MINORIAS PARLAMENTARES NAS CPIs DA CÂMARA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO (2009 – 2020): PARTICIPAÇÃO EFETIVA OU MERAMENTE FIGURATIVA?

MINORIAS PARLAMENTARES NAS CPIs DA CÂMARA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO (2009 – 2020): PARTICIPAÇÃO EFETIVA OU MERAMENTE FIGURATIVA?

30 de junho de 2024 Off Por Cognitio Juris

PARLIAMENTARY MINORITIES IN THE RIO DE JANEIRO MUNICIPAL CHAMBER’S PARLIAMENTARY COMMISSIONS OF INQUIRY (2009 – 2020): EFFECTIVE OR MERELY FIGURATIVE PARTICIPATION?

Artigo submetido em 18 de junho de 2024
Artigo aprovado em 26 de junho de 2024
Artigo publicado em 30 de junho de 2024

Cognitio Juris
Volume 14 – Número 55 – Junho de 2024
ISSN 2236-3009
Autor(es):
Thomaz Muylaert de Carvalho Britto[1]
Hugo Borsani[2]

RESUMO: O objeto de estudo do presente artigo são as Comissões Parlamentares de Inquérito – as CPIs – criadas pela Câmara dos Vereadores do Município do Rio de Janeiro a partir do recorte temporal de 2009 a 2022. Procura-se elucidar a dinâmica das forças políticas, de governo e de oposição, na constituição e no desenvolvimento das tarefas das CPIs no plano municipal. No artigo, questiona-se, principalmente, a influência desempenhada pelo Executivo municipal nessa dinâmica. As CPIs visam à investigação de fatos específicos pelo Poder Legislativo e fazem parte de um dos instrumentos institucionais da chamada accountability horizontal (ou inter-institucional) das democracias. A pesquisa está orientada pela perspectiva teórica institucionalista e, em particular, das instituições de controle político. A hipótese deste artigo consiste no entendimento de que as CPIs analisadas não permitem uma atuação efetiva das minorias parlamentares, integradas, sobretudo, pela oposição. Para tanto, a metodologia selecionada foi a análise de conteúdo, observando-se indicadores que auxiliassem na compreensão sobre a participação dos vereadores vinculados à oposição nas CPIs. Por fim, notou-se que as minorias parlamentares não conseguem exercer, de fato, o papel de fiscalização do Executivo municipal.

PALAVRAS-CHAVE: Comissões Parlamentares de Inquérito; Política Municipal; Accountability horizontal.

ABSTRACT: This essay studies the Parliamentary Commissions of Inquiry – the CPIs – created by Rio de Janeiro’s Chamber of Councilors from 2009 to 2022. This research wants to elucidate political forces’ dynamics, government and opposition, in the constitution and development of CPIs’ operations at the municipal level. This essay aims to analyze Executive’ influence in CPIs’ dynamic. The CPIs investigate specific facts by the Legislative Branch and are part of one of the institutional instruments of horizontal (or interinstitutional) accountability. The research is guided by the institutionalist theoretical perspective. The hypothesis of this research is that CPIs do not allow effective action by parliamentary minorities, made up, above all, by the opposition. To this end, the methodology sought was content analysis, observing indicators that helped to understand councilors’ participation linked to the opposition in the CPIs. Finally, it was noted that parliamentary minorities are unable, in fact, to exercise the oversight role of the municipal Executive.

KEY WORDS: Parliamentary Commissions of Inquiry. Municipal Politics. Horizontal Accountability.

  • Este artigo corresponde a um breve resumo de uma pesquisa de doutorado em Sociologia Política, englobando a instauração e implementação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) no âmbito municipal e, em particular, a relação entre o Executivo e o Legislativo nesse processo.

INTRODUÇÃO

As CPIs, Comissões Parlamentares de Inquérito, compõe o Poder Legislativo e, recorrentemente, investigam o Executivo. Ao mesmo tempo em que a Constituição Brasileira garante a participação das minorias parlamentares na etapa de criação dessas comissões, questiona-se, neste artigo, se elas, de fato, têm suas denúncias e reclamações consideradas e se os vereadores da oposição ao governo conseguem integrá-las.

