O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL

O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL

30 de junho de 2024 Off Por Cognitio Juris

THE ROLE OF THE PUBLIC PROSECUTION OFFICE IN THE ERADICATION OF SLAVE LABOR IN BRAZIL

Artigo submetido em 17 de junho de 2024
Artigo aprovado em 26 de junho de 2024
Artigo publicado em 30 de junho de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 55 – Junho de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Maressa Brasil Flores[1]
Israel Andrade Alves[2]

RESUMO: O objeto do presente trabalho é a atuação do Ministério Público do Trabalho – MPT, na luta contra a erradicação do trabalho escravo no Brasil, uma prática desumana que persiste em diversas áreas, especialmente em setores como agricultura, construção civil e indústria têxtil. Considerando a persistência desse problema, o papel do MPT é crucial para combater essa prática ilegal. A pesquisa examinará as táticas utilizadas por esse instituto fiscalizador, os desafios enfrentados e as possíveis soluções para fortalecer sua atuação nesse campo. As táticas empregadas pelo MPT incluem investigações rigorosas, fiscalizações em locais suspeitos, cooperação com outras entidades governamentais e organizações não governamentais, e a promoção de Ações Civis Públicas contra empregadores que praticam trabalho escravo. A luta para o enfrentamento desse problema socioeconômico confrotam diversos desafios, estes incluem a falta de recursos financeiros e humanos, a extensão geográfica do país, a corrupção em algumas instâncias governamentais, a resistência de alguns setores econômicos e a impunidade de muitos empregadores. Para superar esses desafios, é fundamental que o Ministério Público do Trabalho receba mais apoio do governo bem como da  sociedade civil, isso inclui investimentos em capacitação de pessoal, fortalecimento das políticas públicas, criação de mecanismos eficazes de punição e cooperação internacional para enfrentar o problema em todas as suas dimensões.

PALAVRAS-CHAVE: Escravidão; Trabalho Escravo; Ministério Público; Erradicação; Táticas; Desafios.

ABSTRACT: The subject of this paper is the work of the Labor Prosecutor’s Office (MPT) in the fight to eradicate slave labor in Brazil, an inhumane and illegal practice that persists in various areas, especially in sectors such as agriculture, construction and the textile industry. Given the persistence of this problem, the role of the MPT is crucial in combating this inhumane and illegal practice. The research will examine the tactics used by this inspection institute, the challenges it faces and possible solutions to strengthen its work in this field. The tactics employed by this institute include rigorous investigations, inspections of suspected sites, cooperation with other government entities and non-governmental organizations, and the promotion of Public Civil Actions against employers who practice slave labour. The struggle to tackle this problem faces a number of challenges, including the lack of financial and human resources, the geographical extent of the country, corruption in some government bodies, the resistance of some economic sectors and the impunity of many employers. To overcome these challenges, it is essential that the Labor Prosecutor’s Office receives more support from the government as well as civil society. This includes investments in staff training, strengthening public policies, creating effective punishment mechanisms and international cooperation to tackle the problem in all its dimensions.

KEYWORDS: Slavery; Slave Labor; Public Prosecutor’s Office; Eradication; Tactics; Challenges.

INTRODUÇÃO

Abolida apenas no papel, a escravidão tem novas faces no Brasil e se dá por meio de jornadas exaustivas, condições degradantes e restrições à locomoção de trabalhadores em razão de dívidas. É esse cenário que está caracterizado o trabalho escravo, tema central desse estudo.

Para Brito Filho (2020) a persistência do trabalho escravo no Brasil representa a contrariedade aos objetivos fundamentais da República brasileira, expressos no art. 3º da atual Constituição Federal.

No campo penal, o código penal vigente traz a definição do que seja trabalho análogo à escravidão. Importante ressaltar, que a norma penal utiliza esse termo em razão de ser importante diferencia-lo de quando a escravidão era legalmente permitida no Brasil, mas o fenômeno em si é trabalho escravo. O código penal define o trabalho análogo à escravidão em quatro modalidades, que são: trabalho forçado, servidão por dívidas, jornadas exaustivas e condições degradantes de trabalho.

Na prática, o que se tem visto é a ausência de alojamentos ou alojamentos em condições que não atendem o mínimo que a lei prevê; ausência de fornecimento de água e alimentação minimamente saudáveis, falta de equipamentos para trabalhar; ausência de concessão e remuneração dos descansos que a lei prevê. A fiscalização sempre considera um conjunto de irregularidades que são analisadas caso a caso (Bezerra; Castro, 2022).

Diante desse fato, a escolha para esse tema se deu por entender que os efeitos sociais e pessoais do trabalho escravo atinge sobremaneira os trabalhadores, que sem terem outra opção, acabam perdendo a própria dignidade em troca de comida ou um lugar para dormir, sem ter qualquer direito trabalhista garantido.

Para além de discutir sobre o trabalho escravo, também se faz necessário analisar o posicionamento jurídico brasileiro sobre essa questão. Dessa forma, é urgente que se discuta quais normas existentes sobre a criminalização do trabalho escravo em solo brasileiro e sua efetividade jurídica e social.

Nesse contexto, o Ministério Público do Trabalho assume um papel crucial na defesa dos direitos dos trabalhadores e na busca pela eliminação do trabalho escravo.

A presente pesquisa teve como objetivo analisar as táticas e os desafios enfrentados pelo Ministério Público na luta contra o trabalho escravo, destacando sua importância na promoção da justiça e na garantia dos direitos humanos. Para tanto, foram exploradas as perspectivas de diversos doutrinadores, bem como os conflitos jurídicos e sociais inerentes a essa questão.

