DITADURA MILITAR E LEI DE ANISTIA: A ATUAÇÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS E O POSICIONAMENTO DA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

DITADURA MILITAR E LEI DE ANISTIA: A ATUAÇÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS E O POSICIONAMENTO DA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

10 de junho de 2023 Off Por Cognitio Juris

MILITARY DICTATORSHIP AND AMNESTY LAW: THE PERFORMANCE OF THE INTER-AMERICAN COURT OF HUMAN RIGHTS AND THE POSITIONING OF BRAZILIAN JURISPRUDENCE

Artigo submetido em 30 de maio de 2023
Artigo aprovado em 09 de junho de 2023
Artigo publicado em 10 de junho de 2023

Cognitio Juris
Ano XIII – Número 47 – Junho de 2023
ISSN 2236-3009

.

Autor:
Jucelândia Nicolau Faustino Silva[1]

.

RESUMO

O presente artigo busca realizar uma breve abordagem acerca da atuação da Corte Interamericana de Direitos Humanos em relação às violações aos direitos humanos cometidas no Brasil durante o período da Ditadura Militar. No âmbito interno, sabe-se que tais violações receberam anistia, com a promulgação da Lei n° 6.683/1979. No entanto, por ser o Brasil signatário de tratados internacionais de proteção aos Direito Humanos, vários desses casos de violação foram levados à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). Nesse sentido, a partir das decisões proferidas pela Corte IDH, calcadas na vinculação do Estado brasileiro às normas internacionais, cabe explanar o posicionamento da jurisprudência brasileira acerca do assunto.

Palavras-chave: Ditadura Militar;Lei de Anistia; Corte Interamericana de Direitos Humanos.

ABSTRACT

This article seeks to make a brief approach about the actions of the Inter-American Court of Human Rights in relation to human rights violations committed in Brazil during the period of the Military Dictatorship. Internally, it is known that such violations received amnesty, with the enactment of Law n° 6.683/1979. However, because Brazil is a signatory to international human law protection treaties, several of these cases of violation were brought before the Inter-American Court of Human Rights. In this sense, based on the decisions given by the IACHR, based on the binding of the Brazilian State to international standards, it is worth explaining the position of Brazilian jurisprudence on the issue.

Keywords: Military Dictatorship; Amnesty Law; Inter-American Court of Human Rights.

Sumário: Introdução. 1. A Ditadura Militar. 2. A Lei de Anistia. 3. O entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos. O posicionamento da jurisprudência brasileira. Conclusão. Referências.

Áreas do Direito: Direito Constitucional; Direitos Humanos

INTRODUÇÃO

Durante o período da Ditadura Militar, inúmeras violações aos Direitos Humanos foram cometidas. Os militares, ocupando o poder em virtude de um Golpe de Estado, foram responsáveis por instaurar uma verdadeira era terror e barbárie, guiados pelo suposto objetivo de combater a ascensão das ideias comunistas no Brasil.

No final da década de 70, diante do desgaste do regime totalitário frente às pressões populares, foi editada a Lei n°6.683, em 28 de agosto de 1979, concedendo anistia a todos os que cometeram crimes por políticos e eleitorais, ou conexos, entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979.

A mencionada Lei provoca inúmeras discussões acerca de sua legitimidade, visto que o Brasil ratificou diversos diplomas internacionais em que se compromete a combater ameaças e violações aos Direitos Humanos, além dos próprios preceitos da atual Constituição Federal, em especial a dignidade da pessoa humana (art.1°, inc. III), a liberdade de ir e vir, de expressão e de crença (art.5°, caput e incs.IV, IX e XV), a vedação à tortura ou a tratamento cruel e degradante (art.5°, inc.III) e às penas cruéis (art.5°, inc. XLVII, alínea “e”). Nos termos da CF/88, o crime de tortura e os hediondos, a exemplo do homicídio qualificado pela tortura (art.121, §2°, inc.III, do Código Penal cumulado com o art.1°, inc. I, da Lei 8.072/1990), são insuscetíveis de graça ou anistia (art.5°, inc. XLIII). Tais fundamentos, dentre outros, sustentam a tese de que a Lei de Anistia não teria sido recepcionada pela Constituição Cidadã.

Vale adiantar que o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) caminha no sentido de condenar o Brasil a investigar e punir os responsáveis pelas violações aos Direitos Humanos ocorridas durante a Ditadura Militar, bem como a tomar as providências cabíveis para reparar os danos causados, mediante o pagamento de indenização e adoção de medidas preventivas.

A Corte internacional pontua que a criação da Lei da Anistia, também editada por outros países da América do Sul, foi uma justificativa legal para desresponsabilizar o Estado e os agentes pelas atrocidades cometidas no período militar.

A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), documento internalizado pelo Brasil (Decreto n° 678/1992), demanda a releitura da Lei n°6.683/1979, em sede de controle de constitucionalidade e convencionalidade, com vistas à supremacia das normas que elevam a concretização dos Direitos Humanos.

Com as devidas ressalvas, como se verá, a jurisprudência brasileira tem sido refratária ao cumprimento das decisões emitidas pela Corte IDH que envolvem fatos ocorridos durante a Ditadura Militar, visto que acaba não as executando com a devida eficácia e celeridade, sendo preponderantemente omisso no aspecto da responsabilização criminal.

1. A DITADURA MILITAR

Após a Era Vargas (1930-1945), o Brasil iniciou um processo de redemocratização da sociedade, fortemente marcado por ideais de promoção de liberdade política e de expressão, contrapondo-se aos tempos reprimenda de outrora. Os principais expoentes dos novos tempos foram insculpidos na Constituição Federal de 1946.

