O INQUÉRITO POLICIAL E SUA IMPORTÂNCIA PARA A PERSECUÇÃO PENAL
28 de novembro de 2023THE POLICE INQUIRY AND ITS IMPORTANCE FOR THE CRIMINAL PROSECUTION
Artigo submetido em 26 de setembro de 2023
Artigo aprovado em 17 de outubro de 2023
Artigo publicado em 28 de novembro de 2023
Cognitio Juris Volume 13 – Número 50 – Novembro de 2023 ISSN 2236-3009 |
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Resumo: O presente artigo científico busca apresentar uma análise acerca da importância do Inquérito Policial para a persecução penal. Para alcançar esse objetivo fez-se necessário realizar um apanhado histórico acerca do Inquérito Policial como mecanismo de investigação criminal apresentando o momento em que se estabeleceu-se essa nomenclatura. Em seguida passou-se a avaliar com maior ênfase o instituto propriamente dito, quanto ao seu conceito, natureza jurídica caraterísticas e valor probatório, para ao final, reconhecer a sua importância como um filtro para a persecução penal. Diante de tal finalidade, utilizou-se do método indutivo e da pesquisa bibliográfica exploratória em prol da sua concretização. Concluiu-se assim que o Inquérito Policial surge como mecanismo de investigação do Estado, retirando-se esse encargo outrora das partes (vítima e possível autor do delito). Não obstante, visto que sua atuação e característica é inquisitiva, necessita salvaguardar direitos e garantias do indivíduo para evitar arbitrariedade em busca de uma condenação a todo custo. Assim, quando devidamente aplicado, o Inquérito Policial detém uma importância singular já que fornece elementos de informação para serem trabalhados pelo Ministério Público durante o processo, bem como auxilia o magistrado no momento de decidir acerca da conduta praticada, valendo-se a ressalva da necessidade de que as provas sejam produzidas sob o manto do contraditório e da ampla defesa, com exceção das provas cautelares, antecipadas e não repetíveis.
Palavras-chave: Inquérito Policial. Direitos e Garantias. Persecução Penal.
Abstract: This scientific article seeks to present an analysis of the importance of the Police Inquiry for criminal prosecution. To achieve this objective, it was necessary to carry out a historical overview of the Police Inquiry as a criminal investigation mechanism, presenting the moment in which this nomenclature was established. Next, we began to evaluate the institute itself with greater emphasis, regarding its concept, legal nature, characteristics and probative value, to ultimately recognize its importance as a filter for criminal prosecution. In view of this purpose, the inductive method and exploratory bibliographic research were used in order to achieve it. It was thus concluded that the Police Inquiry appears as a State investigation mechanism, removing this burden from the parties (victim and possible perpetrator of the crime). However, since its action and characteristics are inquisitive, it needs to safeguard the individual’s rights and guarantees to avoid arbitrariness in seeking a conviction at all costs. Thus, when properly applied, the Police Inquiry has a unique importance as it provides elements of information to be worked on by the Public Prosecutor’s Office during the process, as well as assisting the magistrate when deciding on the conduct practiced, taking into account the need for that evidence is produced under the cover of contradictory and broad defense, with the exception of precautionary, anticipated and non-repeatable evidence.
Keywords: Police Inquiry. Rights and Guarantees. Criminal Persecution.
INTRODUÇÃO
A criminalidade é um fenômeno que assola a sociedade. Hodiernamente tem-se notícias de crimes sendo praticados, muitos deles com tamanha crueldade que repugnam e colocam em discussão se teriam pessoas capazes de praticar tamanha crueldade com outro ser humano e qual o motivo os levou a isso.
Visto que o crime deve ser repudiado, o Estado tem o dever de responsabilizar aqueles que vierem a delinquir, utilizando-se de seu aparato estatal para garantir que não haja impunidade e quem vier a praticar uma infração penal seja responsabilização conforme a legislação vigente.
Frente a essa obrigação a Constituição Federal instituiu órgãos de possuem a atribuição estatal de verificar todas as nuances que envolvem o crime, com foco principal na identificação de sua autoria e coleta de provas da materialidade para posterior atuação do Poder Judiciário na busca pela responsabilização.
Diante disso os dois principais órgãos, por assim dizer, são a Polícia Civil destinada a investigar os delitos de competência da Justiça Estadual e a Polícia Federal, atuante frente os delitos de competência da Justiça Federal, basicamente, possuindo ambas como meio de persecução penal principal o Inquérito Policial.
Dessa forma, é por meio desse instrumento que as Polícias elencadas deverão buscar solucionar os crimes ocorridos, produzindo provas para que o Poder Judiciário possa responsabilizar os culpados e tentar restaurar a paz social uma vez abalada.
Nesse toar, qual a importância do Inquérito Policial para a garantia de responsabilização do indivíduo que pratica a infração penal e para a persecução penal?
A HISTÓRIA SOBRE O INQUÉRITO POLICIAL
Desde o início do mundo civilizado as pessoas passaram a tentar adequar uma conduta praticada ao conceito de crime estabelecido, reconstruindo atos, verificando fatos e perseguindo autores de delitos para a aplicação de sanção.
