O NOVO MARCO REGULATÓRIO DAS PARCERIAS PARA O DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO: TRANSPARÊNCIA E LEGALIDADE NA SELEÇÃO DE PARCEIROS PRIVADOS

O NOVO MARCO REGULATÓRIO DAS PARCERIAS PARA O DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO: TRANSPARÊNCIA E LEGALIDADE NA SELEÇÃO DE PARCEIROS PRIVADOS

30 de junho de 2024 Off Por Cognitio Juris

THE NEW REGULATORY FRAMEWORK FOR PRODUCTIVE DEVELOPMENT PARTNERSHIPS: TRANSPARENCY AND LEGALITY IN THE SELECTION OF PRIVATE PARTNERS

Artigo submetido em 20 de junho de 2024
Artigo aprovado em 26 de junho de 2024
Artigo publicado em 30 de junho de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 55 – Junho de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Joyce Natividade da Costa[1]
Bianca Veloso de Lacerda Abreu[2]
Paulo Henrique da Silva Pereira[3]
Ana Margarida Ribeiro do Amaral[4]

RESUMO: As Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) têm como objetivo estabelecer cooperação entre laboratórios públicos e privados para desenvolvimento, capacitação e transferência de tecnologias consideradas estratégicas para o Sistema Único de Saúde (SUS). O presente artigo examina o contexto legal e normativo das PDPs, que visam promover a saúde pública e o desenvolvimento tecnológico no Brasil. Segundo a literatura, as PDPs são essenciais para a integração de tecnologias estratégicas, mas enfrentam desafios significativos, incluindo lacunas normativas e procedimentos pouco regulamentados. A Consulta Pública nº 54/2023 ao Anexo XCV da Portaria de Consolidação GM/MS nº 5/2017 – que consolida as normas sobre as ações e os serviços de saúde no Sistema Único de Saúde (SUS), com enfoque na transparência e legalidade das PDPs no segmento de saúde -, publicada pelo Ministério da Saúde, com a finalidade de ampliar a discussão, sugeria processos mais transparentes para a seleção de parceiros privados, alinhados aos princípios constitucionais e às normas gerais que regem as Licitações e Contratos Administrativos, buscando resolver as inconsistências apontadas nas recomendações feitas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Busca-se analisar o novo marco regulatório das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo, a Portaria nº 4.472, publicada em 21 de junho de 2024, e se efetivamente o novo normativo conseguirá atender às exigências do órgão de controle quanto à falta de procedimentos para seleção de parceiros privados. A implementação dessas novas regras visa fortalecer a publicidade, a isonomia, a moralidade e a eficiência das contratações públicas via parcerias, promovendo um desenvolvimento econômico e social mais sustentável, além de garantir maior acesso a produtos e tecnologias de saúde de qualidade a toda população brasileira. Para análise utilizar-se-á o método indutivo, aliado à técnica da pesquisa bibliográfica, jurisprudencial e normativa.

Palavras-chave: Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP); Inovação; Seleção de Parceiros; Licitações; Tribunal de Contas da União.

ABSTRACT: Productive Development Partnerships (PDPs) aim to establish cooperation between public and private laboratories for the development, training and transfer of technologies considered strategic for the Unified Health System (SUS). This article examines the legal and regulatory context of PDPs, which aim to promote public health and technological development in Brazil. According to the literature, PDPs are essential for the integration of strategic technologies, but they face significant challenges, including regulatory gaps and poorly regulated procedures. Public Consultation nº 54/2023 to Annex XCV of Consolidation Ordinance GM/MS nº 5/2017 – which consolidates the rules on health actions and services in the Unified Health System (SUS), with a focus on the transparency and legality of PDPs in the health segment -, published by the Ministry of Health, with the aim of broadening the discussion, suggested more transparent processes for the selection of private partners, in line with constitutional principles and the general rules governing Public Bids and Administrative Contracts, seeking to resolve the inconsistencies pointed out in the recommendations made by the Federal Court of Auditors (TCU). The purpose is to analyze the new regulatory framework for Productive Development Partnerships, Ordinance nº 4.472, published on June 21, 2024, and whether the new regulations will actually be able to meet the control body’s demands regarding the lack of procedures for selecting private partners. The implementation of these new rules aims to strengthen the publicity, equality, morality and efficiency of public contracts via partnerships, promoting more sustainable economic and social development, as well as ensuring greater access to quality health products and technologies for the entire Brazilian population. The analysis will use the inductive method, combined with the technique of bibliographical, jurisprudential and normative research.

Keywords: Partnership for Productive Development (PDP); Innovation; Partner Selection; Bids; Federal Court of Auditors.

Introdução

O artigo 196 da Constituição Federal de 1988 estabelece que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, devendo ser promovida por meio de políticas sociais e econômicas que reduzam o risco de doenças e outros agravos, bem como pelo acesso universal, gratuito e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Além disso, a Carta Magna impõe ao Estado a obrigação de promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica, com o objetivo de assegurar o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do país, na forma dos seus artigos 218 e 219.

No Brasil, um dos obstáculos para cumprir integralmente a missão constitucional imposta ao Estadoa é a defasagem tecnológica que acarreta significativa dependência externa de insumos de saúde. Somado a isso, o Sistema Único de Saúde (SUS), regulamentado pela Lei nº 8.080, de 1990, e conhecido como o maior sistema público de saúde do mundo, sofre com sérias restrições orçamentárias e com o alto custo para aquisição de produtos estratégicos.