1 ORIGENS E EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TRABALHO ESCRAVO

Antes de se adentrar no aspecto histórico do trabalho escravo, é necessário tecer algumas linhas gerais a respeito do seu conceito. Deste modo, entende-se como trabalho escravo uma forma de exploração laboral na qual indivíduos são submetidos a condições de trabalho desumanas e são privados de liberdade, tratados como propriedade e forçados a trabalhar contra a sua vontade, frequentemente sem remuneração adequada ou qualquer forma de benefícios trabalhistas (Schwarcz; Gomes, 2018).

Segundo a Anti Slavery Internacional (ASI), uma organização não governamental que atua na repressão de condições análogas a de escravidão em todo o mundo, a escravidão contemporânea é definida a partir dos seguintes elementos que a distinguem de outras formas de abuso a direitos fundamentais: trabalho forçado sob ameaça; controle ou exercício de propriedade por um empregador por meio de abuso mental ou físico, tratamento desumanizados e restrição ou limitação da liberdade.[3]

No Brasil, o termo usado para designar o trabalho forçado (conceito usado pela Organização Internacional do Trabalho em suas convenções sobre o tema) é o de trabalho escravo, o qual será adotado neste trabalho.

Nas palavras de Alves (2017), o trabalho escravo viola os direitos humanos fundamentais, incluindo o direito à liberdade, o direito a um trabalho digno, o direito a condições de trabalho justas e o direito a uma remuneração justa.

Este tipo de trabalho, muitas vezes é executado sob ameaça de violência, coerção física, psicológica ou retaliação, o que impede que os trabalhadores escapem ou resistam. Os trabalhadores escravizados são frequentemente submetidos a condições de trabalho insalubres e perigosas, com longas jornadas de trabalho, falta de acesso a saneamento básico e exposição a riscos à saúde e segurança (Alves, 2017).

Muitas vezes, os trabalhadores escravizados não recebem pagamento adequado ou não são pagos de forma alguma. Se recebem alguma remuneração, ela é insuficiente para atender às necessidades básicas (Alves, 2017).

Ao descrever o perfil de um trabalhador escravizado, Pinto (2020) acentua que as vítimas são pessoas em situação de vulnerabilidade, como migrantes, refugiados, crianças ou grupos étnicos marginalizados, que são explorados devido à sua falta de proteção legal e social.

No contexto histórico, o trabalho escravo é uma prática que remonta a tempos antigos e tem uma longa história em várias partes do mundo. É possível afirmar que desde os primórdios das civilizações os indivíduos já eram escravizados, ou seja, forçados a trabalhos exaustivos contra a sua vontade de escolha.

Na Antiguidade, o trabalho escravo era comum nas antigas civilizações da Mesopotâmia, Egito, Grécia e Roma. Escravos eram frequentemente capturados como prisioneiros de guerra ou nasciam como escravos devido à condição de seus pais escravizados (Sakamoto, 2020).

No antigo Egito, por exemplo, o trabalho escravo era uma parte fundamental da economia. Os escravos eram usados em construções monumentais, como as pirâmides e templos, bem como em atividades agrícolas e domésticas (Sakamoto, 2020).

Na Grécia Antiga, o trabalho escravo era comum, especialmente nas cidades-estado. Os escravos eram usados para realizar trabalhos manuais, permitindo que os cidadãos gregos se dedicassem à política, à filosofia e às artes. Já em Roma, o Império Romano também dependia muito do trabalho escravo. Os escravos eram usados em uma ampla variedade de ocupações, incluindo agricultura, mineração, construção, entre outros. Eles eram frequentemente tratados como propriedade e não tinham direitos legais (Alves, 2017).

Girardi et al. (2020) nos explica que nas civilizações asiáticas, o trabalho escravo era uma prática comum na agricultura, na construção de infraestrutura e em atividades domésticas. No Império Persa, o trabalho escravo também era uma parte importante da economia, especialmente em atividades agrícolas e na construção de estradas e canais.

Nas Américas, antes da chegada dos europeus, muitas civilizações indígenas usavam escravos capturados em guerras para realizar trabalhos agrícolas, construção e outros trabalhos pesados (Girardi et al., 2020).

No período denominado de Idade Média, o sistema feudal predominou, e embora não fosse equivalente à escravidão clássica, existiam formas de servidão e trabalho forçado, onde camponeses serviam senhores feudais (Pinto, 2020).

Silva (2020) afirma que a Idade Média na Europa foi marcada por uma estrutura social feudal, na qual a terra era geralmente propriedade de senhores feudais e os camponeses trabalhavam na terra em troca de proteção e abrigo. Embora os camponeses não fossem legalmente escravizados, sua liberdade era limitada e eles estavam vinculados à terra e ao senhor feudal.

De modo resumido esse período, apresenta-se:

O sistema feudal era a estrutura dominante na Europa durante a Idade Média. Os servos estavam vinculados à terra que trabalhavam e não podiam deixá-la sem a permissão do senhor feudal. Isso significava que eles não tinham mobilidade ou liberdade de escolha em relação aonde viver e trabalhar. Eles tinham obrigações específicas para com o senhor feudal, incluindo trabalhar na terra, pagar tributos em produtos agrícolas e fornecer serviços como parte do sistema de prestação de serviços. Além disso, tinham poucos direitos legais e eram considerados propriedade do senhor feudal. Eles não tinham a liberdade de se casar, se mudar ou tomar decisões importantes sem a permissão do senhor feudal (SCHWARCZ; GOMES, 2018, p. 12).

Durante a Era da Exploração e Colonização, que ocorreu principalmente nos séculos XVI ao XVIII, as potências coloniais europeias, como Espanha, Portugal, Inglaterra, França e Holanda, estabeleceram impérios coloniais em várias partes do mundo. O trabalho escravo desempenhou um papel significativo nesse período, especialmente nas Américas, onde a exploração e a exploração dos recursos naturais eram uma parte fundamental do sistema colonial (Ramos, 2018).