O objeto de estudo são as CPIs criadas pela Câmara dos Vereadores do Município do Rio de Janeiro no período de 2009 a 2020, o qual inclui as quatro últimas legislaturas (2007-2010, 2011-2014, 2015-2018 e 2019-2022).

Esses períodos legislativos foram selecionados em razão da maior disponibilidade de acesso aos dados de pesquisa, e por corresponder a diferentes partidos e coalizões políticas no exercício do poder.

O problema de pesquisa, coluna dorsal deste artigo, contempla a seguinte indagação: As CPIs que, de acordo com a Constituição Brasileira de 1988, são instrumentos da minoria, funcionam, de fato, como mecanismos de controle de accountability? Em outras palavras, em que medida o Poder Executivo consegue desvirtuar o papel das CPIs de instrumentos de accountability na prática?

Trabalha-se, desse modo, com a hipótese de que as minorias parlamentares não conseguem, na maioria dos casos, exercer de forma efetiva sua função de fiscalização do governo, não conseguindo que seus reclamos ou denúncias prevaleçam no embate político com o Executivo e a base aliada nas CPIs municipais da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro no período estudado. Isso porque não conseguem ocupar, em regra, funções relevantes nessas comissões, limitando-se, pois, a um papel meramente figurativo.

AS CPIs NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

No texto constitucional, ocorre uma referência apenas às CPIs criadas no plano federal, seja pela Câmara dos Deputados, seja pelo Senado Federal ou, pelas duas Casas Legislativas conjuntamente[3]. O Supremo Tribunal Federal, reconhecido na Carta da República de 1988, como guardião da Constituição, procedeu a uma interpretação, em 2004, na Ação Cível Originária n0 730, que possibilitou a existência de CPIs no âmbito municipal. 

De acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, as CPIs visam à investigação de fatos específicos pelo Poder Legislativo mediante um prazo determinado. Essas comissões possibilitam a fiscalização desempenhada pelo Legislativo, porque têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. O art. 121, § 1º do Regimento Interno da Câmara Municipal do Rio de Janeiro determina que pode ser investigado “acontecimento ou situação de relevante interesse para a vida pública”.

As CPIs da Câmara Municipal do Rio de Janeiro compõem-se de cinco membros titulares. Segundo o Precedente Regimental[4] nº 20 dessa Casa Legislativa (RIO DE JANEIRO, 2001), o primeiro signatário do requerimento de criação da CPI é seu membro nato. As demais vagas são preenchidas pelo critério da proporcionalidade partidária, que se concretiza pela indicação das lideranças.

Apesar de as CPIs terem poderes de investigação, não se equiparam ao Ministério Público, uma vez que não são titulares da ação penal pública. Em outras palavras, não conseguem determinar a punição de um investigado. A Constituição da República de 1988 dispõe que as CPIs encaminharão suas investigações ao Ministério Público, o qual pode requerer a punição efetiva dos investigados que tenham praticado alguma conduta ímproba e/ou criminosa.

Ainda que as CPIs não tenham, de fato, a possibilidade de condenação dos investigados, o que depende do Judiciário e do Ministério Público, ela tem instrumentos constitucionais para a execução de seus propósitos. Isso significa que essas comissões podem determinar, por exemplo, a quebra de sigilo telefônico de um investigado. A Carta Política Brasileira, quando equipara os poderes investigatórios das CPIs aos do Judiciário, tem o fim de conceder maior executoriedade às deliberações dessas comissões. Isso porque, caso fosse facultativo o comparecimento, as CPIs não teriam qualquer prosseguimento e não chegariam a conclusões efetivas para a responsabilização de agentes envolvidos em práticas criminosas.

A função fiscalizatória das Comissões Parlamentares de Inquérito trata do chamado controle parlamentar, que se propõe à análise de aspectos administrativos e financeiros. Ou seja, no desempenho da função fiscalizatória, essas comissões poderão investigar objetos relacionados à gestão do bem público e às contas públicas. No Brasil, as CPIs podem encaminhar suas conclusões ao Ministério Público com o propósito de responsabilização. Apesar de a Constituição versar, em seu texto, apenas a respeito do Ministério Público, é possível a conclusão de que outros organismos administrativos podem ser notificados quanto ao relatório final advindo das investigações conduzidas pelas CPIs (MORAES, 1999, p. 519).