Temos assim, que o papel do Estado brasileiro não se resume tão somente ao acesso público e universal à saúde. Isto porque, o Estado deve garantir também políticas públicas que viabilizem este fim. O estabelecimento de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) alinha-se à essa missão, visando minimizar as fragilidades verificadas, além de desenvolver uma política de promoção, apoio e incentivo à indústria nacional.

Nesse contexto, as PDPs surgiram como uma resposta instrumental do Ministério da Saúde (MS) em decorrência de um contexto mercadológico que afeta a balança comercial do setor de saúde pública no Brasil, e, consequentemente, auxilia para a Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS), instituída pelo Decreto nº 11.715, de 26 de setembro de 2023. O mencionado decreto tem a finalidade de orientar os investimentos, públicos e privados, nos segmentos produtivos da saúde e em inovação, na busca de soluções produtivas e tecnológicas para enfrentar os desafios em saúde, com vistas à redução da vulnerabilidade do SUS e à ampliação do acesso à saúde. (GLASSMAN, 2023)

O Ministério da Saúde (MS) publicou, em 21 de junho de 2024, as Portarias MS nº 4.472/24 e 4.473/24, que regulamentam o programa de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP) e o Programa de Desenvolvimento da Inovação Local (PDIL), respectivamente. As novas regulamentações são resultado das consultas públicas 54/2023 e 53/2024, realizadas pelo Ministério da Saúde, que receberam contribuições entre dezembro de 2023 e março de 2024.

O presente artigo analisa se as novas disposições normativas sobre as PDPs atendem às recomendações do Tribunal de Contas União, que vem desde 2017 sendo objetos de discussão, fiscalização e recomendações do órgão ao Ministério da Saúde para que o marco regulatório aplicável às parcerias fosse aperfeiçoado. Será analisado, especificamente no que tange à determinação da Corte de se realizar seleção ou pré-qualificação para escolha do parceiro, em respeito aos princípios da publicidade, legalidade, moralidade e eficiênicia, como também o previsto na Lei nº 14.133/2021 (Nova de Lei de Licitações e Contratos Administrativos) e na Lei nº 13.303/2016, de modo que estas contratações sejam conduzidas de maneira eficiente e transparente, proporcionando assim, uma gestão mais robusta e alinhada com os objetivos de saúde pública e desenvolvimento tecnológico do país.

  1. Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP)[5]

No Brasil, a dependência dos insumos de saúde torna o SUS vulnerável ao mercado internacional, dificultando a aquisição de produtos estratégicos essenciais. Essa fragilidade ficou ainda mais evidente durante o enfrentamento da pandemia da Covid-19[6].

A Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde[7], um dos compromissos do Governo Federal com as demandas da sociedade brasileira, prevê em seis de seus eixos um investimento total de R$ 42 bilhões até 2026. Nesse sentido, o Programa de Parceria para o Desenvolvimento Produtivo[8] envolve a articulação entre os setores público e privado para a transferência de tecnologia, nas conhecidas PDPs, que tiveram grande destaque na pandemia da COVID-19, em razão da necessidade de importação de insumo farmacêutico ativo (IFA)[9] para a produção da vacina contra o coronavírus e, posteriormente, da transferência de tecnologia para fabricação 100% nacional para produção da vacina[10], para fins de eliminar os riscos de dependência nacional.

De acordo com Sundfeld, para manter o SUS operante, é necessário enfrentar alguns desafios como limitação nas finanças públicas, alto grau de dependência tecnológica e alto custo de medicamentos inovadores, advertindo:

Entre os desafios da política de medicamentos do país figura, precisamente, a defasagem tecnológica. Trata-se de problema frequentemente verificado em países em desenvolvimento como o Brasil, que, carentes de autonomia tecnológica para criar e produzir medicamentos, têm de importar a maior parte dos que sejam neles consumidos, a altos custos. No caso brasileiro, a defasagem é alarmante e tem ocasionado enorme dependência de importações de medicamentos produzidos no exterior, para atender a uma demanda crescente da população. (SUNDFELD, 2013)

Segundo o Ministério da Saúde, a Estratégia contribuirá para a implementação da política nacional industrial e será baseada em uma série de programas estruturantes, dentre os quais, o Programa de Parceria para o Desenvolvimento Produtivo, que “envolve a articulação do governo com o setor privado para a transferência de tecnologia, nas conhecidas PDPs, mas agora é orientado ainda mais à redução de vulnerabilidades do SUS e à ampliação do acesso da população à saúde” (MINISTÉRIO DA SAUDE, 2023).

A Estratégia tem por objetivo, portanto, aumentar a produção nacional de itens prioritários para o Sitema Único de Saúde (SUS) e minimizar a dependência do país de insumos, medicamentos, soros, vacinas e outros produtos de saúde importados. A maior autonomia científica e tecnológica é essencial para reduzir a vulnerabilidade do setor e assegurar o acesso universal à saúde.

O lançamento da Estratégia é resultado do trabalho do Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (GECEIS), recriado em abril de 2023, através do Decreto nº 11.464, de 3 de abril de 2023, que conta com 20 membros representantes de órgãos da administração pública, de entidades do setor e da sociedade civil, e é coordenado pelos Ministérios da Saúde (MS) e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs) desempenham um papel crucial na garantia do acesso a tecnologias prioritárias que podem fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, elas contribuem para a redução dos preços de produtos essenciais na área da saúde. Portanto, são de extrema importância para a integração e aprimoramento de tecnologias estratégicas de alto valor para o sistema de saúde público. (ROCHA ET AL., 2021; TCU, 2023).