Esse apontamento encontra-se em consonância com a afirmação apresentada por Norberto Avena quando leciona acerca do processo penal, relatando que:
Basta observar que, se uma pessoa realizar determinada conduta descrita em um tipo penal incriminador, a consequência desta prática será o surgimento para o Estado do poder-dever de aplicar-lhe a sanção correspondente. Essa aplicação não poderá ocorrer à revelia dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo, sendo necessária a existência de um instrumento que, voltado à busca da verdade real, possibilite ao imputado contrapor-se à pretensão estatal. (Avena, 2023, p. 2)
Nota-se que o processo penal representa o conjunto de regras empregado pelo Estado para realizar a responsabilização de um indivíduo que vier a praticar a conduta descrita na legislação como ilegal (tipo penal incriminador), garantindo para o acusado os direitos e meios de promoção de sua defesa.
Verificando a antiguidade, Breno Eduardo Campos Alves (Alves, 2020) indica passagens em textos que demonstram uma atuação em busca da responsabilização daquele que pratica um delito, como por exemplo: na mitologia grega com as Erínias, que representavam a vingança como formas naturais que perseguiam os criminosos, sem deixá-los em paz; já na mitologia nórdica o deus Odin teria através de uma investigação e inquirição dos suspeitos, descoberto toda a história que envolveu a morte do deus Kvasir, responsabilizando os culpados; na própria bíblia sagrada, a passagem acerca da proibição declarada por Deus em não consumir o fruto da árvore proibida demonstra o processo investigativo realizado para concluir no descumprimento da regra.
Não obstante, trazendo-se esse foco para o direito positivado, o Código de Hamurabi[4] faz menção acerca da possibilidade de responsabilizar o indivíduo que atribui autoria delitiva a outrem sem conseguir comprovar o fato, tendo como sanção a morte, questão que demonstra a seriedade que deve ter a investigação de um crime (Alves, 2020).
Quanto a investigação propriamente dita, Edilson Mougenot Bonfim (Bonfim, apud Melo, 2023) relembra que:
Os grandes estudiosos em suas obras trouxeram traços do que hoje seria o Inquérito Policial, como podemos ver ao longo da história. Entre os atenienses na Grécia Antiga, existia uma prática investigatória para apurar atos individuais ou familiares daqueles que eram eleitos magistrados. (BONFIM, 2010). Já entre os romanos, conhecidos como ‘inquisitio’ uma espécie de delegação de poderes feita pelo magistrado à vítima ou familiares para investigarem o crime. (BONFIM, 2010). Mais tarde o “inquisitivo” sofreu melhoras passando também poderes ao acusado para investigar e trazer elementos para inocentá-lo. (BONFIM, 2010). Tempos depois o estado avocou para si esse poder de investigação, passando esse poder aos agentes públicos (Melo, 2023)
Vislumbra-se que a investigação se materializa através do Inquérito Policial atualmente, sendo que no passado estava atrelado a atuação da vítima ou seus familiares, passando a ser possível também o acusado dos delitos a produzir provas de sua inocência e apenas após muito tempo que houve a avocação dessa atribuição para os agentes públicos.
Eliomar da Silva Pereira ao tratar do inquérito propriamente dito leciona que:
Essa forma jurídica se consolida entre fins do século XII e início do século XIII, especialmente com o IV Concilio Laterano (1215), ao passo que o poder político confisca o conflito penal, instituindo o inquérito como substituto do processo por duelos e outras provas não racionais. Suas fontes mais imediatas se encontram em antigos institutos jurídicos que se observam em certas práticas religiosas e administrativas da época merovíngia (sec. V-VIII) e carolíngia (sec. VIII-IX), cujos modelos de gestão espiritual e de bens viriam a ser o embrião do inquérito do processo inquisitório (Pereira, 2022, p. 39 – 40)
Observa-se que o Inquérito, portanto, representou a forma jurídica criada para confiscar ao Poder Público o monopólio do conflito penal, outrora resolvido pelos duelos e outros meios insensatos.
Ao transportar tal instituto para o Brasil, detectou-se que sua aparição deu-se apenas com a Lei n° 4.824, de 22/11/1871, tendo permanecido silente nas legislações anteriores, já que as Ordenações Filipinas de 1.603 tratava da investigação criminal com o nome de “devassa” e se resumia basicamente às audiências de testemunhas (Brandão Neto, 2009).
A legislação em comento possuía uma seção inteira destinada a melhor explicar o instituto, trazendo informações do art. 38 ao art. 44 sobre o tema, informando já em seu primeiro artigo mencionado, quem realizaria e com qual finalidade, como se verifica:
Art. 38. Os Chefes, Delegados e Subdelegados de Policia, logo que por qualquer meio lhes chegue a noticia de se ter praticado algum crime commum, procederão em seus districtos ás diligencias necessarias para verificação da existencia do mesmo crime, descobrimento de todas as suas circumstancias e dos delinquentes (Brasil, 1871)
Compreende-se dessa forma que os Chefes, Delegados e Subdelegados de Polícia em seus distritos deveriam realizar as diligências necessárias que envolviam o delito, suas circunstâncias e quem os teriam realizados, qualquer que fosse o meio que tivesse tomado conhecimento do fato.