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Uma das reflexões deste ensaio consiste na de que as CPIs fazem parte de um dos instrumentos institucionais da chamada accountability[5] horizontal (ou inter-institucional[6]) das democracias.

Accountability é o termo em inglês frequentemente utilizado na literatura para se referir à responsabilização de agentes públicos. Em um ambiente democrático, os agentes públicos que exercem funções de governo são avaliados e chamados para justificar suas atividades e condutas tanto pelos eleitores na instância eleitoral seguinte, a chamada accountability vertical, quanto por instituições de controle que estão em um nível hierárquico similar, como o Legislativo ou o Judiciário, a chamada accountability horizontal (SCHMITTER, 2007, p. 4/5).

O conceito de accountability supõe a responsabilização dos agentes públicos e deveria permitir, assim, a atribuição de sanções por parte dos fiscalizadores sua função. Os eleitores têm, por meio do voto, a capacidade de premiar o governo com a reeleição do partido ou coalizão no poder, ou de sancionar o governo com uma derrota nas urnas e escolhendo uma opção de oposição. Da mesma forma, as instituições responsáveis pela accountability horizontal (ou interinstitucional)[7] requerem de atribuições legais que permitam aplicar sanções no caso de ilícitos ou abusos de poder por parte dos agentes públicos, em particular aqueles que exercem o governo.

Para Benevides (1996, p. 231), a responsabilidade pode ser entendida a partir de dois ângulos:

Em política, o termo responsabilidade tem dois significados, melhor compreensíveis na língua inglesa: accountability e responsibility. O primeiro termo significa o dever de prestar contas, englobando todos os mandatários, isto é, os que exercem o poder em nome de outrem, do presidente da República ao funcionário mais simples, desde que no exercício do mandato; o segundo termo significa a sujeição de todos, governantes ou governados, ao rigor das sanções legalmente previstas.

O estudo da accountability, para além de um viés conceitual, visa à compreensão sobre a efetiva responsabilização dos agentes públicos. Assim, a importância do seu estudo não se resume a uma discussão sobre seus possíveis conceitos, devendo prezar pela análise da efetividade de seus mecanismos, ou seja, se conseguem atingir a realidade (CAMPOS, 1990, p. 30/31).

Para Xavier (2014, p. 30), a accountability se relaciona ao poder político e ao controle de abusos em seu exercício. A accountability busca, portanto, a responsabilização das pessoas que desempenham alguma função no poder público. Essa responsabilização deve ser constante para que haja uma correspondência entre uma conduta praticada e a resposta trazida pelos instrumentos de controle do poder político.

Os detentores de poder, a partir da presente perspectiva, devem respostas à sociedade como um todo sobre as suas decisões. Além de respostas ao eleitorado, precisam justificar suas condutas diante de outras instituições integradas por cidadãos eleitos pelo voto ou designados. Embora os conceitos de accountability sejam variados, a depender do ângulo sob o qual se examina, associam-se, em geral, à importância de as contas serem prestadas pelos gestores públicos. Essas contas não concernem, unicamente, a um aspecto literal, mas abrangem atos dissociados de aspectos meramente financeiros e contábeis.

Conforme Buta, Teixeira e Schurgelies (2018, p. 50) defendem, “Accountability, portanto, pode ser entendida por meio desse conceito tridimensional que envolve transparência, prestação de contas e responsabilização em um processo contínuo”. A transparência tem o escopo de divulgação dos dados públicos, como por exemplo, a divulgação da remuneração dos servidores públicos em sítios eletrônicos.

As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) foram instituídas, historicamente, com base em costumes ou por meio da positivação de regras no texto constitucional. As atribuições dessas comissões são mencionadas genericamente, isto é, não ocorre, na prática, uma delimitação a respeito das incumbências dos referidos órgãos, porquanto se pretende que tenham uma atuação abrangente no âmbito fiscalizatório.