As PDPs são consideradas uma modalidade de compra pública para a inovação na qual a Administração Pública é a usuária final do resultado da compra. É, portanto, um instrumento de promoção da inovação pelo lado da demanda. (Rauen, 2017). Os processos de transferência de tecnologia podem ser considerados um meio para acelerar o alcance de capacidades tecnológicas voltadas às demais fases do processo inovativo. (PIMENTEL, 2018) O objetivo da PDP de saúde, como visto, é estimular o desenvlvimento do Complexo Industrial da Saúde (CIS) em um esforço sistêmico. (GADELHA e TEMPORÃO, 2018).

Um acordo de Parceria para Desenvolvimento Produtivo envolve, em geral, três partes principais: o Ministério da Saúde que se compromete a adquirir um produto estratégico para o SUS como medicamentos, vacinas, hemoderivados, insumo farmacêutico ativo (IFA), equipamentos e artigos médico-hospitalares, por prazo determinado, geralmente superior a um ano. Em contrapartida, as empresas privadas comprometem-se a transferir a tecnologia de produção desses produtos para um laboratório público[11], dentro do mesmo período. Ao término da parceria, espera-se que o laboratório público seja apto a fornecer o produto para o Ministério de forma independente e tenha capacidade de transferir a tecnologia para outros laboratórios públicos, de maneira a reduzir a vulnerabilidade nacional frente ao seu alto grau de dependência tecnológica. (GARCIA, 2019)

O Ministério da Saúde destaca que as PDPs são um elemento fundamental na consolidação do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) no Brasil, unindo estratégias industriais e de saúde para impulsionar a inovação e a produção nacional de medicamentos e produtos essenciais. (ALMEIDA; OLIVEIRA & SILVA, 2021). As PDPs são essenciais para fortalecer a capacidade produtiva do país, promover a inovação tecnológica e garantir a autonomia na produção de medicamentos e produtos estratégicos. Essas parcerias oferecem oportunidade ao Brasil de se destacar no mercado global de saúde, impulsionando tanto o desenvolvimento econômico quanto o social. (GADELHA ET AL., 2022). De modo geral, promovem a integração entre instituições públicas e privadas, facilitando a transferência de tecnologia e o desenvolvimento de novos produtos, fortalecendo não só a indústria nacional, mas também melhorando o acesso da população a medicamentos essenciais e produtos de saúde de alta qualidade. (PIMENTEL ET AL., 2022).

Apesar de sua importância, as PDPs enfrentam desafios consideráveis, como a escassez de recursos financeiros, burocracia, obstáculos regulatórios e prazos inalcançáveis. A superação desses desafios exige o engajamento de múltiplos atores, incluindo o setor público, o setor privado e as instituições de pesquisa (ICTs). A colaboração entre esses setores é vital para superar as barreiras e consolidar as parcerias no setor de saúde. (GADELHA ET AL., 2022).

Além de fomentar a inovação e a produção nacional, as PDPs contribuem para a criação de empregos qualificados, o fortalecimento da indústria nacional e a redução da dependência de medicamentos e produtos importados. Esses benefícios são especialmente significativos em uma economia global competitiva, onde a capacidade de inovar e produzir internamente pode determinar o sucesso econômico de uma nação. A expansão das PDPs no Brasil revela-se, portanto, como uma estratégia prudente e promissora para impulsionar o desenvolvimento sustentável do país e garantir o acesso a medicamentos e produtos de saúde de qualidade para todos os brasileiros. (GADELHA ET AL., 2022; PIMENTEL ET AL., 2022).

Portanto, as PDPs representam uma ferramenta poderosa para o avanço da saúde pública e do desenvolvimento industrial no Brasil. Ao promover a integração entre políticas de saúde e industrial e ao fomentar a cooperação entre instituições públicas e privadas, as PDPs têm o potencial de transformar a capacidade produtiva e inovadora do país. Desse modo, elas asseguram o acesso a medicamentos essenciais, fortalecem a infraestrutura de saúde pública e contribuem para o desenvolvimento econômico e social sustentável (FERNANDES ET AL., 2023; REZENDE, 2022).

  • Arcabouço Normativo da Política de Desenvolvimento Produtivo

A Estratégia de Política de Desenvolvimento Produtivo implica uma ação audaciosa ao impor desafios à indústria nacional de saúde para adotar tecnologias mais sofisticadas, como produtos biológicos e insumos farmacêuticos ativos (IFA) sintéticos. (CASSIOLATO ET AL.2021)

Segundo aponta a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE), em trecho divulgado pelo TCU, lacunas no processo normativo da política de PDP são esperadas, uma vez que os primeiros resultados devem ser mensurados com maior clareza, para então se iniciar o processo de aperfeiçoamento normativo. (TCU, 2023)

Da mesma forma entendeu a Corte de Contas, que através do Acórdão 1.730/2017-TCU-Plenário, identificou lacunas no arcabouço normativo da política de PDP, além de fragilidades no procedimento adotado pelos laboratórios públicos ao realizarem o mencionado procedimento.