Em relação denominação Inquérito Policial, Guilherme de Souza Nucci complementa que:
A denominação inquérito policial, no Brasil, surgiu com a edição da Lei 2.033, de 20 de setembro de 1871, regulamentada pelo Decreto- lei 4.824, de 22 de novembro de 1871, encontrando-se no art. 42 daquela Lei a seguinte definição: “O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices, e deve ser reduzido a instrumento escrito”. Passou a ser função da policia judiciária a sua elaboração. Apesar de seu nome ter sido mencionado pela primeira vez na referida lei 2.033/71, suas funções, que são da natureza do processo criminal, existem de longa data e tornaram-se especializadas com a aplicação efetiva do principio da separação da polícia e da judicatura. Portanto, já havia no Código de Processo Penal de 1832 alguns dispositivos sobre o procedimento informativo, mas não havia o nomen juris de inquérito policial (NUCCI, 2022, p. 45).
Destaca-se dessa forma que a terminologia teve seu surgimento com a norma em comento, a qual regulamentou a Lei n° 2.033/1871 e que, de certa forma, adequou os dispositivos das legislações antecedentes sobre procedimento informativo, passando a serem de sua titularidade.
Tendo por base tal fato o art. 42 apresentava com minucias alguns aspectos importantes do Inquérito Policial, quais sejam:
Art. 42. O inquerito policial consiste em todas as diligencias necessarias para o descobrimento dos factos criminosos, de suas circumstancias e dos seus autores e complices; e deve ser reduzido a instrumento escripto, observando-se nelle o seguinte:
1º Far-se-ha corpo de delicto, uma vez que o crime seja de natureza dos que deixam vestigios.
2º Dirigir-se-ha a autoridade policial com toda a promptidão ao lugar do delicto e ahi, além do exame do facto criminoso e de todas as suas circumstancias e descripção da localidade em que se deu, tratará com cuidado de investigar e colligir os indicies existentes e apprehender os instrumentos do crime e quaesquer objectos encontrados, lavrando-se de tudo auto assignado pela autoridade, peritos e duas testemunhas.
3º Interrogará o delinquente, que fôr preso em flagrante, e tomará logo as declarações juradas das pessoas ou escolta que o conduzirem e das que presenciarem o facto ou deite tiverem conhecimento.
4º Feito o corpo de delicto ou sem elle, quando não possa ter lugar, indagará quaes as testemunhas do crime as fará vir á sua presença, inquirindo-as sob juramento a respeito do facto e suas circumstancias e de seus autores ou complices. Estes depoimentos na mesma occasião serão escriptos resumidamente em um só termo, assignado pela autoridade, testemunhas e delinquente, quando preso em flagrante.
5º Poderá dar busca com as formalidades legaes para apprehensão das armas e instrumentos do crime e de quaesquer objectos á elle referentes; e desta diligencia se lavrará o competente auto.
6º Terminadas as diligencias e autuadas todas as peças, serão conclusas á autoridade que proferirá o seu despacho, no qual, recapitulando o que fôr averiguado, ordenará que o inquerito seja remettido, por intermedio do Juiz Municipal, ao Promotor Publico ou a quem suas vezes fizer; e na mesma occasião indicará as testemunhas mais idoneas, que por ventura ainda não tenham sido inqueridas.
Desta remessa dará immediatamente parte circumstanciada ao Juiz de Direito da comarca.
Nas comarcas especiaes a remessa será por intermedio do Juiz de Direito que tiver a jurisdicção criminal do districto, sem participação a outra autoridade.
7º Todas as diligencias relativas ao inquerito serão feitas no prazo improrogavel de cinco dias, com assistencia do indiciado delinquente, se estiver preso; podendo impugnar os depoimentos das testemunhas.
Poderá tambem impugnal-os nos crimes afiançaveis, se requerer sua admissão aos termos do inquerito:
8º Nos crimes, em que não tem lugar a acção publica, o inquerito feito a requerimento da parte interessada e reduzido a instrumento, ser-lhe-ha entregue para o uso que entender.
9º Para a notificação e comparecimento das testemunhas e mais diligencias do inquerito policial se observarão, no que fôr applicavel, as disposições que regulam o processo da formação da culpa (Brasil, 1871).
Como pode-se constatar com o presente artigo, muitas informações trazidas no texto legal ainda permanecem em uso, com suas necessárias adequações, atualmente, motivo pelo qual passa-se a questioná-los com maior ênfase alguns pontos.
CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E CARACTERÍSTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL
Conforme a legislação original explica, o Inquérito policial corresponde a todas as diligências necessárias para o descobrimento da infração penal, quem são os seus autores, se há cumplices e circunstâncias empregadas para o seu cometimento.
Essa conceituação encontra-se presente em várias doutrinas acerca do tema atualmente, como naquela descrita por Paulo Rangel:
Inquérito policial, assim, é um conjunto de atos praticados pela função executiva do Estado com o escopo de apurar a autoria e materialidade (nos crimes que deixam vestígios – delicta facti permanentis) de uma infração penal, dando ao Ministério Público elementos necessários que viabilizem o exercício da ação penal (Rangel, 2023, p. 88).
No mesmo sentido é a conceituação apregoada por Norberto Avena que explica:
Por inquérito policial compreende-se o conjunto de diligências realizadas pela autoridade policial para obtenção de elementos que apontem a autoria e comprovem a materialidade das infrações penais investigadas, permitindo ao Ministério Público (nos crimes de ação penal pública) e ao ofendido (nos crimes de ação penal privada) o oferecimento da denúncia e da queixa-crime (Avena, 2023, p. 135).
Constata-se assim que ambos os autores declaram o caráter administrativo da medida, vez que realizada pela autoridade policial, representante da função executiva do Estado, tendo como objetivo a colheita de elementos que demonstrem a autoria e materialidade da infração penal cometida e que encontra-se sendo investigada.