 O tráfico de escravos transatlântico foi um dos aspectos mais notáveis desse período. Milhões de africanos foram capturados, escravizados e transportados para as colônias americanas para trabalhar nas plantações de açúcar, tabaco, algodão e outras culturas (Ramos, 2018).

Segundo explica Silva (2020), as plantações eram grandes propriedades agrícolas nas colônias americanas, principalmente nas regiões do Caribe, América do Norte e América do Sul. O trabalho escravo era essencial para o funcionamento dessas plantações, onde os escravos eram forçados a trabalhar em condições frequentemente brutais.

As condições de trabalho dos escravos eram extremamente severas, com longas horas de trabalho, falta de alimentação adequada, abuso físico e exposição a doenças. Muitos escravos enfrentaram uma vida de sofrimento e mortalidade precoce (Silva, 2019).

Apesar das condições desumanas, muitos escravos resistiram à escravidão e se envolveram em revoltas e rebeliões. Alguns exemplos notáveis incluem a Revolta de Nat Turner nos Estados Unidos e a Revolta dos Malês no Brasil (Silva, 2019).

Cansados de serem obrigados a ter que se submeter a trabalhos forçados e exaustivos, as ideias abolicionistas começaram a ganhar força. Isso se ampliou no final do século XVIII e durante o século XIX, levando à abolição gradual da escravidão em várias partes do mundo, incluindo o Reino Unido (1833) e os Estados Unidos (1865). A abolição total da escravidão no Brasil ocorreu em 1888 (Silva, 2019).

No Estados Unidos, por exemplo, a Guerra Civil (1861-1865) foi um marco importante na luta pela abolição da escravidão, resultando na Proclamação de Emancipação de 1863 e na 13ª Emenda à Constituição dos EUA em 1865, que aboliram formalmente a escravidão (Siqueira, 2019).

Após a abolição, muitos ex-escravos enfrentaram discriminação e segregação racial, especialmente nos Estados Unidos, no período conhecido como Jim Crow (Siqueira, 209).

Embora a escravidão legal tenha sido abolida em grande parte do mundo, formas modernas de escravidão, como o trabalho forçado e o tráfico humano, ainda persistem em algumas regiões.

2 O TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL

A história do trabalho escravo no Brasil é extensa e complexa, abrangendo desde o período colonial até o século XIX. A escravidão desempenhou um papel fundamental na economia do país durante séculos, sendo uma das bases da produção agrícola, principalmente nas plantações de cana-de-açúcar, café e outras culturas.

No período colonial (1500-1822), a chegada dos portugueses ao Brasil em 1500 marcou o início da exploração das terras recém-descobertas. Os portugueses inicialmente tentaram usar a mão de obra indígena, mas logo perceberam que seria necessário importar escravos africanos para atender à demanda por trabalho nas plantações (Silva, 2020).

A Lei Eusébio de Queirós, promulgada em 1850, tornou ilegal o tráfico de escravos africanos para o Brasil. Isso resultou na diminuição do número de escravos africanos importados, mas a escravidão já existente continuou. Da mesma forma, a Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888, finalmente pôs fim à escravidão no Brasil, o que também não foi suficiente para resolver imediatamente os problemas sociais e econômicos enfrentados pelos ex-escravos, que muitas vezes enfrentaram discriminação e falta de oportunidades (Leão; Ribeiro, 2021).

Fato é que o trabalho escravo esteve presente na história do país desde sempre, fazendo parte da construção e desenvolvimento nacional. Mesmo sem a escravidão, as raízes do trabalho forçado e limitante da liberdade ainda se encontra exercido na atualidade.

No decorrer do século XX, a partir de 1976 iniciou-se os primeiros registros oficiais a respeito da temática. Como mostra em seu estudo, Leão e Ribeiro (2021) nos traz a informação de que em 1976 teve-se registro de denúncias que davam conta de 223 trabalhadores escravizados e entre 1976 e 1985, ano da publicação do primeiro Caderno Conflitos no Campo Brasil, o total de trabalhadores escravizados que constava em denúncias foi de 6.509. De 1986 até 1994 foram registradas denúncias de mais 74.485 trabalhadores escravizados.

Em razão do número crescente das denúncias, começou-se as pressões nacionais e principalmente internacionais para que o Brasil se posicionasse no combate ao trabalho escravo. Diante disso, o país reconheceu esse problema e criou o Ministério do Trabalho e Emprego e vinculada à Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), a Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (DETRAE) e, coordenado por essa divisão, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM ou Grupo Móvel), onde em parceira, foi estabelecidos grupos móveis coordenados pelas Superintendências Regionais, responsáveis pela realização das fiscalizações sobre o trabalho escravo no país. A partir de 1995, a SIT passou a divulgar os resultados das operações do Grupo Móvel, tornando-se mais uma fonte das informações sobre o trabalho escravo no Brasil (Leão; Ribeiro, 2021).

Soma-se a isso o fato de que erradicar o trabalho escravo é meta que já constou de dois Planos Nacionais “de Erradicação do Trabalho Escravo” (2003 e 2008), reforçados por três Planos Nacionais de “Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (2008, 2013, 2018). (Silva, 2020).

Apesar dos esforços nacionais no sentido de sanar o trabalho escravo no país, na atualidade o número de trabalhadores escravizados não deixou de crescer. Como exemplo da realidade atual, o relatório “The global slavery index 2018” publicado pela Walk Free Foundation (WFF, 2018), no ano de 2016, trouxe a informação de que havia no mundo todo cerca de 24,9 milhões de pessoas em situação de trabalho forçado. No Brasil, o número era de 369.000 pessoas em situação de escravidão moderna, sem detalhamento por subcategoria (Patterson, 2018).

Além desses números é preciso também mencionar que o trabalho escravo se encontra mais acentuado no campo. Como informam Costa e Merheb (2019), no Brasil, o crime de escravização tem sido observado sobretudo no campo, em atividades relacionadas à agropecuária, e somente a partir de meados da década de 2000 começou a ser identificado também em atividades não rurais.