As PDPs não estão amparadas por lei. A regulamentação dessas parcerias era delineada somente pela Portaria GM/MS nº 2.531/2014, posteriormente incorporada e revogada pela Portaria de Consolidação GM/MS nº 5/2017[12], Anexo XCV, que estabelece diretrizes e critérios abrangendo todas as etapas do processo, desde a definição da lista de produtos estratégicos[13] até o monitoramento e a avaliação das PDPs. Neste tópico, a Controladoria Geral da União – CGU tratou do tema através do Parecer 779/2018 – Conjur-MS/CGU/AGU.

(…) não há lei que trate da política de PDP, a despeito de tal instituto estar amparado na Lei 10.973/2004 (Lei de Inovação),  sendo que a denominação PDP só surgiu com a publicação da Portaria GM/MS 837/2012, que também dispôs sobre as diretrizes e critérios aplicáveis às parcerias, vindo a ser revogada pela Portaria GM/MS 2.531/2014, a qual, por sua vez, restou revogada e consolidada no Anexo XCV à Portaria de Consolidação GM/MS 5/2017 (…). Parecer 779/2018 – Conjur-MS/CGU/AGU. (Acórdão TCU 2015/2023 – Plenário)[14]

Cumpre esclarecer que a Portaria GM/MS nº 2.531/2014, incorporada pela Portaria de Consolidação GM/MS nº 5/2017, Anexo XCV, foi substituída pelo recentíssimo regramento publicado em 21 de junho de 2024, a Portaria GM/MS nº 4.472/24[15], publicada em 21 de junho de 2024, constituindo o marco regulatório atual das Parcerias. Esta última, altera a Portaria de Consolidação GM/MS nº 5, de 28 de setembro de 2017, que passa a vigorar acrescida do Anexo CX, sendo revogados os artigos 810 ao 819 e o Anexo XCV da Portaria de Consolidação. Este normativo estabelece as diretrizes e critérios para a formalização das PDPs, abrangendo todas as etapas do processo, desde a definição da lista de produtos estratégicos para a apresentação de propostas até o monitoramento e avaliação das parcerias.

Com lacunas identificadas em diversos procedimentos relacionados à politica de PDP, o MS propôs a avaliação da Minuta de Portaria para tratar das PDPs, através da Consulta Pública nº 54/2023, com sugestões de inovação em diversos procedimentos, dentre os quais, no âmbito da seleção de parceiros privados, alinhando-se às recomedações do Tribunal de Contas da União.

Frise-se que, além das recomendações destacadas, o TCU propôs diversas outras adequações no contexto das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo. Contudo, essas outras recomendações não serão objeto de análise no presente artigo, visto que a delimitação do tema é imperativa para garantir uma abordagem específica e aprofundada, evitando a dispersão e a falta de precisão que poderiam comprometer a qualidade e a objetividade do estudo.

Em dezembro de 2023, o Grupo apresentou o novo Marco Regulatório da Produção e Inovação em Saúde, e, em setembro do mesmo ano, foi lançada a Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, que prevê em seis de seus eixos um investimento total de R$ 42 bilhões até 2026.

As parcerias visam aumentar a disponibilidade de medicamentos e produtos de saúde essenciais para o SUS, além de fortalecer o Complexo Econômico-Industrial (CEIS). Estas colaborações ocorrem entre entidades públicas e empresas privadas, com o intuito de fomentar a produção nacional pelo setor público.

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  • Recomendações do Tribunal de Contas da União

As Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP’s) têm sido alvo constante de acompanhamento do Tribunal de Contas da União (TCU), desde 2017, seja exigindo ações do órgão, seja estabelecendo ele mesmo o que considera mais adequado. (YOUSSEF, 2019)

A Unidade de Auditoria Especializada em Saúde (AudSaúde) da Corte de Contas determinou, através do Acordão nº 1.730/2017 – Plenário, que o Ministério da Saúde, reformulasse os regramentos relacionados à política de PDP e os regimentos internos da Comissão Técnica de Avaliação (CTA) e do Comitê Deliberativo (CD), por entender qe faltava padronização, transparência e critérios na seleção dos parceiros privados.

Segundo o Acórdão nº 1.730/2017-TCU-Plenário, o Tribunal encontrou falhas na regulamentação da política de PDP. Dentre elas, apontou fragilidades na seleção do parceiro privado, exigindo que os laboratórios públicos observassem os princípios constitucionais que regem a Administração Pública delineados no artigo 37 da Constituição Federal e o disposto nos artigos 3º, 4º, 26 e 41 da Lei nº 8.666/1993 (hoje, previstos nos artigos 5º, 72 e 73, da Lei nº 14.133/2021 que revogou a legislação anterior regulamentadora da matéria por quase 30 anos).

O MS foi cientificado que a seleção de parceiro privado para formação de PDP sem ampla divulgação e prévia seleção pública contraria jurisprudência do Tribunal – apesar de não exigir especificamente a realização de licitação prévia, mas sim de um processo seletivo ou de pré-qualificação para a escolha dos parceiros privados, apresentando justificativas detalhadas. Caso o processo seletivo seja inviável, a Corte de Contas recomendou a apresentação de justificativas. 

Ademais, no fim de 2022, o Tribunal, mais uma vez, instruiu os laboratórios públicos acerca da necessidade de realizar um processo seletivo ou de pré-qualificação do parceiro privado, justificando devidamente quando for inviável a sua realização.