O caráter administrativo da medida representa a sua natureza jurídica, vez que corresponde a um procedimento administrativo pré-processual, devido ao sujeito e a natureza dos atos que realiza (Lopes Júnior, 2023, p. 55).
Diante da conceituação algumas características restam-se evidenciadas pelas doutrinas, pairando em sua maioria por ser: sigiloso; escrito; inquisitorial; oficiosidade; discricionariedade; oficialidade; e, indisponibilidade (Capez, 2022, p. 51 – 52; e, Avena, p. 142 – 149). Contudo alguns ainda acrescentam a prescindibilidade ou dispensabilidade, a ausência de ampla defesa e do contraditório, obrigatoriedade e a autoridade (Marcão, 2023).
Sendo assim, é importante ressaltar que o Inquérito Policial é sigiloso, pois busca a elucidação do fato, sendo que a divulgação das diligências a serem realizadas muitas vezes terão seu objetivo frustrado, alcançando até mesmo o advogado do acusado, o qual somente terá acesso aos elementos de prova já documentados, em respeito a súmula vinculante n° 14 (Rangel, 2023).
Também deverá ser escrito, fazendo com que todas as provas que vierem a ser produzidas durante a investigação sejam reduzidas a termo, independentemente se tenham sido fornecidas oralmente à autoridade policial (Piedade e Gomes, 2022, p. 46)
Quanto a ser inquisitivo ou inquisitorial, Fernando Capez leciona que:
Caracteriza-se como inquisitivo o procedimento em que as atividades persecutórias se concentram nas mãos de uma única autoridade, a qual, por isso, prescinde, para a sua atuação, da provocação de quem quer que seja, podendo e devendo agir de ofício, empreendendo, com discricionariedade, as atividades necessárias ao esclarecimento do crime e da sua autoria. (…) Evidenciam a natureza inquisitiva do procedimento o art. 107 do Código de Processo Penal, proibindo arguição de suspeição das autoridades policiais, e o art. 14, que permite à autoridade policial indeferir qualquer diligência requerida pelo ofendido ou indiciado (exceto o exame de corpo de delito, à vista do disposto no art. 184) (Capez, 2022, p. 52)
Compreende-se, portanto, que o caráter inquisitivo corresponde a busca persecutória realizada por uma única autoridade, que age de ofício com discricionariedade para empregar os meios que entender necessários ao caso, podendo negar pedidos e não ser declarado suspeito.
Em relação a oficiosidade, também tratada como obrigatoriedade por Edilson Mougenot Bonfim (2019), verifica-se ter dois aspectos, aquele ligado a obrigatoriedade da autoridade policial de instaurar o inquérito quando tomar conhecimento da prática delituosa e o de não poder promover o seu arquivamento, mesmo que entenda pela atipicidade da conduta ou não descubra seu autor. Para esse segundo aspecto Norberto Avena (2022) o denomina como sendo a característica da indisponibilidade.
No tocante a discricionariedade, já pincelada ao tratar do caráter inquisitivo, nota-se que a autoridade policial possui liberdade para realizar a sua investigação, podendo fazer uso dos meios que achar necessário, desde que dentro dos limites da lei, pois discricionariedade não é o mesmo que arbitrariedade (Rangel, 2023).
Ao tratar do assunto oficialidade, Renato Marcão (2023) leciona que o ato investigatório deverá ser realizado por um órgão estatal, sendo o único a produzir o Inquérito Policial, reflexo da retirada do poder de investigação outrora nas mãos das partes (vítima e possível autor).
Não apenas essas características principais e que mais se repetem na doutrina, mas há também a prescindibilidade ou dispensabilidade que indica não ser esse expediente imprescindível para o oferecimento da denúncia, podendo ser ela oferta diretamente, quando o Ministério Público já tiver elementos suficientes para a formação de sua opinio delicti. (Piedade e Gomes, 2022).
Renato Marcão (2023) acrescenta ainda como característica a ausência de ampla defesa e do contraditório, visto que ao não se ter uma acusação nessa fase e sim investigação, sendo inquisitório, não haveria o que se tratar esses princípios em sua plenitude, já que de forma bem básica é encontrado resquícios destes, por exemplo na manifestação de autodefesa, ao não ser obrigado a produzir provas contra si mesmo ou quando fica calado.
Não obstante ainda, Fernando Capez no tocante ao contraditório leciona que:
O único inquérito que admite o contraditório é o instaurado pela polícia federal, a pedido do Ministro da Justiça, visando à expulsão de estrangeiro, regulado pela Lei n. 13.445 (Lei de Migração), em seu art. 54 e seguintes. O contraditório, aliás, neste caso, é obrigatório. Por fim, destaca-se que não existe mais a figura do inquérito judicial para apuração de crimes falimentares, uma vez que Lei n. 11.101/2005 aboliu essa espécie de inquérito e, por conseguinte, não há contraditório nesse caso. (CAPEZ, p. 52)
Percebe-se assim que poderá ser permitido o contraditório (de forma ampla) no caso de ser instaurado Inquérito Policial destinado a expulsão de estrangeiro, não se tratando de uma faculdade, mas sim uma exigência legal.