Concomitantemente, no cenário internacional, findava-se a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), que resultou na devastação de inúmeros países e economias, provocando a morte de milhões de pessoas. A partir de então, as duas grandes potências mundiais da época, isto é, Estados Unidos da América e extinta União Soviética travaram uma disputa econômica e ideológica que trouxe efeitos para todos os demais países do mundo.

De um lado, o sedento capitalismo apregoado pelos EUA, que estrategicamente angariou bons resultados com as disputas civis e militares ocorridas durante a Segunda Guerra, principalmente em virtude da exportação de tecnologia e armamento, aquecendo a lucrativa indústria bélica; de outro, a União Soviética, formada por um conglomerado de nações ao norte do oriente, tendo o Socialismo enquanto modelo de gestão política e econômica.

Ambas as ideologias passaram a se difundir entre os mais diversos países do mundo. Na América do Sul, Cuba, em 1959, implantou o regime socialista através da Revolução liderada por Fidel Castro, causando receio à potência norte-americana quanto à possibilidade de expansão desse sistema para os demais países do continente.

Logo no início dos anos 60, o Brasil, por intermédio do então Presidente Jânio Quadros, intui estreitar relações com Cuba, interesse sinalizado pela visita de Fidel ao país, o que pouco tempo depois, em razão de pressões políticas, resultou na renúncia de Jânio, assumindo o seu Vice, João Goulart.

Ainda assim, persistia a desconfiança sobre os rumos do país sob o comando de Jango.  A suspeita era a de que este presidente também tinha inclinações socialistas, já que teria vivido um tempo na China, bem como por propor reformas de bases, a exemplo da realização de uma reforma agrária:

“O golpe militar de 1964 significou a interrupção brusca do processo de incipiente democratização da sociedade brasileira, marcada no período imediatamente anterior pelo grande crescimento da organização e da participação política dos trabalhadores da cidade e do campo nas decisões dos rumos do país e o caminho das reformas estruturais, representadas pelas Reformas de Base”. (BARROS, 2011, p.14)

Nessa conjectura, em abril de 1964, os militares brasileiros, possivelmente financiados pelos Estados Unidos da América, deram um Golpe de Estado. Esses agentes agiram de forma contrária ao disposto na Constituição Federal de 1946 e assumiram o poder, iniciando o período denominado Ditadura Militar (1964/1985), caracterizado pelo banimento da liberdade política e de expressão e pelo intenso cometimento de violações aos Direitos Humanos.

Sem respaldo constitucional para governar, os militares editaram atos institucionais com intuito de publicizar os regramentos que passariam a vigorar no país, como o bipartidarismo, as eleições indiretas e autorização à aplicação de punições aos rebeldes.

No entanto, várias manifestações populares começaram a eclodir contra o regime autoritário em ascensão, resultando na edição do Ato Inconstitucional n° 5, em dezembro de 1968, cuja ordem principal era de tolerância zero a qualquer tipo de insurgência, prevendo, inclusive, censura total aos meios de comunicação, suspensão de direitos políticos dos acusados e investidura nas funções do Congresso Nacional, determinando a paralisação das atividades deste.

As mais perversas atrocidades foram experimentadas no período da Ditadura Militar. A pretexto de conter a suposta ameaça comunista, os militares perseguiram, prenderam, torturaram e mataram milhares de pessoas, entre crianças, jovens, adultos e idosos. Tempos de terror e barbárie que marcaram e marcarão para sempre a história do país.

Acerca do assunto, há de se destacar o importante papel desempenhado pela Comissão Nacional de Verdade, instituída pela Lei n° 12.528/2011, com a finalidade de investigar e documentar todos os fatos ocorridos durante os anos de 1946 a 1988, especialmente no tocante à violação de Direitos Humanos, para que fiquem registradas na história e na memória do povo brasileiro as consequências de um governo ilegítimo e totalitário.

Em relatório, a Comissão Nacional da Verdade (CNV, 2014, v. 1, t. I: 500) concluiu que a grande maioria das mortes aconteceu em decorrência de tortura, quando os presos eram submetidos a longos interrogatórios. Para ocultar as reais circunstâncias desses assassinatos, os órgãos de segurança montaram encenações de falsos tiroteios, suicídios simulados ou acidentes, por isso os corpos eram entregues às famílias em caixão lacrado.

Até hoje, muitos familiares ainda não sabem ao certo qual destino recebeu seu ente querido, tendo em vista que os corpos de inúmeras vítimas nunca foram encontrados. Já as que sobreviveram, guardam as terríveis lembranças das sessões das agressões físicas e psicológicas, a exemplo de socos, choques elétricos, queimaduras, abuso sexual, tortura e etc., praticadas pelos militares na busca por informações que muitas vezes nem sequer existiam. 

2. A LEI DE ANISTIA

Aos poucos o regime ditatorial foi entrando em colapso, devido, sobretudo, ao fortalecimento das forças populares e ao notório apoio prestado pelos setores progressistas da Igreja Católica.

Nesse cenário, coube ao Presidente castrense João Figueiredo, em 28 de agosto de 1979, editar a Lei n° 6.883, conhecida como Lei de Anistia, concedendo clemência a todos que praticaram crimes durante políticos eleitorais, entre os anos de 1961 a 1979, conforme dispõe o seu art.1°:

“Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares”.