Mais recentemente, em outubro de 2023, o órgão de controle externo publcou nova decisão por meio do Acórdão nº 2.015/2023 – Plenário, deliberando que o Ministério da Saúde suspendesse novas PDPs até que fossem adotadas medidas para avaliação de transferências tecnológicas e critérios objetivos para seleção de parceiros privados. Dentre as determinações feitas pelo TCU ao MS, a que interessa para este estudo foi no sentido de que os laboratórios públicos deverão ser informados, em até 60 dias, sobre a necessidade de realizar um processo seletivo ou de pré-qualificação do parceiro privado, justificando adequadamente quando a sua realização for inviável, para que seja ampliada a transparência dos atos relacionados às PDPs.

  • O Novo Marco Regulatório das PDPs

O Ministério da Saúde lançou o novo marco regulatório das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs), importante normativo estruturante da Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do Complexo Econônimo-Industrial da Saúde (CEIS): a Portaria GM/MS nº 4.472/2024, publicada em 21 de junho de 2024. No mesmo dia, também foi publicada a Portaria GM/MS nº 4.473/2024, que cria o Programa de Desenvolvimento de Inovação Local (PDIL). No presente trabalho se dará ênfase apenas à Portaria das PDPs, a fim de delimitar o tema.

Dias antes da publicação, em 18 de junho de 2024, durante uma reunião plenária do Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (GECEIS), foi apresentado pelo Ministério da Saúde, ao Governo e ao mercado, os aspectos gerais dos novos marcos regulatórios para as PDP’s e para o PDIL.

Na ocasião, a Ministra da Saúde, Nísia Trindade[16], destacou que:

Trata-se de olhar para o futuro e recuperar um tempo de retrocessos nessa área. Há muitos desafios à frente, mas é um compromisso do governo trabalhar todas essas dimensões com diálogo e com a convicção de que a saúde é investimento e de que nada traduz com mais força essa concepção do que o Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Tenho certeza de que o governo liderado pelo presidente Lula vai promover mais acesso a partir do fortalecimento da nossa base de ciência e tecnologia e da nossa base industrial, não apenas no campo da saúde, mas em todos os outros campos, de forma sistêmica.

Segundo o Presidente da Fiocruz, Mario Moreira, que também compõe o GECEIS, apesar dos desafios tributários e regulatórios, o impacto da política das PDP’s foi importante na ampliação do acesso à população a mediamentos e vacinas. Observou, ainda, o seguinte:

                      As PDPs que a Fiocruz já assinou permitiu que introduzíssemos 22 novos produtos ao SUS. Para além da dimensão social que isso representa e da sustentabilidade do sistema, as PDPs promovem uma base econômica para que a Fiocruz possa investir em desenvolvimento tecnológico. E tenho muita confiança de que estamos indo no caminho certo com a iniciativa do PDIL. A PDP formou uma base industrial muito forte no brasil e é hora de colocar essa base a favor do desenvolvimento tecnológico local.

Reforçou, também, que durante a 57ª Assembleia Mundial da Saúde, ocorrida de 27 de maio a 1º de junho, “pudemos ver o quanto o Brasil atrai aatenção mundial e o ministério da Saúde tem sido convocado para ser im pivô na transformação desse setor na América Latina e na África. A Fiocruz caminha junto nesse processo.”

Para o Secretário de Ciência,Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde (SECTICS/MS), Carlos Gadelha, as portarias possuem três características comuns que trazem inovação para o CEIS e estão alinhadas a todas as políticas do Governo Federal, são eles: (i) foco na saúde global, possibilitando parcerias internacionais, especialmente com parceiros da América Latina e África; (ii) transição ecológica e digital no CEIS e (iii) passam a considerar políticas de igualdade de gênero, antirracistas e de promoção da diversidade como critérios analisados para a promoção dessas parcerias.

Sobre o papel da Fiocruz na indução dessas políticas, conclui Gadelha:

Foi na Fiocruz que esse conceito do complexo econômico-industrial foi desenvolvido. Há mais de 20 anos a gente já apostava que saúde é desenvolvimento e essa reunião mostra a importância da Fiocruz como instituição estratégica de estado. É a instituição líder na implementação da política, acompanhada do Instituto Butantan, claro, mas numa visão de que ela vai estimular a adesão de outros parceiros públicos e privados para que a gente volte a ser um pais independente e soberano pra cuidar das pessoas. Posso dizer que a Fiocruz deu a régua e o compasso pra toda essa política que está sendo desenvolvida.

De acordo com o art. 5º da Portaria G/MS nº 4.472/2024, os acordos e parcerias de desenvolvimento tecnológico e transferência de tecnologia celebrados até 31 de dezembro de 2022 ou que tenham instrumento de aquisição de produto atualmente em vigor, deverão ser adequadas ao modelo de PDP previsto no Anexo CX da Portaria de Consolidação MS nº 5, de 28 de setembro de 2017.