Quanto ao viés histórico das CPIs, compreende-se que tiveram início no século XVI, havendo uma proveniência do sistema parlamentarista na Inglaterra. O parlamentarismo inglês é conhecido por um acentuado desenvolvimento das funções legislativas. Inicialmente, essas comissões visavam à investigação de fatos eleitorais, tendo, posteriormente, obtido avanços em termos de amplitude de seus propósitos (ZOUAIN, 2011, p. 388). Em Portugal sua origem foi em 1838, período no qual poucas ferramentas de investigação parlamentar eram observadas em outros Estados soberanos (MIRANDA, 2007, p. 163).

No que se refere ao cenário brasileiro de adoção das Comissões Parlamentares de Inquérito, é válida a compreensão de que a Constituição de 1934 foi inédita no sentido de positivação de um órgão do Poder Legislativo com intuito de investigação. O inquérito, em si, demonstra o direito de investigação a ser desempenhado pelos parlamentares.

A Constituição de 1934, em seu artigo 36, utilizou a nomenclatura “Comissões de Inquérito” e atribuiu a responsabilidade por sua criação somente à Câmara dos Deputados. Sujeitou, ainda, a abertura das comissões ao requerimento da terça parte dos membros da Câmara e abordou a aplicação de normas de processo penal enunciadas no Regimento Interno. Dessa forma, identifica-se um ambiente ainda embrionário a respeito das CPIs, tendo sido a legitimidade atribuída a apenas uma Casa Legislativa. A Constituição de 1934, influenciada pelos Estados Unidos da América, previu, portanto, um instituto já consolidado em território norte-americano. Não ocorreu, ainda, uma delimitação temporal expressa a respeito da duração das CPIs.

O conceito das CPIs confunde-se com suas funções, porque, a partir de suas finalidades, depreende-se sua caracterização perante o ordenamento jurídico. O controle capitaneado por essas comissões permite uma investigação, sobretudo, afeta aos atos do Poder Executivo, podendo, inclusive, contemplar atos praticados pela administração indireta, como as autarquias, as fundações públicas de direito público, as agências reguladoras, as agências executivas, as sociedades de economia mista e as empresas públicas. Quando se questiona, em determinada situação fática, a legitimidade da atuação das CPIs, faz-se importante a averiguação do tema investigado pelo organismo legislativo. O assunto, que é objeto de investigação, deve ter pertinência com as atribuições da Casa Legislativa (BARROSO, 1999, p. 101).

Mediante tais relatos doutrinários, é possível a conceituação das Comissões Parlamentares de Inquérito enquanto órgãos do Poder Legislativo responsáveis pela investigação de fatos determinados em um período temporal específico. Em outras palavras, são organismos ou órgãos, na medida em que não é formada uma nova pessoa jurídica para cada comissão e, por isso, não são conceituadas como entidades. Além disso, integram o Poder Legislativo, um dos Poderes da República Federativa do Brasil, responsabilizando-se pela função típica de investigação e fiscalização.

Prioritariamente, as CPIs investigam fatos determinados e relacionados ao Poder Executivo. A gestão dos bens públicos e a administração dos recursos públicos são temáticas de interesse, não apenas do Executivo, como também dos demais Poderes, quais sejam, o Legislativo e o Judiciário. Montesquieu (2000, p. 197), no clássico “O Espírito das Leis”, manifesta sua intenção de pesquisa sobre os três poderes, aduzindo que “gostaria de pesquisas, em todos os governos moderados que conhecemos, qual é a distribuição dos três poderes e através disso calcular os graus de liberdade de que cada um pode gozar”.

De forma semelhante a Montesquieu, nos Artigos Federalistas, Madison ressalta a necessidade do sistema de freios e contrapesos, o denominado “checks and balances”, porque todo governo precisa ser controlado (artigo 51). Um Estado, marcado pelas funções legislativa, jurisdicional e executiva, deve apresentar previsões constitucionais com o intuito de preservação das instituições políticas. Como explicitado em uma das mais célebres passagens dos Artigos Federalistas: “se os homens fossem naturalmente bons, o governo não seria essencial”.

A função típica de investigação constitui um mecanismo oriundo do sistema de freios e contrapesos, visto que o controle recíproco se revela como uma ferramenta de análise sobre a existência de possível abuso de poder, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pelo excesso de poder.