Por fim, não buscando-se exaurir o tema, mas apresentando um apanhando geral com as características de maior recorrência, tem-se ainda aquela indicada por Edilson Mougenot Bonfim (2019) como sendo o caráter meramente informativo, declarando que:
Conquanto tenha por finalidade última possibilitar a punição daqueles que infringem a ordem penal, não se presta, em si mesmo, como instrumento punitivo, uma vez que não é idôneo a provocar manifestação jurisdicional. A pretensão punitiva pode apenas ser veiculada pela ação penal, que não pode ser exercida pela autoridade policial, como se viu. Os elementos de prova produzidos por meio do inquérito, portanto, servirão apenas para fundamentar a formação da convicção do órgão incumbido de exercer a ação penal (…). Exatamente por ser o inquérito policial peça meramente informativa, os vícios incorridos durante seu trâmite não contaminarão a ação penal ajuizada. As irregularidades presentes no inquérito não invalidam o processo, atingindo somente a eficácia do ato viciado. Assim, a título de exemplo, eventual vício na lavratura do auto de prisão em flagrante deverá tão somente redundar no relaxamento da prisão, e não na necessidade de que seja reconduzido o inquérito policial a partir desse ato (Bonfim, 2019, p. 175).
Vislumbra-se assim que o Inquérito Policial não tem condição de garantir a punição de alguém, já que os elementos de prova servem apenas para formar a convicção do responsável pela ação penal, quem seja, o Ministério Público, em sua grande maioria, fato esse que possibilita os vícios ocorridos não contaminarem a ação penal futura.
VALOR PROBATÓRIO DO INQUÉRITO POLICIAL
Com o decorrer da apresentação, chegou-se ao tema que necessita uma maior digressão sobre o assunto, já que envolve o tema central do presente artigo ao questionar-se o valor probatório do Inquérito Policial.
No tocante ao tema em testilha, Fernando Capez declara que:
O inquérito policial tem conteúdo informativo, tendo por finalidade fornecer ao Ministério Público ou ao ofendido, conforme a natureza da infração, os elementos necessários para a propositura da ação penal. No entanto, tem valor probatório, embora relativo, haja vista que os elementos de informação não são colhidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa, nem tampouco na presença do juiz de direito (Capez, 2022, p.52)
Vislumbra-se com a indicação apresentada que o Inquérito Policial ao não ter suas informações ali constantes colhidas sob a égide do contraditório e da ampla defesa, passa a ter seu valor probatório relativizado.
Esse também é o entendimento de Norberto Avena (2023), o qual ressalta que em se tratando de fase inquisitória e pré-processual em que não são preservadas as garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa, a relatividade do valor probante é medida que se impõe.
Nesse diapasão, o valor que a prova terá para o processo será verificado pelo magistrado nos moldes descritos no art. 155, caput do Código de Processo Penal, o qual versa que:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas (Brasil, 1941)
Percebe-se dessa maneira que poderá o magistrado aplicar valor aos elementos produzidos durante a investigação preliminar desde que venham a ser corroborados em juízo, ressalvando-se as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Em relação as provas ressalvadas, Antônio Sérgio Cordeiro Piedade e Ana Carolina Dal Ponte Aidar Gomes conceituam-nas da seguinte forma:
- as provas cautelares, aquelas que não poderão ser produzidas em momento posterior, sob pena de desaparecimento (ex.: vítima possui doença grave);
- as provas não repetíveis, as quais só poderão ser produzidas uma única vez, face a sua natureza (ex. laudo pericial atestando a presença de atos libidinosos); e
- as provas antecipadas, de sorte que no curso da ação penal poderão sobrevir intercorrências de caráter urgente que exigem o adiantamento na produção da prova, sob risco de perecimento (ex.: oitiva de testemunha presencial idosa) (Piedade e Gomes, 2022, p. 221).
Compreende-se assim que as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas correspondem as provas que acabam não sendo possíveis de ser reproduzidas durante o decorrer do processo, seja porque poderá desaparecer (no caso da cautelar), só existirá uma única vez (prova não repetível) ou ainda que o decorrer do tempo gerará o risco de seu perecimento (prova antecipada).
Edilson Mougenot Bonfim (2019) esclarece que essas provas terão um contraditório diferido, isto é, poderá o Acusado examiná-las e impugná-las no decorrer do processo, como se tivessem sido produzidas naquele momento.
Em decorrência dessa análise, Aury Lopes Junior (2023) preconiza a necessidade em distinguir, ainda, “atos de prova” de “atos de investigação”, também chamados de elementos de informação pela legislação pátria elencando alguns apontamentos, quais sejam:
Sobre os atos de prova, podemos afirmar que:
a) estão dirigidos a convencer o juiz da verdade de uma afirmação;
b) estão a serviço do processo e integram o processo penal;
c) dirigem-se a formar um juízo de certeza – tutela de segurança;
d) servem à sentença;
e) exigem estrita observância da publicidade, ampla defesa e contraditório efetivo;
f) são praticados ante o juiz que julgará o processo.
Substancialmente distintos, os atos de investigação (elementos informativos colhidos na investigação preliminar):
a) não se referem a uma afirmação, mas a uma hipótese;
b) estão a serviço da investigação preliminar, isto é, da fase pré-processual e para o cumprimento de seus objetivos;
c) servem para formar um juízo de probabilidade, e não de certeza;
d) não exigem estrita observância da publicidade, limitam o contraditório ao primeiro momento (informação) e restringem o direito de defesa (existe, mas limitado);
e) servem para a formação da opinio delicti do acusador;
f) não estão destinados à sentença, mas a demonstrar a probabilidade do fumus commissi delicti para justificar o processo (recebimento da ação penal) ou o não processo (arquivamento);
g) também servem de fundamento para decisões interlocutórias de imputação (indiciamento) e adoção de medidas cautelares pessoais, reais ou outras restrições de caráter provisional;
h) podem ser praticados pelo Ministério Público ou pela Polícia Judiciária (Lopes Júnior, 2023, p. 79).