  • A Seleção dos Parceiros na contratação pública via PDP

O novo diploma legal de Licitações permite que haja dispensa de processo licitatório para contratações públicas relacionadas às PDPs, conforme disposição abaixo:

Art. 75. É dispensável a licitação:

(…)

IV – para contratação que tenha por objeto:

(…)

d) transferência de tecnologia ou licenciamento de direito de uso ou de exploração de criação protegida, nas contratações realizadas por instituição científica, tecnológica e de inovação (ICT) pública ou por agência de fomento, desde que demonstrada vantagem para a Administração;

(…)

m) aquisição de medicamentos destinados exclusivamente ao tratamento de doenças raras definidas pelo Ministério da Saúde;

(…)

XII – para contratação em que houver transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde (SUS), conforme elencados em ato da direção nacional do SUS, inclusive por ocasião da aquisição desses produtos durante as etapas de absorção tecnológica, e em valores compatíveis com aqueles definidos no instrumento firmado para a transferência de tecnologia;

(…). (Grifos nossos)

Contudo, o Tribunal de Contas da União, pelo fato de ser o órgão de controle com competência para apreciar as contas públicas, está analisando as contratações via PDP há algum tempo, levantando questionamentos sobre a falta de seleção pública dos parceiros privados ou realização de pré-qualificação.

Vale destacar que, de acordo com a normativa anterior, Portaria GM/MS nº 2.531/2014, constante do Anexo XCV da Portaria de Consolidaão GM/MS nº 5/2017, não havia a previsão de que a escolha do parceiro se desse por meio de seleção pública, apenas se limitava a dizer que era de responsabilidade da Instituição Pública, nos seguintes termos:

Art. 68. A instituição pública proponente e executora da PDP é responsável por: (Origem: PRT MS/GM 2531/2014, Art. 68)

(…)

Parágrafo Único. A escolha e as relações contratuais com a entidade privada são de inteira responsabilidade da instituição pública produtora celebrante da PDP, inclusive com relação à sua qualificação e à avaliação da regularidade de sua situação legal e idoneidade. (Origem: PRT MS/GM 2531/2014, Art. 68, Parágrafo Único)

É importante frisar que este tópico já foi objeto de questionamento do Tribunal de Contas da União (TCU), que apontou a ausência de padronização, transparência e critérios na seleção de parceiros privados, determinando que o “Ministério da Saúde: i) incluísse, como critério de aprovação da Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP), a verificação de que a escolha do parceiro respeitasse os princípios constitucionais; e ii) orientasse os laboratórios públicos a realizar a seleção, justificando quando inviável” (Acórdão nº 1.730/2017 – TCU ).

Vale destacar, ainda, que a Corte de Contas vem aplicando entendimento de que não é necessário licitação para a escolha do parceiro privado, desde que respeitados os princípios da publicidade e da isonomia, conforme (YOUSSEF, 2019) (BRASIL, 2020):

Enfatizo o que não se está a exigir da Fiocruz a realização de procedimentos licitatórios nos termos da Lei 8.666/1993, mas apenas que busque atender aos princípios mencionados, por meio da realização de processo seletivo anterior, salvo quando houver justificativa cabível. Esta ressalva possibilita, inclusive, que a jurisdicionada apresente motivação adequada a fim de justificar eventual impossibilidade, impertinência ou não conveniência de promover o processo seletivo prévio. No presente processo, acolheu-se a motivação apresentada pela jurisdicionada para justificar a escolha direta do parceiro privado sem qualquer chamada pública que conferisse isonomia a eventuais interessados.

Em face dessa situação, a Consulta Pública nº 54 do Ministério da Saúde propôs que instituições públicas de pesquisa e inovação tecnológica (IP/ICT) realizem um processo público criterioso e transparente para a seleção justa e imparcial de entidades privadas, exceto em casos devidamente justificados. Isso deve ocorrer sempre em conformidade com os princípios fundamentais do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, notadamente os princípios da publicidade, legalidade e moralidade, bem como as disposições previstas na Lei nº 14.133, de 2021 e na Lei nº 13.303, de 2016, respectivamente:

Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). (Grifos nossos)

Art. 31. As licitações realizadas e os contratos celebrados por empresas públicas e sociedades de economia mista destinam-se a assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto, e a evitar operações em que se caracterize sobrepreço ou superfaturamento, devendo observar os princípios da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da eficiência, da probidade administrativa, da economicidade, do desenvolvimento nacional sustentável, da vinculação ao instrumento convocatório, da obtenção de competitividade e do julgamento objetivo. (Grifos nossos)

Dentro desta perspectiva, busca-se garantir a máxima transparência, equidade e integridade nos processos de seleção das entidades privadas que irão estabelecer parcerias estratégicas com as IP/ICTs públicas. O objetivo é promover o desenvolvimento científico, tecnológico e inovador do país, sempre visando o interesse público e o progresso da sociedade como um todo.

A redação proposta na Consulta Pública nº 54, MS, dizia que “a(s) IP/ICT pública(s) deve(m) realizar processo público para seleção de entidades privadas respeitando os princípios do art. 37 da Constituição Federal de 1988, em particular, os de publicidade, legalidade e moralidade, como também o previsto na Lei nº 8.666, de 1993, na Lei nº 14.133, de 2021 e na Lei nº 13.303, de 2016.”

O novo regulamento das PDPs, Portaria GM/MS nº 4.472/2024, por sua vez, trouxe previsão um pouco diversa, consoante o disposto no art. 5º, §5º da Portaria GM/MS nº 4.472/24, ficando da seguinte forma:

CAPÍTULO III

DOS PARTICIPANTES DA PDP

Art. 5º Os participantes da PDP poderão ser:

(…)

§ 5º As proponentes do projeto devem realizar seleção transparente de parceiros, respeitando os princípios do art. 37 da Constituição Federal de 1988, em particular, os da publicidade, legalidade e moralidade, como também o previsto na Lei nº 14.133, de 2021, na Lei nº 13.303, de 2016, e observando a legislação aplicável à natureza jurídica das instituições proponentes, justificando quando sua realização for inviável.