     A Lei de Anistia figurou como um abrandamento à perseguição política, uma vez os movimentos contrários ao regime militar estavam em auge. No entanto, em verdade, sabe-se que objetivo precípuo da Lei foi o de conferir impunidade aos militares que praticaram delitos durante o Golpe estado.

Desde a sua publicação, tanto no âmbito interno quanto no externo, a Lei adotada pelo governo militar recebeu de severas críticas, advindas principalmente de entidades que atuam na defesa dos Direitos Humanos, considerando ser inadmissível que o Estado brasileiro isentasse de responsabilidade torturadores, estupradores e assassinos.

Por seu turno, a Corte Interamericana de Direitos Humanos assevera que Leis de Anistia viola vários tratados internacionais (especialmente a Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969) e não possui nenhum valor jurídico, sobretudo o efeito de acobertar os abusos cometidos pelos agentes do Estado durante a ditadura militar[2].

Para além do embate com o conteúdo dos diplomas internacionais dos quais o Brasil é signatário, quando da promulgação da Constituição Federal de 1988, a questão ilegitimidade da Lei de Anistia ganhou ainda mais força, tendo em vista que os novos ditames constitucionais reforçam a incompatibilidade da isenção criminal concedida aos militares.

Com efeito, a Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n°153, argumentando que a Lei de Anistia não havia sido recepcionada pela CF/1988 e pleiteando que os agentes da ditadura fossem criminalmente responsabilizados.

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, no julgamento da referida ADPF, no ano de 2010, decidiu pela compatibilidade entre a Lei de Anistia e a atual Constituição Federal, aduzindo que a Lei teria esgotado seus efeitos na data de sua promulgação, isto é, 15 de agosto de 1979, sendo possível discutir apenas a responsabilidade pelos crimes praticados após esta data.

Vale lembrar, por fim, que o Golpe Militar não foi um fenômeno isolado do contexto brasileiro. Argentina, Chile e Uruguai são exemplos de países que também sofreram períodos de repressão militar, igualmente sob rumores de patrocínio financeiro externo. Porém, ao contrário do Brasil, vê-se que a maioria desses países, em que pese a edição de lei de anistia, não excluiu por completo a responsabilidade dos violadores de Direitos Humanos, cujas condenações vêm sendo resultado de intensas batalhas travadas na via judicial.

3. O ENTENDIMENTO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) é órgão jurisdicional do sistema interamericano de proteção dos Direitos Humanos,com a função de apreciar casos de violação aos Direitos Humanos praticados pelos Estados membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) e signatários da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e outros tratados, gozando de poderes para proferir condenações em face dos transgressores das normas protetoras.

Desse modo, na condição de guardiã da Convenção Americana de Direitos Humanos, a Corte IDH emitiu orientação segundo a qual as leis de anistia são inválidas no que concerne à irresponsabilidade conferida aos violadores de Direitos Humanos, por atos praticados contra a população civil durante o regime militar, seja pela atuação direta de agentes públicos, seja pela participação e promoção da arbitrária política do Estado ditatorial por civis, com conhecimento desses agentes. De acordo com a Corte, as leis de auto-anistia violam a CADH e o próprio acesso à justiça (Caso Almonacid Arellano e outros vs. Chile e Caso Gomes Lund e outros vs. Brasil). [3]

O Brasil, enquanto signatário do Pacto de San José da Costa Rica (CADH), está sujeito ao cumprimento das decisões proferidas pela Corte, sob pena de violar não só a CADH, mas outros diplomas, além de sofrer desprestígio frente à comunidade internacional.

A Guerrilha do Araguaia, um conflito armado marcado por diversas violações aos Direitos Humanos, principalmente o desaparecimento forçado de várias pessoas, representa um bom exemplo para fins de análise de condenação do Brasil em âmbito internacional pelas violações aos Direito Humanos cometidas durante a Ditadura Militar.

Sobre o caso, nomeado como Caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, registre-se que:

“Popularmente conhecido como Guerrilha do Araguaia, trata da responsabilidade do Estado Brasileiro pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de aproximadamente setenta pessoas, dentre elas integrantes do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e camponeses da Região do Araguaia, situada no Estado do Tocantins, entre 1972 e 1975”. (PAIVA; HEEMANN, 2020, pags.377/378)[4]

Desde a década de 80, os familiares das vítimas e outras entidades de proteção e promoção dos Direitos Humanos, como o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e pela Human Right Watch, passaram a percorrer todas as instâncias internas e externas na busca pela apuração e condenação dos responsáveis pela barbárie do Araguaia, além da reparação pelos danos sofridos.

Na petição de submissão do caso à instância internacional constou o requerimento de responsabilização do Estado Brasileiro, uma vez que, durante o período de 1972 a 1975, o Exército brasileiro, a pretexto de apaziguar os levantes na região do Araguaia, foi responsável por diversas arbitrariedades, dentre elas a prática de crimes de tortura, prisões ilegais e desaparecimentos forçados de cerca 70 (setenta) pessoas. O documento também incluiu o pedido de pagamento de indenização aos familiares das vítimas pelos danos morais e materiais sofridos.

Seguindo aos trâmites processuais, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), após analisar o pleito, constatou a violação de diversos dispositivos da CADH e, diante da negligência do Estado brasileiro, submeteu, em 26 de março de 2009, o Caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos. A CIDH afirmou que a Lei de Anistia brasileira contraria o assente entendimento jurisprudencial da Corte IDH e o direito ao reconhecimento da personalidade jurídica, o direito à vida, o direito à integridade pessoal, direito à liberdade pessoal, garantias judiciais, liberdade de pensamento e de expressão, e o direito à proteção judicial, todos consagrados na CADH[5].