É na zona rural que são encontrados grande parte dos cidadãos vivendo em situação de escravização no trabalho. Para fundamentar essa realidade, apresenta-se o Gráfico 1 que nos mostra o quantitativo de trabalhadores rurais encontrados em situação de escravidão; a saber:

Gráfico 1 – Número de resgastes de trabalhadores rurais em condição análoga à escravidão

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) apud SALATI (2023).

Conforme exposto no Gráfico 1, o campo ainda possui um alto índice de trabalhadores escravizados. De acordo com Salati (2023) as atividades ligadas à agropecuária onde mais se registrou trabalho escravo nos últimos anos foram a cana-de-açúcar, atividades de apoio à agricultura, produção de carvão vegetal, cultivo de alho, cultivo de café, cultivo de maçã, criação de bovinos e cultivo de soja.

Bevilacqua (2018) acrescenta na discussão, que se é no campo que se encontra as situações mais comuns e numerosas de trabalho escravo no Brasil, é nas fazendas, chácaras, ranchos e demais propriedades rurais que se deve enfatizar a fiscalização. Como indaga a autora, “como é que uma empresa do agronegócio pode ser ambientalmente responsável sem ser, primeiro, responsável com as pessoas que lhe prestam serviço?” (BEVILACQUA, 2018, p. 18).

Se nos tempos antigos a escravidão laboral era institucionalizada por meio da escravidão – situação inclusive normatizada – na contemporaneidade ela é gerada por diversos fatores, incluindo aí as mudanças sociais, tecnológicas e legislativas.

A princípio, Salati (2023) avalia que a reforma trabalhista, ocorrida em 2017, precarizou o trabalho rural, o que possibilitou criar abertura para que surgissem situações degradantes de trabalho. Através da reforma, a terceirização da atividade fim das empresas passou a ser permitida. No caso de uma plantação, a atividade fim é o plantio e a colheita.

A supracitada autora entende que antes da mudança, as fazendas eram obrigadas a contratar os trabalhadores de forma direta, criando uma relação de maior responsabilidade com eles. Quem saía em busca dessas pessoas eram os “arregimentadores de mão de obra”, também conhecidos como “gatos” (Salati, 2023).

Em suas palavras a autora cita que “esse intermediário cobra das empresas um valor bem acima pela mão de obra e repassa muito pouco para os trabalhadores. E aí geram essas condições de trabalho análogo à escravidão” (Salati, 2023, p. 01). Essa situação traz na prática um número elevado de trabalhadores que – muitos sem instrução – acabam por ‘aceitar’ a situação humilhante.

Outra causa para o trabalho escravo ainda ser encontrado no Brasil é em relação a situação econômica e social dos trabalhadores. Karvat e Hornick (2022, p. 01) aduzem que o crescimento de pessoas “na linha de miséria forma um grande contingente humano disponível para qualquer tipo de trabalho. É por isso que os trabalhadores são, geralmente, aliciados em municípios com baixo índice de desenvolvimento humano”.

Miraglia (2023, p. 01) argumenta que “o aumento da pobreza e da miséria após a pandemia piorou as condições de vida no campo e criou um grande contingente de pessoas disponível para ocupar posições mais precarizadas de trabalho”.

O que a autora acima menciona é que o cenário brasileiro após a pandemia global ocorrida em razão da expansão de contaminação da Covid-19 (doença essa, mortal) que impactou todo o planeta e afetou a economia, a educação, o sistema de saúde e todos os outros polos sociais, acabou por influenciar na queda de oportunidades de trabalho. Esse fator, gerou de certo modo a busca desenfreada por emprego, seja ele qual for. É nesse contexto, que muitas empresas e organizações de várias áreas aproveitou e colocou os trabalhadores em estado de escravidão.

Ainda sobre as causas para a continuidade contemporânea do trabalho escravo, encontra-se a falta de uma fiscalização mais efetiva. Costa e Merheb (2019) afirmam que muitos trabalhadores têm denunciado a situação degradante ao qual estão inseridos no trabalho, o que não era comum em épocas passadas. Apesar disso, o número de fiscais em atividade tem diminuído nos anos mais recentes. O autor explica que muitos se aposentaram, mas as vagas não são respostas desde 2013.

É o que mostra o gráfico abaixo:

Gráfico 2 – Auditores Fiscais do Trabalho em atividade

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) apud SALATI (2023).

Com base no gráfico acima, verifica-se que o número de fiscais está em nível decrescente, o que também contribui para que o trabalho escravo seja efetivado. A falta de fiscalização acaba por gerar a sensação de impunidade dos empresários, dando continuidade à escravidão dos trabalhadores.

Deste modo, novas contratações são necessárias para montar ações de prevenção e que flagrem o trabalho escravo com antecedência, antes mesmo de as denúncias chegarem (Macedo; Brito, 2023).

Apesar das causas e da existência da prática do trabalho escravo no Brasil, a legislação brasileira vem criminalizando essas condutas. É o que será analisado a seguir.