Segundo o novo marco, portanto, as proponentes do projeto de PDP devem realizar seleção transparente de parceiros. A nova portaria das PDPs suprimiu a expreessão “entidades privadas” e mantendo apenas a exigência referente à necessidade de seleção de parceiros, de modo genérico. O novo normativo também não fez menção à Lei nº 8.666/93, por óbvio, pois foi revogada pela Lei nº 14.133/2021 em 30 de dezembro de 2023[17]. a partir de Depreende-se que as regras de seleção desses parceiros são definidas de acordo com o regime jurídico incidente sobre as contratações da instituição pública, sendo a regra geral a licitação.

Glassman já tinha asseverado que, caso a nova minuta proposta pela Consulta Pública Nº 54/2023 MS, viesse a se tornar novo regramento para as PDPs, a seleção dos parceiros privados deveria ser realizada através do regramento geral, ou seja,  mediante licitação (GLASSMAN, 2020). 

Essa inovação normativa visa fortalecer a transparência nos procedimentos de seleção, inclusive no contexto de alterações de parceiros. A exigência de justificativas fundamentadas e a avaliação por órgãos técnicos e deliberativos também garantem que as modificações sejam realizadas com base em critérios claros e objetivos, minimizando riscos de conflitos de interesse e aumentando a confiança pública nos processos de PDP.

Com a nova regra, a princípio, os apontamentos do TCU foram mitigados, visto que um procedimento público de seleção garantiria maior transparência, equidade e integridade nos processos de escolha dos parceiros privados pelas instituições públicas. Todavia, o novo normativo não previu “critérios” para a seleção dos parceiros, não especificou de que forma se daria esta seleção, se por meio dos procedimentos auxiliares das licitações (tais como o credenciamento[18], o procedimento de manifestação de interesse[19], o diálogo competitivo[20]), previstos no artigo 78, da Lei nº 14.133/2023, ou por meio de alguma modalidade de licitação, conforme o artigo 28 do mesmo diploma legal. Tampouco previu, alternativamente, a possibilidade de realizar pré-qualificação[21], consoante dispõe o art. 80 da Lei de Licitações, e conforme recomendou o órgão de controle. Resta saber se o Tribunal vai entender que as lacunas foram sanadas pela Portaria GM/MS nº 4.472/24.

Considerações Finais

Pode-se concluir que as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo consistem em parcerias entre instituições públicas ou entre instituições públicas e privadas para o desenvolvimento, transferência e absorção de tecnologia de produtos estratégicos para o SUS. Nesta parceria, o Ministério da Saúde utiliza do seu poder de compra com vistas à diminuição dos custos de aquisição dos produtos e o fomento ao desenvolvimento tecnológico dos setores público e privado do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS).

Tal iniciativa tem como objetivo contribuir para a inovação do parque fabril farmacêutico no Brasil, reduzindo a dependência tecnológica do país e aumentando o acesso a todos de produtos inovadores e essenciais efetivamente produzidos no Brasil. Políticas como as PDPs se tornam ainda mais indispensáveis diante do crescente aumento dos gastos com saúde, que apresentam desafios significativos a curto e médio prazo para a manutenção do SUS garantindo o acesso universal.

Dentre as alterações trazidas pela Portaria GM/MS nº 4.472/2024, com o auxílio da ampla discussão por meio da Consulta Pública nº 54/2023 do Ministério da Saúde, está a expressa previsão de realizar seleção para a escolha dos parceiros nas PDPs, em atendimento às determinações do Tribunal de Contas da União e em respeito aos princípios do art. 37 da Constituição Federal de 1988, em particular, os de publicidade, legalidade e moralidade, como também o previsto na Lei nº 14.133, de 2021 e na Lei nº 13.303, de 2016.

De que maneira a Corte de Contas irá interpretar essas novas regulamentações é um desdobramento para se acompanhar. O TCU está no momento de avaliar o novo marco regulatório das PDPs, publicado recentemente, e avaliar se os requisitos exigidos para revisão da Portaria foram atendidos.

Como se trata de uma política pública cuja demanda é sempre crescente e requer uma colaboração significativa entre os setores público e privado, este artigo procurou discutir a importância das PDPs como instrumento de fomento à redemocratização da saúde, ao mesmo tempo que garante mecanismos de transparência e publicidade para uma gestão pública mais eficiente.

Referências

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[1] Advogada e Biomédica. Graduada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Mestranda em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia pela UFRJ. Extensão em Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos pela UERJ – E-mail: joyce.natividade.costa@gmail.com

[2] Advogada. Graduada em Direito pela UCAM. Especialista em Licitações e Contratações Públicas pela Faculdade CERS e em Direito Público e Privado pela EMERJ. Mestranda em Estudos Marítimos (Linha de Pesquisa: Política, Gestão e Logística em Ciência, Tecnologia e Inovação no ambiente marítimo) pela EGN. Extensão em Compliance pela FGV – E-mail: biancaveloso@hotmail.com

[3] Fisioterapeuta. Graduado em Fisioterapia na UNIVERSO. Graduando em Gestão Pública pela UVA. Especialista em Saúde Pública pela Celso Lisboa – E-mail: psilvapereira@yahoo.com.br