No dia 24 de novembro de 2010, a Corte IDH sentenciou o Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil, responsabilizando o Estado Brasileiro pelas violações ocorridas.

Como sabido, a Lei de Anistia (Lei n° 6.683/1979) excluiu a responsabilidade dos militares e, por consequência, impediu que o Estado brasileiro realizasse investigações para penalizar criminalmente os responsáveis pelos desaparecimentos forçados das vítimas da Guerrilha do Araguaia, os mantendo impunes. Inclusive, no Caso da Guerrilha do Araguaia, a Corte IDH determinou que o Brasil editasse lei tipificando criminalmente a conduta de desaparecimento forçado.

A Corte IDH lembra que, no âmbito do sistema onusiano de proteção de Direitos Humanos, manteve-se o mesmo critério sobre a proibição das anistias que impeçam a investigação e a punição dos que cometam graves violações dos Direitos Humanos:

“O Comitê de Direitos Humanos, em sua Observação General 31, manifestou que os Estados devem assegurar-se de que os culpados de infrações reconhecidas como crimes no Direito Internacional ou na legislação nacional, entre eles a tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, as privações de vida sumárias e arbitrárias e os desaparecimentos forçados, compareçam perante a justiça e não tentem eximir os autores da responsabilidade jurídica, como ocorreu com certas anistias”[6].

Internamente, não foram tomadas providências jurídicas cabíveis para o fornecimento de informações aos familiares das vítimas, em claro caso de cerceamento do direito ao acesso à informação e à justiça, frustrando a possibilidade de os familiares acessarem os mecanismos jurídicos e administrativos que lhes garantissem desvendar a verdade sobre os desaparecimentos.

Conforme enfatizado pela Corte IDH no caso da Guerrilha do Araguaia (2010), todos os países signatários do Pacto em questão deverão cumprir o disposto na jurisprudência da Corte, conforme se extrai de trecho da decisão exarada por esta:

“139. Além disso, a obrigação, conforme o Direito Internacional, de processar e, caso se determine sua responsabilidade penal, punir os autores de violações de direitos humanos, decorre da obrigação de garantia, consagrada no artigo 1.1 da Convenção Americana. Essa obrigação implica o dever dos Estados Parte de organizar todo o aparato governamental e, em geral, todas as estruturas por meio das quais se manifesta o exercício do poder público, de maneira tal que sejam capazes de assegurar juridicamente o livre e pleno exercício dos direitos humanos. 186 Como consequência dessa obrigação, os Estados devem prevenir, investigar e punir toda violação dos direitos humanos reconhecidos pela Convenção e procurar, ademais, o restabelecimento, caso seja possível, do direito violado e, se for o caso, a reparação dos danos provocados pela violação dos direitos humanos. 187 Se o aparato estatal age de modo que essa violação fique impune e não se reestabelece, na medida das possibilidades, à vítima a plenitude de seus direitos, pode-se afirmar que se descumpriu o dever de garantir às pessoas sujeitas a sua jurisdição o livre e pleno exercício de seus direitos”[7].

Na condenação, a Corte Interamericana declarou que o Estado Brasileiro é responsável pelo desaparecimento forçado e, portanto, conforme arguiu a CIDH, pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal das vítimas da Guerrilha do Araguaia. Também asseverou que o Poder Judiciário brasileiro tem o dever de exercer um “controle de convencionalidade” ex officio entre as normas internas e a CADH, levando em consideração tanto os tratados internacionais como a interpretação conferida a estes pela Corte Interamericana.

No aspecto decurso do tempo dos crimes, o órgão jurisdicional internacional afastou as preliminares levantadas pelo Estado Brasileiro, no sentido de entender que os crimes realizados àquela época têm caráter permanente, de modo que todo o tempo em que o fato continua, a Corte terá competência para analisar os alegados desaparecimentos forçados das vítimas:

“102. Adicionalmente, no Direito Internacional, a jurisprudência deste Tribunal foi precursora da consolidação de uma perspectiva abrangente da gravidade e do caráter continuado ou permanente da figura do desaparecimento forçado de pessoas, na qual o ato de desaparecimento e sua execução se iniciam com a privação da liberdade da pessoa e a subsequente falta de informação sobre seu destino, e permanece enquanto não se conheça o paradeiro da pessoa desaparecida e se determine com certeza sua identidade. Em conformidade com todo o exposto, a Corte reiterou que o desaparecimento forçado constitui uma violação múltipla de vários direitos protegidos pela Convenção Americana, que coloca a vítima em um estado de completa desproteção e acarreta outras violações conexas, sendo especialmente grave quando faz parte de um padrão sistemático ou prática aplicada ou tolerada pelo Estado”[8].

No tocante à Lei de Anistia, a Corte (2010) afirmou:

“As disposições da Lei de Anistia Brasileira que impedem a investigação e sanção das graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeito jurídico e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil”.

Desse modo, além de declarar a invalidade da Lei da Anistia, a Corte IDH determinou que o Brasil se abstenha de aplicá-la, sob pena de incorrer em ilícito internacional, fundamentando a decisão com base no disposto no artigo 63.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, ratificada pelo Brasil (Decreto n° 678/1992), o qual dispõe que:

“Art. 63.1. Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos nesta Convenção, a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados. Determinará também, se isso for procedente, que sejam reparadas as consequências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada”.