3 ANÁLISE JURÍDICA DO TRABALHO ESCRAVO NA CONTEMPORANIEDADE

No tópico anterior, ficou claro observar que é no campo que se tem o maior número de casos de trabalho escravo contemporâneo no Brasil. Nos últimos anos, tem sido exposto diversos casos onde os trabalhadores estão sujeitos a todo tipo de violência e desrespeito. Como exemplo, cita-se abaixo o Quadro 1 com os casos mais recentes e emblemáticos que mostram essa realidade:

Quadro 1 – Trabalho escravo na zona rural: casos recentes mais famosos

CASODESCRIÇÃO
            Cultivo da uvaUma das operações mais emblemáticas foi o resgate no cultivo da uva em 2021, que envolveu três grandes empresas conhecidas no município de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul: Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton. No total, 207 homens que prestavam serviço nessas fazendas foram encontrados em situação análoga à escravidão. Os trabalhadores resgatados nesta operação relataram ter sofrido espancamentos, choques elétricos, tiros de bala de borracha e ataques com spray de pimenta, além de jornadas exaustivas de trabalho
  Lavoura de cana-de-açúcarNo estado de Goiás, em março de 2021, teve o resgate de mais de 200 homens em uma lavoura de cana-de-açúcar. Os trabalhadores atuavam nos municípios Itumbiara, Edéia e Cachoeira Dourada, no sul de Goiás.
            Fazendas de arrozUma operação realizada em 2021 resgatou 82 trabalhadores em situação semelhante à escravidão em duas fazendas de arroz no interior do município de Uruguaiana, na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. A operação foi realizada em conjunto pela Polícia Federal (PF), Ministério Público do Trabalho e a Gerência Regional do Trabalho. Os resgatados foram todos homens, sendo 11 deles eram adolescentes, com idade entre 14 e 17 anos. A operação foi realizada nas estâncias Santa Adelaide e São Joaquim.

Fonte: Ambos os casos foram citados na reportagem de Almeida (2023). Disponível em: https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2023/02/28/cana-carvao-alho-as-atividades-rurais-com-mais-resgates-por-trabalho-escravo-em-2022.ghtml. Acesso em: 15 set. 2023.

No entanto é importante também destacar que o trabalho escravo não se encontra somente no campo. Nas áreas urbanas ele também é praticado, e tem se tornado mais comum a cada ano.

Lara (2023) ao abordar essa questão, explica que se no campo grande parte dos trabalhadores escravizados são formados por homens, na cidade são as mulheres as principais vítimas. Trabalhos domésticos, de cuidado e no mercado do sexo são as áreas que mais se encontram mulheres em situação de escravidão.

Nascidas no Norte ou no Nordeste, pretas ou pardas, analfabetas ou com o ensino básico incompleto. Esse é o perfil da maioria das 2.488 mulheres resgatadas do trabalho análogo à escravidão durante os últimos 20 anos no país (Lara, 2023).

Profissões como empregada doméstica e de cuidado e no campo da prostituição são majoritariamente dominados pelas mulheres. Portanto, nesses ambientes, o trabalho análogo à escravidão se torna mais comum a esse gênero.

Muitas delas adentram nesses empregos em busca de melhores condições econômicas e principalmente como uma ajuda de renda a suas famílias. Por serem trabalhos com menos exigência acadêmica e de experiência, as mulheres acabam por busca-los em períodos de dificuldade financeira, o que acaba por oportunizar a prática escravista (Dantas, 2020).

Como bem analisa Dantas (2020, p. 13):

[….] o trabalho escravo contemporâneo afeta grupos sociais com perfil de grande vulnerabilidade, marcados pela pobreza econômica, o baixo nível de educação formal, a falta de acesso à terra e a emprego formal: uma exclusão social que, no caso específico do Brasil, resulta de uma histórica e estrutural discriminação, cujo componente racial até hoje continua sendo determinante, mais de 130 anos após a abolição da escravatura, em marcada – porém negada e silenciada – continuidade com o período anterior.

Trabalhadores vulneráveis, sem alternativa de emprego ou renda, são aliciados por intermediários ou por empregadores com promessas de um “bom” trabalho e, chegando ao destino, frequentemente em região diversa da sua origem, são submetidos a condições degradantes, a jornadas exaustivas, indo até servidão por dívida e ao cerceamento da sua liberdade (Macedo; Brito, 2023).

Frente a essa realidade, a legislação brasileira não poderia se ausentar nesse contexto. O trabalho escravo contemporâneo tem seu conceito estabelecido pelo artigo 149 do Código Penal; com o seguinte texto:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I – contra criança ou adolescente;

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

(BRASIL, 1940)

Dessa forma, são quatro as hipóteses de configuração do trabalho escravo contemporâneo no Brasil: 1) trabalhos forçados; 2) Jornada exaustiva; 3) condições degradantes de trabalho e 4) restrição à liberdade de locomoção.

Com base na legislação que baliza a atuação do Estado brasileiro no combate a esse crime, considera-se escravidão contemporânea qualquer atividade laboral para a qual o trabalhador não tenha se apresentado voluntariamente ou que, durante o exercício da atividade, tenha toda ou parte de sua autonomia da vontade limitada em razão de elementos alheios à sua vontade, quer sejam: restrição à sua liberdade de locomoção por qualquer motivo, retenção de documentos, contração de dívida em razão da atividade laboral (Mendes; Branco, 2019).

Para Mendes e Branco (2019), a redação do art. 149 do Código Penal, ao discriminar expressamente as ações que configuram o tipo, acabou por proteger dois bens jurídicos distintos, a saber: a dignidade e a liberdade do trabalhador. O primeiro, por meio das condutas trabalho forçado, jornada exaustiva e sujeição a condições degradantes de trabalho e, o segundo, através de restrições à liberdade, seja em razão de dívida contraída, seja por meio do cerceamento de transporte, vigilância ostensiva ou retenção de documentos ou objetos pessoais.

De acordo com Martinez (2019), o artigo 149 do Código Penal caminha de mãos dadas com o princípio da dignidade da pessoa humana, que possui previsão na Carta Maior, em seu artigo 1º, no inciso III. A dignidade da pessoa humana é reconhecida como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Nesse sentido, um conceito de trabalho escravo que seja coerente com os ditames da Constituição Brasileira deve transcender a identificação de trabalho escravo apenas com a restrição à liberdade de locomoção e com o trabalho forçado. Contemporaneamente, trabalho escravo se apresenta de outras maneiras, como, por exemplo, a utilização da mão de obra alheia de forma a submeter o trabalhador a condições ofensivas à sua dignidade.