[4] Profa. Dra. Doutorado em Meio Ambiente pela UERJ. Mestrado em Biologia Animal pela UFRRJ). Bacharelado e Licenciatura em Ciências Biológicas pela Gama Filho. Membro da Câmara Técnica de Ambiente e Saúde. Indicada para Representante Legal do Instituto Oswaldo Cruz junto ao SisGen (MMA) e Membro da Comissão do PG e CTA – Vice-Presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas (PPCB)/FIOCRUZ – E-mail: ana_margarida_amaral@yahoo.com.br

[5] Nos termos do art. 2º, XVII, da Portaria GM/MS nº 4.472/2024, PDP são: “parcerias que envolvem a cooperação mediante acordo entre instituição(ões) pública(s) e/ou ICT(s) e entidade(s) privada(s) para desenvolvimento, transferência e absorção de tecnologia, capacitação produtiva e tecnológica do País visando a produção local de tecnologias e produtos estratégicos para atendimento às demandas do SUS;”

[6] Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mudial da Saúde (OMS) declarou que o surto do novo coronavírus constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) – o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Iternacional. Em 11 demarço de 2020, a COVID-19, assim também denominada, foi caracterizada pela OMS como uma pandemia. Disponível em: < https://www.paho.org/pt/covid19/historico-da-pandemia-covid-19>. Acesso em 23 de jun. de 2024.

[7] Instituída pelo Decreto nº 11.715, de 26 de setembro de 2023. Disponível em < https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/setembro/governo-federal-lanca-estrategia-nacional-para-o-desenvolvimento-do-complexo-economico-industrial-da-saude-com-investimento-de-r-42-bilhoes-ate-2026>. Acesso em 19 de jun. de 2024.

[8] Nos termos do art. 1º da Portaria GM/MS nº 4.472/24: “ Fica instituído o Programa de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo – PDP, que tem por objetivo orientar o esforço nacional de investimento em inovação e produção, público e privado, por meio de transferências tecnológicas de produtos estratégicos para a redução da vulnerabilidade do Sistema Único da Saúde – SUS e ampliação do acesso à saúde.” Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-gm/ms-n-4.472-de-20-de-junho-de-2024-567221914>. Acesso em 22 de jun. de 2024.

[9] Nos termos do art. 2º, XIV, da Portaria GM/MS nº 4.472/24, IFA é: “qualquer substância introduzida na formulação de uma forma farmacêutica que, quando administrada em um paciente, atua como ingrediente ativo, podendo exercer atividade farmacológica ou outro efeito direto no diagnóstico, cura, tratamento ou prevenção de uma doença, podendo ainda afetar a estrutura e funcionamento do organismo humano”. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-gm/ms-n-4.472-de-20-de-junho-de-2024-567221914>. Acesso em 22 de jun. de 2024.

[10] Disponível em: <https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2021/06/fiocruz-e-astrazeneca-assinam-contrato-de-transferencia-de-tecnologia>. Acesso em19 de jun. de 2024.

[11] Os autores optaram por utilizar o termo “laboratório público” para designar as instituições públicas receptoras de tecnologias no âmbito das PDPs. Essas instituições são comumente chamadas, na literatura, de laboratórios farmacêuticos oficiais (LFO) ou laboratórios oficiais. Todavia, essas organizações podem se tratar de diversas figuras jurídicas: unidades da Administração Pública direta, unidades de autarquias, fundações públicas, fundações privadas, empresas públicas, sociedades de economia mista.

[14] Disponível em: < https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/documento/acordao-completo/*/KEY%253AACORDAO-COMPLETO-2618323/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0>. Acesso em 22 de jun. de 2024.

[16] Matéria disponível em: <https://portal.fiocruz.br/noticia/2024/06/fiocruz-participa-do-lancamento-de-novas-diretrizes-do-governo-para-desenvolvimento>. Acesso em 20 de jun. de 2024.

[17] Na forma do art. 193, II, “a”, da Lei nº 14.133/2021.

[18] O art. 6º, XLIII,da Lei nº 14.133/2021 conceitua “credenciamento” por “processo administrativo de chamamento público em que a Administração Pública convoca interessados em prestar serviços ou fornecer bens para que, preenchidos os requisitos necessários, se credenciem no órgão ou na entidade para executar o objeto quando convocados;”. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm>. Acesso em 23 de jun. de 2024.

[19] O art. 81, da Lei nº 14.133/2021 dispõe que “A Administração poderá solicitar à iniciativa privada, mediante procedimento aberto de manifestação de interesse a ser iniciado com a publicação de edital de chamamento público, a propositura e a realização de estudos, investigações, levantamentos e projetos de soluções inovadoras que contribuam com questões de relevância pública, na forma de regulamento.” Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm>. Acesso em 23 de jun. de 2024.

[20] O art. 6º, XLII, da Lei nº 14.133/2021 conceitua “diálogo competitivo” como uma “diálogo competitivo: modalidade de licitação para contratação de obras, serviços e compras em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos;”. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm>. Acesso em 23 de jun. de 2024.

[21] O art. 6º, XLIV, da Lei nº 14.133/2021 classifica “pré-qualificação” como um “procedimento seletivo prévio à licitação, convocado por meio de edital, destinado à análise das condições de habilitação, total ou parcial, dos interessados ou do objeto;” Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm>. Acesso em 23 de jun. de 2024.