Como pode-se constatar os atos de investigação são formulados em sede de Inquérito Policial, possuindo uma maior fragilidade quando comparados com os atos de prova, vez que o primeiro, forma um juízo de probabilidade apenas, enquanto que o segundo alcança um juízo de certeza.
Consagra ainda Aury Lopes Junior (Lopes Júnior, 2023, p. 79) que: “Seria um contrassenso outorgar maior valor a uma atividade realizada por um órgão administrativo, muitas vezes sem nenhum contraditório ou possibilidade de defesa e ainda sob o manto do segredo”.
Deste modo, Renato Marcão tem à seguinte conclusão acerca da utilização das provas para o processo penal, qual seja:
É juridicamente impossível a procedência de ação penal com base em prova colhida exclusivamente no inquérito. “A unilateralidade das investigações desenvolvidas pela polícia judiciária na fase preliminar da persecução penal (informatio delicti) e o caráter inquisitivo que assinala a atuação da autoridade policial não autorizam, sob pena de grave ofensa à garantia constitucional do contraditório e da plenitude de defesa, a formulação de decisão condenatória cujo único suporte seja a prova, não reproduzida em juízo, consubstanciada nas peças do inquérito” (Marcão, 2023, p. 59).
Coadunando do mesmo ponto de vista é a visão de Edilson Mougenot Bonfim, o qual assevera que:
No entanto, a maior parte da doutrina tende a negar a possibilidade de uma condenação lastreada tão somente em provas obtidas durante a investigação policial. Admitem, quando muito, que essas provas tenham natureza indiciária, sejam começos de prova, vale dizer, dados informativos que não permitem lastrear um juízo de certeza no espírito do julgador, mas de probabilidade, sujeitando-se a posterior confirmação. Isso porque sua admissão como elemento de prova implicaria infringência ao princípio do contraditório, estatuído em sede constitucional (Bonfim, 2019, p. 216 – 217).
Conclui-se com as assertivas que a condenação do Acusado, tendo por base unicamente os elementos de informação produzidos no Inquérito é impossível, vez que apenas possuem força para fomentar a opinio delicti do órgão ministerial já que não foram coletados sob o manto do contraditório e da ampla defesa.
Ainda mais incisivo é o posicionamento de Aury Lopes Junior (Lopes Júnior, 2023) o qual esclarece que esses atos apenas justificam o recebimento ou não da denúncia e complementa: “É patente a função endoprocedimental dos atos de investigação. Na sentença, só podem ser valorados os atos praticados no curso do processo penal, com plena observância de todas as garantias”.
O INQUÉRITO POLICIAL COMO FILTRO E SUA IMPORTÂNCIA PARA A PERSECUÇÃO PENAL
Tendo por base as informações já acostadas, percebe-se que o caderno investigatório representa um procedimento administrativo que busca elementos de prova da materialidade do delito ocorrido, bem como indícios suficientes da sua autoria.
Com isso o titular da ação penal poderá ingressar em juízo buscando a responsabilização criminal do indivíduo, além dos demais que com ele tenha concorrido para a consumação da infração penal.
De mais a mais, Aury Lopes Júnior descreve três fundamentos para a existência de uma investigação preliminar, a qual engloba o Inquérito Policial, são eles:
- Busca do fato oculto: o crime, na maior parte dos casos, é total ou parcialmente oculto e precisa ser investigado para atingir-se elementos suficientes de autoria e materialidade (fumus commissi delicti) para oferecimento da acusação ou justificação do pedido de arquivamento.
- Função simbólica: a visibilidade da atuação estatal investigatória contribui, no plano simbólico, para o restabelecimento da normalidade social abalada pelo crime, afastando o sentimento de impunidade.
- Filtro processual: a investigação preliminar serve como filtro processual para evitar acusações infundadas, seja porque despidas de lastro probatório suficiente, seja porque a conduta não é aparentemente criminosa. O processo penal é uma pena em si mesmo, pois não é possível processar sem punir e tampouco punir sem processar, pois, é gerador de estigmatização social e jurídica (etiquetamento) e sofrimento psíquico. Daí a necessidade de uma investigação preliminar para evitar processos sem suficiente fumus commissi delicti (Lopes Junior, p. 55).
Constata-se com isso a necessidade de sua existência, vez que tem o condão de demonstrar a atuação estatal frente ao cometimento de uma infração penal que tenha ocorrido, buscando-se os elementos suficientes de autoria e materialidade para evitar que se ocorra acusações infundadas que podem gerar estigmas ao Acusado.
O estigma apresentado é melhor trabalhado pela Criminologia, a qual instituiu a denominada Teoria do Etiquetamento, também chamado de Teoria da rotulação de criminosos ou Labelling Approach. Essa teoria representa a teoria sociológico criminal que reconhece na inserção do indivíduo no sistema punitivo como causadora de um estigma ou estigmatização, pois passa o mesmo a ser rotulado como bandido, causando a destruição de sua personalidade, passando a aceitar que aquele meio (presídio) e suas peculiaridades lhe são devidas (Gonzaga, 2023).