A jurisprudência brasileira já se posicionou no sentido de aplicar a pena quando configurado o crime em destaque. Como exemplo, cita-se o julgado abaixo:

PENAL E PROCESSUAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ART. 149 DO CP. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. CONDIÇÕES DEGRADANTES DE TRABALHO. VALIDADE DA NORMA. FATOS DESCRITOS NA DENÚNCIA. SUPOSTA CONFIGURAÇÃO DO CRIME. IN DUBIO PRO SOCIETATE. ARTS. 41 E 395 DO CPP. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS. RECURSO PROVIDO. 1. Não há se falar em ofensa aos princípios da legalidade ou taxatividade, pois, embora o art. 149 do CP constitua tipo penal aberto, ele apresenta elementos normativos que possibilitam a interpretação segura da expressão “condições degradantes de trabalho”. 2. Dos fatos narrados, infere-se haver fortes indícios de que a situação dos trabalhadores era degradante, notadamente porque ausentes condições mínimas de higiene, moradia, saúde e segurança. Assim e, considerando a irrelevância das condições socioeconômicas e da percepção da vítima sobre a situação, está caracterizado, em tese, o delito previsto no art. 149 do Código Penal. 3. Na fase de recebimento da denúncia, vige o princípio do in dubio pro societate, ou seja, só se admite seu desacolhimento caso haja prova definitiva de inocência. 4. Presentes os requisitos do art. 41 do CPP e, não configurando o caso nenhuma das hipóteses previstas no art. 395 do CPP, impõe-se o recebimento da peça acusatória. (Processo: 5000380-79.2012.404.7012, UF: PR, data da decisão: 28/11/2012; Órgão julgador: SÉTIMA TURMA). (grifo do autor)

A jurisprudência pátria ainda entende que o delito de submissão à condição análoga à de escravo – crime de ação múltipla e conteúdo variado – se configura, independentemente de restrição à liberdade dos trabalhadores ou retenção de seus documentos, bastando, para tanto, a teor do art. 149 do Código Penal, a demonstração de submissão a trabalhos forçados, a jornadas exaustivas ou a condições degradantes. É o que afirma o presente julgado do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. CONDENAÇÃO EM 1º GRAU. AFASTAMENTO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM PORQUE NÃO CONFIGURADA RESTRIÇÃO À LIBERDADE DOS TRABALHADORES OU RETENÇÃO POR VIGILÂNCIA OU MEDIANTE APOSSAMENTO DE DOCUMENTOS PESSOAIS. CRIME DE AÇÃO MÚLTIPLA E CONTEÚDO VARIADO. SUBMISSÃO A CONDIÇÕES DE TRABALHO DEGRADANTES. DELITO CONFIGURADO. CONDENAÇÃO RESTABELECIDA. RECURSO PROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, o delito de submissão à condição análoga à de escravo se configura independentemente de restrição à liberdade dos trabalhadores ou retenção no local de trabalho por vigilância ou apossamento de seus documentos, como crime de ação múltipla e conteúdo variado, bastando, a teor do art. 149 do CP, a demonstração de submissão a trabalhos forçados, a jornadas exaustivas ou a condições degradantes. Precedentes. 2. Devidamente fundamentada a condenação pela prática do referido delito em razão das condições degradantes de trabalho e de habitação a que as vítimas eram submetidas, consubstanciadas no não fornecimento de água potável, no não oferecimento, aos trabalhadores, de serviços de privada por meio de fossas adequadas ou outro processo similar, de habitação adequada, sendo-lhes fornecido alojamento em barracos cobertos de palha e lona, sustentados por frágeis caibros de madeira branca, no meio da mata, sem qualquer proteção lateral, com exposição a riscos, não há falar em absolvição. 3. Recurso especial provido para restabelecer a sentença condenatória, determinando que o Tribunal de origem prossiga no exame do recurso de apelação defensivo. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.843.150 – PA (2019/0306530-1). STJ. Relator: MINISTRO NEFI CORDEIRO. Data do Julgamento: 2605/2020).

Pelo entendimento do STJ, pelo qual esse estudo também corrobora, é que o crime de redução a condição análoga à de escravo pode ocorrer independentemente da restrição à liberdade de locomoção do trabalhador, uma vez que esta é apenas uma das formas de cometimento do delito, mas não é a única. O art. 149 do Códex penalista prevê outras condutas que podem ofender o bem juridicamente tutelado, isto é, a liberdade de o indivíduo ir, vir e se autodeterminar, dentre elas submeter o sujeito passivo do delito a condições degradantes de trabalho.

Frente a essa situação, verifica-se que de fato a lei penal brasileira criminaliza qualquer ação que venha a deixar um trabalhador em situação análoga à escravidão. No entanto, para sanar esse problema, não basta apenas encontrar as causas para a sua prática ou ter o texto normativo, é preciso ações de combates a esse crime, o que será analisado no tópico seguinte.

4 TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO, O MINISTÉRIO PÚBLICO E OS MECANISMOS DE COMBATE

Em 1995, no mesmo ano em que o Brasil reconheceu a existência do trabalho escravo em seu território, foi criado o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) no âmbito do Ministério do Trabalho, objetivando executar políticas de repressão e fiscalização desta prática no país. De acordo com as Nações Unidas, o GEFM resgatou, entre 1995 e 2017, mais de 50 mil trabalhadores de condições análogas à de escravidão no Brasil.[4]

Importante mencionar que no campo prático, a política pública de atendimento às vítimas de trabalho escravo no Brasil consiste, basicamente, na concessão de seguro-desemprego. Independente do tempo de trabalho daquela pessoa, ela tem direito a três parcelas do seguro-desemprego, além da garantia das indenizações, como danos materiais e morais que aquela pessoa sofreu pela exploração (Martinez, 2019).

