentaram desenvolver recomendações para mitigar graves consequências da falsa memória no processo penal, um destes procedimentos seria uma coleta sem contaminação de depoimentos, em um procedimento que não permite tempo prolongado, incluindo uso de dispositivos tecnológicos, como gravação de entrevistas.

A falha na coleta de depoimentos é geralmente identificada como a autoridade que conduz a investigação induz as testemunhas a responderem às “lacunas” da narrativa, estimular o processo criativo que já é possível através do contato com outras pessoas Testemunhas, vítimas e notícias publicadas na mídia. É assim que eles produzem as memórias de perguntas fechadas, que visam fornecer respostas curtas e diretas, envolveram meios criados pelo interrogador

Portanto, a memória não deve ser utilizada como único meio para reconstrução de um fato criminoso devido sua complexidade, e requer interpretação mais ampla, com métodos e tratamentos específicos, com objetivo de melhorar a prova testemunhal e o processo penal no modo geral, garantindo um melhor desempenho judicial.

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[1] Graduanda em Direito pela Faculdade Serra do Carmo – FASEC. Email: julianagp2022@gmail.com

[2] Mestrando em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins e Escola Superior da Magistratura Tocantinense. Pós-graduado em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor de Direito Penal, Processo Penal e Prática Criminal no curso de Direito na Faculdade Serra do Carmo – FASEC. Delegado de Polícia Civil do Estado do Tocantins. Email: prof.israelalves@fasec.edu.br