METODOLOGIA E ANÁLISE

A metodologia utilizada foi a análise de conteúdo de Bardin (1977), visto que foram criados códigos e categorias a partir de temas identificados a partir da pesquisa. Por exemplo, para definir se um vereador pertence à “oposição” ou ao “governo”, que são categorias, adotaram-se quatro indicadores. Cada indicador representava um código de “proximidade com o governo” ou “proximidade com a oposição”. Para que determinado vereador fosse inserido na categoria “governo” ou “oposição”, definimos que deveria apresentar, no mínimo, dois códigos convergentes.

As unidades de registro, na terminologia usada por Bardin, podem ser localizadas como o mecanismo facilitador da contagem. No presente artigo a unidade de registro é o tema da CPI. Os temas das CPIs foram identificados na análise de documentos, permitindo a análise de sua frequência, ou seja, de sua repetição. A autora sustenta que “fazer uma análise temática consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem a comunicação e cuja presença, ou frequência de aparição podem significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido” (BARDIN, 1977, p. 105).

Para a seleção dos temas, foram consideradas as ementas de cada CPI. Quando a informação era insuficiente observou-se o art. 1º da resolução que criou a CPI, o qual explica, com mais profundidade, de que se trata seu objeto, assim como o requerimento de instauração das CPIs, acompanhado de sua justificativa.

Para a codificação do pertencimento de um vereador ao governo ou à oposição foram utilizados selecionados quatro indicadores (ou unidades de registro):

  1. Votação do vereador em relação a possíveis pedidos de impeachment ocorridos durante o mandato do Prefeito correspondente à legislatura examinada. Assim, caso o vereador tenha votado favoravelmente ao impeachment, haverá o código “proximidade da oposição” e, caso tenha votado contrariamente, ocorrerá o código “proximidade do governo”.
  2. Partido político do vereador e a verificação se o partido integrou a coalizão eleitoral que apoiou o prefeito.
  3. Notícias da imprensa, tanto sobre os partidos políticos e suas reorganizações no decorrer do mandato, quanto as manifestações dos vereadores. Procedeu-se pela pesquisa na plataforma Google do nome do vereador seguido do nome do prefeito à época. Por exemplo, “Felipe Michel Crivella”. Isso porque, mesmo que o vereador integrasse a oposição, haveria a localização dessa informação a partir do nome do prefeito. Em outras palavras, poderia ser encontrada a manchete “Felipe Michel continua oposição a Crivella”.
  4. Publicações no atual “X” (antigo Twitter). Adotou-se a ferramenta “busca avançada” na plataforma em questão, digitando-se o intervalo de tempo em que abrangida a CPI e sendo verificada a presença de alguma publicação que indicasse o apoio ou a crítica do vereador em relação ao prefeito. Por exemplo, se o vereador apresentou uma publicação criticando abertamente a gestão do prefeito e sua omissão em relação à saúde e à educação, nota-se um indicador de que pertence à oposição.

Em caso de dúvida sobre a classificação de um vereador como sendo da oposição ou do governo, foi priorizada a ordem sequencial apresentada dos códigos provenientes dos indicadores acima numerados. Por exemplo, se um vereador tinha dois indicadores como próximo ao governo e dois indicadores como próximo à oposição, para uma definição, observou-se, em primeiro lugar, se tinha votado a favor ou contra impeachment do prefeito. Se o vereador não tinha definido o voto ou esteve ausente na votação, observou-se o partido ou coalizão eleitoral. O resultado conclusivo para o fim de classificação em “oposição” ou “governo” foi a soma dos códigos decorrentes de cada unidade de registro. 

No período analisado (2009 a 2020), a média da oposição nas CPIs corresponde a 36,6%. É evidente que a mencionada porcentagem tem pouco poder de decisão nas CPIs, porque, o governo, por outro lado, apresenta uma média de 63,4% de presença nas comissões nas três legislaturas incluídas no período.

Destaca-se, ainda, que, apesar da previsão na Constituição da República sobre a proteção ao direito das minorias parlamentares de instauração das CPIs, não se tem visto, na prática, sua participação efetiva no decorrer das atividades dessas comissões. Dessa maneira, a Constituição não obtém uma produção adequada de seus efeitos na realidade quando dispõe que o requerimento de um terço dos parlamentares pode criar uma CPI.