Ainda na linha do combate à continuidade do trabalho escravo, Carvalho (2015) entende que se deva aumentar o número de equipes de fiscalização, incluindo autoridades policiais e inspetores do trabalho, uma vez que resgatar as vítimas é o primeiro passo para sua proteção e recuperação. Além disso, também é importante investir em treinamento contínuo para adaptação em situações diversas nos locais onde se encontra trabalho escravo.

Mello e César (2020) acreditam que a conscientização pública sobre o trabalho escravo é essencial para combater a prática. Programas educacionais podem ajudar a informar as pessoas sobre seus direitos e os sinais de trabalho escravo. Soma-se a isso, o fato de que empoderar os trabalhadores, garantindo que conheçam seus direitos e tenham acesso a sindicatos e organizações que os representem, é fundamental para evitar a exploração.

Nesse campo, é imperioso destacar o trabalho do Ministério Público no combate ao trabalho escravo. Carvalho (2023) destaca que o Ministério Público é uma instituição independente do poder executivo, legislativo e judiciário, cujo papel principal é a defesa da ordem jurídica, dos interesses sociais e individuais indisponíveis e do regime democrático.

Dentre as suas funções, Haddad (2021) explica que esse instituto atua como fiscal da lei, garantindo que as normas jurídicas sejam cumpridas por todos. É responsável por promover a ação penal pública, processando indivíduos que cometeram crimes. Além disso, protege direitos fundamentais, como os direitos humanos, e combate à corrupção.

Para Carvalho (2023), o Ministério Público desempenha um papel crucial na manutenção do estado de direito e na garantia de que as leis sejam aplicadas de maneira justa e equitativa. Sua independência permite que atue sem pressões políticas, focando na justiça e no bem-estar social.

Diante disso, é possível notar que o Ministério Público também atua no combate e na prevenção de crimes contra a sociedade, que no caso desse estudo, se concentra no trabalho escravo. Neste caso, fala-se do Ministério Público do Trabalho (MPT).

Santos (2022) ao explicitar o trabalho do Ministério Público do Trabalho relaciona ao trabalho escravo afirma que essa instituição realiza fiscalizações e investigações em locais de trabalho suspeitos de praticarem condições análogas à escravidão. Para isso, trabalha em parceria com outras instituições, como a Polícia Federal, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e ONGs, para combater o trabalho escravo de maneira mais eficaz.

Freitas (2023) ao abordar o trabalho do MPT, afirma que nas ações em que o MPT reconhece o trabalho em condição análogo à de escravo, sempre são relatadas condições degradantes, jornadas excessivas e vulnerabilidade social dos trabalhadores, na maioria dos casos envolvendo pessoas com baixa alfabetização, estrangeiros que não sabem o português ou trabalhadores aliciados em outros Estados brasileiros.

No trabalho de Vasconcelos (2024) tinha-se o objetivo de analisar a atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT) na repressão e prevenção do trabalho escravo contemporâneo, em especial no âmbito do estado de Pernambuco. De acordo com a autora, o MPT dispõe de diversos instrumentos para materializar sua atuação, entre eles: procedimento promocional, audiência pública, recomendação, mediação, arbitragem, inquérito civil, termo de ajuste de conduta e ação civil pública.

Primeiramente, segundo Vasconcelos (2024) há o Inquérito Civil (IC). Este é o estágio no qual o MPT atua como um verdadeiro agente de investigação, através da utilização das técnicas necessárias para instruir o procedimento e apurar os fatos de maneira completa.

A tramitação do IC ocorre, em síntese, da seguinte forma: dispondo das informações prévias necessárias para identificar as partes envolvidas e o local da exploração, expede-se ofício à Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE/PE) requisitando ação fiscal urgente no local denunciado; na inspeção in loco, realiza-se a oitiva da vítima e de testemunhas, o levantamento das verbas rescisórias devidas e a lavratura de autos de infração em relação a todas as práticas irregulares; comprovada a efetiva lesão aos direitos e interesses protegidos, o MPT notifica o empregador para comparecer em audiência; na sessão, é oferecida ao infrator a possibilidade de firmar termo de ajuste de conduta; caso o empregador aceite, o Procurador do Trabalho tomará as providências necessárias para celebração do compromisso; caso haja a recusa do empregador, serão adotadas as medidas para a propositura de ação civil pública (Vasconcelos, 2024).

Ao constatar que os fatos denunciados têm procedência, após devida instrução do feito, o MPT poderá firmar Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o agente responsável, nos próprios autos do PP ou do IC. No âmbito do MPT, o TAC se apresenta como instrumento alternativo para a solução de conflitos, de modo que o infrator possui a faculdade de aceitá-lo ou não. Caso o agente se recuse a firmar o compromisso, o Procurador do Trabalho poderá ajuizar Ação Civil Pública (ACP) para buscar a tutela jurisdicional coletiva dos direitos violados (Vasconcelos, 2024).

Além dessas ações judiciais, o MPT contribui para a manutenção da “Lista Suja”, um cadastro de empregadores flagrados utilizando trabalho escravo, disciplinado pela Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH nº 4 de 11, de maio de 2016. Essa lista é um importante instrumento de transparência e serve como um mecanismo de pressão social e econômica contra os infratores.

Na edição de 2024, um total de 248 empregadores foram adicionados ao Cadastro, representando o maior número de inclusões já registrado na história. Dentre esses, 43 foram inseridos devido à constatação de práticas de trabalho análogo à escravidão no âmbito doméstico (MTE, 2024).

Dentre os casos mais específicos, tem-se por exemplo, a Operação Ouro Verde, que foi uma grande operação realizada no Pará, onde dezenas de trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão em fazendas de gado.