Outrossim, determinou como dever do Estado de aplicar sanções e determinações legais, de modo a identificar a responsabilidade dos autores materiais e intelectuais do desaparecimento forçado das vítimas e da execução extrajudicial, não podendo haver a aplicação da Lei de Anistia em benefício dos autores por parte do Estado, nem os institutos da prescrição, irretroatividade da lei penal, coisa julgada, ne bis in idem ou qualquer excludente similar de responsabilidade para eximir-se dessa obrigação, além de garantir que as autoridades competentes realizem,  ex officio, as investigações correspondentes, tendo acesso à documentação e informação pertinentes e autorizando a participação dos familiares das vítimas nas buscas.

A Corte também determinou a publicação da sentença no Diário Oficial, a fim de torná-la pública e disponível em site estatalalém da obrigação de o Estado realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional em relação aos acontecimentos do Caso Araguaia.

O órgão julgador interamericano ainda estabeleceu que o Estado brasileiro, em prazo razoável, adotasse todas as medidas necessárias para ratificação da Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas e, como dito, realizasse a tipificação do delito de desaparecimento forçado de pessoas, em conformidade com os parâmetros interamericanos, realizando todas as medidas necessárias para a realização julgamentos e utilização dos mecanismos existentes no direito interno como forma de punir os responsáveis.

No mesmo sentido, países como Chile, Peru, Brasil, Uruguai e El Salvador também tiveram suas leis de anistia apreciadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, resultando em decisões semelhantes à proferida no Caso Guerrilha do Araguaia.

Ressalte-se que o Caso em comento trouxe discussões relevantes acerca dos direitos à verdade e à memória enquanto direitos humanos fundamentais, impassíveis de modificações por medidas estatais que visem omitir fatos históricos degradantes à imagem estatal e à história brasileira, tais como os desaparecimentos forçados, assassinatos, prisões arbitrárias e crimes de tortura durante a Ditadura Militar brasileira.

4. O POSICIONAMENTO DA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

Consoante mencionado, há diversas incompatibilidades entre a Convenção Americana de Direitos Humanos e a Lei da Anistia brasileira, sobretudo no tocante ao perdão concedido àqueles que cometeram delitos durante a Ditadura Militar. 

            Acerca da validade da Lei de Anistia brasileira, Caio Paiva e Thimotie Aragon (2020, p. 381/382) afirmam que, doutrinariamente, o tema é bastante polêmico, existindo, pelo menos, duas posições em relação ao tema.

           A primeira corrente defende a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade, por consistir em norma de jus cogens, de caráter consuetudinário e também convencional. Sendo assim, a existência da Convenção Internacional sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e Crimes contra a Humanidade (não internalizada pelo Brasil), de 1968, apenas declarou a imprescritibilidade dos crimes de guerra e de crimes contra a humanidade, ante a existência prévia de um costume internacional no sentido da imprescritibilidade desses delitos, conforme a Resolução 2.338 da Organização das Nações Unidas, de 1967. Ainda que o Brasil não tenha aderido à mencionada Convenção, tal fato seria irrelevante, visto que se trata de costume internacional (caráter consuetudinário).

           A segunda posição sustenta a prescritibilidade dos crimes contra a humanidade e dos crimes de guerra, sendo esse entendimento seguido atualmente pelas cortes brasileiras. Para essa segunda corrente, não é possível reconhecer a imprescritibilidade dos delitos contra a humanidade e de guerra, e, por consequência, torna-se inadmissível promover a persecução penal contra os indivíduos que praticaram fatos atentatórios aos Direitos Humanos durante a Ditadura Militar brasileira, ante a extinção da punibilidade por prescrição.

 No julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n°153, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, requereu-se a interpretação conforme a Constituição da Lei de Anistia (Lei n° 6.683/1979), a fim de excluir os agentes da Ditadura Militar dos efeitos da norma. Porém, para a Corte Maior brasileira:

“A Lei n. 6.683 é uma lei-medida, não uma regra para o futuro, dotada de abstração e generalidade. Há de ser interpretada a partir da realidade no momento em que foi conquistada (…). A Constituição não afeta leis-medida que a tenham precedido. (…)

Revisão de lei de anistia, se mudanças do tempo e da sociedade a impuserem, haverá — ou não — de ser feita pelo Poder Legislativo, não pelo Poder Judiciário (…)”. (STF, ADPF 153, Relator(a): EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 29/04/2010, pags.1 e 2)[9]

            Caio Paiva e Thimotie Aragon (2020, p. 282) discordam do posicionamento adotado pelos Tribunais Brasileiros, uma vez que o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) frequentemente aplica o costume internacional em decisões judiciais pátrias, sem qualquer processo prévio de integração[10].

Diante disso, por mais que se considere que todas as atrocidades cometidas durante o regime militar se tratam de graves violações aos Direitos Humanos, observa-se que valores fundamentais acabaram sendo relativizados, inclusive com a chancela do STF, ao considerar que a Lei de Anistia fora recepcionada pela Constituição Federal de 1988, mesmo esta prevendo como fundamento basilar da República Federativa do Brasil “a dignidade da pessoa humana”.

É sabido que quando um Estado adere a um tratado internacional, passa a assumir o compromisso de respeitar os preceitos elencados, integrando a esfera internacional de proteção das disposições mensuradas no respectivo instrumento. Em razão disso, o artigo 68.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) determina: “os Estados Partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes”.