Compreende-se assim que o Inquérito Policial detém uma importância ímpar em sua realização já que atua como filtro processual, motivo pelo qual Renato Marcão preconiza que:
Observado seu caráter instrumental e sua natureza jurídica eminentemente administrativa, por meio do inquérito a autoridade deve buscar a mais ampla apuração dos fatos, sem excluir a priori qualquer das vertentes que indício ou prova apontar factível.
O inquérito deve buscar a verdade. Não se destina à apuração direcionada, com vistas à confirmação de uma tese ou intuição preconcebida a olhos turvos pela autoridade policial ou pelo Ministério Público em desconsideração ao todo; com desleixo em relação ao drama humano que uma imputação irresponsável de autoria delitiva desgraçadamente acarreta, de forma a ensejar violação ao princípio da dignidade da pessoa humana (Marcão, 2023. p. 54).
Nota-se que o Inquérito Policial tem como função a busca pela verdade, independentemente que seja ela favorável ou desfavorável ao Acusado, necessitando apurar todos os fatos sem excluir qualquer indício que mostrar-se factível.
No mesmo sentido é o posicionamento de Paulo Rangel, o qual prescreve que:
O Ministério Público tem o dever de exigir que a investigação seja feita pela polícia, que exerce a polícia de atividade judiciária dentro do devido processo legal, e, portanto, com respeito aos direitos e garantias individuais, colhendo as informações necessárias e verdadeiras, sejam a favor ou não do indiciado. O inquérito não é para apurar culpa, mas sim a verdade de um fato da vida que tem aparente tipificação penal (Rangel, 2023, p. 89).
Compreende-se assim que a autoridade policial detém uma enorme obrigação quando de sua atuação, pois não deve buscar a todo custo encontrar meios de impor a culpa ao indivíduo suspeito da prática do ilícito, mas sim analisar a realidade fática, seja ela benéfica ou maléfica ao suspeito.
Por sua vez, Renato Marcão reconhece como sendo uma característica do Inquérito a função asseguradora, indicando que:
Muito embora seja o inquérito dispensável e inquisitivo, sua existência tem embasamento garantista e função asseguradora para o Estado e para o indivíduo, na medida em que permite evitar, tanto quanto possível e ao menos em tese, a formalização de acusações injustas que se materializam com o ajuizamento de ações penais temerárias, fontes de indevida movimentação do Poder Judiciário e considerável drama humano.
(…)
A instauração do inquérito e as práticas investigativas a cargo da polícia judiciária estão delimitadas pela moldura da legalidade, de modo que essa submissão às regras democráticas do Estado de Direito termina por assegurar, ao menos em tese, menor possibilidade de ajuizamento de acusações infundadas, desacompanhadas de elementos de convicção (Marcão, 2023, p. 59)
Depreende-se assim o caráter assegurador que o Inquérito Policial possui, já que tem o condão de evitar ações penais temerárias e injustas, pois sua finalidade é a produção de elementos de prova acerca da verdade dos fatos.
Esclarece ainda Paulo Rangel acerca da necessidade do Inquérito Policial que:
A investigação criminal é feita, exatamente, para que se possam assegurar todos os direitos constitucionais do investigado. Ninguém, no Estado Democrático de Direito, quer ser acusado sem que haja, previamente, uma investigação séria sobre os fatos nos quais é apontado como suspeito. Trata-se de um mecanismo de proteção do indivíduo que para sua efetivação mister se faz uma mudança de mentalidade das autoridades policiais (e também dos membros do Ministério Público), ou seja, o papel da autoridade policial (e do promotor) não é lutar contra o indiciado como se fosse um malfeitor (por mais que o seja) que não tem conserto. Na democracia, ninguém pode ser acusado sem provas, e o inquérito policial é exatamente esse suporte de que se serve o Estado para proteger o indivíduo. (Rangel, 2023, p. 98)
Estabelece-se assim um propósito singular ao Inquérito Policial, o de figurar como mecanismo de proteção do indivíduo contra processo criminais que degradam a imagem desse ser humano frente a sociedade e ainda mais seu psicológico, sendo nessa etapa o momento apropriado para a busca de elementos de provas sobre o possível delito praticado.
Marcio Adriano Anselmo prescreve a importância do Inquérito Policial quando ressalta:
Embora seja recorrente na doutrina a expressão de que não se produz prova no inquérito policial, tal expressão apresenta-se falaciosa, uma vez que a quase totalidade dos elementos probatórios carreados às ações penais são identificados ou produzidos no curso da investigação criminal na fase pré processual, ou seja, no curso do inquérito. Ou seja, as tão conhecidas “operações policiais”, em sua grande maioria, não são nada além do que uma fase de um inquérito policial, destinada à arrecadação de provas e indícios de autoria e materialidade de infrações penais (Anselmo, 2016, p. 65).
Compreende-se dessa forma a importância do Inquérito Policial, já que a grande maioria das provas produzidas em seu bojo, sejam as de caráter antecipado ou que devem ser renovadas em juízo, são as responsáveis por fornecer conteúdo ao Ministério Público explorar durante o processo e dar estabilidade ao juízo no momento decisório.