Cita-se ainda o Projeto Ação Integrada, que é uma iniciativa em parceria com governos estaduais e municipais, focada na reintegração social e econômica de trabalhadores resgatados, oferecendo qualificação profissional e apoio psicológico.

Sakamoto (2020) ao comentar sobre o trabalho do MPT nos casos de trabalho escravo, aponta alguns obstáculos e desafios. O autor menciona, por exemplo, o acesso a áreas remotas, onde em muitos casos de trabalho escravo ocorrem em áreas rurais e remotas, dificultando a fiscalização e intervenção. Além disso, há também a limitação de recursos humanos e financeiros, o que pode restringir sua capacidade de atuação.

Apesar disso, importante destacar que o Ministério Público do Trabalho desempenha um papel fundamental e multifacetado no combate ao trabalho escravo no Brasil. Suas ações abrangem desde a repressão imediata de práticas ilegais até iniciativas de longo prazo para prevenir a reincidência e promover um ambiente de trabalho justo e digno. A eficácia dessas ações depende de uma abordagem integrada, combinando fiscalização rigorosa, ações judiciais, educação, conscientização e cooperação com outras entidades e a sociedade civil.

De todo modo, a luta contra o trabalho escravo é mais eficaz quando governos, empresas, organizações não governamentais e a sociedade civil colaboram. Parcerias entre setores podem melhorar o compartilhamento de informações, recursos e esforços de combate.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A escravidão foi um dos períodos mais cruéis e trágicos da história da humanidade. Milhares de negros foram forçados a trabalhos excessivos cerceando a sua liberdade e dignidade. Esse período histórico, ainda que já tenha sido abolido na sociedade e na legislação, deixou raízes que ainda são encontradas no momento atual.

O trabalho escravo, importante frisar, desrespeita a liberdade de locomoção, a liberdade pessoal e fere a dignidade da pessoa humana. Deixa rastros para a vida toda de suas vítimas, que sofrem todos os tipos de abusos na realização de suas funções de “trabalho”.

É importante que se analise o trabalho escravo no momento atual. As mudanças sociais ocorridas nos últimos anos têm impacto as relações de trabalho. A pandemia global provocada pela Covid-19, por exemplo, é um reflexo sobre a contemporaneidade desse tema, uma vez que inúmeras pesquisas apontam que o trabalho escravo ainda não está dizimado no Brasil.

No campo legislativo, conforme mencionado no decorrer deste estudo, o Brasil é signatário das Convenções 29 e 105 da OIT, que dispõem sobre a eliminação e a proibição do trabalho forçado ou obrigatório no país. Além disso, o art. 1º da Constituição Federal de 1988 prenuncia que são fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, e o art. 5º, XLVII, da mesma Constituição, assevera que está proibida a pena de “trabalhos forçados”. No Brasil, reduzir a condição análoga de escravo é crime previsto nos no art. 149 do Código Penal.

A política pública de atendimento às vítimas de trabalho escravo no Brasil consiste, basicamente, na concessão de seguro-desemprego. Independente do tempo de trabalho daquela pessoa, ela tem direito a três parcelas do seguro-desemprego, além da garantia das indenizações, como danos materiais e morais que aquela pessoa sofreu pela exploração.

É inadmissível que a sociedade brasileira ainda tolere tal problema, talvez um dos mais gritantes dentre as questões sociais do país. A solução parece estar ainda distante. Isso é consequência da desinformação, indiferença e conivência de amplos segmentos da sociedade em relação a este e tantos outros crimes, com destaque para o racismo e a persistente submissão da maioria da população afrodescendente a condições precárias de trabalho e de vida.

Construir soluções para esse gritante fenômeno implica priorizar investimentos pesados em políticas públicas focadas não somente na fiscalização e na repressão, mas também e sobretudo na reforma agrária, na saúde e na educação.

O combate ao trabalho escravo é um esforço contínuo que requer comprometimento e recursos significativos. A erradicação completa do trabalho escravo é um objetivo a ser perseguido, e a comunidade global deve continuar a trabalhar para proteger os direitos e a dignidade dos trabalhadores em todo o mundo.

O Ministério Público, especialmente através do Ministério Público do Trabalho, desempenha um papel vital na luta contra o trabalho escravo no Brasil. Sua atuação contribui para a erradicação dessa prática ilegal, a proteção dos trabalhadores e a promoção de condições de trabalho dignas.

A colaboração com outros órgãos e a sociedade civil é fundamental para o sucesso dessas ações e para a construção de um ambiente de trabalho justo e seguro para todos.Diante das diversas discussões e análises realizadas sobre o trabalho escravo, é evidente que ainda se encontra desafios significativos para erradicá-lo completamente. Tanto os aspectos históricos quanto os contemporâneos evidenciam a persistência desse problema, que continua a afetar a dignidade e os direitos dos trabalhadores.

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[1] Graduanda em Direito pela Faculdade Serra do Carmo – FASEC. E-mail: maressaflores@outlook.com

[2] Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins e Escola Superior da Magistratura Tocantinense. Pós-graduado em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor de Direito Penal, Processo Penal e Prática Criminal no curso de Direito na Faculdade Serra do Carmo – FASEC. Delegado de Polícia Civil do Estado do Tocantins. Email:  prof.israelalves@fasec.edu.br

[3] WEISSBRODT, D.; ANTI-SLAVERY INTERNATIONAL. Abolishing slavery and its contemporary forms. Geneva: United Nations, 2002. p. 23.

[4] ONU – Organização das Nações Unidas. Mais de 90% dos trabalhadores resgatados da escravidão vêm de municípios com baixos índices de desenvolvimento. Brasília: ONU, 2018. Disponível em: https://nacoesunidas.org/mais-de-90-dos-trabalhadores-resgatados-da-escravidao-vem-de-municipios-com-baixosindices-de-desenvolvimento-revela-novo-observatorio/. Acesso em: 18 mai. 2024.