No que tange ao controle de convencionalidade, o ilustre autor Valério de Oliveira Mazzuoli (2010, p.185) afirma:

“À medida que os tratados de direitos humanos ou são materialmente constitucionais (art. 5º, § 2º) ou material e formalmente constitucionais (art. 5º, § 3º), é lícito entender que, para além do clássico “controle de constitucionalidade”, deve ainda existir (doravante) um “controle de convencionalidade” das leis, que é a compatibilização da produção normativa doméstica com os tratados de direitos humanos ratificados pelo governo e em vigor no País”.

Na oportunidade, registre-se que, para André de Carvalho Ramos (2018, pags.590/591), o controle de convencionalidade consiste na análise da compatibilidade dos atos internos (comissivos ou omissivos) em face das normas internacionais (tratados, costumes internacionais, princípios gerais de direito, atos unilaterais, resoluções vinculantes de organizações internacionais)[11].

Quanto à posição dos tratados internacionais de direitos humanos que não forem aprovados pelo Congresso Nacional pelo rito especial previsto no art.5°, §3°, da CF/88 – que é o caso da CADH, já se posicionou o STF, na pessoa do Min. Gilmar Mendes, na esteira do julgamento do Recurso Extraordinário n° 466.343-1/SP, no sentido de que esses diplomas estão em nível hierárquico intermediário, ou seja, abaixo da Constituição, mas superior à legislação infraconstitucional, isto é, têm natureza supralegal[12].

A incompatibilidade ultrapassa um conflito entre fontes, haja vista não se enquadrar como conflito de leis no tempo, pois não se tratam de normas de mesma hierarquia, uma vez que os tratados que versam sobre Direitos Humanos possuem um status supralegal, nível hierárquico superior ao das leis ordinárias (Lei de Anistia); nem de conflitos de leis no espaço, porque Convenção Americana de Direitos Humanos já se internalizou à ordem doméstica (Decreto n° 678/1992).

Diante de antinomias entre tratados internacionais e leis internas, é prudente que a solução encontrada seja aquela cujo valor maior dos Direitos Humanos seja concretizado.

Nessa senda, como a Lei da Anistia confere o perdão aos crimes praticados durante o regime da Ditadura Militar, em afronta à CADH, a questão deve ser resolvida à luz dos direitos fundamentais da pessoa humana, em preservação ao princípio internacional pro homine:

“O outro princípio a complementar a garantia pro homine é o da prevalência dos direitos humanos, consagrado expressamente pelo art. 4º, inciso II, da Constituição brasileira de 1988. Tal princípio faz comunicar a ordem jurídica internacional com a ordem interna, estabelecendo um critério hermenêutico de solução de antinomias que é a consagração do próprio princípio da norma mais favorável, a de- terminar que, em caso de conflito entre a ordem internacional e a ordem interna, a “prevalência” – ou seja, a norma que terá primazia – deve ser sempre do ordena- mento que melhor proteja os direitos humanos. Percebe-se, portanto, que o princípio internacional pro homine tem autorização constitucional para ser aplicado entre nós como resultado do diálogo entre fontes internacionais (tratados de direitos humanos) e de direito interno”.  (MAZZUOLI, 2010, p. 207)

De todo modo, é preciso registrar que a jurisprudência brasileira vem admitindo as execuções cíveis das sentenças proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Inclusive, recentemente, em março de 2021, o Superior Tribunal de Justiça aprovou o enunciado de Súmula número 647, com o seguinte teor: “são imprescritíveis as ações indenizatórias por danos morais e materiais decorrentes de atos de perseguição política com violação de direitos fundamentais ocorridos durante o regime militar”.

Não obstante, por vezes, há um postergamento desnecessário no cumprimento das sentenças internacionais, ou nem sempre a sua ratificação de modo integral, o que, de certa maneira, demonstra a desídia do Estado Brasileiro.

Na ADPF 320, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) suscitou a inércia do estado Brasileiro em cumprir com os termos da sentença internacional proferida no caso Gomes Lund e outros vs. Brasil, pleiteando, assim, que o Poder Judiciário brasileiro reconheça a validade e o efeito vinculante do decreto condenatório exarado pela Corte IDH. A referida ação de controle concentrado de constitucionalidade ainda não teve seu mérito apreciado pelo STF.

Apesar desse cenário, como consequência de condenação perante a Corte IDH, o Brasil, em que pese não ter tomado medidas executivas satisfatórias, criou um importante instrumento de promoção ao direito à memória e à verdade, qual seja: a Comissão Nacional da Verdade (Lei n° 12.528/11).

A referida Comissão exerceu o importante papel de documentar e tornar públicos os atos ocorridos durante o regime ditatorial, contribuindo para esclarecer os questionamentos das vítimas, das famílias e da sociedade em geral, de modo a não apagar da memória e da história esse lapso temporal concentrado de violação aos Direitos Humanos.

O Supremo Tribunal Federal ordenou que o Superior Tribunal Militar tornasse públicos e disponíveis os áudios das sessões ocorridas durante a Ditadura Militar, com o intuito de promover o direito à memória e à verdade (Rcl. 11.949, Rel. Min. Cármen Lúcia, Plenário, j.16.03.2017).

Contudo, tais medidas, por si só, não são suficientes, haja vista a necessidade de investigação, processamento e responsabilização dos culpados, principalmente na esfera criminal.