Nessa senda é o posicionamento de Guilherme de Souza Nucci quando ensina que:
A polícia desenvolve suas atividades de modos diferenciados. Atua administrativamente, no interesse da sociedade, como garantidora da segurança pública, tanto de forma preventiva, como de forma repressiva. No entanto, ao desencadear o inquérito policial, preâmbulo necessário para dar justa causa à ação penal, não age exclusivamente no interesse do Poder Executivo, sustentando a segurança coletiva, mas, ao contrário, atua como auxiliar do Poder Judiciário e também do Ministério Público, para colher subsídios para eventual ação penal futura. Há provas que são realizadas definitivamente pela polícia judiciária, servido de sustentáculo a condenações no processo penal, razão pela qual deixam de ser atividade meramente administrativa, ganhando conotação jurisdicional. Não é por mera coincidência que o juiz acompanha, passo a passo, o desenvolvimento da investigação, inclusive dela participando ao deferi medidas cautelares de toda ordem (Nucci, 2022, p. 86).
Compreende-se assim que a Polícia, mesmo sendo um órgão do Poder Executivo, quando atua realizando o Inquérito Policial assume uma conotação jurisdicional já que seus atos servem de alicerce ao Ministério Público e ao Poder Judiciário na busca pela responsabilização criminal do autor de uma infração penal realizada.
Esse posicionamento encontra-se em sintonia com a legislação vigente, mais precisamente com a Lei n° 12.830/2013, a qual dispõe sobre a investigação criminal promovida pelo Delegado de Polícia e descreve em seu art. 2º caput que: “Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado (Brasil, 2013)”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer do presente artigo científico buscou-se desenvolver uma estruturação lógica que demonstrasse a importância que o Inquérito Policial possui para a persecução penal.
Para tanto fez-se necessário realizar um levantamento histórico, mesmo que limiar demonstrando que o ato de investigar remonta vários e vários anos atrás, estando até mesmo presente nas mitologias grega, nórdica e na própria bíblia, mas positivamente apenas foi encontrada essa terminologia na Lei 4.824/1871.
Em relação ao instituto propriamente dito, constatou-se que representa o conjunto de atos realizados pena autoridade policial, tendo como propósito a busca da verdade real acerca do evento delituoso, visando apurar a autoria e materialidade para que o detentor do direito de ação possa com os elementos colhidos promover a ação penal condizente.
Desta forma, restou-se comprovado que sua natureza jurídica corresponde a um procedimento administrativo pré-processual, possuindo diversas características importantes, tais como: ser sigiloso, pois caso haja publicidade as diligências restaram frustradas; ser inquisitivo ou inquisitorial, já que é realizado pela autoridade policial nos moldes e meios que ela decidir, respeitando-se o ordenamento jurídico; ter discricionariedade, isto é, o Delegado de Polícia detém autonomia para realizar os atos da maneira que bem entender; entre outros que são importantes para a colheita de elementos de informação.
Verificou-se também que o Inquérito possui valor probatório relativo, devido ao seu caráter inquisitório não permitir a aplicação dos princípios do contraditório e ampla defesa em sua totalidade, além do fato de que os atos praticados servem para formar um juízo de probabilidade, diferentemente da prova produzida na ação penal que forma um juízo de certeza.
Não obstante mesmo com essa relatividade, constatou-se que a investigação preliminar promovida através do Inquérito Policial evita que ações penais temerárias sejam realizadas, que estigmas seja encravados nos acusados a ponto de ferir seus psicológicos e suas personalidades.
Não fosse suficiente, concluiu-se que o Inquérito Policial possui uma importância singular, pois além de assegurar que não sejam realizadas, ao menos em tese, acusações injustas, acabam por fornecer elementos informativos importantes ao titular da ação penal, os quais quando bem trabalhados podem se transformar em provas capais de aplicar a justiça ao crime ocorrido, responsabilizando seu autor.
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[1]Brasileiro. Aluno do Curso de Direito da Faculdade Educacional de Medianeira – UDC Medianeira. Tecnólogo em Gestão de Serviços Jurídicos e Notariais pelo Centro Universitário Internacional Uninter. Currículo Lates disponível em: http://lattes.cnpq.br/9686265834463866. Endereço eletrônico: diegov.peterle@gmail.com.
[2]Brasileiro. Doutor em Direito pela Universidade de Marília – UNIMAR, Mestre em Direito Processual e Cidadania na Universidade Paranaense – UNIPAR, Especialização Latu Sensu pela Escola da Magistratura do Estado do Paraná, Especialização em Docência no Ensino Superior, Especialização em Gestão Pública e Graduação em Direito pela Universidade Paranaense. Advogado, e Professor da Faculdade Educacional de Medianeira – UDC/Medianeira. Currículo Lattes disponível em: http://lattes.cnpq.br/6140332452045032. Endereço eletrônico: marcelo@gubertepaz.com.
[3]Brasileiro. Bacharel em Direito pela UNIPAR Campus Cascavel. Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela UNIVEL – Cascavel. Mestre em Direito Público pela UNISINOS Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Professor de Direito Processual Civil I e Direito Processual Civil II UDC MEDIANEIRA. Advogado Público Municipal Cargo de Provimento Efetivo. Medianeira-PR. Currículo Lattes disponível em: http://lattes.cnpq.br/6832273502458195. Endereço eletrônico: sergiomittmann@udc.edu.br.
[4] O Código de Hamurabi corresponde ao mais antigo conjunto de regras positivadas, tendo em seu bojo 282 normas, cravadas em uma rocha de diorito, escrito pelo então Rei Hamurabi no século XVIII a.C. na Mesopotâmia.