Por exemplo, no ano de 2018, a vereadora Teresa Bergher (eleita pela coalisão entre os partidos CIDADANIA e PSDB), em publicação no seu sítio eletrônico, questionou o relatório proferido por Thiago K. Ribeiro na CPI 1447, o qual isentou o prefeito Crivella de responsabilidade acerca dos atos investigados:

PIZZA NOVAMENTE?? Depois de oito meses de trabalho, chega ao fim a CPI da COMLURB, criada e presidida por mim. Ficou mais que comprovado o uso da máquina pública na campanha de Crivelinha, filho do prefeito Marcelo Crivella. Fiz um trabalho correto e imparcial, que não permitirei que seja engavetado. Como o relatório do vereador Thiago K Ribeiro isenta o prefeito, com o que não concordo de jeito algum, vou apresentar o meu voto em separado e encaminhá-lo ao TCM, MP Estadual e MP Federal (BERGHER, 2019).

Pela análise da posição dos presidentes das CPIs, percebeu-se que houve equivalência entre a oposição e o governo, com 47% para cada categoria. Notou-se, dessa forma, que a figura do presidente não se revela importante para a averiguação da participação da oposição nas comissões, pois a tendência é a de que o primeiro signatário seja confirmado como presidente, pertencendo à base do governo ou da oposição.

O ator político decisivo na composição, andamento e resultado de uma CPI é o encarregado da relatoria. Ao relator da CPI concerne à compilação das conclusões no relatório final. No relatório, constam a metodologia, os prazos, o funcionamento, o resumo das reuniões e diligências, as conclusões e os encaminhamentos. A escolha do presidente e do relator acontecem pela maioria dos membros presentes da CPI.

Em todos os períodos legislativos examinados, a relatoria da CPI correspondeu, prioritariamente, à base aliada do prefeito. A média de pertencimento do relator ao governo foi de 60%, enquanto a média da oposição consistiu em 35%. Infere-se, dessa maneira, que o interesse maior do Executivo se volta à função de relator. Essa conclusão não significa que o papel de presidente seja tratado como secundário, mas, como a regra é a de que o primeiro signatário seja o presidente, a margem de intervenção do Executivo torna-se mais viável no tocante à relatoria. Como a composição da CPI acaba tendo maioria aliada, em razão dos critérios de proporcionalidade partidária e indicação de lideranças partidárias, tendo em vista o já mencionado Precedente Regimental nº 20 da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, a relatoria é outorgada, na maioria dos casos, a um vereador pertencente à base política do prefeito.

CONCLUSÃO

A conclusão do presente artigo é que as CPIs não conseguem concretizar a representatividade das minorias parlamentares na prática. Mesmo que a Constituição preveja a possibilidade de participação dessas minorias no sentido de criação da comissão, elas não têm condições de se fazer ouvir na composição e no desenvolvimento das CPIs por ficarem em minoria, a maioria das vezes, prejudicando sua razão principal: a investigação e a responsabilização, esteios da accountability horizontal.

Assim, as minorias parlamentares na Câmara Municipal do Rio de Janeiro permanecem à margem das deliberações e do relatório final, devido a seu reduzido número na composição das comissões.

Além disso, o papel de relator, tido como crucial para o direcionamento dos trabalhos das comissões, acaba tendo predominância de vereadores da base aliada do prefeito, o que endossa o domínio do governo nas CPIs.

A participação das minorias parlamentares nos trabalhos das CPIs não se denota efetivo porque suas reclamações e denúncias não consegue prevalecer na maioria dos casos, dificultando sancionar os agentes públicos com responsabilidades no Executivo municipal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] Doutorando em Sociologia Política pela UENF. Mestre em Direito Constitucional pela UFF. E-mail: thomazbritto@pq.uenf.br.

[2] Professor da UENF. Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ (atual IESP/UERJ). E-mail: hugobor1@gmail.com.

[3] No caso de criação conjunta de uma CPI pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, a nomenclatura utilizada é CPMI, isto é, Comissão Parlamentar Mista de Inquérito.

[4] Precedente Regimental é uma decisão tomada pela Câmara Municipal por diversas vezes, tornando-se uma rotina administrativa.

[5] Controle, fiscalização.

[6] Termo utilizado por Morlino (2005).

[7] Morlino, 2005.