Apesar do lamentável posicionamento da jurisprudência pátria, faz-se necessário destacar que a Corte IDH entende que não há qualquer hierarquia entre ela e o Supremo Tribunal Federal, devendo haver uma relação de diálogo, complementaridade e reciprocidade. A própria Corte internacional salienta que não tem o objetivo de revisar as decisões das cortes internas, mas apenas de realizar o controle de convencionalidade entre a Lei da Anistia brasileira e a CADH[13].

CONCLUSÃO

Traçado um breve panorama acerca do posicionamento jurisprudencial pátrio frente à atuação da Corte Interamericana de Direitos Humanos em relação às violações de Direitos Humanos perpassadas durante o período da Ditadura Militar brasileira, avalia-se que o Estado brasileiro ainda tem sido muito deficitário no cumprimento de seu assumido papel de protetor e promotor dos Direitos Humanos.

Sendo nítida a responsabilidade do Estado no tocante às graves violações aos Direitos Humanos, o STF, enquanto guardião da Constituição Federal, incumbido da função precípua de salvaguardar a dignidade da pessoa humana e preservar a integridade física, psíquica e moral dos indivíduos, tem o dever de observância do pacta sunt servanda, a fim de concretizar os direitos previstos nos diplomas internacionais, sobretudo a CADH.

A condenação criminal pelos fatos ocorridos durante a Ditadura Militar não ocorreu até o presente momento por força da Lei de Anistia, diploma que colide com as premissasbalizadas na Convenção Americana de Direitos Humanos. A tese do perdão, chancelada pelo STF, deve ser superada pelo direito à memória, à verdade e à justiça.

Além da injustificável impunidade conferida aos violadores na esfera criminal, ante o entendimento firmado pela Corte Maior de que a Constituição Federal de 1988 havia recepcionado a Lei de Anistia, as obrigações de natureza cível e administrativa também não estão sendo cumpridas de forma satisfatória.  

Nada obstante os desafios do Judiciário brasileiro, defende-se a necessidade de o Poder Público despender um esforço maior para concretização das demandas que envolvem Direitos Humanos, sobretudo quando o título judicial emana de uma Corte Internacional, o que já sinaliza a negligência das instâncias internas.

Compactuar com a não responsabilização dos atos conscientes de atrocidades equivale a aceitar que a dignidade inerente à pessoa humana esteja em patamar inferior a uma norma ilegítima.

Não restam dúvidas quanto à incompatibilidade da Lei de Anistia com a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, e, em face do conflito de fontes, recomenda-se que prevaleça a aplicação da norma cuja supremacia dos Direitos Humanos se concretize.

Muito embora esteja vigente a Lei da Anistia brasileira, importa reconhecer que as decisões da Corte IDH demonstram sua aversão ao tratamento dispensado pelo Estado brasileiro aos violadores de Direitos Humanos do Golpe Militar, cujas condenações refletem o esforço da comunidade interna e externa para obtenção de contrapartida estatal à altura das violações praticadas.

Ante o exposto, reforça-se a necessidade de cumprimento das decisões proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos com mais celeridade e que haja, sem ressalvas, a responsabilização dos autores pelas atrocidades praticadas, em demonstração do comprometimento do país com a preservação dos Direitos Humanos, sendo seus ideais de justiça harmônicos com as diretrizes internacionais.

REFERÊNCIAS

AMORIM, Carlos. A OEA adverte: O Brasil não cumpriu sentença internacional sobre crimes políticos. Disponível em:< https://carlosamorim.com/2014/12/05/a-oea-adverte-o-brasil-nao-cumpriu-sentenca-internacional-sobre-crimes-politicos-em-2010-a-corte-interamericana-de-direitos-humanos-condenou-o-pais-por-mortos-e-desaparecidos-durante-o-regime-milit/>. Acesso em: 21 de outubro 2022.

BARROS, Cesar Mongolin de. A ditadura militar no Brasil: processo, sentido e desdobramentos. Disponível em: <http://cesarmangolin.files.wordpress.com/2010/02/cesar-mangolin-de-barros-a-ditadura-militar-no-brasil-2011.pdf > Acesso em 21 de outubro de 2022.

BRASIL (2014). Comissão nacional da Verdade (CNV). Relatório. Brasília: Imprensa Nacional, vol.1, t.I e II. Disponível em: < http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_1_digital.pdf>. Acesso em 18 de outubro de 2022.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 18 de outubro de 2022.

BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal). Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm> . Acesso em: 21 de outubro de 2022.

BRASIL. Decreto n° 678, de 06 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm>. Acesso em: 21 de outubro de 2022.

BRASIL. Lei. n° 6.683, de 28 de agosto de 1979. Concede anistia e dá outras providências. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6683.htm>. Acesso em: 21 de outubro de 2022. 

BRASIL. Lei n° 8.072, de 25 de julho de 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm>. Acesso em: 21 de outubro de 2022.

BRASIL. Lei n° 12.528, de 18 de novembro de 2011. Cria a Comissão Nacional da Verdade no âmbito da Casa Civil da Presidência da República. Disponível em: < Cria a Comissão Nacional da Verdade no âmbito da Casa Civil da Presidência da República>. Acesso em: 21 de outubro de 2022.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula número 647. PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2021, DJe 15/03/2021. Disponível em: < https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?b=SUMU&tipo=sumula >. Acesso em: 21 de outubro de 2022.

Brasil. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 466343, Relator(a): CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2008. Disponível em: < https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=595444>. Acesso em: 21 de outubro de 2022.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 153. Arguente: Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: ministro Eros Grau. Trecho do voto do ministro Presidente Cezar Peluso. Brasília, 29 de abril de 2010. Disponível em:< http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/adpf153.pdf>. Acesso em: 21 de outubro de 2022.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 320. Arguinte: Partido Socialismo e Liberdade – PSOL. Relator: Dias Toffoli. Data de protocolo: 15/05/2014.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal.  Reclamação n° 11.949 – Rio de Janeiro, Rel. Min. Cármen Lúcia, Plenário, j.16.03.2017. Disponível em: < https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur371730/false>. Acesso em: 21 de outubro de 2022.

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Gomes Lund e Outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil. Sentença de 24 de novembro de 2010. Exceções preliminares, mérito, reparações e custas. Presidente: Juiz Diego García Sayán. San José, 24 de novembro de 2010. Disponível em: <https://midia.mpf.mp.br/pfdc/hotsites/sistema_protecao_direitos_humanos/docs/corte_idh/Jurisprudencia/casos_contenciosos/CasoGomesLund_outrosVsBrasil/sentenca.pdf >. Acesso em 21 de outubro de 2022.

DELLOVA, Renato Souza. Considerações sobre o cumprimento da decisão da Corte interamericana de direitos humanos sobre a lei de anistia no Brasil. Disponível em:<http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12868>. Acesso em: 21 de outubro de 2022.

GOMES, Flávio Gomes e MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Orgs.). Crimes da Ditadura Militar e o “Caso Araguaia”: Aplicação do Direito Internacional dos Direitos Humanos pelos Juízes e Tribunais Brasileiros. Disponível em:<http://www.corteidh.or.cr/tablas/r29982.pdf>.  Acesso em: 21 de outubro de 2022.

GOMES, Flávio Gomes e MAZZUOLI, Valério de Oliveira (Orgs.). Crimes da ditadura militar: uma análise da atual jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Controle concentrado de convencionalidade tem singularidades no Brasil, abril. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-abr-24/valerio-mazzuoli-controle-convencionalidade-singularidades>. Acesso em: 21 de outubro de 2022.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

NIEMEYER, Pedro Octavio d.  A validade da Lei da Anistia e as decisões do STF e da CIDH. Disponível em:<http://www.epublicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/18045/15888>.  Acesso em: 21 de outubro de 2022.

PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos. 3º Edição. Belo Horizonte. Editora CEI, 2020.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

RAMOS, André Carvalho. Curso de Direitos Humanos. – 7. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

RAMOS, André de Carvalho. O primeiro ano da sentença da Guerrilha do Araguaia, Novembro. 2011. Disponível em :<http://www.conjur.com.br/2011-nov-24/ano-depois-sentenca-guerrilha-araguaia-nao-foi-cumprida>. Acesso em: 21 de outubro de 2022.

RÊGO, Alisson Jordão. Lei de Anistia aos violadores de Direitos Humanos durante a ditadura militar: uma nova perspectiva a partir da Comissão da Verdade. Disponível em: <https://www.fdsm.edu.br/site//graduacao/anais2016/31.pdf>. Acesso em: 21 de outubro de 2022.


[1] Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. Advogada (OAB/PB n°25.914). Pós-graduada em Direito Público. Pós-graduanda em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale. Endereço de e-mail: jucelandia_8@hotmail.com.

[2] Corte IDH, Caso Gomes Lund vs. Brasil, pag.61. Disponível em: < https://midia.mpf.mp.br/pfdc/hotsites/sistema_protecao_direitos_humanos/docs/corte_idh/Jurisprudencia/casos_contenciosos/CasoGomesLund_outrosVsBrasil/sentenca.pdf >. Acesso em 19/12/2022.

[3] PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos. 3º Edição. Belo Horizonte. Editora CEI, 2020, p. 186.

[4] PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos. 3º Edição. Belo Horizonte. Editora CEI, 2020, p. 377/378.

[5] PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos. 3º Edição. Belo Horizonte. Editora CEI, 2020, p. 379.

[6] Corte IDH, Caso Gomes Lund vs. Brasil, pag.61. Disponível em: < https://midia.mpf.mp.br/pfdc/hotsites/sistema_protecao_direitos_humanos/docs/corte_idh/Jurisprudencia/casos_contenciosos/CasoGomesLund_outrosVsBrasil/sentenca.pdf >. Acesso em 19/12/2022.

[7] Corte IDH, Caso Gomes Lund vs. Brasil, pag.53. Disponível em: < https://midia.mpf.mp.br/pfdc/hotsites/sistema_protecao_direitos_humanos/docs/corte_idh/Jurisprudencia/casos_contenciosos/CasoGomesLund_outrosVsBrasil/sentenca.pdf >. Acesso em 19/12/2022.

[8] Corte IDH, Caso Gomes Lund vs. Brasil, pag.39. Disponível em: <https://midia.mpf.mp.br/pfdc/hotsites/sistema_protecao_direitos_humanos/docs/corte_idh/Jurisprudencia/casos_contenciosos/CasoGomesLund_outrosVsBrasil/sentenca.pdf>. Acesso em 19/12/2022.

[9] Disponível em: < https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=612960 >. Acesso em 19/10/2022.

[10] PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos. 3º Edição. Belo Horizonte. Editora CEI, 2020.

[11] Curso de Direitos Humanos/André de Carvalho Ramos. – 5. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 590/591.

[12] RAMOS, André Carvalho. Curso de Direitos Humanos. – 7. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020, pag.546.

[13] PAIVA, Caio. HEEMANN, Thimotie Aragon. Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos. 3º Edição. Belo Horizonte. Editora CEI, 2020, pag.385.